Primeiro, como votar um começo de reforma, como a unificação do Pis/Confins, se não se sabe qual a sequencia?
E segundo, como acreditar que não haverá aumento de carga tributária se não se sabe a sequencia e se há aumento logo na primeira proposta?
Já o público é tratado como bobo. Diz o ministro que a ideia geral é
taxar mais os ricos e menos os pobres. E no meio disso vem uma garfada
no FGTS – a redução de 8% para 6% do salário no depósito mensal. Não
parece que os mais ricos estejam especialmente preocupados com suas
contas no FGTS. [com o depósito mensal valor de 8% do salário, em um ano é depositado um salário, do favorecido = trabalhador;
reduzindo para 6% mensal, o depositado em um ano equivale a no máximo 75% do mesmo salário.]
A esse argumento, o ministro talvez respondesse que a gente está sendo ignorante ou de má fé. Isso porque, diria, com o custo menor da folha de salário seriam gerados mais postos de trabalho.
Seriam mesmo? Numa economia andando devagar, quase parando, com a demanda fraca, o mais provável é que as empresas embolsassem a economia, como já aconteceu recentemente.
É verdade que a cunha fiscal sobre salários é pesada. Vai uma grande diferença entre o que a empresa paga e o que o trabalhador leva para casa. Logo, é preciso reduzir o custo para a empresa, mas à custa do trabalhador?
O mais importante nesse capítulo, como diz há décadas o professor José Pastore, é simplificar a legislação trabalhista, deixar que empregados e empresas se entendam. Ou, o combinado vale mais que o legislado.
Parte da reforma foi feita. Mas apenas parte.
No outro capítulo – a necessária desoneração da folha salarial – o ministro precisa encontrar outras fontes de repor a perda de receita do INSS.
Nem é bom dizer isso, que ele já vai sacar o tal “imposto digital”. Jura que não é uma nova CPMF, mas um imposto moderno que já está sendo discutido e cobrado em alguns países do mundo desenvolvido. Manicômio de novo. No mundo desenvolvido, os governos estão tentando encontrar um jeito de cobrar imposto sobre as receitas e lucros dos gigantes digitais.
Como operam no mundo todo, essas companhias fazem circular suas receitas para pagar imposto onde é menor ou nada. Operam em países nos quais nem têm domicílio. Como cobrar?
Isso é diferente de imposto sobre transações digitais, que é o jeitão da coisa pensada por aqui, e que parece, sim, um tipo de CPMF. Nessa confusão, o país está passando ao largo de uma discussão que se trava no mundo todo. Houve ou não uma mudança na, digamos, nova ortodoxia econômica? Da responsabilidade fiscal (corte de gastos, redução de dívidas) para o “taxar e gastar”? Todos os governos aumentaram seus gastos e, pois, suas dívidas, de maneira pesada, por duas vezes nos últimos dez anos. Primeiro, para resolver a crise financeira de 2008/09. E agora, para conter os danos da pandemia.
Déficits e dívidas públicas são tão elevadas que um ajuste efetivo depende de uma combinação de aumento de impostos e corte de gastos. Ora, como fazer isso em economias deprimidas?
Por outro lado, como um país pode crescer de maneira sustentável e sem inflação com uma combinação de elevada carga tributária, drenando recursos de pessoas e empresas, mais endividamento público crescente? Eis o dilema mundial. Para o Brasil, é ainda mais difícil. Primeiro, porque entramos nas duas crises com as contas públicas desajustadas. Se tivéssemos cumprido a responsabilidade fiscal que estava na lei, teríamos entrado nas crises com dinheiro em caixa ou com dívidas menores e mais sustentáveis. Foi o contrário.
E, segundo, se tivéssemos feito a reforma/simplificação tributária em algum momento desses 30 anos em que se debate o tema, também haveria condições mais confortáveis para propor, por exemplo, um aumento provisório de carga. Armínio Fraga tem proposto uma saída interessante: uma reforma administrativa, de modo a reduzir gasto com pessoal e aumentar a eficiência do Estado, sem necessidade de cortar gastos importantes. [parece que gasto com pessoal não é gasto importante;
tentaram não gastar com pessoal - considerando gastos com pessoal sem importância e o pessoal descartável - se danaram, e o INSS é a prova que o pessoal é necessário.]
Mas isso é muito complicado, não é mesmo?
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo
Coluna publicada em O Globo - Economia 6 de agosto de 2020
reduzindo para 6% mensal, o depositado em um ano equivale a no máximo 75% do mesmo salário.]
A esse argumento, o ministro talvez respondesse que a gente está sendo ignorante ou de má fé. Isso porque, diria, com o custo menor da folha de salário seriam gerados mais postos de trabalho.
Seriam mesmo? Numa economia andando devagar, quase parando, com a demanda fraca, o mais provável é que as empresas embolsassem a economia, como já aconteceu recentemente.
É verdade que a cunha fiscal sobre salários é pesada. Vai uma grande diferença entre o que a empresa paga e o que o trabalhador leva para casa. Logo, é preciso reduzir o custo para a empresa, mas à custa do trabalhador?
O mais importante nesse capítulo, como diz há décadas o professor José Pastore, é simplificar a legislação trabalhista, deixar que empregados e empresas se entendam. Ou, o combinado vale mais que o legislado.
Parte da reforma foi feita. Mas apenas parte.
No outro capítulo – a necessária desoneração da folha salarial – o ministro precisa encontrar outras fontes de repor a perda de receita do INSS.
Nem é bom dizer isso, que ele já vai sacar o tal “imposto digital”. Jura que não é uma nova CPMF, mas um imposto moderno que já está sendo discutido e cobrado em alguns países do mundo desenvolvido. Manicômio de novo. No mundo desenvolvido, os governos estão tentando encontrar um jeito de cobrar imposto sobre as receitas e lucros dos gigantes digitais.
Como operam no mundo todo, essas companhias fazem circular suas receitas para pagar imposto onde é menor ou nada. Operam em países nos quais nem têm domicílio. Como cobrar?
Isso é diferente de imposto sobre transações digitais, que é o jeitão da coisa pensada por aqui, e que parece, sim, um tipo de CPMF. Nessa confusão, o país está passando ao largo de uma discussão que se trava no mundo todo. Houve ou não uma mudança na, digamos, nova ortodoxia econômica? Da responsabilidade fiscal (corte de gastos, redução de dívidas) para o “taxar e gastar”? Todos os governos aumentaram seus gastos e, pois, suas dívidas, de maneira pesada, por duas vezes nos últimos dez anos. Primeiro, para resolver a crise financeira de 2008/09. E agora, para conter os danos da pandemia.
Déficits e dívidas públicas são tão elevadas que um ajuste efetivo depende de uma combinação de aumento de impostos e corte de gastos. Ora, como fazer isso em economias deprimidas?
Por outro lado, como um país pode crescer de maneira sustentável e sem inflação com uma combinação de elevada carga tributária, drenando recursos de pessoas e empresas, mais endividamento público crescente? Eis o dilema mundial. Para o Brasil, é ainda mais difícil. Primeiro, porque entramos nas duas crises com as contas públicas desajustadas. Se tivéssemos cumprido a responsabilidade fiscal que estava na lei, teríamos entrado nas crises com dinheiro em caixa ou com dívidas menores e mais sustentáveis. Foi o contrário.
E, segundo, se tivéssemos feito a reforma/simplificação tributária em algum momento desses 30 anos em que se debate o tema, também haveria condições mais confortáveis para propor, por exemplo, um aumento provisório de carga. Armínio Fraga tem proposto uma saída interessante: uma reforma administrativa, de modo a reduzir gasto com pessoal e aumentar a eficiência do Estado, sem necessidade de cortar gastos importantes. [parece que gasto com pessoal não é gasto importante;
tentaram não gastar com pessoal - considerando gastos com pessoal sem importância e o pessoal descartável - se danaram, e o INSS é a prova que o pessoal é necessário.]
Mas isso é muito complicado, não é mesmo?
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo
Coluna publicada em O Globo - Economia 6 de agosto de 2020
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