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segunda-feira, 7 de março de 2022

Sanções à Rússia estão longe de ser uma resposta ideal - Valor Econômico

O boicote de Xi Jinping às sanções pode dar sobrevida à postura bélica de Putin

Do sequestro de ativos detidos por oligarcas próximos ao Kremlin até o bloqueio à movimentação de reservas do Banco Central da Rússia, os países ocidentais aplicaram contra Moscou uma espiral inédita de sanções econômicas, que visam enfraquecer o presidente Vladimir Putin no plano doméstico. 
Idilicamente, o cerco pode acelerar a transição política em um governo que usurpa a democracia e viola o direito internacional. 
No mínimo, as punições anunciadas constrangem Putin com seus eleitores e demonstram os custos de agredir outras nações sem nenhuma justificativa plausível. 
Pela primeira vez, no entanto, o mundo testa também a capacidade de uma autocracia instalada em potência bélica - não uma ditadura latino-americana, uma ilha de corrupção na África ou um emirado absolutista no Golfo Pérsico - sobreviver escorando-se na neutralidade ou no apoio tácito da China. Pequim pode ter se tornado o fiel da balança.
 
É de se colocar em perspectiva, sim, que as sanções adotadas até agora estão longe de constituir uma resposta ideal. 
Restrições econômicas de todos os lados resultam em sofrimento de toda a população russa. 
Não se pode desprezar ainda o fato de que podem ajudar o próprio Putin a reforçar internamente, com sua máquina de desinformação, o discurso de que é uma vítima do Ocidente e luta apenas para resistir às tentativas de avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). 
Também guarda razoabilidade o argumento de que regimes autocráticos no Irã, na Venezuela ou na Coreia do Norte têm sobrevivido às sanções. [IMPORTANTE: as sanções atingirão todo o mundo -  incluindo os corajosos manifestantes brasileiros, que protestam em Brasília, Esplanada dos Ministérios, em frente ao Itamaraty, contra aquele conflito. Imagine no Brasil com o barril de petróleo abaixo dos US$ 100,  -  antes do inicio das hostilidades, a gasolina já raspava os R$7; agora o petróleo está  acima de US$ 130, podendo chegar a US$ 200. A quanto irá nossa gasolina? - Confiram: O Globo: Barril de petróleo supera US$ 130 e gás na Europa tem alta de 79%. Bolsas europeias caem.  "Após bater na cotação de US$ 139 na madrugada, maior cotação desde o recorde de US$ 147,50 de julho de 2008, o preço do petróleo Brent perdeu força." " No caso do petróleo, contratos de curto prazo de opções de compra, que não são os mais negociados  por isso não são a principal referência, já apontam para o barril do tipo brent cotado a até US$ 200 antes do fim de março"
Transcrevemos e linkamos do O Globo, por todo o complexo Globo ser,  notoriamente,  Ucrânia.]

O cerceamento à Rússia, contudo, ocorre em velocidade e amplitude épicas. Em menos de dez dias houve exclusão do sistema Swift de pagamentos internacionais, proibição à compra de nova dívida soberana, fechamento de espaço aéreo para voos comerciais, quase metade das reservas do BC russo teve seu uso inviabilizado. Companhias de navegação que respondem por 47% do tráfego global de contêineres decidiram paralisar fretes. Dezenas de empresas americanas e europeias anunciaram suspensão dos negócios. Petroleiras como Shell, BP, Total e Equinor se comprometeram a não mais alocar capital no país. Nike, Ikea e Spotify interromperam suas atividades. A lista aumenta dia após dia.

Os efeitos na economia russa já apareceram. O BC mais do que dobrou a taxa de juros (para 20% ao ano), o valor do rublo caiu para um mínimo histórico, há corrida bancária e a Bolsa de Moscou passou a semana inteira fechada. O colchão financeiro preparado pela Rússia para enfrentar a guerra parece não ser suficiente. Ela empobrecerá muito, e rapidamente. Não à toa, em reunião ministerial parcialmente televisionada na sexta-feira, Putin acusou o golpe: "Não temos más intenções acerca dos nossos vizinhos. Eu gostaria também de aconselhá-los a não escalar a situação, a não introduzir nenhuma restrição".

De acordo com o instituto de pesquisas russo Levada Center, 52% dos cidadãos no país temem repressão das autoridades e 58% receiam sofrer prisões arbitrárias - os índices mais altos desde 1994. Por isso, impressiona que protestos tenham sido registradas em 48 cidades diferentes. A filha do porta-voz de Putin escreveu "não à guerra" em seu perfil numa rede social. Esportistas e celebridades têm se manifestado. Nesse ritmo, o apoio da classe média a Putin ficará cada vez mais corroído.

Nada disso garante que Putin aceite um cessar-fogo e, muito menos, uma paz duradoura com seus vizinhos. Trata-se, porém, do único caminho para pressioná-lo sem o impensável emprego de tropas da Otan. O problema é a resistência da China em aderir às sanções. Os países do eixo Ásia-Pacífico absorvem hoje 30% das exportações russas. Pequim já tem mais investimentos na Rússia do que a Alemanha. Putin e Xi Jinping, que já se encontraram 38 vezes e se chamaram de "melhores amigos", anunciaram a construção de um "superduto" que levará gás da Sibéria ao norte da China.

O boicote de Xi às sanções, pelo peso da aliança formada entre os dois países, pode dar sobrevida à postura bélica de Putin e impedir o declínio do regime russo. Ao mesmo tempo, aumentará a desconfiança do Ocidente com a China e a percepção - já alimentada durante a pandemia - de que é preciso tomar cuidado com as cadeias de valor dependentes do gigante asiático. Uma divisão do mundo em dois eixos apartados, no qual suspeitas prevalecem sobre cooperação e integração, é péssimo para o futuro da economia e da estabilidade globais.

Opinião - Valor Econômico 


domingo, 6 de março de 2022

Em 1917, o czar não entendeu nada - Elio Gaspari

O Globo 

Não se sabe o que se passa na cabeça de Vladimir Putin, mas sabe-se bem o que acontecia nos palácios de Nicolau II em 1917

Não se sabe o que acontece no Kremlin, muito menos o que se passa na cabeça de Vladimir Putin. Passados 105 anos, sabe-se bem o que acontecia nos palácios do czar Nicolau II em 1917.

No dia de hoje, pelo calendário gregoriano, a Rússia Imperial estava em guerra contra a Alemanha e ia mal. A vida doméstica de Nicolau ia pior. Uma de suas filhas e o príncipe herdeiro, Alexei, estavam doentes (era sarampo). A czarina Alexandra ainda não havia se recuperado do assassinato, em dezembro, do monge Rasputin, curandeiro de seu garoto hemofílico. Ela vivia chapada por tranquilizantes. A Corte russa era um serpentário de intrigas e pensava-se até num golpe. Num desses planos, Alexandra seria mandada para um mosteiro.

Nos últimos dois anos, além de Rasputin, a Rússia tivera quatro primeiros ministros, cinco ministros do Interior, três chanceleres, outros três ministros da Guerra e quatro da Agricultura.  Bailava-se nos palácios, mas faltava comida em São Petersburgo e formavam-se longas filas diante das lojas num inverno que levava a temperatura a quinze graus abaixo de zero. Como aconteciam alguns protestos e greves, Alexandra aconselhou o marido: “Eles precisam aprender a ter medo de você. O amor não basta.”

No dia seguinte, 8 de março, o tempo estava bom (cinco graus abaixo de zero), e dezenas de milhares de trabalhadores, a maioria mulheres, tomaram as ruas de São Petersburgo. Se o negócio era botar medo, veio um mau sinal: os soldados relutaram em reprimir a manifestação. Muita gente cantava a “Marselhesa”. Nada a ver com os bolcheviques, que eram poucos. Lênin estava na Suíça, Trotsky, em Nova York, e Stalin, na Sibéria. Essa data de março marca o início da Revolução de Fevereiro. Era o dia 23, pelo calendário juliano, vigente à época na Rússia.

As greves alastraram-se, paralisando 200 mil trabalhadores, e começaram casos de confraternização de soldados com operários. Com novas manifestações, dessa vez com cerca de 200 mil pessoas, a czarina disse ao marido que aquilo era coisa de desordeiros e, se a temperatura caísse, eles ficariam em casa. Um chefe bolchevique da cidade achava coisa parecida: bastaria que houvesse mais pão. O czar descansava a cabeça lendo Júlio César. Nisso, adoeceu mais uma filha, e na cidade saqueavam-se padarias, mas os teatros funcionavam.

Nicolau mandou atirar, e morreram duzentas pessoas. Três regimentos de elite da cidade amotinaram-se, varejaram o arsenal, levaram 40 mil rifles e seguiram para a cadeia onde estavam os presos políticos, libertando-os. Um general que passava de carro a caminho de um almoço no palácio ficou a pé. Indo para a costureira, a poeta Anna Akhmatova reclamava porque não conseguia um táxi. São Petersburgo foi tomada pela revolta, o chefe de polícia foi morto. A bailarina Mathilde Kschessinska, que muitos anos antes tirara a virgindade de Nicolau, foi avisada que a coisa ia mal, juntou algumas coisas e abandonou seu palacete. No dia seguinte, a casa foi saqueada. (Meses depois, ela veria uma bolchevique, com seu casaco de arminho.)

No dia 12 de março (27 de fevereiro, pelo calendário juliano), os motins tomaram conta dos quartéis. Segundo o historiador Richard Pipes, esta deveria ser a data da Revolução de Fevereiro. Quando a notícia chegou a Nicolau, ele disse que eram maluquices que “nem me incomodei de responder”. Sua mulher achava que estavam acontecendo “coisas terríveis” e passou pela sepultura de Rasputin. Ele previra que se morresse ou se o czar o abandonasse, perderia a coroa em seis meses.
Passaram-se apenas dois meses, e o regime caíra. Os ministros foram presos e levados para uma fortaleza, escoltados por um rebelde que lá estivera preso.

Na noite de 15 de março, Nicolau II abdicou. Como não havia entendido o que acontecia, passou a coroa para um irmão, achando que mais tarde iria para a Inglaterra. Nada disso aconteceu. Stalin chegaria a São Petersburgo em março, Lênin, em abril, e Trotsky, em maio. Em outubro, com um golpe, os bolcheviques tomaram o poder, e a Revolução de Fevereiro ficou fora de moda.

Hungria 1956
A repulsa dos Estados Unidos e das nações europeias diante da invasão da Ucrânia honra a nova ordem mundial, mas o estímulo à resistência armada deve levar em conta um mau precedente. Em 1956, o povo húngaro foi estimulado para rebelar-se contra a invasão soviética e deixado à própria sorte. O primeiro-ministro Imre Nagy asilou-se na embaixada da Iugoslávia. Foi deportado, devolvido e acabou enforcado. 

(...)

Madame Natasha

Natasha está tentando transformar seus frascos de perfume em coquetéis molotov para defender o idioma. Ela concedeu mais uma de suas bolsas ao ministro Ricardo Lewandowski. Trancando a ação que o lavajatismo moveu contra Lula pela compra dos caças suecos, ele disse o seguinte: “Não há como deixar de levar em conta a incontornável presunção de que a compra das referidas belonaves ocorreu, rigorosamente, dentro dos parâmetros constitucionais de legalidade, legitimidade e economicidade mesmo porque, até o presente momento, passados mais de sete anos da assinatura do respectivo contrato, não existe nenhuma notícia de ter sido ele objeto de contestação por parte dos órgãos de fiscalização, a exemplo da Controladoria-Geral da União, do Ministério Público Federal ou do Tribunal de Contas da União.”

Ele quis dizer que a compra dos aviões foi legal e ninguém reclamou. Não precisava de uma frase com 79 palavras. Natasha e o dicionário Houaiss são do tempo em que belonave era navio e não voava. [o ministro Lewandowski, talvez, tenha aderido ao fachinês  = idioma da Dilma adaptado criativamente pelo ministro Fachin. 
É uma linguagem mais prolixa que a utilizada por este escriba - recentemente, o ministro Fachin utilizou 959 palavras para responder, sucintamente,  duas perguntas apresentadas em uma entrevista.  
Este escriba não usa o fachinês - pelo grave defeito que o idioma dilmês x fachinês apresenta: só serve para fugir da pergunta, por conseguir complicar o que já é complicado - pelo uso de um palavreado que nada explica.
Ao nosso ver,  só é conveniente o seu uso quando o dilúvio de palavras trava os neurônios do entrevistador e dos seus leitores.
Mil perdões, cochilei e caí no fachinês.]

(.....) 

Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari - MATÉRIA COMPLETA


terça-feira, 1 de março de 2022

4 tragos de vodca

Gazeta do Povo - Revista Oeste

As coincidências de um mundo que dá voltas

Sete reflexões, ou “tragos de vodca”, sobre a guerra na Ucrânia

Na semana passada, logo depois de iniciada a invasão da Ucrânia pela Rússia, comecei a anotar algumas reflexões sobre o conflito. Chamei a série de “Tragos de Vodca“.

Os quatro primeiros “tragos” publiquei na Revista Oeste e estão na sequência dos outros três, que trago hoje para minha coluna da Gazeta do Povo. Espero que essas sete anotações ajudem o leitor a entender melhor o ataque à Ucrânia.

Jogo de palavras
O Ministério da Defesa – do Ataque? – russo teceu duras críticas à Ucrânia pela iniciativa de armar sua população civil. O major-general, porta-voz da pasta, afirmou que “o regime nacionalista de Kiev distribui massiva e incontrolavelmente armas leves automáticas, lançadores de granadas e munição para moradores de assentamentos ucranianos”, acrescentando que “o envolvimento da população civil da Ucrânia pelos nacionalistas nas hostilidades levará inevitavelmente a acidentes e baixas” – talvez como aquela ogiva russa armada e parcialmente enterrada num parque infantil...

A escolha de palavras do Kremlin requer tradução: “regime nacionalista de Kiev” é putinês para o governo democraticamente eleito da Ucrânia, capitaneado por um Presidente, Volodymyr Zelensky, que obteve mais de 70% dos votos em 2019. Já as hostilidades supostamente incentivadas pelos nacionalistas nada mais são do que a resistência heroica e patriota de cidadãos livres, de um país independente, lutando por sua autonomia – não se trata de moradores de assentamentos, mas de residentes nacionais de um povo em pleno gozo da sua autodeterminação.

O PT e sua indisfarçável simpatia pelo autoritarismo
Como a Ucrânia se desfez do seu arsenal nuclear, num acordo que só ela respeitou

O porta-voz russo insiste: “Pedimos ao povo da Ucrânia que seja consciente, não sucumba a essas provocações do regime de Kiev e não se exponha e seus entes queridos a sofrimento desnecessário”. Pegar em armas contra uma força estrangeira invasora não requer muita provocação, nem parece sintoma de ausência de consciência; mas será que o sofrimento de civis e militares da resistência é fútil ou desnecessário?

“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança” disse Benjamin Franklin, na época em que os EUA eram o farol da humanidade, onde abundavam lideranças de verdadeira envergadura moral – como são os anônimos da resistência ucraniana.

País desarmado, povo refém
O pronunciamento oficial da Rússia sobre a distribuição de armas em Kiev veio um dia após o Ministério da Defesa e do Interior da Ucrânia solicitar a colaboração dos moradores da capital: “nos informem sobre movimentos de tropas, façam coquetéis molotov e neutralizem o inimigo”. Nas redes sociais, o governo publicou um passo-a-passo para a fabricação caseira de bombas de gasolina e, segundo fontes oficiais, 18 mil armas foram distribuídas.

O descontentamento da força invasora com o armamento voluntário da população violada sinaliza a potencial efetividade da estratégia de formação de milícias civis e do combate de guerrilha. Muitas batalhas já foram vencidas dessa maneira, inclusive durante a sanguinária incursão nazista na Rússia. Obrigar o inimigo a lutar por cada esquina, rua e prédio – apreensivo a cada palmo que avança em território hostil – abala a moral do exército intruso; além disso, nada como o combate homem a homem para materializar a violência (e a estupidez) do conflito, tanto para quem participa, quanto para quem assiste.

Daí a insatisfação do porta-voz e major-general russo, cujas palavras desbordam para o campo da ameaça ao citar uma inevitável escalada de baixas e de sofrimento entre os civis ucranianos. Por outro lado, o exército russo pareceu não se incomodar com a (nobre) tentativa de civis desarmados de barrar o avanço de tanques blindados na cidade ucraniana de Chernigov – o metal prevaleceu sobre a carne-e-osso, assim como a força prepondera sobre a razão em situações de guerra.

Velhos hábitos
Vladimir Putin tem um andar característico, flagrado em múltiplas filmagens, que já foi até objeto de artigos científicos. Em vez de movimentar os braços livremente, utilizando-os como contrapeso aos seus passos, o presidente russo caminha de forma assimétrica, com a movimentação reduzida em seu lado direito, dos ombros à mão.

Essa forma peculiar de marcha apelidada (e glamourizada) pela imprensa internacional como “gunslinger’s gait” (o passo do pistoleiro, em tradução livre) é atribuída ao treinamento de agentes da KGB, o serviço secreto soviético, onde Vladimir Putin chegou à patente de tenente-coronel.

Segundo os pesquisadores, a proximidade do braço ao corpo favoreceria o acesso mais rápido ao coldre e a agilidade no saque da arma numa eventual situação de emergência. Assim caminham o líder russo e seus velhos hábitos.

Tempos difíceis e seus homens
Spiridon Putin, avô paterno do presidente da Rússia, era cozinheiro pessoal de Lenin e outros líderes da Revolução Russa — uma informação que, por algum motivo, foi mantida em sigilo até 2018. Quando Stalin tomou o poder e perpetrou a carnificina dos expurgos, chef Putin e sua esposa foram poupados: “Eles eram, provavelmente, valorizados por serem pessoas de confiança”, comentou Putin, o neto, nascido em 1952 em Leningrado, onde viveu com a família em um apartamento comunitário.

Putin, o pai, nasceu em 1911, com o país sob domínio czarista. Ainda na infância, testemunhou uma revolução, uma guerra mundial e a fome russa, que matou cerca de 5 milhões dos seus conterrâneos. Lutou na Segunda Grande Guerra e foi gravemente ferido por um tiro de metralhadora; sobreviveu, assim como sua mulher, que resistiu ao cerco a Leningrado, um morticínio que vitimou ao menos 2 milhões de russos, entre militares e civis. Vladimir Putin é o filho mais velho desse casal — mas só porque seus irmãos, nascidos antes, faleceram na infância.

Reza o provérbio oriental:Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”… Onde estaremos?

Tempos fáceis e seus homens
Emmanuel Macron nasceu em 1977, formou-se em filosofia e graduou-se em administração com mestrado em políticas públicas. Tornou-se sócio do Rothschild & Cie Banque, que o fez milionário antes dos 35 anos. Já como presidente da França, lançou mão de uma estratégia velada e intelectualmente desonesta de protecionismo agropecuário contra o Brasil, amealhando quase 150 mil coraçõezinhos em sua postagem lacradora sobre a Amazônia em 2019, ilustrada pela foto de um incêndio de décadas atrás: “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Floresta Amazônica — os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta — está pegando fogo. É uma crise internacional”. Claro que pulmões não produzem oxigênio, absorvem — exatamente o que faz a floresta, que consome a maior parte do gás liberado pela fotossíntese, embora contribua de outras formas para a ecologia e o clima do mundo. Mas o que salta aos olhos é a definição do presidente francês de crise internacional.

Parece que os líderes do mundo livre finalmente depararam com uma crise internacional de verdade

Outro que já usou a Amazônia para bravatear e capitalizar politicamente foi o commander in chief Joe Biden, que, num debate eleitoral, sugeriu o pagamento — estamos aguardando! — de algo como US$ 20 bilhões para que o Brasil parasse de destruir a Amazônia. O então candidato até ameaçou: Se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas”.

Parece que os líderes do mundo livre finalmente depararam com uma crise internacional de verdade, que requer sanções concretas contra agentes políticos realmente antagônicos aos valores do Ocidente. E agora?

O mundo dá voltas
Há dez anos, Mitt Romney, candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, foi entrevistado pela CNN e afirmou: “A Rússia é, sem dúvida, nosso maior inimigo geopolítico”. Romney acrescentou: “Quem sempre se alinha aos piores atores globais? A Rússia, geralmente com a China ao seu lado”.

Ato contínuo, em sua campanha pela reeleição, o presidente Barack Obama fez questão de zombar seu adversário por essa resposta: “Quando você foi perguntado qual era a maior ameaça geopolítica contra a América, você respondeu Rússia, não Al-Qaeda [grupo terrorista de extremistas islâmicos responsável pelos ataques de 11 de Setembro]. E os anos 1980 estão na linha solicitando sua política externa de volta, porque a Guerra Fria acabou há 20 anos”.

Barack Obama, o sarrista, foi o único presidente americano na história a completar oito anos de gestão com as tropas do seu país em combate ativo no exterioruma contradição flagrante à sua plataforma eleitoral, que contemplava o encerramento de conflitos e o retorno das Forças Armadas ao lar. Durante seu governo, em 2014, os russos invadiram e anexaram o estratégico território da Crimeia, antes pertencente à Ucrânia.

Embora a anexação não seja reconhecida pela ONU, a unificação ao território russo é dada como fato consumado. Especialistas avaliam que a incursão pela Crimeia foi o balão de ensaio para um movimento mais ousado de Putin na Ucrânia, que ocorreu tão logo um democrata voltou a ocupar o Salão Oval. São as coincidências de um mundo que dá voltas…

A guerra, a fome e o sofrimento desnecessário
No terceiro dia de guerra, o número de fatalidades permanece desconhecido e sigiloso. Um relatório das Nações Unidas dá conta de, ao menos, 64 mortes entre os civis ucranianos – suspeita-se que o número de baixas entre os militares já esteja na casa de centenas, em ambos os lados. Esses óbitos vão pra conta de um governo russo de pretensões imperialistas, que violou tratados internacionais e tem pouca tolerância a regimes democráticos, exceto quando alinhados ao Kremlin. Putin já declarou que “o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século [XX]” – sim, por incrível que pareça, ele se referia ao mesmo centenário que assistiu a duas guerras mundiais e aprisionou centenas de milhões de pessoas na escuridão da cortina de ferro socialista.

Há menos de 100 anos, no alvorecer da URSS, outro governo russo impôs aos ucranianos sua visão de mundo enviesada e ideológica. Entre 1932 e 1934, a Ucrânia foi devastado pela Grande Fome, ou Fome Terror, ou ainda Holodomor (“matar pela fome”) que massacrou 3.9 milhões de ucranianos étnicos por inanição – para muitos, um genocídio levado a cabo pelo governo soviético, que impôs políticas isolacionistas, coletivistas e de confisco agrícola aos camponeses, muitos dos quais recorreram até ao canibalismo na tentativa desesperada de sobrevivência.

Os horrores do Holodomor levaram décadas para chegar ao conhecimento do Ocidente. [informação:o Holodomor aconteceu  quando Stalin presidia a Rússia - o tirano soviético conseguiu ser pior que uma hipotética soma de Mao Tsé-Tung, Kim Jong-Un, Pol Pot - porém, o pior de todos foi o chinês Mao  - que superou a soma de todos em número de mortos.]. Só após a queda da União Soviética – a tal catástrofe geopolítica – o mundo livre conheceu a verdade sobre a fome, a miséria e a violência do comunismo e suas doutrinas derivadas. Putin até que se esforça para imitar seus antecessores, dificultando a livre circulação da informação e restringindo o acesso às redes sociais; mas o mundo de hoje é muito mais conectado e talvez mais sensível ao “sofrimento desnecessário”, como diria o major-general russo. Bastam as mortes – e não milhões de mortes – para alertar e mover a opinião pública. Na zdoróvie.

Leia também “‘Bolsonazismo’ e a banalização do mal”

Caio Coppolla, colunista - Gazeta do Povo - Vozes - Revista Oeste


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Ameaça nuclear russa é o que a OTAN temia - DefesaNet

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou neste domingo (27/2) que o Exército coloque a força nuclear estratégica do país em "alerta especial" — o nível mais alto.


 

Em reunião com chefes de defesa militares no Kremlin, ele ordenou que o ministro da Defesa russo e o chefe do estado-maior das Forças Armadas pusessem as forças de dissuasão nucleares em um "regime especial de combate".

A decisão, segundo Putin, foi tomada porque o alto escalão da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) teria permitido "declarações agressivas" contra a Rússia. Para o presidente, as nações ocidentais tomaram "ações hostis" contra seu país e impuseram "sanções ilegítimas" após a invasão da Ucrânia.

O anúncio é um sinal tanto da cólera do presidente Putin pelas sanções anunciadas nas últimas horas quanto de sua paranoia de longa data de que seu país está sob ameaça da OTAN.

O movimento certamente chamou a atenção do Ocidente. Esse tipo de escalada é exatamente o que os estrategistas militares da OTAN temiam, e é por isso que a aliança declarou reiteradamente que não enviará tropas para ajudar a Ucrânia a lutar contra os invasores russos. A ofensiva, contudo, não está indo inteiramente de acordo com o planejado por Moscou. No quarto dia, nenhuma grande cidade ucraniana está nas mãos dos russos, que parecem estar sofrendo pesadas baixas.

Isso causará alguma frustração e impaciência no Kremlin. E é difícil ver as negociações de paz marcadas para acontecer na fronteira com Belarus chegarem a um acordo que funcione para ambos os lados. Putin quer a Ucrânia totalmente de volta à sua esfera de influência, enquanto o governo do presidente Volodymyr Zelensky quer que ela permaneça independente. Isso não deixa muito espaço para compromissos. Juntamente com o alerta nuclear de hoje, provavelmente veremos uma intensificação da ofensiva russa nos próximos dias, com ainda menos consideração pelas vítimas civis do que foi mostrado até agora.

Jogada nuclear de Putin pode tornar situação "muito, muito mais perigosa", diz autoridade dos EUA

A ordem do presidente russo, Vladimir Putin, de colocar as forças nucleares russas em alerta máximo durante a invasão da Ucrânia é uma escalada que pode tornar as coisas "muito, muito mais perigosas", disse uma autoridade militar dos Estados Unidos, neste domingo.

Putin deu a ordem enquanto Washington avalia que as forças russas estão sofrendo reveses inesperados no campo de batalha na invasão que já dura quatro dias devido à forte resistência ucraniana e falhas de planejamento que deixaram algumas unidades sem combustível ou outros suprimentos, disseram autoridades dos EUA.

O Pentágono soube do aumento do alerta russo a partir do anúncio televisionado de Putin, disse o alto funcionário militar dos EUA, em vez de por fontes de espionagem norte-americanas.

Logo após Putin falar, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, o general Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto; e o principal comandante dos EUA para a Europa, general Tod Wolters, realizaram uma reunião pré-agendada mais cedo em que discutiram a decisão do presidente russo.

Embora Washington ainda estivesse coletando informações, a atitude de Putin foi preocupante, disse a autoridade, falando sob condição de anonimato. "Trata-se, essencialmente, de colocar forças em jogo que, se houver um erro de cálculo, as coisas podem ficar muito, muito mais perigosas", disse o funcionário.

Questionado se os EUA continuariam a fornecer assistência militar à Ucrânia após o anúncio de Putin, o funcionário disse: "Esse apoio vai avançar."

Enquanto os mísseis choviam sobre cidades ucranianas, milhares de civis, principalmente mulheres e crianças, fugiam do ataque russo para países vizinhos. A capital Kiev ainda estava nas mãos do governo ucraniano, com o presidente, Volodymyr Zelenskiy, reunindo o povo para a defesa da cidade.

Os EUA avaliam que a Rússia disparou mais de 350 mísseis contra alvos ucranianos até agora, alguns atingindo infraestrutura civil. Mas a autoridade dos EUA expressou profunda preocupação com o que o Pentágono acredita ser indicações de que as forças russas - que parecem se concentrar sobre alvos militares - podem estar mudando de estratégia.

Citando uma ofensiva russa na cidade ucraniana de Chernihiv, ao norte de Kiev, o funcionário citou os primeiros sinais de que a Rússia estava adotando táticas de cerco. "Parece que eles estão adotando uma mentalidade de cerco, que qualquer estudante de tática e estratégia militar diria que quando isso acontece a probabilidade de danos colaterais aumenta", disse o funcionário.

DefesaNet


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Quem é Alexander Dugin, o pensador que inspira Vladimir Putin - Gazeta do Povo

Tiago Cordeiro

Influência no Kremlin

Há duas décadas, o filósofo russo Alexander Dugin defende publicamente que a Rússia invada a Ucrânia. Por isso mesmo, desde 2006, sua entrada no país é proibida. Durante os conflitos de 2014, quando ativistas pró-Rússia lideraram protestos ao leste e ao sul do território vizinho, enquanto Moscou anexava a Crimeia, Dugin pediu a erradicação completa da identidade nacional ucraniana. Na época, ele se declarou desapontado com o fato de o presidente russo Vladimir Putin não ter aproveitado a oportunidade para realizar uma invasão completa.

Em 2022, enquanto a possibilidade real de um ataque militar frontal volta à pauta e Putin parece disposto a seguir, finalmente, a recomendação insistente de Dugin, o pensador russo mostra novamente o tamanho de sua influência sobre o Kremlin.

Nos discursos e nas atitudes do presidente, que governa a Rússia com mãos de ferro desde 1999, parece clara a disposição para cumprir o “destino manifesto” do país, na visão do pensador: formar um novo império, composto pelo Leste Europeu e pela Ásia, capaz de se contrapor, política, militar, econômica e culturalmente, à zona de influência dos Estados Unidos.

Esse plano se traduziria em uma espécie de nova União Soviética, não comunista, mas não necessariamente democrática, e aliada próxima da China. Para ele, os Estado Unidos representam e defendem uma série de valores que ele não considera naturais à humanidade, mas sim invenções do Ocidente, como o individualismo e os direitos humanos.

Frequentemente citado como o Grigori Rasputin de Putin, em referência ao místico que influenciou fortemente a família real russa no início do século 20, Alexander Dugin seguiu uma trajetória inconstante até se firmar como referência intelectual a partir da década de 90. Desde então, inspirou até mesmo a criação de um grupo de seguidores no Brasil, e protagonizou um famoso debate público com o filósofo Olavo de Carvalho.

Influência do nazismo
Nascido em Moscou, a 7 de janeiro de 1962, Aleksandr Gelyevich Dugin era filho de um militar e de uma médica. Com seis anos, foi batizado na Igreja Ortodoxa Russa – posteriormente, se tornou membro de um grupo que pratica a religião seguindo as regras anteriores a uma série de reformas realizadas nos ritos, entre 1652 e 1666.

Aos 19 anos, Aleksandr matriculou-se Instituto de Aviação de Moscou, mas não concluiu o curso. Acabaria realizando graduação e mestrado em filosofia, com dois PhDs, um em sociologia e um em ciências políticas. Aprendeu também, de forma autodidata, a falar italiano, francês, inglês, alemão e espanhol.

Na década de 80, participou de um grupo de ocultistas, os Yuzhinsky, que flertava com o satanismo. Começou a estudar religiões pagãs, especialmente as do Leste Europeu e da Ásia. Também adotou provisoriamente o pseudônimo de Hans Siever, em homenagem a Wolfram Sievers, ex-diretor da organização nazista Ahnenerbe, que nos anos 30 realizou pesquisas arqueológicas a fim de confirmar a suposta superioridade da raça ariana.

Siever também participou de experimentos com prisioneiros de campos de concentração e foi condenado à morte durante os Julgamentos de Nuremberg. Na época, Dugin dizia que era possível adotar do nazismo e do fascismo práticas válidas para resgatar a antiga grandeza do império russo.

Em 1992, já no cenário de desmonte da União Soviética, o filósofo atuou de forma decisiva na formação da Frente Nacional Bolchevique, cujo símbolo eram uma foice e um martelo dentro de um círculo branco rodeado por uma bandeira vermelha – o resultado, visualmente, era bastante semelhante à bandeira nazista.

O grupo ficaria conhecido por realizar protestos violentos em que os integrantes, muitas vezes munidos com granadas, propunham boicotes a produtos de origem ocidental. O filósofo continua, até hoje, a defender o uso da violência: para ele, o atirador norueguês, Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em 2011, é um exemplo a ser seguido, porque representa um sintoma da decadência da civilização ocidental. “O fim está chegando para a Europa. Deixemos todo o multiculturalismo, a maçonaria e orgulho gay. Deixemos toda a sujeira da Europa acabar com ela. Quanto mais Breiviks, melhor”.

Após romper com o grupo em 1998, em 2001 Dugin participou da criação do Partido pela Eurásia. Em 2005, assumiu a frente da criação de um braço do partido para jovens – há anos ele advoga pela importância de formar lideranças desde a juventude. Em 2009, lançou o mais influente de seus muitos livros: A Quarta Teoria Política, que propõe a superação do liberalismo, do comunismo e do fascismo, pela ordem.

Ainda que Dugin e Putin não sejam vistos juntos, e o presidente russo sequer mencione nominalmente o filósofo, sua influência é clara sobre as ações do governo. Seu livro Fundações da Geopolítica é leitura obrigatória na Academia Militar do Estado-Maior Geral da Rússia. Ainda assim, a abordagem agressiva rende a Dugin algumas restrições em suas atividades. Depois de pedir o genocídio dos ucranianos em 2014, ele chegou a ser afastado de seu posto na Universidade Estadual de Moscou.

Relação com o Brasil
No Brasil, existe um grupo, fundado em 2015 no Rio de Janeiro, seguidor do pensamento de Dugin. Trata-se da Nova Resistência, que se define como “uma organização política de orientação nacional-revolucionária, composta por trabalhistas, distributistas, tradicionalistas, nacionalistas de diversas vertentes e adeptos da Quarta Teoria Política que defende uma resistência ampla e em vários níveis às políticas econômicas neoliberais, ao imperialismo atlantista, à agenda globalista e ao lobby sionista nas mídias e nos governos”.

A Nova Resistência é um reduto antiliberal e anticapitalista, afirma a entidade em sua página oficial. “Aceitamos uma certa diversidade de posicionamentos políticos, desde que estejam pautados em um antiliberalismo/anticapitalismo, político e econômico, que seja profundo e consistente”. Para o Brasil, a organização propõe “um Estado forte, economicamente soberano e politicamente independente, centralizado em relação a todas as questões estratégicas e de segurança nacional e descentralizado nas bases, em relação a maioria das outras questões”.

Constantemente comparado ao americano Steve Bannon e ao brasileiro Olavo de Carvalho, o filósofo russo chegou a protagonizar um debate com Olavo – que chegou a postar vídeos em que lê suas respostas ao colega. O brasileiro não concordava com as críticas de Dugin à civilização ocidental. A troca de réplicas e tréplicas, intensa, foi reunida num livro, Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial. Quando Olavo faleceu, Dugin utilizou sua conta do Facebook para publicar uma foto de Olavo e Bannon.

Tiago Cordeiro - Ideias - Gazeta do Povo 

 

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Preparemos nossos olhos e ouvidos para notícias falsas

Preparemos nossos olhos e ouvidos para notícias falsas, sofismas, boatos, fofocas, factoides, suposições, insinuações, invenções

Preparem-se: o ano eleitoral de 2022 vai ser cheio de emoções. Já vivemos três anos de preliminares, mas foi só uma amostra. Agora é que vai ser a final. Desde a eleição do deputado do baixo clero, está no ar o espírito de vingança do lado que perdeu, não apenas a eleição, mas o longo desfrute do Estado. As tentativas de tapetão, até agora, foram vãs. Chegou a haver uma CPI claramente eleitoreira, que virou ópera bufa e seu relatório não pôde ser levado a sério. O esforço militante para promovê-la acabou fazendo minguar audiência e leitores.
 
Nesta reta final, estão no jogo dois candidatos à reeleição. Um já foi presidente, e o outro é. Os dois, portanto, têm o que mostrar sobre o que fizeram. Nestes meses que faltam, o desespero vai aumentar. Mas já levou a enganos. A oposição tem posto o atual presidente como centro e eixo de todas as questões. 
Nem mesmo os que desejam derrotá-lo acreditam nas pesquisas, porque, se acreditassem, estariam com a cabeça fria quanto ao resultado de outubro. Aí, na ausência das costumeiras notícias de corrupção no governo, o modelo do calçado do presidente virou parte da cobertura internacional no Kremlin.

O ano eleitoral recém começou, e ministros da Suprema Corte, juízes do Tribunal Superior Eleitoral já abandonaram a discrição de magistrados e desceram para a campanha eleitoral para criticar um dos candidatos, deixando aflorar sua natureza de advogados. Como se sabe, a vocação do advogado é trabalhar a favor de alguém e contra alguém ou algo. Advogado é sempre parcial, a favor de seu representado; já o juiz tem de ser sempre imparcial, ao lado da lei e da justiça

Fiquei pensando se não deveria ser alterada a composição do Supremo, para evitar que ministros da Corte, sendo advogados profissionais, se manifestassem como advogados. Que o tribunal fosse composto só por juízes de carreira, depois de passarem por todas as instâncias e, então, no Superior Tribunal de Justiça, ser escolhido o mais brilhante, indicado ao Senado como juiz supremo. Estudantes de direito certamente estranham, quando não se escandalizam, que juízes do Supremo emitam opiniões, suposições e pré-julgamentos, justo no ano em que terão de ser juízes e administradores de uma eleição. Isso também faz parte das emoções de 2022.

Enfim, preparemos nossos olhos e ouvidos para notícias falsas, sofismas, boatos, fofocas, factoides, suposições, insinuações, invenções escritas, faladas, desenhadas, filmadas, fotografadas, editadas e até carimbadas como checadas e desmentidas. Eleição sempre teve isso, mas era no mundo oral, impresso, de mão única; agora, no mundo digital, são infinitos níveis, direções e vias, na velocidade do instante. Preparemo-nos para não comprar a verdade já embrulhada. Aceitar sem desembrulhar é como um ato de fé, mas isso é para as questões espirituais, não para decidir o futuro dos nossos filhos, nossos empregos, nossos empreendimentos, nosso país. Desembrulhemos o que oferecem para nossos olhos e ouvidos, com o ceticismo da razão, sem a emoção ingênua. Desembrulhe, para não ser embrulhado.

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Bolsonaro visita Túmulo do Soldado Desconhecido, símbolo da União Soviética, na Rússia

Cerimônia de oferenda de flores é tradição entre chefes de Estado que visitam o país 

 Brazil's President Jair Bolsonaro (L) looks on as he attends a wreath-laying ceremony at the Tomb of the Unknown Soldier by the Kremlin Wall in Moscow, Russia on February 16, during an official visit to Russia. (Photo by MAXIM SHEMETOV / POOL / AFP)      Caption

O presidente Jair Bolsonaro (PL) iniciou a visita oficial à Rússia participando de uma cerimônia de oferenda de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido, na manhã desta quarta-feira (16/2). A visita é tradição entre os chefes de Estados que vão ao país.

 Brazils President Jair Bolsonaro (3rd R) attends a wreath-laying ceremony at the Tomb of the Unknown Soldier by the Kremlin Wall in Moscow, Russia on February 16, during an official visit to Russia. (Photo by MAXIM SHEMETOV / POOL / AFP)       Caption  -  (crédito: MAXIM SHEMETOV / POOL / AFP)

O local é símbolo da vitória da União Soviética na guerra. O império, que tinha a Rússia como principal país, durou entre 1922 e 1991 e representou o bloco comunista do mundo, regime que é criticado por Bolsonaro. O local é símbolo da vitória da União Soviética na guerra. O império, que tinha a Rússia como principal país, durou entre 1922 e 1991 e representou o bloco comunista do mundo, regime que é criticado por Bolsonaro. Ao anunciar que iria à Rússia, Bolsonaro ressaltou o discurso contra o comunismo ao dizer que Putin era "conservador".

 

Brazil's President Jair Bolsonaro  (R) attends a wreath-laying ceremony at the Tomb of the Unknown Soldier by the Kremlin Wall in Moscow, Russia on February 16, during an official visit to Russia. (Photo by MAXIM SHEMETOV / POOL / AFP)      Caption

O monumento foi construído como homenagem para um militar morto durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Durante a homenagem, Bolsonaro entregou uma coroa de flores com folhas verde, azul e amarelas, cores da bandeira do Brasil. O presidente não usou máscara durante a cerimônia. Bolsonaro tem um encontro marcado com Putin para as 7h (de Brasília). O presidente também almoçará com o governante russo no Kremlin, sede do governo.

                                    Monumento aos Pracinhas

 [mais uma vez a mídia militante, por desconhecimento e/ou má fé tenta criar narrativas sobre FATOS. 

O monumento ao Soldado Desconhecido, seja na Rússia, no Brasil ou em  vários  países não é símbolo do país que o abriga.
Homenagear o Soldado Desconhecido não é endosso nem crítica ao regime vigente, ou que vigorava, no pais que sedia o monumento.
Chama-se Soldado Desconhecido o militar que foi morto durante uma guerra, mas seu corpo não foi encontrado nem identificado. 
Seu sepultamento, realizado de   modo simbólico em um monumento chamado "Túmulo do Soldado Desconhecido" resgata sua memória e presta as honras merecidas pela morte em combate. 
O Soldado desconhecido é o herói que defendeu a Pátria com a própria vida.
A Rússia foi um dos países que mais teve mortos na Segunda Guerra Mundial - em torno de 27.000.000.
Quanto ao monumento que no Brasil abriga o Túmulo do Soldado Desconhecido, no Rio de Janeiro (aterro do Flamengo) denominado Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, popularmente conhecido como Monumento aos Pracinhas.
Em datas nacionais, em visitas de chefes de Estado, em solenidade militar, é costume,  que o Soldado Desconhecido seja homenageado de diversas formas, estando entre as preferidas a cerimônia oferenda de flores ou uma fração da tropa desfila formando a frase:  'Deus sabe o nome.'
Alguns detalhes do monumento -  "... A câmara fúnebre contém 468 jazigos de mármore preto nacional com tampas de mármore de Carrara, gravados nela nome, graduação ou posto, unidade, data de nascimento e morte.
Quinze jazigos não possuem nomes gravados porque se referem a desaparecidos e a mortos não identificados: “Aqui jaz um herói da FEB — Deus sabe o nome.”
À esquerda, na parede, estão gravados os nomes dos 800 homens das Marinhas de Guerra e Mercante, dos militares do Exército mortos nos torpedeamentos e dos combatentes não identificados.
... "

Bolsonaro não aderiu ao comunismo e Vladimir Putin é conservador - clique aqui e saiba mais.]

 Correio Braziliense


'Somos solidários à Rússia', diz Bolsonaro no início de seu encontro com Putin - O Globo

Depois de fazer teste de Covid aplicado por russos, brasileiro cumprimenta colega com aperto de mãos ao chegar ao Kremlin 

O presidente Jair Bolsonaro se declarou solidário à Rússia ao chegar ao Kremlin no início da tarde desta quarta-feira em Moscou, manhã em Brasília, para o encontro com o colega russo Vladimir Putin, depois de se  submeter pela manhã ao último teste de Covid-19 exigido pelo governo russo.

Bolsonaro e Putin se cumprimentam no início do encontro no Kremlin Foto: SPUTNIK / via REUTERS
Bolsonaro e Putin se cumprimentam no início do encontro no Kremlin Foto: SPUTNIK / via REUTERS

[O presidente francês sendo recebido por Putin. A  distância mostra o quanto o francês - que quer defender o que resta do meio ambiente  do País que preside, sacrificando o Brasil - é tóxico.]
 
Com os testes negativos feitos pela equipe médica russa, Bolsonaro pôde ter um encontro mais próximo com Putin, como ocorreu com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, no início de fevereiro, e não com cada um de um lado de uma mesa de seis metros de comprimento, como ocorreu na semana passada com o presidente francês, Emmanuel Macron, e na terça-feira com o chanceler alemão, Olaf Scholz — ambos se recusaram a fazer o teste PCR russo e foram recebidos com o distanciamento que virou meme na internet.
Presidente russo, Vladimir Putin (E), durante reunião com o premier húngaro, Viktor Órban, tendo ao centro a famosa mesa do Kremlin Foto: SPUTNIK / via REUTERS
Ele foi recebido por Putin com um aperto de mão. Em suas falas iniciais, ambos indicaram que esperam um crescimento da cooperação entre os dois países. — Estamos retomando as relações que foram interrompidas, de certa forma, pela pandemia de coronavírus — afirmou Putin, sentado em uma cadeira ao lado de Bolsonaro, sem a longa mesa que utilizou com mandatários europeus que se recusaram, por questões de segurança, a realizarem os testes russos. É uma alegria recebê-lo, senhor presidente. espero que nosso encontro seja produtivo. É muito importante porque o Brasil é o principal parceiro nosso na região da América  Latina. Bem vindo. [aqui se faz, aqui se paga; corretíssima a conduta de Putin em relação aos mandatários europeus - alegaram, pelo menos o francês, que não queriam que os russos tivessem acesso ao DNA.
Alegação estúpida, por justificar uma conduta inútil. Até o mais idiota dos 'especialistas', sabe que nos tempos atuais NINGUÉM consegue evitar que seu DNA seja colhido.]

O presidente russo lembrou que,  apesar de todas as restrições provocadas pela pandemia no ano passado, o comércio bilateral registrou um aumento  de 87%. Bolsonaro agradeceu a recepção: — Estou muito feliz e honrado por este convite. Somos solidários à Rússia. Queremos muito colaborar em várias áreas, defesa, petróleo e gás, agricultura, e as reuniões estão acontecendo. Tenho certeza que esta passagem por aqui é um retrato para o mundo que nós podemos crescer muito as nossas relações bilaterais — disse o brasileiro, sem especificar a que se dirigia sua solidariedade, no momento em que a Rússia enfrenta tensões com o Ocidente por causa das manobras militares no entorno da Ucrânia. O brasileiro também agradeceu o indulto concedido ao brasileiro que estava detido na Rússia ao ser preso com um remédio proibido.

O encontro entre os dois começou quase uma hora depois do previsto anteriormente na agenda de viagem de Bolsonaro. A expectativa inicial é que a reunião, que incluirá um almoço, dure duas horas. Bolsonaro estava acompanhado do chefe do cerimonial da Presidência,  Marcos Henrique Sperandio. Ao lado de Putin, estava um intérprete.

DNA
O exame de Covid-19 realizado por Bolsonaro foi feito no hotel onde ele está hospedado por uma equipe médica russa destacada pelo governo local. O resultado foi negativo, o que garantiu o encontro bilateral. Integrantes do primeiro escalão também passaram pelo mesmo teste. Segundo autoridades brasileiras, ninguém testou positivo para a Covid.

Presidente russo, Vladimir Putin (E),tendo ao centro a famosa mesa do Kremlin Foto: SPUTNIK / via REUTERS

A mesa: Seis metros de comprimento e uma série de memes: conheça detalhes da mesa usada por Putin para reuniões no Kremlin

Os dois líderes europeus se negaram a fazer os testes alegando motivos de segurança, supostamente temerosos de que os russos pudessem reter o seu DNA. Autoridades brasileiras afirmam que a crise com a Ucrânia não deveria ser o foco do encontro. De todo modo, se abordado, Bolsonaro deveria reafirmar a posição do Brasil de solução diplomática para conflitos.

Além de tratar da cibersegurança e defesa, os presidentes também falariam sobre ciência e tecnologia,  energia e agronegócio. Um dos pontos principais para o governo brasileiro é buscar um compromisso para que a Rússia siga exportando insumos para a produção de fertilizantes. O Brasil também tem interesse em  exportar mais produtos acabados para os russos, que tentarão vender mais insumos e defensivos. O ponto alto será a confirmação da compra da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3) da Petrobras, que fica em Três Lagoas (MS) pelo grupo russo Acron.

Antes da reunião com Putin, Bolsonaro iniciou seu único dia de agenda oficial em Moscou com uma visita ao Túmulo do Soldado Desconhecido. Já depois de deixar o Kremlin, Bolsonaro se encontrará com o líder da Câmara Baixa do Parlamento russo, a Duma. Depois participará de um encontro de empresários dos dois países.

Pela manhã, Bolsonaro e seus ministros visitaram o Túmulo do Soldado Desconhecido, homenagem aos combatentes soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial, chamada na Rússia de Grande Guerra Patriótica. A União Soviética foi o país que sofreu mais baixas na luta contra o nazismo, com 27 milhões de mortos entre militares e civis.

Recomendamos: Como Putin converteu Rússia  e inspirou líderes como Trump e Bolsonaro 

Mundo - O Globo - Jussara Soares


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Como Putin converteu Rússia em 'potência masculina mundial' e inspirou líderes como Trump e Bolsonaro - BBC

  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington
Putin e Bolsonaro se cumprimentam durante encontro em 2019

Crédito, Marcos Corrêa/PR - Putin e Bolsonaro já se encontraram anteriormente, em novembro de 2019

Presentes eróticos para comemorar o aniversário de Putin, no poder na Rússia há mais de duas décadas, são apenas um elemento da exaltação pública costumeira a uma característica central na personalidade do líder russo. Putin se tornou um modelo de virilidade e masculinidade a inspirar políticos ao redor do mundo, como o americano Donald Trump, o húngaro Viktor Orban e o brasileiro Jair Bolsonaro, que embarcou nesta segunda-feira (14/2) para Moscou com objetivo de se reunir com o chefe de Estado russo.

Além do episódio do helicóptero dos bombeiros, Putin já se deixou fotografar em uma série de situações másculas. Derrubou adversários num tatame em lutas de judô. Examinou os dentes de um urso polar no Ártico e de um tigre na Sibéria, ambos anestesiados. Pilotou um submarino e um barco e voou em uma espécie de asa delta motorizada

Posou de rifle em punho (e sem camisa) durante caçada na Sibéria. Surgiu de dorso nu em cavalgadas e pescarias. Preparou um churrasco. Exibiu-se com uma pistola em um estande de tiro ao alvo. Ou apenas apareceu em roupas esportivas enquanto treinava os músculos do peitoral, na academia. 

Nenhum dos registros foi fortuito, fruto do trabalho de fotógrafos paparazzi. "É um trabalho de imagem pensado e executado pelo Kremlin. E, como a internet ainda é largamente livre na Rússia, se algo escapa ao controle e ofende ou desagrada, o governo russo pune", disse à BBC News Brasil Valerie Sperling, professora da Clark University, em Massachussets, e autora do livro Sex, Politics and Putin (Sexo, Política e Putin, em tradução livre).

Com altas taxas de popularidade, mesmo quando descontada a possível coerção sobre a população em um regime crescentemente autoritário, especialistas argumentam que Putin deve ao menos em parte ao perfil "machão" a admiração que inspira nos russos.

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Putin

Putin já se deixou fotografar em uma série de situações másculas - Getty Images

Ao chegar ao poder, no fim dos anos 1990, Putin passou a comandar um país que tentava se reerguer dos escombros da União Soviética. O bloco soviético implodira em 1991, e os russos se viam diante de questionamentos de identidade profundos, tendo que se acostumar ao capitalismo, lidar com o fracionamento do território e com a perda do status de potência global. 

"Havia uma sensação de derrota generalizada, uma instabilidade econômica forte, com a desvalorização da moeda russa, e a derrota na Guerra Fria. A fragilidade era ainda mais evidente entre os pais de família russos, gente em seus 30, 40 e 50 anos que tinha perdido suas economias e seus empregos, que já não conseguia mais sustentar a família enquanto via jovens enriquecendo em novos negócios, e que era alvo de abertas críticas, por sua ausência na vida familiar, por violência doméstica e por problemas como o alcoolismo", afirma Amy Randall, professora de História da Santa Clara University, na Califórnia, e organizadora da edição especial "Masculinidades soviéticas", da publicação acadêmica Estudos Russos em História.

De acordo com Randall, a humilhação e o constrangimento russos perante o mundo nos anos 90 acabaram personificados pelo então líder do país, Boris Yeltsin, flagrado bêbado e em atitudes embaraçosas em eventos internacionais. Ele chegou a fingir que regia uma orquestra em uma solenidade militar e deu declarações sobre o desejo de desarmamento nuclear russo depois de passar da conta na bebida, tendo que ser desmentido por seus auxiliares.

Relativamente desconhecido do grande público, Putin surge no cenário político russo pelas mãos de Yeltsin, a quem viria a suceder. "Putin oferece aos russos essa imagem sóbria de agente durão, das artes marciais, egresso da KGB (o serviço secreto soviético). Se apresenta como o homem que iria levantar a Rússia, então de joelhos, e reestabelecer sua força no cenário internacional", diz Sperling.

É claro que não só de imagem se construiu a trajetória de Putin. Sob seu comando, o Exército russo retomou o controle da Chechênia, invadiu a Geórgia e anexou a Crimeia. Agora, o país vive às voltas com a possibilidade de um conflito armado com a Ucrânia. Desde o fim do ano passado, Putin mantém mais de cem mil soldados na fronteira entre os dois países e exige que a Ucrânia não seja admitida na Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, uma aliança militar liderada por EUA e Europa Ocidental que Putin vê como ameaça à segurança de seu país.Putin e TrumpSegundo professora Amy Randall, Trump tomou seu slogan ("fazer os EUA grandes outra vez) de empréstimo de Putin 

"Sob a liderança de Putin, a Rússia tem se estabelecido como uma potência masculina mundial, exibindo sua virilidade política, sua independência econômica e seu poderio tecnológico e militar. Putin deve sua popularidade - e sua habilidade de se manter por tanto tempo no poder - a mecanismos como seu nacionalismo masculinizado, à ambição de fazer a Rússia grande outra vez, ao seu uso de ideais patriarcais e à noção das diferenças de papéis sociais entre gêneros, além da aberta homofobia".

 'Melhores qualidades masculinas'
Foi a partir dessa perspectiva que Putin disse, em novembro de 2020, que Jair Bolsonaro apresentava "as melhores qualidades masculinas" no comando do Brasil. O elogio aconteceu durante o discurso do mandatário russo no encontro dos BRICS, bloco composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e fazia referência ao modo como Bolsonaro lidou com a pandemia de covid-19. 

"Você até foi pessoalmente infectado por essa doença e resistiu à provação com muita coragem. Sei que aquele momento não deve ter sido fácil, mas você o encarou como um verdadeiro homem e mostrou as melhores qualidades masculinas, como força e força de vontade", disse Putin, segundo transcrição que o próprio governo brasileiro postou.

No léxico de Putin, esse é um elogio típico de quem pretende agradar e conhece bem o interlocutor. Bolsonaro já repetiu a performance de Putin em situações altamente fotografáveis: ele nadou em mar aberto, comandou motociatas, praticou tiro ao alvo, pilotou uma churrascada, jogou futebol, deu cavalo de pau em carro de competição. Quando a covid surgiu, disse que, no seu caso, uma eventual infecção seria leve "graças ao seu histórico de atleta".

Mas, de acordo com Sperling, "apenas mostrar que é durão não esgota as possibilidades de obter legitimidade política a partir da masculinidade".Ela afirma que as demonstrações públicas de tais habilidades costumam se somar também com questionamentos sobre a masculinidade dos oponentes. "E isso é feito, por exemplo, sugerindo que seu adversário não é homem o suficiente, ou é gay, ou ainda dizendo que a mulher dele é feia, não desejável", diz Sterling, que mapeou o comportamento masculino em diferentes líderes mundiais.

Há uma semana, Putin chamou a atenção do mundo com uma declaração em que censurava o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, crítico dos acordos de paz de Minsk. "Goste ou não, minha linda, você tem que aturar", disse Putin, usando uma expressão em feminino para se dirigir ao líder da Ucrânia. 

Já Bolsonaro, no auge de suas discussões com o presidente Emmanuel Macron acerca das queimadas na Amazônia, em 2020, republicou uma postagem que comparava a primeira-dama Michelle Bolsonaro, de 39 anos, com Brigitte Macron, de 68. A postagem dizia: "entende agora por que Macron persegue Bolsonaro?". E o próprio presidente comentava "Não humilha, cara Kkkkkk". 

Outra tática comum é fazer "piadas" com estupro e misoginia. Em 2014, em discussão com a colega Maria do Rosário, do PT, o então deputado Jair Bolsonaro afirmou que "Jamais estupraria você, porque você não merece." Bolsonaro explicou que Rosário seria feia demais para seu gosto. Já Putin, em 2006, teria dito a um repórter israelense, a propósito de acusações de estupro contra o então presidente de Israel Moshé Katsav: "Diga olá a seu presidente. Ele se mostrou um sujeito muito poderoso. Estuprou dez mulheres. Estamos todos surpresos. Todos o invejamos". Depois da repercussão negativa do episódio, o Kremlin culpou uma falha na tradução pelo teor do comentário.

Em 2014, quando a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, comparou a invasão da Crimeia ao assalto do alemão Adolf Hitler sobre a Polônia, Putin foi sucinto: "Melhor nem discutir com mulheres". Disse ainda que o comentário de Hillary revelava "fraqueza". E que "fraqueza não é algo necessariamente ruim em mulheres". Já Bolsonaro, em 2017, afirmou sobre sua filha Laura: ""Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraquejada e veio uma mulher".

Sperling nota que esse tipo de recurso à masculinidade para legitimar - ou deslegitimar - políticos não é uma exclusividade da direita. Mas que talvez fique mais evidente entre políticos direitistas cuja pauta é socialmente conservadora, categoria em que tanto Bolsonaro quanto Putin se enquadram. 

Putin e Orban

Crédito, EPA - Putin se tornou um modelo de virilidade e masculinidade a inspirar políticos ao redor do mundo como Donald Trump, Viktor Orban (foto) e Jair Bolsonaro

Putin se coloca como feroz defensor da família nuclear tradicional. "Quanto a esse papo de 'pai número 1' e 'pai número 2', já falei publicamente sobre isso e vou repetir novamente: enquanto eu for presidente isso não vai acontecer. Haverá papai e mamãe", disse Putin, em 2020. Em 1997, quando era deputado, Bolsonaro afirmou: "ninguém gosta de gay. A gente suporta".

Ao contrário do Brasil, no entanto, na Rússia o casamento homossexual é ilegal. Casais homoafetivos também não podem adotar crianças em conjunto. Se feita, a adoção é registrada apenas no nome de um dos pais.

Quanto à questão da violência doméstica, no Brasil, a Lei Maria da Penha completou 15 anos. Já na Rússia, a agressão de companheiros contra mulheres foi descriminalizada em 2017. A partir de então, apenas agressões dos maridos que provoquem graves lesões corporais nas esposas são passíveis de punição legal.

A mudança legislativa representou um ganho do governo Putin, que tem ficado cada vez mais conservador com o passar dos anos. "Putin e Bolsonaro se admiram e juntos reforçam esse senso de orgulho em relação à masculinidade. Bolsonaro tem claramente tentado emular Putin em suas posturas misóginas e homofóbicas, e em sua confrontação de lideranças europeias e multilaterais. Ele claramente vê em Putin um homem forte. E essa imagem do homem forte tem se tornado mais e mais popular e prevalente no mundo atual", diz Randall.

BBC News Brasil -  Mariana Sanches