Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador apocalipse. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador apocalipse. Mostrar todas as postagens

domingo, 21 de março de 2021

Boa ideia - Elio Gaspari

 Folha de S. Paulo - O Globo

Corre no Conselho da Justiça Federal do STJ uma ideia que parece boa, simples e barata. É a criação de Varas de Inquérito.

Sem precisar criar um só cargo, separam-se nas ações penais os juízes que cuidam de inquéritos e aqueles que prolatam sentenças. Na prática, se o Sergio Moro estivesse numa vara de inquérito, poderia fazer tudo o que fez, mas quando chegasse a hora da ação penal, o caso iria para outro juiz.

Essa mudança pode ser feita sem grandes sobressaltos e sem novas despesas. Tem a vantagem de impedir o surgimento de novas repúblicas de Curitiba ou, pelo menos, tornar mais difícil o seu aparecimento.

Santos Cruz
Para quem sonha com a possibilidade de trazer o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz para uma disputa eleitoral, vale a pena lembrar que lhe foi oferecida a candidatura a prefeito do Rio, e ele recusou. General em armação política é coisa que não acaba bem. O vice-presidente Hamilton Mourão não é metade do que lhe disseram que seria. [as atribuições, e/ou poderes, inerentes ao cargo de vice-presidente da República, constam da Constituição - eventuais penduricalhos dependem de conveniências políticas, que são imprevisíveis.

O general  Euler Bentes, pretendeu montar um governo de oposição,em 1978, se pendurando na sua condição de general. Tinha tudo para perder, o que aconteceu.] 

Há cerca de meio século, um pedaço da oposição transformou o general Euler Bentes Monteiro em candidato na eleição (indireta) de 1978. Euler era um oficial de vitrine, rigoroso, cordial e bom administrador. Perdeu, foi para seu sítio e morreu em 2002. A oposição que havia cortejado estava no poder e mal se lembrou dele. Seu obituário foi noticiado abaixo do registro da morte da inesquecível porta-bandeira Mocinha, da Mangueira.

Bolsonaro x Lula
Quando Jair Bolsonaro disse, com toda naturalidade, que Lula ficará inelegível, mostrou que acredita num salto triplo carpado, partindo das virtudes contorcionistas do ministro Nunes Marques.[para manter Lula elegível, o STF terá que rasgar a Constituição Federal.]

Se ele pular logo, ficará feio. Se demorar, poderá ser tarde.

MATÉRIA COMPLETA - Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, jornalista 

 


quinta-feira, 21 de maio de 2020

O diabo e o anjo disputam Lula; chifrudo leva a melhor; Bolsonaro agradece - Coluna Reinaldo Azevedo

Sei lá... Deve ter batido em Lula, assim, uma certa carência, alguma síndrome de abstinência, uma certa melancolia do isolamento social. E então o diabo soprou ao seu ouvido esquerdo: -- "Companheiro, fale uma grande bobagem. O Jair Bolsonaro não pode monopolizar o noticiário com suas sandices, seus cretinismos, sua dança macabra à beira do abismo do país e aos pés da montanha de mortos. Nós também temos de dizer alguma coisa. Já faz tempo que a gente não escandaliza ninguém. Veja, parece que o PT nem existe, que está alheio à crise. Não pode ser assim".

O anjo acordou da soneca da quarentena sentindo aquele cheirinho de enxofre que o capiroto exala quando fala, ouviu tudo, calado, e ponderou: -- Pô, Lula, não entra nessa, não! O cara tá se estabacando sozinho. Se há alguma coisa politicamente virtuosa para nós, agora, é isto: ele se queima por conta própria. Não há uma só dificuldade que ele esteja atravessando que possa ser atribuída a algo que tenhamos feito. É verdade! A gente aparece pouco. Mas nem é mesmo a hora de aparecer. Fica parecendo exploração da crise.

Aí o diabo -- vocês sabem: é diabo porque é velho, não porque seja sábio --, experiente na arte da manipulação, continuou a tentar a orelha do Companheiro Zero Zero: -- Qual é, Lula!? A gente não tá quieto por estratégia, mas por falta do que dizer. Não dá para continuar assim, não. Temos de ir pras cabeças. Vamos rasgar o véu. O neoliberalismo já era. O vírus fez por nós o que nunca conseguimos fazer sozinhos: provar que, sem Estado, nada se faz. Tá vendo? A quem recorreram agora? A gente sempre tentou provar que o Estado é essencial para salvar a humanidade do apocalipse. Taí! Os neoliberais vituperaram contra as medidas de assistência social, só falam em vender, tudo: vender, tudo: vender, vender, vender... E olha aí. Imagine se não fosse o Bolsa Família que você inventou..." O companheiro diabo tem razão... Lembra o anjo: -- Lula, nem foi você, né? Você reuniu os programas que havia no governo FHC e mudou de nome. É verdade. Elevou o atendimento de cinco milhões de família para uns 11 milhões. Mandou bem!

Aí o rabudo entra em ação: -- Tá vendo? Esse aí nem para reconhecer a sua grande obra. Ah, lembra aqueles tempos do "nunca antes na história deste país", quando a gente descia o sarrafo nas elites, ainda que os empreiteiros e os banqueiros vivessem em lua de mel com a gente? Vamos lá. A gente falava tudo o que dava na telha. Era uma delícia. Esse negócio do Bozo, de ficar rimando cloroquina com tubaína é coisa de amador. A gente manda muito bem quando fala a primeira porcaria que pinta naquela parte do cérebro que dá traço... O negócio é falar primeiro, Lula, e pensar depois. Você vai ver: vamos virar manchete na hora. 

Prudente, o serzinho alado agitava-se nervosamente: -- Vai dar merda!
E seu oposto: -- Não roube meu vocabulário. Vamos lá, companheiro Lula, diga a primeira coisa que lhe veio à mente. E Lula disparou: -- Quando eu vejo os discursos dessas pessoas, quando eu vejo essas pessoas acharem bonito que 'tem que vender tudo o que é público', que 'o público não presta nada', ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus. Porque esse monstro está permitindo que os cegos comecem a enxergar que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises. Essa crise do coronavírus, somente o Estado pode resolver isso, como foi a crise de 2008. O diabo deu uma gargalhada de satisfação: -- Isso! É perfeito! Nem eu conseguiria dizer melhor! É isto! O vírus veio para instruir a humanidade! A gente sabe fazer as coisas.  Se ficar irritado, mata todo mundo afogado, sem critério. Tem um chilique, tome chuva de enxofre em Sodoma e Gomorra só porque viu a turma brincando de pôr aquilo naquilo... Que é que tem? É bem verdade que deve ter caído um meteoro por lá, né?  Mandou bem. O vírus não acabou com tudo. Matou alguns milhares só. A anjo desiste: -- Tá bom, Lula. Nem o Bolsonaro fez por si mesmo o que você está fazendo por ele.

O resto é história. Dada a repercussão da fala do companheiro Zero Zero, o anjo foi chamado para fazer assessoria de imprensa. E ditou a Lula o seguinte texto: -- Utilizei uma frase totalmente infeliz, uma frase que não cabia, e se alguma pessoa ficou ofendida, se algum dos 210 milhões de brasileiros ficaram ofendidos, todo mundo sabe que a palavra 'desculpa', ela foi feita para a gente utilizar com muita humildade porque eu sou um ser humano movido a coração e eu sei o sofrimento que causa a pandemia, eu sei o sofrimento que causa uma pessoa ver seu parente ser enterrado sem poder sequer acompanhar. Eu acredito piamente que enquanto não tiver remédio a melhor solução para que a gente evite pegar a doença ou passar a doença é ficar em casa. Então, se algumas pessoas ficaram ofendidas, com a frase, eu peço desculpas porque a frase não cabia naquilo que eu queria falar." Enquanto isso, o diabo conversava com o anjo de Bolsonaro, se é que me entendem: -- Viu como é fácil?

Reinaldo Azevedo, jornalista - Coluna no UOL


 O diabo e o anjo disputam Lula; chifrudo leva a melhor; Bolsonaro agradece ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/05/20/o-diabo-e-o-anjo-disputam-lula-chifrudo-leva-a-melhor-bolsonaro-agradece.htm?cmpid=copiaecola
x

domingo, 5 de abril de 2020

Jair Bolsonaro é um ponto fora da curva - Elio Gaspari


Folha de S. Paulo - O Globo

O astucioso e explícito ataque público do presidente contra seu ministro da Saúde revelou a extensão dos tormentos de sua alma

Bolsonaro cria entrevista-auditório, modelo inédito de encontros com a imprensa

Presidente mandou que os jornalistas ficassem calados para ouvir o que dizia um dos integrantes de sua claque

O astucioso e explícito ataque público de Jair Bolsonaro contra seu ministro da Saúde revelou a extensão dos tormentos de sua alma. Luiz Henrique Mandetta é uma solução, mas seu chefe vê nele um problema. Mesmo que ele tivesse dito que a Covid-19 seria uma “gripezinha”, o presidente deveria poupá-lo de ostensivas frituras.  Há pouco mais de um mês morreu o ex-ministro Gustavo Bebianno. Tinha 56 anos e foi levado pela tristeza, menos de um ano depois de ter sido demitido da Secretaria-Geral da Presidência em circunstâncias humilhantes pelo presidente por quem trabalhou quando os bolsonaristas  cabiam numa Kombi. Na carta que Bebianno lhe escreveu, disse: “O senhor cultiva e alimenta teorias de conspiração, intrigas e ódio”.




Pouco depois, Bolsonaro demitiu o general da reserva Carlos Alberto dos  Santos Cruz da Secretaria de Governo. Ele pouco falou, mas deixou uma  frase críptica: “Tem que ter noção de consequência.”  Como disse o sábio Marco Maciel, “as consequências geralmente vêm depois”. Quando Bolsonaro diz que “o Mandetta quer fazer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo. Pode ser. Mas está faltando um pouco mais de humildade para ele” e que “a gente tá se bicando há um tempo”, o que ele faz é fritá-lo.

A fritura de Mandetta serve ao coronavírus e a ninguém mais. Bolsonaro sabe desidratar colaboradores e secou o ex-juiz Sergio Moro, mas a importância do Ministério da Justiça não pode ser comparada à da Saúde durante uma epidemia. Desde o inicio da crise, Bolsonaro oscilou do negacionismo ao Apocalipse. O que pode parecer um comportamento errático, foi uma constante e equivocada defesa de seus interesses: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo, acaba o meu governo”.

(.....)
Bolsonaro acertou
Contrariando vários ministros, o presidente Jair Bolsonaro suspendeu por 60 dias um aumento de até 5% no preço dos remédios. Na sua incorrigível opção pela realidade paralela, informou que a medida  foi tomada “em comum acordo com a indústria farmacêutica”. Falso, a decisão foi tomada em desacordo com a guilda do setor. O Sindusfarma fez questão de registrar que não foi consultado.

[Se Bolsonaro não adiantasse ter sido tudo decidido em comum acordo - não deixou de ser um comum, tão não comum - logo um desses partidecos contra o Brasil e o presidente Bolsonaro - , ingressaria com uma ação em "brejo do fim do mundo" contra o presidente alegando interferência indevida no direito das indústrias impor seus preços, ainda que morressem pessoas por conta disso.
E uma liminar seria concedida. Quando fosse caçada, certamente seria, muitos inocentes teriam morrido.
Por isso o presidente do Brasil adaptou a versão.]

Na patética videoconferência de empresários amigos da Federação das Indústrias de São Paulo com Bolsonaro, esse congelamento provisório havia sido uma das poucas propostas capazes de refrescar o andar de baixo. Ela partiu de Eugênio de Zagotti, representante das farmácias. Ele disse o óbvio: “O Brasil não precisa dessa manchete”. Foi contraditado por Carlos Sanchez, em nome da indústria, que ofereceu dois caminhos para que a providência fosse adotada:
O governo poderia criar uma dólar especial para o seu setor, a R$ 4, ou as farmácias deveriam abrir mão de uma parte de sua margem de lucro, repassando-o à indústria.

(.....)


Sem palhaçada
As entrevistas de Jair Bolsonaro no cercadinho do Alvorada serviram para teatralidades, até o dia em que o presidente mandou que os jornalistas ficassem calados para ouvir o que dizia um dos integrantes de sua claque:
É ele quem vai falar, não é vocês, não.
Bolsonaro criou um modelo inédito de encontros com a imprensa, a entrevista-auditório. De um lado ficam os profissionais e de outro os denominados “apoiadores”. O episódio passou da conta e jornalistas abandonaram o local.

No dia seguinte, um funcionário do Planalto pediu à claque que deixasse os jornalistas em paz. Tentou-se chegar a bom termo, mas no dia seguinte, a claque voltou a se manifestar. Os jornalistas devem trabalhar em condições adversas e eventualmente ouvem desaforos, inclusive aqueles que partem de Bolsonaro. É o jogo jogado. Eles não devem ser obrigados a enfeitar palhaçadas.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista







sábado, 21 de março de 2020

Tempos bicudos e tristes - O Estado de S.Paulo

Adriano Pires 

Custo global da crise pode chegar a mais de US$ 3 trilhões. Ou seja, estamos perdendo o ano de 2020

No Brasil e no mundo parece estarmos vivendo o cenário do apocalipse de um filme de ficção de Hollywood ou, então, uma terceira guerra mundial. Países fechando as fronteiras, as Bolsas quebrando, o barril do petróleo abaixo dos US$ 30, falta de mercadoria nas prateleiras dos supermercados, a saúde colapsando e policiais nas ruas impedindo aglomerações. As projeções de crescimento econômico mundial são da ordem de 1,5% e o preço do barril em torno de US$ 35, na média, para 2020 e 2021. É bom lembrar que no início de 2020 o Brent no mercado futuro era precificado a US$ 66. O custo global da crise pode chegar a mais de US$ 3 trilhões. Ou seja, estamos perdendo o ano de 2020. No caso da América Latina, a combinação de queda dos preços do petróleo, colapso da moeda e coronavírus vai manter o crescimento abaixo dos 2% em 2020.
[curioso é que todas as projeções apontam para um elevado custo para a crise resultante  do coronavírus, crise global, mas grande parte da imprensa insiste em atribuir às incontinências verbais do presidente Bolsonaro as perspectivas negativas para a economia brasileira, com possibilidade de PIB negativo. 
Ainda que o presidente fizesse um voto de silêncio o Brasil não poderia, especialmente após 13 anos do assalto lulopetista aos cofres públicos, ter um resultado econômico diferente da tendência mundial.]

O fato é que as consequências ainda são muito incertas. Até o momento, o que se pode ver é uma total desorganização dos mercados financeiros e produtivos, alcançando custos tão gigantes e sem precedentes que é impossível prever qualquer resultado. O problema não é mais preço nem o valor das empresas. É falta total de liquidez. Ninguém compra ao contrário, vende. Todos passaram a querer estocar desde alimentos até dinheiro.

Estamos distantes de ter a capacidade de responder qual será o novo patamar de preço do petróleo, quando devemos voltar a comprar ações, quanto tempo teremos de crise econômica e quando chegará a vacina do coronavírus. Ou seja, muitas dúvidas e poucas certezas.  Este clima de histeria e de pânico com as lideranças nacionais e mundiais contaminadas pelo vírus da mediocridade só traz o caos aos mercados e à sociedade, criando um vírus econômico que pode levar a uma terceira guerra. É inacreditável que, diante deste cenário de guerra, não seja convocada uma reunião do chamado G-8. O que os grandes líderes mundiais estão pensando? Lamentavelmente, não temos mais um Churchill e um Eisenhower. E, com isso, o vírus econômico já está promovendo uma crise sem precedentes, que vai causar estragos na economia mundial de proporções incalculáveis e que exigirá prazos mais longos de recuperação do que os provocados pelo coronavírus. Resta aos investidores buscar empresas com balanço sólido o suficiente para atravessar a crise. E esperar os bancos centrais darem assistência à liquidez.

O petróleo continua sendo a principal fonte de energia do mundo. Um barril do produto abaixo dos US$ 30 vai tornar os veículos elétricos menos atrativos para os consumidores. Os preços baixos podem adiar o timing da chamada transição energética. A atual crise do petróleo poderá levar a mudanças nas políticas dos governos em relação às fontes renováveis de energia. Por outro lado, preços muito baixos do barril podem levar várias empresas americanas de óleo de xisto a um estresse financeiro. Dos aproximadamente 13 trilhões de títulos corporativos (Corporate Bonds) emitidos por empresas americanas, 20% são de empresas de óleo de xisto. Com um preço do barril inferior a US$ 35, é enorme a possibilidade de essas empresas sofrerem um downgrade em seus ratings de crédito, levando a problemas de liquidez e mesmo a um default. É bom lembrar que estamos em ano de eleições americanas e o governo Trump vai ter de reagir promovendo políticas de tempos de guerra.

Enquanto isso, no Brasil, o governo demorou a reagir. Não estamos vendo o governo mobilizando a sociedade e criando saídas em conjunto com o Legislativo, governadores e prefeitos. Só pronunciamentos patéticos, que não apresentam soluções de curto prazo para os diferentes setores da economia em tempos de guerra. Isso assusta e preocupa. No setor de petróleo, a crise pode pôr em xeque o calendário dos leilões de petróleo e da abertura do mercado de downstream. Tempos bicudos e tristes com a conjugação de três vírus: o coronavírus, o econômico e o da mediocridade, que atingiu já faz tempo a maioria de nossos líderes políticos no Brasil e no mundo.

Adriano Pires - O Estado de S. Paulo



domingo, 23 de fevereiro de 2020

Lembrai-vos de 1968, de 1937, e de 1984 - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

A turma em Brasília a fim de arrumar briga pode estar perdendo tempo

Um governo pode viver das intrigas que inventa, mas elas não o livram de encarar os problemas reais; Em 13 meses, Jair Bolsonaro conseguiu um prodígio de desarticulação política, implodiu seu partido, não criou outro e demitiu colaboradores imediatos 

A incontinência da retórica política dos Bolsonaro, do general da reserva Augusto Heleno e até mesmo do ministro Paulo Guedes indica que eles cultivam um conflito institucional. Pelos seus sonhos, com o Congresso, mas na falta dele qualquer coisa serve. Com 12 milhões de desempregados, “pibinho”, filas nas agências do INSS, motins de PMs e encrencas com milicianos, busca-se uma briga.

Há um ano tudo parecia fácil, de um lado estaria um presidente cacifado por 58 milhões de votos e do outro, um Congresso de crista baixa. Em 13 meses, Jair Bolsonaro conseguiu um prodígio de desarticulação política, implodiu seu partido, não criou outro e demitiu colaboradores imediatos, entre os quais seis generais da reserva. Trocou um ministro da Educação delirante por outro, desastroso. Defenestrou o presidente do BNDES, o secretário da Receita e dois presidentes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

No endinheirado FNDE ainda falta saber quem preparou um edital para a  compra de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops ao custo de R$ 3 bilhões. A CGU apontou o vício do certame e ele foi revogado, mas jabuti não sobe em árvore. [jabuti não sobe em árvore, mas, o vício da licitação foi descoberto, gerando medidas corretivas, antes de causar qualquer danos ao Erário.
Tal situação pode ser corrigida e seus autores punidos com a defenestração dos culpados por ação ou omissão, o que ocorreu.] Como disse o presidente há poucos dias, “nossa luta contra a corrupção continuará sendo forte, fazendo o possível pelo Brasil melhor”. Faça-se. Um governo pode viver das brigas que inventa (basta olhar para Donald Trump), mas elas não o livram de encarar os problemas cotidianos da administração. Nesse departamento, Bolsonaro vai devagar, quase parando.

A turma que está em Brasília a fim de arrumar uma briga pode estar perdendo seu tempo. Dois governos armaram cenários que desembocavam em golpes e foram bem-sucedidos. O de Costa e Silva, em 1968, e o de Getulio Vargas, em 1937. Ambos tinham conjunturas internacionais radicalizadas. Vargas enfrentara uma insurreição militar em 1935. Costa e Silva estava diante de um surto terrorista e deixou-se boiar numa provocação palaciana que criou o conflito com o Congresso. A Bolsonaro e aos seus cavaleiros do Apocalipse ainda faltam todos esses ingredientes. As ruas estão em paz e, hoje, em festa. Quarta-feira abre-se a quitanda e continuarão lá os PMs dispostos a se amotinar, bem como os milicianos.

Os golpes bem-sucedidos são sempre lembrados, mas aprende-se também com aqueles que fracassam. Em 1984, quando Tancredo Neves estava virtualmente eleito (indiretamente) para a Presidência, armou-se no invencível Centro de Informações do Exército (CIE) uma provocação venenosa. Pediram-se soldados ao Comando Militar do Planalto para colar em paredes de Brasília cartazes vermelhos, com a foice e o martelo, a sigla PCB, uma figura de Tancredo e o slogan: “Chegaremos Lá”. Ia tudo muito bem até que a polícia prendeu os soldados, e o carro do CIE que lhes daria cobertura escafedeu-se. Exposta a provocação, fez-se silêncio, até que na reunião do Alto Comando do Exército o general que comandava a tropa do Rio perguntou o que tinha sido aquilo. “Gente do meu gabinete, não foi”, respondeu o ministro. O general Newton Cruz, comandante do Planalto, estava na reunião e viria a contar: “Senti um frio na espinha. O CIE era um anexo do gabinete dele. Se não tinham sido eles, tinha sido eu.”

Não tinha, mas acabou sendo. A tropa era dele, porém a operação era do CIE. Nas semanas seguintes fritaram Newton Cruz, negando-lhe a promoção, e ele passou para a reserva, transformado em bode expiatório de todas as bruxarias.  

Em 1961, Costa e Silva reprimiu motim de bombeiros e policiais em SP

O que havia sido uma passeata virou coluna em marcha, cantando o hino em direção à cadeia 
Em janeiro de 1961 a Assembleia Legislativa de São Paulo negou um aumento ao Corpo de Bombeiros e à Polícia Militar (Força Pública, na época). Amotinados, eles hastearam uma bandeira preta no alto de uma escada Magirus do quartel da Praça Clóvis Beviláqua. Uma tropa mandada para controlá-los insubordinou-se.

No dia seguinte, amotinados seguiram em passeata e cercaram portões do Palácio dos Campos Elíseos, onde vivia o governador.  O comandante da 2ª Divisão de Infantaria chegou acompanhado de um major e, empunhando seu bastão de general, informou: “Isso é uma baderna. Será dissolvida a bala. Pensem nos seus filhos.” Logo depois veio sua tropa, com blindados.  O que havia sido uma passeata virou coluna em marcha, cantando o Hino Nacional em direção à cadeia. Foram indiciados 513 policiais.

O general chamava-se Arthur da Costa e Silva. Antes de chegar à Presidência da República, fizera fama como chefe militar, daqueles que comandam sua tropa.
(Em tempo: os amotinados ganharam uma anistia do Congresso, pedida pelo então deputado Ulysses Guimarães.)  Não existe parlamentarismo branco, nem verde e rosa. 

(....)

Na Folha de S. Paulo e O Globo, MATÉRIA COMPLETA - Elio Gaspari, jornalista


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

As dores do Rio - Fernando Gabeira

Em Blog
 
Quase não paro no Rio. É o tempo de matar saudade da família, refazer as malas, obter da emissora o sinal verde para um novo projeto e cair na estrada.
Isso aumenta minha preocupação com a cidade. No fim de semana, assisti ao filme “Coringa”. Parecia ter chegado a Gotham City. O filme começa com a notícia da greve dos lixeiros, a sujeira se acumulando e Gotham sendo tomada por uma grande quantidade de ratos.  No Rio, a notícia era o medo com a contaminação da água, as autoridades pedindo desculpas, especialistas dizendo que não há previsão de normalidade e a água mineral sumindo do mercado.  Em Gotham City, a polícia baixava o pau na multidão fantasiada de palhaço que se indignou com as autoridades e protestava contra os ricos. No Rio, cassetetes, gás lacrimogênio contra uma multidão fantasiada que, ao que parece, queria apenas extravasar sua alegria.

Não é a primeira vez que o Rio se parece com as metrópoles distópicas do cinema. Tive sensação semelhante ao ver “Blade Runner”, que era uma investigação sobre o futuro.  A diferença é que no filme sobre cidades do futuro, a natureza já não tem nenhum papel. Gotham City trata do lixo produzido pelo consumo, as luzes são artificiais, assim como os reflexos que pontuam a narração dramática.  É impossível dissociar a natureza do Rio, mesmo na sua decadência. Talvez seja por isso que, no meio da década de 50 do século passado, Rubem Braga escreveu sua célebre crônica “Ai de ti, Copacabana”.
Nela, muito antes de se falar da elevação do nível dos oceanos, Copacabana é tomada pelo mar. Robalos e garoupas sobem nos elevadores, siris comem cabeças de homens no prato, peixes escuros nadam na maré fétida.

Naquele texto memorável, Copacabana era punida pelos seus pecados. Hoje, os pecados talvez tenham se transformado. Os rapazes maliciosos do passado andavam de lambreta, hoje um veículo de avôs e tios mais velhos. As moças passavam óleo no corpo, hoje Deus sabe o que tragam os corpos juvenis. A distopia do saudoso Rubem Braga, no entanto, não está tão distante da realidade. O aquecimento global eleva o nível dos mares, dizem os cientistas, diante do ceticismo de alguns. E os pecados estão sob controle do novo prefeito, que é um pastor evangélico.  A cidade se decompõe sob orientação divina. Muitos se salvarão após a morte, uma tendência do Rio que se estendeu ao Brasil com a eleição de um presidente terrivelmente evangélico. [essa cultura hoje difundida - alguns a difundem com classe, outros produzindo espetáculos repugnantes - precisa ser substituída por algo mais antigo.
Uma cultura em que havia valores, uma cultura em que a instituição FAMÍLIA era respeitada, DEUS não era ofendido por "artistas" em fim de carreira em espetáculos culturais boçais -tanto no que é apresentado quanto pela performance dos aztistas'.
Até o humor era feito com competência e não com pornografia - precisamos de uma adequação da modernidade cultural fodida de hoje a uma CULTURA um pouco 'antiquada' mas que honra e dignifica o nome.]

É nosso o reino dos céus, mas aqui embaixo as grandes distopias terão de ser pensadas com as forças naturais, a elevação dos mares, os incêndios nas florestas, os rios envenenados pelas barragens de minério, as pessoas fazendo a guerra pela água que restou. A luz artificial de Gotham City oferece grandes recursos para narrar o drama da decadência. No Rio, será preciso pesquisar muito a luz natural para encontrar o tom exato e descrever o apocalipse.  Não é como alguns filmes de época que tratam da decadência com elegância. Será preciso seguir a trilha do velho Braga: peixes, pássaros, árvores e flores boiando na desordem geral.

Claro que esses filmes não descrevem o fim de tudo. Apenas alertam para ele, estimulam as pessoas a evitar, ou no mínimo retardar, o processo de dissolução.
Metrópole cultural, o Rio não é apenas natureza. Existem nele forças que podem erguê-lo de novo. Que me desculpem os moralistas de ontem e de hoje, mas não foram os pecados que levaram o Rio à beira do colapso. Foram escolhas econômicas e políticas. A cidade prosperou como um oásis liberal para os de dentro ou fora do país. O óleo na pele das meninas da praia serve apenas para acentuar o bronzeado. O óleo embaixo da terra ou no fundo mar pode nos viciar e inibir alternativas estratégicas.

Quando chove em Ipanema, atualmente, as ruas ficam tomadas por esgoto e lixo. Não creio que seja um castigo divino porque homens ou mulheres andam de mãos dadas na Farme de Amoedo. O grande pecado abaixo do Equador é a incompetência. Às vezes, dá vontade de rir como o Coringa ou chorar como uma criança diante da própria fragilidade. Mas isso tudo é cinema. Na vida real, temos saídas.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista 


Artigo publicado no jornal O Globo em 20/01/2020


segunda-feira, 10 de junho de 2019

A crise de Itararé (a que não houve) e a dúvida existencial da oposição

Semanas atrás, a agitação em torno da anunciada instabilidade, talvez terminal, do governo Jair Bolsonaro trouxe um ânimo para a oposição. Que andava meio entorpecida (natural, nas circunstâncias) e recebeu uma lufada de ar naquele 15 de maio. Baixada a poeira, a realidade se impôs: tudo continua mais ou menos do jeito que estava.  A oposição tem um longo caminho pela frente, pois a hegemonia da direita leva jeito de ser menos provisória do que poderia parecer no pós-eleição. E os atritos intestinos no governo e no bloco político nascido da longa crise (aí sim, a palavra cabe) de 2013-18 são, como a diz palavra, internos. Os personagens em luta pelo poder são uma turma só.
Algum governista está tão infeliz que apoiaria a volta do PT, ou algum satélite?  
[ NÃO.] Se você não vive no mundo da lua, e por isso respondeu negativamente, pode concluir fácil que as melancias estão chacoalhando e se ajeitando na carroceria do caminhão situacionista mas ele não está perto de capotar. E nunca esteve. Mais uma batalha de Itararé.
A raiz da agitação está num fato e numa constatação. O fato: a eleição do ano passado teve um vencedor, o bolsonarismo, um perdedor, o petismo, e os dizimados, o chamado centro liberal e a social-democracia não propriamente de esquerda. A constatação: a relativa instabilidade deve-se a que os dizimados querem mandar nos vencedores.
  Mas isso só seria viável se os dizimados aceitassem juntar com os derrotados numa frente ampla para emparedar o governo. E o que exatamente têm a oferecer à esquerda, além da agenda do progressismo liberal? A liberdade de Lula? Mais oxigênio (recursos) para os sindicatos? A volta da reforma agrária? Mais orçamento para os pobres?
Difícil. O dito centro está aprisionado pela direita pois as diferenças entre ambos não estão no que fazer. Estão no jeito de fazer. O pedaço da elite econômica e política que torce o nariz para Bolsonaro não tem alternativa à agenda dele. Daí que enquanto o apocalipse era anunciado o Congresso voltava a andar, e sintonizado.
Então tudo são flores para o governismo? Não. Ele tem seu encontro marcado com a crescente turbulência política se a economia e os empregos não reagirem. Mas isso ainda leva algum tempo. E quando mais o Congresso enrolar na reforma da previdência mais o presidente poderá dizer que a situação só não melhora por causa dos políticos.
Sim, a tática tem limite, pois governos são eleitos para resolver, e não para explicar por que não resolveram
E a esquerda? Tem um problema, uma oportunidade e uma dúvida. O problema é o isolamento social. A oportunidade é a onda antiestablishment, quem sabe?, abrir possibilidades para o “novo de esquerda”, pois a direita está no poder. A dúvida? Se dá prioridade a alternativas eleitorais próprias ou se apoia dissidências do outro lado.
A resposta a essa última questão vai depender principalmente de que programa a esquerda vai levar às campanhas eleitorais do próximo ano e de 2022. Se optar por uma plataforma liberal-progressista, termo que a Ciência Política vem usando, será quase automático que não consiga se distinguir do tal centro, e será natural o apoio a terceiros. 
Mas se preferir um caminho mais raiz, explorando a polarização social e o custo do ajuste austero liberal, a esquerda precisará construir dentro de seu campo alternativas eleitorais. Algumas viáveis, algumas destinadas a preparar o terreno para dali a dois anos. Quando enfrentará ou Bolsonaro ou um bolsonarismo recauchutado para agradar aos salões.
*

Os Estados Unidos do livre-comércio distribuem sanções e sobretaxas a torto e a direito, como cura para todos os males. E esta semana China e Rússia saíram em defesa da “globalização de face humana”. O mundo não está para principiantes. 


domingo, 12 de maio de 2019

"A filosofia da fraude (sem cortes)"

"O fascismo contra a educação. Perfeito. Para os heróis da narrativa, esse foi o melhor bordão depois do rosa para meninas e azul para meninos. Não pense que é fácil viver como catador de lixo ideológico. É preciso ser sagaz, esperto como uma águia para ver a oportunidade – aquela xepa de panfleto dando sopa na sua frente. Aí você tem que agarrar a chance como quem agarra um cargo numa universidade pública oferecido por um padrinho do PSOL.

Contingenciamento de verbas públicas para todas as áreas (inclusive educação) cansaram de acontecer em todos os governos – especialmente em inícios de mandato. Mesmo Lula, o ídolo dos acadêmicos, e Dilma, a musa dos intelectuais, congelaram e eventualmente meteram a tesoura em corte raso nas áreas sociais – até porque roubaram tanto que precisavam compensar de alguma forma. E a resistência democrática e cultural sempre achou tudo lindo, para não estragar a narrativa que sustenta suas panelas – sempre cheias e imunes à crise.

Depois do impeachment já houve um primeiro ensaio desse teatro revolucionário. No que os parasitas do PT foram enxotados da máquina pública, começou o esforço para tapar o rombo deixado pela quadrilha do bem – e uma das medidas fiscais mais importantes foi acabar com a contabilidade criativa (que derrubou Dilma) e restabelecer um teto de gastos. A emenda que cessava a orgia foi batizada de PEC do Fim do Mundo por esses progressistas de butique – já ali anunciando um ataque malévolo (e falso) à educação. Até a ONU ajudou a espalhar essa fake news – embora isso não tenha muita importância, porque a ONU tem se prestado a papéis bem piores.

Entre os que integravam aquela claque apocalíptica estavam, curiosamente, personagens importantes para a instituição da responsabilidade fiscal no Brasil, como Fernando Henrique Cardoso. Como se sabe, o mais alto mandamento para certos homens públicos no Brasil é ficar bem na foto – e naquele momento transcorria a famosa conspiração Janoesley (criatura surgida da fusão entre um procurador-geral e um açougueiro biônico). Parte da grande imprensa infelizmente aderiu à armação e levou junto todos esses papagaios de pirata da sagrada luz midiática.

E aí está de novo a mesma claque, incluindo o mesmo FHC
(que pena, presidente), gritando que o obscurantismo chegou para acabar com a filosofia e a sociologia. É o tipo de fake news que os caçadores de fake news mais gostam de perpetrar, porque cola. E como você sabe, hoje em dia boa parte desse jornalismo de campanha que lamentavelmente se espalhou por aí não precisa nem de pretexto para fazer proselitismo.

Nos
Estados Unidos, por exemplo, segundo a cobertura de parte significativa da imprensa, o Obama que travou a economia com sua demagogia tributária e foi pego em grave espionagem política é o bonzinho; e o Trump que ia provocar a Terceira Guerra Mundial e está melhorando todos os indicadores sociais é o nazista. Fim de papo, não adianta discutir. Cartilha é cartilha, dogma é dogma.

A impostura se torna um pouco mais patética quando você lembra que a filosofia e a sociologia no Brasil – que segundo os arautos do apocalipse estão sob ataque letal – hoje abrigam, miseravelmente, uma fraude acadêmica. Parte considerável das verbas públicas destinadas a essas disciplinas viraram subsídio para contrabando político-partidário. A tragédia das ciências humanas no país já se deu com o sequestro do conhecimento pela panfletagem – e a transformação criminosa de salas de aula em assembleia do PSOL e do PT. Obscurantismo é isso – e o longo silêncio de vocês, bravos democratas de festim, diante desse massacre cultural é obsceno.

Assinaram embaixo dessa fraude acadêmica, e não mostraram a valentia de agora nem quando os cafetões partidários da UFRJ carbonizaram o Museu Nacional com sua incúria. Quando querem, vocês são os reis da tolerância. Não deram nem um gemido quando foi revelado que o Colégio Pedro II – que vocês agora fingem defender em nome da educação – tinha virado uma espécie de sucursal do PSOL, com comitê local e tudo. Sob o pretexto da resistência ao obscurantismo, vocês estão escrevendo a mais vergonhosa página de picaretagem intelectual da história."


Guilherme Fiuza - Gazeta do Povo

 

terça-feira, 30 de abril de 2019

Os corneteiros do fracasso


"Há um avião pronto para decolar, com motor suficiente para te tirar da seca. Mas você quer saber se tem vascaíno à bordo, qual a religião do fabricante e o signo do copiloto. Assim está o Brasil, com um grupo de abnegados tentando fazer a reforma da Previdência pegar no tranco apesar de vocês, os analistas zodiacais do neofascismo imaginário. Até anteontem vocês se comportaram direitinho. O que importava, basicamente, era ter uma tripulação confiável para tirar o Brasil do deserto deixado pela exuberância da Disney Lula. Após uma eleição cheia de artimanhas para tentar reabilitar o poder da quadrilha, o país escolheu o caminho onde, por vias tortas ou não, a tal tripulação confiável chegou à cabine de comando. Posto Ipiranga.

Mas vocês não querem mais sair do lugar. Aparentemente nesse meio tempo vocês fizeram um mestrado em crítica comportamental, com MBA em etiqueta comparada, e seus interesses mudaram. Vocês trocaram o Posto Ipiranga pelo salão de cabeleireiro, onde uma desavença sobre a novela da véspera é crise grave. De fato, é uma rotina mais agitada e emocionante. O Posto Ipiranga é um tédio.

E assim estamos, neste estanho ano da graça de 2019. Enquanto Paulo Guedes, Rogério Marinho, Mansueto Almeida, Marcos Cintra, Salim Mattar, Campos Neto, Tarcísio Freitas, Sergio Moro e outros grandes trabalham duro para tirar o Brasil do atoleiro, vocês fuxicam rebotalhos de rede social e tocam nos ouvidos da nação as suas cornetas do fracasso. [por questão de Justiça temos que tirar o Marcos Cintra do rol dos grandes, visto que sempre que pode ele tenta ferrar o governo Bolsonaro = ontem mesmo inventou que seria criado um imposto sobre o dízimo.] Nada presta, assim não dá, ole-lê, ola-lá. Os velhos trombeteiros do apocalipse, de Ciro Gomes a Requião, de Jean Wyllys a Gleisi, estão animadíssimos com a chegada de vocês à orquestra.

A reforma está afundando na CCJ
diziam vocês – porque o governo só existe no Twitter (vocês sabem tudo de articulação política), porque o Rodrigo Maia mordeu a orelha do cachorro do Bolsonaro, porque o Mourão é o golpista gente boa (vocês estão na dúvida), porque os filhos são fanfarrões (ah, se eles tivessem MBA em etiqueta comparada…) e acima de tudo porque vocês encontraram essa fantasia de corregedores perfumados do estorvo bolsonarista e vão fazer cara de nojo para tudo.

OBS: A reforma passou bem na CCJ, iniciando ainda nos primeiros meses da nova gestão a agenda mais esperada pelos que querem reconstruir isso aqui, mas vocês continuaram com cara de nojo, dizendo que demorou (!), dizendo que o projeto do Paulo Guedes foi desidratado (mentira) e não vai prestar, ole-lê, ola-lá.  Sobre essa parte de viver surfando entre meias-verdades, vocês estão provando aos parasitas do petismo que é possível mentir com muito mais classe do que eles fizeram por 13 anos. Aliás, no salão da resistência democrática não se ouviu um pio sobre a fake news da menina que se recusou a cumprimentar o presidente. Podem poupar suas meias-verdades para explicar esse silêncio hediondo: já entendemos que na nova cartilha de vocês não é permitido apontar eventuais picaretagens na imprensa, porque pode ser entendido como discurso bolso-fascista. Incrível como vocês estão mudados (os cabelos continuam os mesmos, mas o juízo… quanta diferença).
Ainda assim, a nova aposta de vocês não é de todo burra. Não há de faltar bizarrices dos bolsonaros e seus circundantes para alimentar as crises de fofoca que vocês hoje se dedicam a fermentar e espalhar. Vocês são os colunistas sociais da miragem autoritária, uma espécie de reencarnação da Revista Amiga para futricas de coturno. Não deixa de ser um papel na sociedade. Se apesar de vocês o avião decolar e tirar o Brasil da seca, vocês obviamente vão querer embarcar correndo, pedindo educadamente desculpas pelo atraso. Não tem problema, a tripulação que está dando duro mal sabe de vocês (não dá tempo de ler a Revista Amiga). São democratas – exatamente como vocês fingem – e não irão barrar ninguém.  Talvez os passageiros à bordo não sejam tão receptivos, mas não dedicarão a vocês nada pior do que uma cara de nojo, como a que vocês hoje fazem para tudo. Nada grave, eles apenas terão entendido quem vocês são."
 
Guilherme Fiuza - Gazeta do Povo
 
 

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Os sete tiros de fuzil do presidente


A guerra das armas e das ideologias de um caçador de conflitos 


O presidente Jair Messias Bolsonaro quis fazer uma exibição de tiro de fuzil durante sua recente e polêmica visita a Israel. Segundo o ministro da Segurança daquele país, o hóspede de honra brasileiro “acertou no alvo sete tiros de longo alcance”. Não sei por que quis destacar que os disparos de Bolsonaro, que deram no alvo, foram sete. É um número, de fato, mágico desde tempos antigos, mas nunca foi um número de destruição e morte. Para Pitágoras, era o número perfeito. Roma foi edificada sobre sete colinas. Sete são as fases da lua, e sete os dias da semana.

Das sete maravilhas do mundo aos sete pecados capitais, dir-se-ia que esse número entranha um poder oculto. Também na Bíblia, o número sete domina os acontecimentos mais importantes da história de Israel. Deus descansa no sétimo dia depois de ter criado o mundo. O candelabro do templo tinha sete braços, e Salomão construiu o templo em sete anos. E sete são os selos do Apocalipse. Os sete tiros de fuzil de Bolsonaro em Israel, que atingiram o alvo a longa distância com precisão, podem ser vistos como símbolo da polêmica presidência do mandatário brasileiro. Se o presidente tivesse querido fazer honra ao bíblico número sete, poderia ter escolhido outros campos para prestigiá-lo, em vez do gesto bélico de disparar um fuzil sete vezes.
Sete poderiam ser outros tantos projetos do presidente para transformar o Brasil, para devolver-lhe vitalidade econômica e a ilusão de uma convivência pacífica que supere ódios e discórdias. Poderiam ter sido sete anúncios de outras tantas decisões capazes de entusiasmar um país encolhido e dilacerado após tantas frustrações com seus governantes. Poderia ter pedido em Israel, terra bíblica, um projeto para reunificar judeus e palestinos em um novo horizonte de diálogo e de paz, algo que desejam sobretudo as novas gerações de ambos os lados. Poderia naquele pedacinho de terra carregado de historia milenar ter soltado sete pombas da paz, em vez de disparar uma arma que evoca guerra e destruição.
O mundo dos símbolos é antigo como o Homo Sapiens. A Humanidade se comunica de muitas formas, das palavras e da escrita aos gestos da linguagem não-verbal. Bolsonaro, desde a época da campanha eleitoral, nos revelou a evidência de sua predileção pela linguagem explícita das armas. Já fazem parte da mitologia seus gestos com as mãos imitando os tiros de um revólver. Gesto que quis ensinar a uma menina de cinco anos, profanando sua mão ainda inocente.
Em sua emblemática visita a Israel, talvez não tenha sido apenas coincidência que o presidente brasileiro, nostálgico de ditaduras e torturas, quisesse, em vez de gestos de paz e de distensão mundial, em um pedaço do mundo que é um barril de pólvora sempre pronto a explodir, fazer uma exibição simbólica de sua grande pontaria militar. Esses disparos servirão para abrir um grande diálogo com todos os brasileiros que preferem a paz à batalha, ou o impedirão de ser presidente de todos para se limitar àqueles que, como ele, têm sonhos cheios de violência e vingança?
A significativa e polêmica viagem de Bolsonaro a Israel continuará tendo consequências em seu destino como presidente da República no Brasil. Enquanto os brasileiros condenavam [alguns brasileiros, felizmente uma minoria cuja tendencia é minguar cada vez mais.]  aqui a ditadura em seu 55º aniversário, o presidente se divertia em Israel em uma exibição de tiros de fuzil, sem que ninguém visse uma fugidia pomba de paz voar sobre sua cabeça.
A guerra, a das armas e das ideologias, é a grama que melhor parece crescer nesse jardim sombrio do capitão reformado caçador de conflitos. Em Jerusalém, antes de deixar Israel, o mandatário brasileiro quis deixar plantada uma nova espécie maligna. Afirmou, sem tremer a voz, que “o nazismo era de esquerda”. O Holocausto também? Bolsonaro e suas milícias do Governo, sempre em pé de guerra contra a evidência da História, passarão, e a realidade brasileira ressuscitará. Se o presidente alardeia ter adotado como lema as palavras do Evangelho de João: “A verdade vos libertará” (Jo 8,31ss), o que estamos vendo, ao contrário, é que a sua verdade, vendada e negada pela ideologia, o está deixando cego.

Demetrio Magnoli - O Globo