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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O impasse como saída

É preciso que as ações parlamentares obedeçam a uma lógica que não seja a da troca de favores

No momento em que temos exemplos pelo mundo de impasses entre Executivo e Legislativo, como os casos dos Estados Unidos com o muro da discórdia na fronteira do México, ou da Inglaterra com o Brexit, é bom revisitar a palestra de Antonin Scalia, um dos mais conservadores e respeitados juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos, morto há dois anos, sobre a importância da separação dos Poderes.

No Brasil também estamos às voltas com a disputa na definição dos presidentes da Câmara e do Senado, como sempre desejosos de que o Legislativo tenha à frente algum político que apoie as reformas que o Executivo pretende enviar ao Congresso, especialmente a da Previdência. Pois Scalia considerava que a força da democracia americana está justamente na contraposição do Legislativo e do Executivo, a política docheck and balances”, peso e contrapeso.

Scalia achava que quando havia, como agora, um shut down do governo devido a um impasse, os cidadãos deviam vibrar, pois era a democracia agindo. Nessa palestra no Congresso, Scalia contou que quando se reunia com estudantes de Direito, perguntava sempre: Qual a razão da América ser um país tão livre? O que existe em nossa Constituição que nos torna o que somos?
A resposta mais frequente, ele garantiu, será “liberdade de expressão” ou “liberdade de imprensa”. “E eu lhes digo: se vocês acham que a Carta de Direitos é o que nos diferencia, vocês estão malucos. Qualquer República de Bananas tem uma Carta de Direitos. Todo ditador tem”.

Ele citou, com ironia, a Carta de Direitos da antiga União Soviética, “que era até melhor que a nossa. Estava dito lá literalmente que qualquer um que for apanhado tentando restringir as liberdades individuais será processado por isso”. Mas eram apenas palavras no papel, ressaltou Scalia, porque a Constituição da União Soviética não evitava a centralização do poder em uma pessoa ou em um partido. “Eram garantias de papel”.

O verdadeiro segredo é a estrutura de nosso governo, afirmava. Nessa estrutura ele destacava, além do óbvio sistema judiciário independente, o sistema bicameral no Legislativo, “que poucos países no mundo têm. Inglaterra tem a Câmara dos Lordes, mas ela não tem poder substancial, só pode fazer com que a Câmara dos Comuns vote uma segunda vez. França e Itália têm um Senado, mas são honoríficos. Poucos países têm duas câmaras legislativas igualmente poderosas” ressaltou Scalia. Nos países parlamentaristas, ele definiu o Poder Executivo como “uma criatura do Legislativo”, dizendo que não tentam separar os Poderes. “Então não há discordâncias entre Executivo e Legislativo, como vocês têm com o presidente. Se houver discordância, eles simplesmente tiram o primeiro-ministro e colocam outro no lugar”.

Scalia passou a ironizar a postura dos europeus diante da separação de Poderes: “Os europeus olham para o nosso sistema e dizem: um projeto passa em uma Casa e não passa na outra. E mesmo que passe nas duas, o presidente tem poder de veto. Isso gera um impasse”.  Pois Scalia achava que os “pais fundadores” diriam que era isso mesmo que queriam, que esses Poderes entrassem em contradição. Ele classificou o gridlock (impasse), como o que atinge o governo dos Estados Unidos no momento, com a administração pública praticamente parada porque o Legislativo se recusa a dar verba para a construção do muro na fronteira do México, como a maior proteção das minorias. “No dia em que os americanos valorizarem o impasse, compreenderão por que nosso sistema de governo é tão bom”. Transpondo esses comentários para o nosso caso, temos um sistema bicameral que funciona como equilíbrio da democracia, com o Legislativo podendo barrar iniciativas do Executivo ou cada
uma das Casas com poder de obstruir os trabalhos, como proteção das minorias.

Nem Senado nem Câmara são Poderes honoríficos, e cada um entre si pode interferir na decisão do outro. Só o que precisamos é que as ações parlamentares obedeçam a uma lógica que não seja de troca de favores, e até mesmo a oposição, diante da evidência de que elas são imprescindíveis, deveria participar dos debates sobre as reformas com propostas alternativas às do governo, e não atuar na base do quanto pior, melhor.

Merval Pereira - O Globo

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Meia-volta, volver!

“A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos, mas é  principal parceiro para a nossa indústria”

O encontro do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Argentina, Mauricio Macri, serviu para reposicionar o novo governo em relação ao Mercosul. Foi uma espécie de “meia-volta, volver!”, depois das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, logo após as eleições, de que as relações comerciais do Brasil com os vizinhos do Cone Sul não eram uma prioridade. Guedes chegou a contextualizar o comentário de maneira a desdizer seu significado, mas foi preciso o encontro de ontem para que as coisas ficassem realmente mais claras, principalmente para os vizinhos. Bolsonaro e Macri acertaram trabalhar conjuntamente para fortalecer o bloco sul-americano. O ministro Paulo Guedes, nas conversas com os argentinos, procurou desfazer a imagem de que estava de costas para o Mercosul. A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos, mas é  principal parceiro para a nossa indústria.

Isso significa que tudo ficará como dantes? Não, diplomatas do Brasil e Argentina discutiram mudanças nas regras do Mercosul que proíbem os países-membros de negociarem separadamente acordos de livre comércio com outros países. No caso brasileiro, Bolsonaro quer enxugar os encargos do Mercosul, reduzir tarifas e burocracia. Abre-se a possibilidade de avanços nas conversas com a União Europeia. Além disso, Paraguai e o Uruguai desejam fazer seus acordos bilaterais. O patinho feio do Mercosul é a Venezuela, que foi outro assunto abordado no encontro. Nesse caso, a afinação entre Bolsonaro e Macri é total: ambos pretendem endurecer o jogo ainda mais com o presidente do país vizinho, Nicolás Maduro, que assumiu novo mandato de seis anos e é considerado um ditador pela maioria dos países do continente.

Macri foi o mais enfático nos ataques a Maduro. Ressaltou que Argentina e Brasil reconhecem apenas a Assembleia Nacional da Venezuela, que é comandada pela oposição e considera Maduro um usurpador. “Reafirmamos nossa condenação à ditadura de Nicolás Maduro. Não aceitamos esse escárnio com a democracia, e, menos ainda, a tentativa de vitimização de quem na verdade é o algoz”, disse Macri. Bolsonaro foi mais comedido em relação a Maduro, mas reiterou que Brasil e Argentina jogarão juntos no caso da Venezuela: “Nossa cooperação na questão da Venezuela é o exemplo mais claro do momento. As conversas de hoje (ontem) com o presidente Macri só fazem reforçar minha convicção de que o relacionamento entre Brasil e Argentina seguirá avançando no rumo certo: o rumo da democracia, da liberdade, da segurança e do desenvolvimento”, disse.

Recessão
O fato de o Brasil e a Argentina terem governos ultraliberais tem um peso específico no continente, mas há uma variável imponderável: ao contrário de Bolsonaro, que acabou de assumir o governo, Macri está terminando seu mandato, em meio a um tremendo fracasso econômico. Os preços na Argentina subiram 2,6% em dezembro, com inflação anual de 2018 em 47,6%, a maior desde 1991. A meta de inflação de 23% em 2019, já considerada muito alta, dificilmente será alcançada, num ano de eleições presidenciais, nas quais Macri ainda pretende disputar a reeleição.

Com os preços descontrolados, o Banco Central argentino fez um ajuste duríssimo, com juros de até 70% e retirada de pesos do mercado. O dólar estabilizou em 37 pesos, mas a economia está em recessão: 2,5% em 2018; previsão de 2%, em 2019. Macri terá dificuldades para manter esse ajuste, quando nada porque os salários sofreram uma perda de poder de compra próxima a 10%, a maior desde 2002. Até o FMI prevê dificuldades para manter o ajuste, cujas projeções apontam que somente em 2024 os argentinos conseguirão recuperar o nível de vida de 2017. Será difícil para Macri resistir às pressões dos sindicatos por aumentos de salários e manter o acordo feito com o FMI.

À deriva
A propósito, a Inglaterra nunca esteve tão à deriva. Conservadores britânicos e unionistas da Irlanda do Norte salvaram a primeira-ministra Theresa May, derrotando por apenas 19 votos a moção de desconfiança apresentada pelos trabalhistas para evitar que o líder da oposição, Jeremy Corbyn, a substituísse, depois de a maioria esmagadora do parlamento do Reino Unido ter rejeitado o acordo de saída da União Europeia. O Brexit continua um salto no escuro, porque a primeira-ministra ainda não tem um plano B.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

sábado, 20 de outubro de 2018

A segurança que garante o sigilo das redes de desinformação no WhatsApp

Aplicativo usa criptografia de ponta a ponta, que não pode ser quebrada

O WhatsApp se transformou num dos principais atores desta eleição, servindo de plataforma para a difusão de informações e, sobretudo, notícias falsas para milhões de eleitores. Em grupos fechados, quase secretos, circulam memes, vídeos e áudios, que depois, sem qualquer checagem, emergem em outras redes sociais e nas rodas de conversa entre amigos e familiares. Essa campanha de desinformação, que esteve fora do radar de analistas, se aproveita da segurança criptográfica do aplicativo e da capilaridade das redes. 

Após os escândalos de espionagem revelados por Edward Snowden, a indústria de tecnologia precisou rever seus padrões de segurança. O WhatsApp resolveu adotar a criptografia ponta-a-ponta. Cada conversa possui um código próprio de segurança, fazendo com que a mensagem seja criptografada no momento em que sai do celular do remetente e só possa ser aberta no celular do receptor. Nem mesmo a companhia tem acesso ao conteúdo trocado.
"Na eleição americana de 2016 e no Brexit, o Facebook foi a plataforma escolhida para a campanha de desinformação com anúncios direcionados. Para a eleição brasileira, eles se prepararam, removeram páginas e perfis usados por esses grupos, e o WhatsApp virou o escape ideal", explica o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Carlos Affonso. 

"Uma plataforma criada para a comunicação interpessoal foi “hackeada” para funcionar como uma rede de broadcast, de um para muitos, com pouquíssimo diálogo, conceito de viralização e reprodução em larga escala de conteúdos que se repetem."
O pouco entendimento sobre o que está acontecendo gerou medidas extremas, como o pedido do PSOL, depois retirado, de suspensão do aplicativo até o segundo turno da eleição. Em anos recentes, a Justiça determinou a suspensão das operações do WhatsApp no país em algumas oportunidades por informações que a companhia não armazena, dado o sistema de criptografia implementado. Na última delas, em 2016, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, restabeleceu o uso do aplicativo e considerou que a medida feria a liberdade de comunicação. 


Mas a pouco mais de uma semana da eleição, existe uma corrida contra o tempo para minimizar os impactos do WhatsApp na escolha dos eleitores. Na quinta-feira, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou que empresários estariam bancando, de maneira supostamente ilegal, contratos com agências que fazem disparos em massa de mensagens pela plataforma, a fim de beneficiar o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, e atacar o PT de Fernando Haddad. 

Para Carlos Affonso, o risco está nas soluções “8 ou 80”. Quebrar a criptografia para vasculhar o que anda se falando na plataforma não é viável, mas lavar as mãos e eximir o WhatsApp de culpa também não é o ideal. De acordo com o especialista, eleitores, partidos e candidatos e a companhia precisam assumir responsabilidades e buscar soluções.
Os eleitores, diz Carlos Affonso, devem assumir o dever “quase cívico” de ser um “agente contra a desinformação”.
"Por mais penoso que seja, sair do grupo da família é deixar de ser atuante no processo de informação e alfabetização digital", recomendou o especialista. "Cabe a cada um de nós atuar como agente de esclarecimento. Isso não é um problema dos outros, é de cada um de nós." 

Os partidos e candidatos não podem dizer que a desinformação dos eleitores não é problema deles. Nos pronunciamentos, eles devem dizer que não concordam com o que está acontecendo, que as notícias falsas não são saudáveis para a democracia."Apenas lavar as mãos é um péssimo sinal de como estamos lidando com a tecnologia na política", avaliou Carlos Affonso. 

Matéria Completa, Revista Época


 

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Enfrentar o ‘inevitável’

Uma vitória de ‘reformistas’ é menos pior para nosso futuro; mas é pouco


O esforço de muitos analistas em traçar cenários pós-eleitorais tem trazido uma curiosa “mediana” de previsões, especialmente entre economistas que já viram de tudo (começando pelo Plano Cruzado). Cofres públicos vazios, dívida pública subindo e quebradeira geral dos Estados “inevitavelmente” levarão a reformas para lidar com a crise fiscal. Candidatos carimbados como “reformistas”, segundo essas previsões, farão mais rápido o necessário. Até mesmo os “populistas” agirão na direção “correta”, pois reconhecem a bomba fiscal.

A velocidade relativa com que uns e outros atacarão os gastos públicos permite até previsões numéricas. Assim, a eleição de um “reformista” sugere um dólar de R$ 3,40 no meio do ano que vem. Se for um populista, dólar de R$ 4,60. A taxa de inflação sob um “reformista” permaneceria em 4,5%; um “populista” a levaria para 8%. E assim por diante com juros e crescimento do PIB que, dependendo do otimismo quanto à recuperação do consumo das famílias, poderia até chegar a uns 3% já em 2019.

Não critico economistas por raramente acertarem previsões; com jornalistas acontece o mesmo. O que sempre me fascina no raciocínio deles é a pouca margem que atribuem à estupidez humana na tomada de decisões – no caso do Brasil, não fazer nada relevante frente à questão fiscal (uma “não decisão” a cargo de humanos) equivale a uma das posturas mais estúpidas possíveis. E, a julgar pelo andar da carruagem político-eleitoral, até mesmo bastante provável.  Da mesma maneira, não posso criticar quem, confrontado com o cenário difuso e nebuloso do momento atual da corrida eleitoral, se apega a “inevitabilidades”, a coisas que “terão” de acontecer. É uma forma de tornar a imprevisibilidade menos imprevisível. E, também, em confiar que decisões coletivas claramente prejudiciais aos interesses de um país (especialmente de prazo mais dilatado) acabam sendo evitadas. Mas é bom considerar Brexit, Trump e o apoio popular à greve dos caminhoneiros. Não era para acontecer, mas aconteceu.

A ideia da “inevitabilidade” de um futuro risonho para um País com tantos recursos e tamanho é tão arraigada quanto a noção de que o tempo trabalharia a nosso favor. Ela mascara o fato (traduzido em estatísticas muito eloquentes) de que na comparação com economias mais avançadas estamos estagnados há mais de uma geração, e estamos ficando velhos. Populistas no Brasil e não só os de esquerda desenvolvem a ficção política de que o País foi feliz e bem sucedido em algum ponto do passado – no caso do PT, nos 13 anos que nos amaldiçoaram por muitos mais.

É a falta de compreensão do papel das pessoas e das ideias que elas abraçaram na confecção do desastre no qual fomos jogados que explica amplamente a popularidade de um criminoso condenado e cumprindo pena de prisão, chefe de um dos maiores esquemas de corrupção da recente história do planeta. A eleição dos governos do PT não era “inevitável” do ponto de vista histórico, nem a adoção de seus postulados desastrosos de economia inclusive por parte relevante do empresariado, interessado em protecionismo, subsídios e anabolizantes para o consumo.

A pergunta abrangente que me parece relevante neste ponto da corrida eleitoral é a de averiguar se há forças comprometidas com o rompimento da estagnação política e econômica atuais, não apenas na configuração tosca do “deixa que eu chuto”. Vai ser necessário enfrentar e derrotar parte do nosso jeito de ser – patrimonialismo, corporativismo e regionalismos – para libertar o que poderíamos ser: inovadores e criativos. Também acho que uma vitória de “reformistas” é menos pior para nosso futuro. Mas é pouco.

William Waack - O Estado de S. Paulo

 

sábado, 13 de janeiro de 2018

O ano das grandes mentiras

Prepare-se, caro leitor: estamos prestes a entrar em um disputado campeonato de mentiras. No plano político, naturalmente. Não bastassem os caudalosos esquemas de enganação com desvios bilionários, na surdina, do dinheiro público que foi parar no bolso de corjas de larápios partidários. Não fossem suficientes as promessas de campanha de 2014, jamais cumpridas e edulcoradas por filmes que mostravam o paraíso para depois entregar o inferno. Não sobrassem demonstrações de que alguns malfeitores do passado tentarão tudo de novo. Teremos agora talvez a maior e mais perigosa temporada eleitoral movida a “fake news” da história do País. A notícia falsa será desta vez uma arma letal, sem dúvida, e talvez determinante. 


Tal qual ocorreram nos EUA que produziram Trump e no Brexit da Inglaterra. Espalhar falsas informações para colher simpatizantes não é exatamente um expediente inédito. Mas deverá assumir proporções gigantescas e assustadoras nesta que já é chamada de “A era da pós-verdade”. Com o agravante de que, por aqui, ainda não entrou em vigor qualquer marco legal para coibir diretamente o fenômeno – verificado com maior frequência nas redes sociais. As fake news viraram uma praga.

Autoridades tentam controlar a moléstia a qualquer custo. Na Alemanha passou a valer, desde o início do ano, uma lei que obriga mídias digitais a retirarem imediatamente de seu ambiente conteúdos que pregam o ódio e trazem falsas informações, sob pena de multas pesadas. A França quer ir além. O presidente Emmanuel Macron fala inclusive em prisão daqueles que difundirem as chamadas fake news. Projeto de lei nesse sentido entrou no Parlamento e almeja também maior agilidade e eficiência no julgamento dos casos. No Brasil o faroeste da lorota segue em franca expansão. O ministro Luiz Fux, que assume o Tribunal Superior Eleitoral no mês que vem, tenta colocar ordem na casa. É favorável ao bloqueio de bens e a detenção dos infratores que propagam inverdades para angariar vantagens nas urnas. Medida que prevê cadeia por mais de dois anos aos autores de fake news chegou ao Congresso, mas ali se arrasta, sem votação, por motivo óbvio: falta disposição parlamentar para legislar contra o próprio interesse. Seria “prejudicial” a muitas campanhas dos políticos nativos um controle firme das fake news.

A despeito da resistência, a Polícia Federal arma uma força-tarefa com esse intuito. Já mobilizou um grupo comandado por três delegados e um perito que vai atrás de quem sucumbir ao crime. A erradicação total do problema só deverá ocorrer, de verdade, quando cada um dos internautas se precaver. Mudar hábitos. Para começar, é preciso ficar atento à cartilha de procedimentos: não aceitar e não disseminar a primeira notícia que lhe chegar às mãos de origem duvidosa. Mesmo que ela atenda a seus interesses ou desejos. Não se faz valer uma ideia dessa maneira, ludibriando. No plano da desinformação só existem equívocos. Erros que cobrarão seu preço lá na frente. 

No geral, diferentes pontos de vista não podem significar diferentes fatos. Viram versões. Evoluem para deturpações. É preciso consultar. Fazer checagem. Buscar fontes seguras. Tais cuidados terão de se tornar rotina. Do contrário iremos assistir mais e mais vítimas caindo no grande conto do vigário. Inclusive você. Nunca é demais lembrar que as eleições americanas ficaram seriamente comprometidas quando mais de 100 sites a favor de Trump foram criados na Macedônia, de onde eram disparados diariamente vídeos e notícias inventadas para dar corpo a sua candidatura. Na mais célebre das mentiras plantadas ali, veiculou-se que o Papa Francisco e o Vaticano apoiavam Trump. Foi o bastante para que uma penca de republicanos conservadores ainda hesitantes logo tomasse partido a favor do empresário. [fato é que a eleição de Trump foi menos danosa do que seria a vitória de Hillary.]  Deu no que deu. As fake news estão no ar e todo o cuidado é pouco.

Carlos José Marques  - Diretor Editorial - Editora Três

 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Tanto pró e tanto contra

Dizem alguns analistas: a necessidade da reforma da Previdência é tão óbvia que, certamente, acabará sendo feita

Foram ruins os principais indicadores da economia real em agosto. A produção industrial caiu, o comércio vendeu menos e os serviços prestados às famílias e aos negócios perderam volume. Para fechar a sequencia negativa, ontem o Banco Central divulgou seu Índice de Atividade Econômica: queda de 0,38% no mesmo período, pior que o esperado.

Como explicar então a melhora nos índices de confiança e nas expectativas de crescimento para este ano e o próximo?  Não se trata de patriotada do governo. Aqui no Brasil, consultorias, departamentos econômicos de bancos e associações, todos se declaram mais animados em relação aos próximos meses. Mesma posição tomada por instituições internacionais, como o FMI e Banco Mundial, e companhias multinacionais.       
Há bases para esse moderado otimismo. Aqui: além da clara mudança de política econômica, para melhor, registra-se a inflação muito baixa e a consequente queda da taxa real de juros. Dá-se como certo um período longo de juros baixos - até 2019, pelo menos  – uma mudança e tanto na economia brasileira tão acostumada, e viciada, com juros na lua. Isso terá impacto positivo no consumo e no investimento. Lá fora, é muito bom o desempenho dos principais países e, especialmente, do comércio global, que apresenta um ritmo de crescimento  como há tempos não se via.
As altas frequentes das bolsas americanas, com sucessivas quebras de recorde, exprimem esse bom humor global. Mas por que mesmo o mercado americano vai tão bem? Se você não sabe, não se preocupe. O prêmio Nobel de economia, Richard Thaler, também não sabe. Disse ele (tradução livre): "quem poderia imaginar que o mercado continuaria em alta durante este que é o tempo de maior incerteza de minha vida? Não pode ser a certeza de que haverá um maciço corte de impostos (nos EUA), dada a inabilidade do Congresso republicano em agir de modo coordenado. De modo que não sei de onde vem isso."
Thaler ganhou o Nobel com a tese de que as pessoas (e, pois, as empresas, o governo, as instituições) tomam frequentemente decisões irracionais. Logo, para ele, não é surpreendente que o mercado possa estar equivocado nessa já longa alta nas bolsas americanas (oito anos!). Por outro lado, há analistas e operadores para os quais a economia mundial pode estar mais aquecida do que pensa o FMI - instituição que recentemente reviu para cima suas projeções de expansão para quase todos os países.
Argumentos: juros baixos ainda por algum tempo; inflação no chão; empregos e, pois, renda total em alta; famílias, empresas e governos com dívidas reduzidas e controladas; investimentos em novas tecnologias (carros elétricos e autônomos, internet das coisas); EUA, China, Europa e Japão entregando crescimento e, pois, demanda global. O que queriam mais? Pode-se devolver a questão com outras perguntas: e se Trump fizer alguma besteira das grandes? Ele tanto pode provocar um conflito com a Coréia do Norte quanto explodir o déficit público americano, gerando inflação e juros, problema que se espalharia mundo afora. Há pressões nacionalistas e/ou protecionistas por toda parte (Brexit, Catalunha, por exemplo)  que podem colocar areia na máquina da economia global. O próprio Trump pode derrubar acordos regionais e internacionais, reduzindo o comércio global.
 Também há incertezas por aqui, todas no campo da política. A sequência do ajuste da economia brasileira - que está atrasada em relação às demais - depende de um amplo conjunto de leis, ou seja, de entendimento entre o governo e o Congresso, de modo a se formar uma maioria pró-reformas. Quem pode garantir que isso vai acontecer? Dizem alguns analistas: a necessidade da reforma da previdência é tão óbvia que certamente acabará sendo feita. Um dia as pessoas hão de entender essa necessidade, agora, nesse resto de governo Temer, ou no próximo.
Aliás, já se ouve por aqui que não será problema se a reforma ficar para o próximo presidente. Mas vai daí que o tema deverá constar da próxima campanha presidencial - e o que temos visto para 2018? O eleitor brasileiro está mais para escolher um Macron ou um tipo Trump do sul?  Em resumo, há boas razões para a expansão da economia global e a recuperação da brasileira. As expectativas dominantes hoje estão nesse lado, o lado pró-racionalidade, tipo "no fim vai dar certo".
 Mas as incertezas também estão aí e Thaler pode ter razão ao desconfiar que as pessoas podem estar fazendo a coisa errada.  Vai depender do que? Do que as pessoas fizerem, aqui e lá fora. Isso te anima?

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

domingo, 1 de outubro de 2017

A necessária defesa da democracia



Percebe-se que o terreno está sendo adubado para o trânsito, na campanha do ano que vem, de salvacionistas, populistas por definição e antidemocratas

A democracia não passa por bom momento no planeta. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill tinha, entre suas melhores frases, a de que “a democracia é a pior forma de governo, excetuando as demais”. Era e é verdade, como ficou provado principalmente no pós-guerra. A dobradinha de regime político e sistema econômico liberal venceu o duelo da guerra fria, ganha pelo Ocidente devido à incapacidade de o modelo comunista soviético e aparentados gerarem renda e emprego, ainda obtendo ganhos de produtividade que dessem sustentação ao crescimento equilibrado das economias. E sem liberdades.


A debacle soviética simbolizada pela derrubada do Muro de Berlim, em 1989, levou analistas apressados a decretar o “fim da História”, a partir do qual o modelo democrático e de economias de livre mercado reinaria para todo o sempre. Não foi assim.  A democracia e modelos econômicos abertos são mantidos em risco. É preciso defendê-los, nos embates que continuam. A experiência recente brasileira é prova de como sonhos dirigistas e autoritários — são sinônimos — persistem: com Dilma Rousseff sucessora de Lula, o lulopetismo pôde aplicar a velha cartilha do PT e enterrou a economia brasileira na maior recessão da história (mais de 7% de queda do PIB em dois anos, 2015/6, com a expulsão de 14 milhões do mercado de trabalho).


Tudo ainda foi condimentado pelo mais amplo esquema de corrupção de que se tem notícia no país, montado a partir do PT, mas pluripartidário, a ponto de também atrair oposicionistas do PSDB. Crise econômica e corrupção são, por si sós, tóxicos para o sentimento democrático das populações. Quando misturados, têm elevado poder de corrosão.  Os exemplos no exterior são múltiplos, encontrados na esteira do crescimento da onda nacional-populista que passa pelo trumpismo americano, pelo projeto de fechamento das fronteiras do Reino Unido e separação da União Europeia (Brexit), bem como pelo fortalecimento de forças de extrema-direita, para citar os casos de maior repercussão, na França e Alemanha. Mau momento para a democracia.


Na América Latina — reserva histórica de caça de populistas de direita e esquerda —, estudo do Latinobarómetro, ONG chilena, detecta um declínio constante do apoio à democracia desde 1995. No Brasil, atesta, o apoio à democracia caiu, em 2015, de 54% para 32%, e ainda 55% dos brasileiros se declararam propensos a aceitar um governo não democrático, se ele resolver os problemas da população. Tudo ilusão, demonstra a História.


Somando-se a isso o ingrediente da desmoralização dos políticos, percebe-se que o terreno está sendo adubado para o trânsito, na campanha do ano que vem, de salvacionistas, populistas por definição e antidemocratas. O Brasil não está livre da onda nacional-populista. Há, porém, em curso um difícil mas decisivo processo de depuração ética das instituicões, a ser defendido pela sociedade como forma de garantir espaço para uma importante renovação dos quadros políticos em 2018. É possível e devem-se erguer barreiras contra a sedução das vias rápidas, autoritárias, de solução dos problemas. Não deu certo em 37, 64 e 68, e não funcionaria novamente.


Fonte: Editorial - O Globo

terça-feira, 28 de março de 2017

O fim da União Europeia

Crise financeira, alto fluxo migratório, líderes de direita e ameaça terrorista levam o bloco a um processo de desintegração. Sessenta anos depois de seu nascimento, a organização enfrenta o maior desafio com a iminente saída do Reino Unido

Era para ser um momento festivo a comemoração das seis décadas de existência da União Europeia. Em 1957, quando se reuniram em Roma para assinar o tratado que deu origem ao bloco, os representantes de Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Holanda entendiam que a derrubada de fronteiras comerciais entre os países europeus pudesse ser o primeiro passo para impedir que o continente fosse devastado novamente por guerras e conseguisse retomar sua importância no cenário mundial. Hoje, no entanto, o que se vê é uma Europa que caminha para a fragmentação, um processo em boa medida alimentado por sentimentos nacionalistas que envenenam as relações entre nações que durante séculos guerrearam entre si. Por isso, sessenta anos depois, o mundo se vê diante de duas questões: a União Europeia continuará a existir? Se sim, em que bases?


A procura pelas respostas será o objetivo principal dos líderes europeus que estarão reunidos no sábado 25, em Roma. Quatro dias depois, eles testemunharão a oficialização do primeiro grande golpe contra o bloco. Na quarta-feira 29, a primeira-ministra britânica, Theresa May, iniciará o processo oficial de retirada do Reino Unido da União Europeia – o Brexit -, após um plebiscito realizado em junho de 2016 ter decidido por esse caminho.

Para entender as razões que hoje ameaçam a existência do bloco europeu é preciso, antes, compreender o pensamento que norteou sua fundação. A ideia de união é convergente com o pensamento liberal que ganhou força no pós-guerra de que a cooperação comercial entre países diminuiria a propensão a conflitos. “A União Europeia simboliza até hoje a possibilidade de superar divergências por meio da cooperação”, afirma Paulo José Whitaker Wolf, professor de Relações Internacionais da Escola de Extensão da Universidade Estadual de Campinas. “Isso contradiz a visão da guerra.”

Deu certo enquanto o continente prosperou impulsionado pela ausência de cobranças aduaneiras nas trocas comerciais. Em 1973, o êxito atraiu a adesão de Dinamarca, Irlanda e Reino Unido. Foi também nesse período que ocorreu a primeira eleição direta ao Parlamento. Pouco tempo depois, já nos anos 1980, Grécia, Espanha e Portugal entraram no bloco e, com a Queda do Muro de Berlim, em 1989, o mercado único pôde, finalmente, ser colocado em prática. Em 2002, o euro unificou as moedas no continente.

A história mostrou, no entanto, que o preceito que esteve na base da formação do bloco só foi vitorioso enquanto a economia ia bem. Confrontados pelas oscilações nesse terreno, os países adotaram, pouco a pouco, uma postura de auto-proteção que começou a colocar em risco interesse comuns. Não é à toa que o processo de esfacelamento de uma Europa unida tem sua raiz na crise econômica de 2008, quando os integrantes do bloco voltaram-se mais à solução de seus próprios problemas. E aqueles que sofreram mais, como Espanha, Grécia e Portugal, foram nos anos seguintes alguns dos principais críticos ao bloco. Em especial, queixavam-se das exigências de austeridade colocadas por nações mais ricas e menos atingidas, como a Alemanha.

A ocorrência de outros fenômenos históricos ao longo dos últimos sessenta anos contribuiu para desenhar o contexto no qual hoje se discute o futuro da União Europeia. Um dos mais importantes foi a escalada do terrorismo em nível global, cujo início foi anunciado no ataque às Torres Gêmeas, em 2001, nos Estados Unidos. Daquele dia em diante, ficou claro ao mundo ocidental que todos os países estavam sob ameaça. A situação se agravou a partir de 2013, com a criação do Estado Islâmico e seus ataques ao coração da Europa. Ainda está viva na memória o terror do atentado ao Bataclan, em Paris, em 2015, e o choque com o último ataque, na semana passada, em Londres.


A sensação de vulnerabilidade trazida pelo terror fez germinar novamente a intolerância aos estrangeiros, um sentimento que só se agravou com o crescimento do fluxo migratório dos refugiados a partir de 2015. A reação de boa parte da população europeia foi a de repelir a presença de imigrantes, especialmente os de origem muçulmana. Praticamente seis décadas depois estava pronto o caldeirão certo para o surgimento de líderes populistas que têm suas principais posições baseadas na xenofobia e na defesa da volta de sistemas distintos de administração. “A polarização é um dos perigos mais amplos do populismo, que já ganhou força nos Estados Unidos de Donald Trump”, afirma Alexandre Afonso, professor de Políticas Públicas da Universidade de Leiden, na Holanda. “Devemos nos preocupar com os rumos que a Europa está tomando ao vermos a extrema-direita se tornar cada dia mais presente em países como a França, Alemanha e Suíça.

Contexto adverso
É essa combinação de fatores que coloca em risco um organização que surgiu com o objetivo de superar diferenças em nome de objetivos comuns. “Enquanto questões como a crise financeira, o alto fluxo imigratório e a ameaça terrorista estiverem no topo da agenda, o bloco terá sérias dificuldades para chegar a acordos e manter a integração”, afirma Antonios Kouroutakis, professor da Escola de Direito da Business School de Madrid, na Espanha.


Não se sabe o desfecho desses processo. O que se pode dizer certamente é que o esfacelamento da organização coloca em xeque a existência de blocos que nasceram sob sua inspiração, modificando novamente as bases das relações comerciais e institucionais entre os países. “A União Europeia sempre foi um modelo de integração por ser o bloco econômico regional mais desenvolvido, com parâmetros seguidos no mundo todo”, diz Cairo Gabriel Borges Junqueira, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista. “O receio é o de que se a UE, no auge de sua maturidade, está apresentando sinais de enfraquecimento, consequentemente qualquer bloco pode passar por isso também.”

A União Europeia foi resultado de uma aspiração à reconciliação. Quando a Segunda Guerra Mundial deixou os países europeus em ruínas, o objetivo comum da integração fez um continente dividido se unir pela sobrevivência. Em 25 de março comemora-se o 60º aniversário da assinatura do Tratado de Roma (foto), que instituía a Comunidade Econômica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atômica. As duas organizações eram fruto da união iniciada em 1950 com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Bélgica, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo e Países Baixos foram os primeiros signatários do documento, que curiosamente estava em branco. Apenas a primeira e a última folha encontravam-se prontas. O conteúdo foi preenchido depois da cerimônia oficial.

Fonte: Isto É
 

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Os EUA meio atrapalhados

Morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe média trabalhadora, colarinhos azuis

Pelos padrões tradicionais, nos países desenvolvidos, a esquerda aumenta impostos dos mais ricos e das empresas para gastar em programas sociais; a direita reduz impostos das corporações e dos mais ricos, na expectativa de que as primeiras invistam e os segundos consumam mais, gastando assim na economia real o que deixam de enviar para o governo. A esquerda quer distribuir renda e fazer justiça social. A direita acha que o gasto de corporações e ricos gera mais negócios e, pois, mais empregos. 

A esquerda acha que é preciso proteger os trabalhadores e os empresários nacionais, restringindo importações e investimentos externos. A direita pensa o contrário, que fronteiras abertas estimulam positivamente a competição. Esquerda, na Europa, são, ou melhor, eram os partidos trabalhistas, socialistas, social-democratas etc. Nos EUA, o Partido Democrata. Direita, na Europa, eram os partidos conservadores, com nomes variados, até como o Partido Popular da Espanha. Na Europa, liberal é da direita. Nos EUA, é da esquerda.

Já faz tempo que é difícil classificar os movimentos políticos com aquelas categorias. A globalização e a vida moderna trouxeram fatos que bagunçaram os conceitos tradicionais.
Nos anos 90, por exemplo, liberais à EUA, como Bill Clinton, e trabalhistas europeus, como Tony Blair, foram campeões de medidas pró-mercado — desregulamentação, reformas, privatizações etc. — e pró-globalização, com a assinatura de acordos mundiais e regionais de livre comércio. Era a nova esquerda, diziam. 

Os anos foram passando e a globalização/livre comércio produziu seus efeitos. Gerou um fortíssimo crescimento econômico global, dos anos 90 até a crise financeira de 2008/09. O comércio mundial chegou a crescer mais de 10% ao ano — hoje, se cresce, já está mais que bom. A globalização deslocou fábricas para os países emergentes, que também se tornaram ganhadores. Exemplo principal, a China. Mas todo o mundo emergente cresceu a taxas vigorosas. Milhões de pessoas deixaram a zona de pobreza, surgiram as novas classes médias.

Mas também apareceram os perdedores. Considere os EUA. Foi o país que melhor surfou na onda global. Ali surgiu a indústria do século XXI, toda ela em torno da tecnologia da informação: Microsoft, Google, Amazon, Facebook, Apple. Mas dali partiram as fábricas de automóveis, eletrônicos e vestuário, que foram para a Ásia e América Latina.  O iPhone traz a inscrição: “Projetado pela Apple na Califórnia. Montado na China”.  É o exemplo perfeito: a inteligência da coisa está na Apple da Califórnia (repararam, nem citam os EUA); a parte mecânica, a fundição e a montagem das peças estão na China, em geral, nem citam o nome da fábrica, pois o aparelho pode ser montado em várias ou em qualquer uma. 

Do que o consumidor pagar no celular, 90% acabam ficando para a Apple. Mas Detroit das fábricas de automóvel ficou parecida com uma cidade fantasma. A morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe média trabalhadora, colarinhos azuis, operários sem curso superior, homens e mulheres de mais idade, que não se conseguiam se adequar aos novos tempos.

Enquanto as coisas avançavam, os protestos antiglobalização não prosperavam. Mesmo a chegada de imigrantes aos países mais prósperos passava sem problemas. Tinha emprego para eles. Até que veio a crise de 2008/09, que espalhou recessão mundo afora.
Todos perderam, mas os que já eram perdedores sofreram muito mais. Esses perdedores elegeram Donald Trump, assim como votaram pelo Brexit.É simples assim, mas também mais complicado. Por exemplo, ao mesmo tempo que elegeram Trump, os americanos aprovaram a liberação da maconha em muitos estados.

Aparentemente, não combina. Os eleitores de Trump são conservadores, interioranos, contra o aborto, o casamento gay e as drogas. Mas, pensando bem, são votos diferentes, mostrando agendas diferentes. Os eleitores de Trump querem fechar as fronteiras no sentido amplo: de construir muros a cortar importações e barrar imigrantes. É a principal promessa de Trump — o protecionismo populista. O outro voto é da parte da sociedade que se chamaria hoje liberal. Esta agenda avança, mas agora, nos EUA, enfrentará mais bloqueios.

Quanto ao protecionismo, nacionalista-populista, de Trump, disso sabemos bem por aqui: não funciona. Protege alguns empregos, mas a perda de produtividade breca o crescimento. E pode terminar em inflação, pelo aumento de custos da importação, por exemplo, e pela perda de competição. Não há como transferir as montadoras de iPhone para os EUA. Vai ficar mesmo mais caro.  Se é mesmo que Trump vai conseguir fazer o que disse. Mas de direita, ele não é. Antigamente, protecionismo nacionalista era de esquerda. Mas Trump de esquerda?

Digamos que o eleitor americano tinha motivos para se equivocar.

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A regra do jogo

Segundo Moro, o que mais choca é que corrupção não era exceção, mas sim a regra

Em sua longa e inédita entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Brandt, no Estado, o juiz Sérgio Moro foi simples, cauteloso, mais preocupado em dar sua versão da Lava Jato ao País do que ostentar erudição para seu público interno ou fazer provocações incabíveis aos alvos das investigações e sentenças. Não personificou críticas e não adiantou julgamentos, mas deixou muito claras suas posições e motivações.

Assim como eu, tu, nós e eles, Moro confessou que o que mais o chocou em todas essas revelações da Lava Jato foi “a própria dimensão dos fatos” e a descoberta de “uma corrupção sistêmica, corrupção como uma espécie de regra do jogo”. Sim, há crime de colarinho branco no Brasil e no mundo. Sim, desvio de dinheiro público, ganância do setor privado, enriquecimento de servidores, nada disso é novo, nem tão surpreendente. O que surpreende, ou choca, é a dimensão, é a corrupção deixar de ser exceção e virar regra.

Talvez o exemplo mais contundente disso seja o delator Pedro Barusco, que se comprometeu a devolver US$ 100 milhões. O cara era gerente de Engenharia da Petrobrás, ou seja, nem diretor era. E devolve o correspondente a R$ 320 milhões?! Quem devolve tudo isso roubou quanto? E ainda guardou quanto? Logo, Barusco dá uma boa dimensão do que foi o petrolão e mostra como a corrupção não era restrita, ocasional, mas uma rede sem limites, corriqueira.

E por que só ex-tesoureiros do PT foram presos? (Aliás, três deles.) A resposta de Moro foi simples: só tinha poder para nomear e manter diretores e gerentes que negociavam, distribuíam e embolsavam propinas milionárias era quem estava no governo. Por óbvio, quem não tinha a caneta e o Diário Oficial não podia nomear um Barusco para roubar e fazer o rateio do roubo. Então, perguntaram os repórteres, a Lava Jato vai poupar PSDB e até o PMDB, principal aliado do PT com Lula e Dilma? “Processo é uma questão de prova”, respondeu Moro, machadianamente. Poderia acrescentar: “questão de prova, meu caro Watson”.

Moro disse que “o trabalho feito lá (no Supremo) merece todos os elogios”, mas não deixou de mexer numa velha ferida exposta agora pela Lava Jato: o foro privilegiado. O STF não está capacitado para investigar, julgar, condenar ou absolver 513 deputados, 81 senadores e todos os outros poderosos que têm privilégio de foro. E são só 11 ministros, atolados por 44 mil processos só no primeiro semestre deste ano. No mínimo, tudo será muitíssimo mais lento. Para Moro, o ideal seria reduzir o foro privilegiado, que penaliza os ministros e acaba por beneficiar os políticos, para os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do próprio Supremo.

Sempre cauteloso, Moro repetiu o questionamento da ministra Cármen Lúcia sobre a oportunidade de o Senado endurecer a lei de abuso de autoridade em meio ao maior julgamento de partidos e políticos da história do País, mas fez uma espécie de chamamento ao Congresso para “acompanhar a percepção de que é necessário mudar” e aprovar o pacote de medidas anticorrupção apresentado pelo MP e referendado por milhões de brasileiros.

Por falar nisso, o juiz disse que “jamais, jamais” seria candidato a um cargo político. Está escrito e publicado, mas Moro só tem 44 anos, comanda um processo inédito de depuração das práticas políticas e é tão amado e tão odiado quanto costumam ser, não os juízes, mas os políticos. E, afinal, o futuro a Deus pertence.

Suspeita. Conversando no domingo com o ex-ministro e meu amigo Milton Seligman, surgiu a dúvida: quem votou pelo Brexit no Reino Unido, contra o acordo de paz na Colômbia e pela ascensão de Trump foram os homens brancos, de meia-idade, sem diploma e conservadores? Ou foi o populismo fácil, o marketing rasteiro, a manipulação de líderes irresponsáveis?


Fonte: Eliane Cantanhêde - Folha de S. Paulo


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Protecionismo cresce e ameaça recuperação global

Políticas de fechamento de fronteiras aos fluxos de pessoas, capital e comércio crescem em todo o mundo, alimentadas por um irracionalismo preocupante

[protecionismo = um mal necessário; imigrantes = prejuízos e problemas para o país que os recebe.]

A atual onda política marcada por nacionalismos populistas e xenófobos tem sua expressão econômica no crescente protecionismo e resistência à celebração de acordos comerciais multilaterais, como a Parceria Transpacífica. Além de travar o comércio internacional, esse processo vem retardando de forma perigosa a recuperação da economia da crise global de 2008. 

Relatório de Monitoramento do Comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC), divulgado em julho, na reunião de cúpula da entidade, revelou que, entre meados de outubro de 2015 e meados de maio deste ano, foram apresentadas em média 22 medidas restritivas por mês pelos países-membros, a mais elevada desde 2011. É um aumento significativo, considerando-se o período anterior, quando a média, já alta, foi de 15 medidas por mês. O relatório conclui afirmando, com acerto, que a “melhor garantia contra o protecionismo é um robusto sistema multilateral de comércio”.

No mesmo período, os países-membros da OMC aprovaram 19 medidas por mês para facilitar o comércio, um pequeno aumento em relação ao período anterior. O número de ações protecionistas avançou 11% no período avaliado. O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, disse que “o relatório mostra um preocupante crescimento de medidas restritivas ao comércio postas em vigor mensalmente”. Ele lembrou que, das 2.800 medidas protecionistas adotadas desde outubro de 2008, apenas 25% foram removidas, acrescentando que “na atual conjuntura, um aumento das restrições ao comércio é a última coisa de que a economia global precisa. Esse aumento poderia ter um efeito nocivo adicional de esfriamento dos fluxos comerciais, com impacto desastroso para o crescimento econômico e a geração de empregos”. 

Neste ano, o volume global de comércio não cresceu no primeiro trimestre e caiu 0,8%, no segundo, segundo analistas ouvidos pelo “New York Times”. Os EUA não foram exceção: o volume total de importações e exportações caiu mais de US$ 200 bilhões no ano passado. E nos primeiros nove meses de 2016 recuou outros US$ 470 bilhões. Foi a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que o intercâmbio comercial entre os países caiu num período de expansão econômica. 

As políticas contrárias aos fluxos globais de pessoas, capital e mercadorias são um retrocesso óbvio. E, no entanto, tem defensores. O Brexit — a saída do Reino Unido da UE — é talvez o exemplo mais dramático dessa mentalidade retrógrada. Seu impacto no país, no bloco europeu e na economia mundial ainda não foi totalmente quantificado. Nos EUA, por outro lado, o protecionismo comercial é, estranhamente, um ponto comum entre Donald Trump e Hillary Clinton, com o argumento falacioso da defesa do mercado de trabalho local. Trata-se, em resumo, de um irracionalismo que se alimenta da desconfiança generalizada no sistema político e oferece como resposta o risco de um obscurantismo perigoso.

Fonte: O Globo - Editorial