O Estado de S.Paulo
O mundo pós-pandemia não vai ser muito diferente do que era até o começo desta ano, só um pouco pior
O
mundo pós-pandemia não vai ser muito diferente do que era até o começo
deste ano, talvez só um pouco pior. Do ponto de vista da ordem
internacional, a China vai registrando importante vitória tecnológica e
política. Ajudada pelos Estados Unidos, que se isolam cada vez mais e
despertam no resto do mundo, pela primeira vez, um sentimento de pena em
relação aos americanos, no lugar de admiração, respeito ou raiva – como
costumava acontecer antes do vírus.
Do
ponto de vista das sociedades ricas, acentua-se o egoísmo típico
trazido pelo crescimento de desigualdades e concentração de renda em
escala global. Da perspectiva dos mais pobres, o fim da esperança de que
miséria fosse algo a ser liquidado ali na próxima esquina da história.
No geral, morre a ideia de que “valores universais” (como direitos
humanos, ou sociedades abertas, ou democracia liberal) fossem se impor
de maneira mais ou menos “automática” na linha do tempo.
É
a hora de os filósofos falarem da pandemia, e as ideias acima são do
pensador-celebridade francês Bernard-Henri Lévy. Ele acaba de publicar
já em inglês The Virus in The Age of Madness (em tradução livre: O Vírus
na Era da Loucura), lançado no circuito internacional da propagação de
ideias por meio de debates e conversas com outras celebridades como
Fareed Zakaria (GPS), Thomas Friedman (New York Times) e Francis
Fukuyama (American Interest). Está no YouTube para quem prefere assistir
em vez de ler.
É
difícil resumir em poucas palavras a sofisticação profissional de um
Bernard-Henri (defensor de ideias liberais), mas algumas de suas frases
são contundentes: “A epidemia veio da China, a resposta do Partido
Comunista chinês foi eficiente e eles estão conseguindo vender para o
resto do mundo o seu padrão de comportamento”. O título do livro não é
só uma provocação. Um dos mais conhecidos “intelectuais públicos” está
mesmo convencido de que vivemos uma “competição de loucuras” como
resposta ao vírus.
Fala
da “sombria alegria” com a qual se abraçou o vírus enxergado como não
só mais uma pandemia (disso já tratavam os filósofos gregos uns quatro
séculos antes de Cristo), mas como uma expressão de “coisa real”, de
“história real”, de “tragédia verdadeira”, ao contrário do mundo das
notícias, que se parecem nos tempos “pós-históricos” (Levy) em que
vivemos como “eventos irreais”, como “eventos fake”. “Um vento de
loucura está varrendo o mundo”, afirma.
O
vírus não introduziu nada excepcionalmente novo, apenas acentuou ou
escancarou tendências, problemas e dilemas já existentes, tanto na
política quanto na economia. E tem até um lado que se diria vantajoso,
segundo o filósofo: “Tornou evidentes a duplicidade e a inadequação”,
além do oportunismo, de alguns dos personagens políticos citados por ele
(nesta categoria negativa são Trump, Putin, Maduro e Bolsonaro).
Eles
se esmeram na postura da “negação da realidade”, diz Levy, que dedica
menções pouco simpáticas também aos que ele chama de “profilatocratas,
vegetocratas e ecolocratas” (não só em alemão se inventam palavras no
discurso filosófico), além dos defensores de políticas identitárias.
Nesse sentido, tomando todos os “ismos” em curso, registra-se uma
“competição de loucura” como resposta à pandemia, que nada tem de
inédito, o mundo já lidou com isso muitas vezes antes, “e nem é tão ruim
quanto parece”.
Mas
não se pense que só o grande circuito intelectual global está dando
atenção a filósofos. O recente congresso anual da Associação Brasileira
do Agronegócio (Abag), no começo desta semana, trouxe um filósofo para
examinar com produtores rurais, economistas e técnicos do setor o que se
imagina que venha a ser o mundo pós-pandemia. “Daqui uns três anos
ninguém vai se lembrar que teve a pandemia”, vaticinou Luiz Felipe
Pondé, o filósofo convidado.
William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo
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