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quinta-feira, 31 de março de 2022

MINISTÉRIO DA DEFESA - ORDEM DO DIA alusiva ao dia 31 de março

MINISTÉRIO DA DEFESA
ORDEM DO DIA alusiva ao dia 31 de março de 1964
Brasília, DF, 31 de março de 1964
 

Brasília (DF), 30/03/2022 - O Movimento de 31 de março de 1964 é um marco histórico da evolução política brasileira, pois refletiu os anseios e as aspirações da população da época.

Analisar e compreender um fato ocorrido há mais de meio século, com isenção e honestidade de propósito, requer o aprofundamento sobre o que a sociedade vivenciava naquele momento. A história não pode ser reescrita, em mero ato de revisionismo, sem a devida contextualização.

Neste ano, em que celebramos o Bicentenário da Independência, com o lema “Soberania é liberdade!”, somos convidados a recordar feitos e eventos importantes do processo de formação e de emancipação política do Brasil, que levou à afirmação da nossa soberania e à conformação das nossas fronteiras, assim como à posterior adoção do modelo republicano, que consolidou a nacionalidade brasileira.

O século XX foi marcado pelo avanço de ideologias totalitárias que passaram a constituir ameaças à democracia e à liberdade. A população brasileira rechaçou os ideais antidemocráticos da intentona comunista, em 1935, e as forças nazifascistas foram vencidas na Segunda Guerra Mundial, em 1945, com a relevante participação e o sacrifício de vidas de marinheiros, de soldados e de aviadores brasileiros nos campos de batalha do Atlântico e na Europa.

Ao final da guerra, a bipolarização global, que fez emergir a Guerra Fria, afetou todas as regiões do globo, o que trouxe ao Brasil um cenário de incertezas com grave instabilidade política, econômica e social, comprometendo a paz nacional.

Em março de 1964, as famílias, as igrejas, os empresários, os políticos, a imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as Forças Armadas e a sociedade em geral aliaram-se, reagiram e mobilizaram-se nas ruas, para restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil, por grupos que propagavam promessas falaciosas, que, depois, fracassou em várias partes do mundo. Tudo isso pode ser comprovado pelos registros dos principais veículos de comunicação do período.

Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País, no fortalecimento da democracia, na ascensão do Brasil no concerto das nações e na aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso Nacional.

As instituições também se fortaleceram e as Forças Armadas acompanharam essa evolução, mantendo-se à altura da estatura geopolítica do País e observando, estritamente, o regramento constitucional, na defesa da Nação e no serviço ao seu verdadeiro soberano – o Povo brasileiro.

Cinquenta e oito anos passados, cabe-nos reconhecer o papel desempenhado por civis e por militares, que nos deixaram um legado de paz, de liberdade e de democracia, valores estes inegociáveis, cuja preservação demanda de todos os brasileiros o eterno compromisso com a lei, com a estabilidade institucional e com a vontade popular.

   


sábado, 12 de março de 2022

É Rússia, não URSS - Carlos Alberto Sardenberg

Muita gente, lá fora e aqui, está cometendo um grande equívoco: pensar a Rússia como se fosse a União Soviética. Não é.

No tempo da URSS, Moscou tinha uma mensagem não apenas para a Europa, mas para o mundo todo. O marxismo soviético era uma construção completa: definia desde a organização da sociedade política, da produção e distribuição de riqueza até a vida cultural.

Mais importante: essa ideologia era partilhada pelo mundo afora. Nos países já no âmbito da URSS, havia partidos, militância e apoios locais ao marxismo soviético.

Não se tratava de uma “simples” dominação externa, mas de identidade ideológica, pelo menos de parte das populações. Mais ainda: nos países que estavam na órbita do Ocidente, em muitos havia partidos comunistas de sólida representação popular. Itália e França, por exemplo.

Em outros países, havia PCs ilegais, mas muito atuantes, especialmente no setor cultural.  Em Moscou, existia uma universidade onde só estudavam alunos de outros países. Uma escola séria, competente no ensino de história, política e cultura, do ponto de vista do marxismo soviético.

A guerra fria, portanto, era uma disputa entre duas articuladas visões de mundo.

Uma dessas visões simplesmente veio abaixo. O socialismo soviético morreu – e por ação de suas populações locais. Reparem: o muro ruiu sem que o Ocidente precisasse dar um tiro.

Não houve invasão do Leste, nenhuma conquista. Apenas as populações locais, quando puderam ver o que acontecia no outro lado do mundo, decidiram mudar de vida e de regime. Para o marxismo soviético, foi uma vergonha como os alemães orientais correram para comprar Coca-Cola em Berlim.

Como os ex-socialistas se arrumaram? Pessoal da Europa Leste entendeu rapidamente que o melhor negócio era entrar para a União Europeia um mar de prosperidade. Bastava olhar como Espanha e Portugal saíram da pobreza com a entrada na UE.

A China, sempre mais competente, já percebera a mudança – e introduzia o capitalismo e a propriedade privada, base de sua ascensão, ainda que com forte controle estatal.

As opções ficaram assim, simplificando: qual capitalismo se vai seguir, com mais ou menos Estado?

Na política, também simplificou: ou a democracia ou a ditadura.

A Rússia de Putin é o quê? Um capitalismo de compadres,”crony capitalism”, e uma ditadura assassina. E um maluco que se acha na “Grande Rússia”.

Para o ex-soviéticos, bastava entrar na União Europeia em busca de prosperidade. Não se interessavam pela OTAN, muito menos hostilizar a Rússia.

Por que, a um determinado momento, resolveram entrar para a OTAN? Por causa das ameaças de Putin, quando ele conseguiu dar uma arrumada na Rússia.

Em resumo – a URSS tinha uma proposta para o mundoum baita equívoco, como se viu depois. Mas brilhou durante muito tempo.

A Rússia de Putin tem o que? Ameaças imperialistas.

Portanto, chega dessa história de avanço da OTAN para o Leste. Foram as populações do Leste que, democraticamente, fizeram sua opção.

Azar da Ucrânia, que se atrasou com aquele ditador pró-russo. Aliás, reparem: só ficam com a Rússia os ditadores, incluindo os nossos aqui da América Latina. A Rússia não foi ameaçada. Ela é a ameaça. E Putin vai cair do mesmo modo que caíram os outros: pela reação de seu próprio povo.

Portanto, chega de comparar a invasão da Ucrânia com os casos de Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão – estados incentivadores de terrorismo. EUA e Europa têm seus pecados, mas não se pode compará-los com essa Rússia de Putin.

A Europa abriu-se a negócios com as empresas russas.
Companhias e investidores ocidentais foram para a Rússia. Empresas russas se instalaram na Europa.

Por que Putin simplesmente não deixou essa integração prosseguir? A melhor hipótese: ele temia que a “excessiva” ligação com o Ocidente mostrasse aos russos onde a vida é melhor.
[lembrando: - um dos pilares do Ocidente, os EUA, tem um presidente que iniciou seu mandato, assinando ordens executivas favorecendo o aborto, limitando a autoridade das polícias e por aí vai;
-  o Zelinsky todo dia reúne jornalistas apoiadores e repete aquele monótono lenga-lenga de que o pessoal da Ucrânia é valente, não vai se render, que mais sanções precisam ser aplicadas contra a Rússia,o espaço aéreo da Ucrânia deve ser declarado 'zona de exclusão' = uma forma malandra de tentar envolver outros países na 'sua' guerra, etc, etc.
Encerra o palavrório e no dia seguinte repete tudo, com um detalhe inaceitável: mais ucranianos mortos.
Tal situação impõe a retirada imediata do Zelinsky, um plebiscito supervisionado pela ONU para que o POVO UCRANIANO decida soberanamente qual destino quer
O que não pode continuar é que para satisfazer a vaidade do presidente ucraniano, mais ucranianos continuem morrendo.]

E Putin simplesmente não podia se juntar à União Europeia: seu regime não passa nos critérios de democracia e legislação de direitos humanos. Sobrou o que? Uma tentativa de formar um império de ditadores.

Carlos Alberto Sardenberg,  jornalista 

 Coluna publicada em O Globo - Economia 12 de março de 2022


segunda-feira, 7 de março de 2022

Debochando da tirania - Caio Coppolla

Revista Oeste

Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos | Foto: Wikimedia Commons
Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos | Foto: Wikimedia Commons

Enquanto isso, nos Estados Unidos, um carismático presidente republicano desfruta seus últimos meses de (segundo) mandato. Seu nome é Ronald Reagan, um expoente do conservadorismo norte-americano, que está prestes a eleger seu sucessor.

Mr. President se dirige a uma plateia de operários da indústria metalúrgica em Richmond, Virgínia — está jogando em casa: durante seu governo, houve drástica redução de impostos, o país cresceu 3,6% ao ano, o desemprego caiu e a renda média anual das famílias norte-americanas aumentou cerca de U$ 4.500. Sorridente, Reagan fala sobre seu novo hobby aos trabalhadores na plateia:

“Tenho colecionado histórias que são contadas na União Soviética pelas pessoas de lá e que revelam seu ótimo senso de humor, mas também uma postura um tanto cínica quanto ao seu sistema [político-econômico].

Feita a introdução — e a insinuação acertada de que o socialismo estava ruindo por dentro, criticado e caçoado pela própria população russa —, o presidente arranca gargalhadas ao acrescentar:

“Não contei essa pro Gorbachev [Mikhail Gorbachev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e chefe de Estado da URSS]”.

Nesse ponto, Reagan traz um dado que cala fundo na alma da audiência, movida pelo sonho norte-americano de prosperidade, liberdade e busca pela felicidade: “Na União Soviética, há uma espera de dez anos para entrega de um automóvel e apenas uma em cada sete famílias possui um carro [nos EUA de 1988, a média era de dois veículos por domicílio]. Quando você está pronto pra comprar, passa por um processo e, então, precisa adiantar o pagamento”uma década antes de receber o veículo! Reagan segue com a anedota:

Um homem entregou seu dinheiro e o camarada encarregado disse:

— ‘Ok, volte aqui em dez anos e retire seu carro’.

— ‘De manhã ou de tarde?’ — perguntou o homem.

— ‘É daqui a dez anos, que diferença faz?’ — replicou o camarada.

E o homem explicou: ‘É que o encanador vai vir de manhã’ naquele momento, cada funcionário da fábrica ri e aplaude seu presidente com entusiasmo, cioso dos benefícios incomparáveis do modo de vida norte-americano lastreado no capitalismo e na democracia.

Reagan também usava seu humor para expor a hipocrisia inerente à utopia socialista: o regime limitava as liberdades e as oportunidades do seu povo sob pretexto de proporcionar igualdade e justiça social, mas os integrantes da administração estatal e da elite política eram beneficiados com luxo e privilégios inacessíveis à população. A temática do carro — símbolo da cultura norte-americana, que materializava a autonomia individual e a propriedade privada — também aparece em outras soviet jokes clássicas do então commander in chief:

A maior parte dos automóveis [na URSS] é dirigida por burocratas, o governo providencia carros e motoristas e a coisa toda.

Eis que uma ordem foi dada à polícia para que todos os motoristas flagrados acima da velocidade permitida fossem multados, não importa quem fossem.

Um dia, Gorbachev estava na sua casa de campo, com limusine e motorista à disposição. Muito atrasado pra chegar ao Kremlin, ele pediu ao chofer que fosse pro banco de trás, porque ele ia dirigindo — e assim foi feito.

No caminho, passaram acelerando por dois policiais de motocicleta e um deles foi logo atrás do veículo para interceptá-lo e penalizá-lo. Quando o policial voltou, seu parceiro perguntou:

— ‘E aí, você o multou?’

E o policial respondeu: ‘Não’.

— ‘Por que não?’

‘Ah’ — suspirou o policial —, ‘eles eram muito importantes.’

— ‘Mas nós fomos instruídos a multar qualquer pessoa’ — insistiu o parceiro.

O policial nem se abalou: ‘Não… eu não poderia… não esse sujeito’.

— ‘Como assim? Quem é ele?’ — questionou o parceiro curioso.

Eu não sei’ — admitiu o policial — ‘mas seu motorista é o Gorbachev!’ — mais risos, mais palmas… E assim, com leveza e destreza, Reagan explorava a ideia de que toda piada tem um fundo de verdade e trazia para os estertores da Guerra Fria o velho brocardo latino ridendo castigat moris: é rindo que se corrigem os costumes.

O cão Americano disse que, nos EUA, você precisava latir muito pra ganhar um pedaço de carne. O cão Polonês perguntou: ‘O que é carne?’; e o Russo: ‘O que é latir?’

Além de pontuar, com gentileza e espirituosidade, os vícios econômicos da URSS — como desabastecimento de produtos, instabilidade de cadeias de suprimento, ausência de concorrência, desincentivo à inovação e diversificação, falta de mobilidade social etc. —, Reagan também lançava mão do humor para abordar tópicos mais delicados, relacionados aos direitos fundamentais prestigiados pela democracia liberal, mas reprimidos pelo socialismo autoritário, como é o caso da liberdade de expressão, de crítica e de manifestação política:

Um Americano e um Russo discutiam sobre seus países. O Americano disse: “No meu país, eu posso entrar no Salão Oval, bater na mesa e dizer: ‘Sr. Presidente, eu não gosto da forma como você conduz nosso país’”.

Mas o Russo rebateu: “Eu também posso fazer isso”.

— “Pode mesmo?” — insistiu o Americano.

“Claro que sim”, explicou o Russo: “Eu posso ir ao Kremlin, entrar no escritório do camarada Gorbachev, bater na sua mesa e dizer: ‘Sr. secretário-geral, eu não gosto da forma como o presidente Reagan está conduzindo os EUA’”.

Ao que consta, este último causo foi compartilhado com Gorbachev, “e ele riu!”, relatava Reagan com indisfarçável satisfação, implicando sutilmente as próprias lideranças soviéticas na sua crítica bem-humorada ao socialismo. Para mensagens mais incisivas, o presidente norte-americano fazia uso da prosopopeia, diluindo o peso das suas palavras em personagens não humanas:

Um cachorro Americano, um cachorro Polonês e um cachorro Russo se encontraram. O cão Americano descreveu sua vida nos Estados Unidos: ‘Sabe como é, você late, você tem que latir. E depois de latir por um tempo, aí aparece alguém e te dá um pedaço de carne’.

O cão Polonês perguntou: ‘O que é carne?’

E o cão Russo: ‘O que é latir?’

Essa anedota dos cachorros nos leva a refletir sobre as mazelas enfrentadas pelos Estados sob domínio da URSS. Nações com sua própria história, idioma e identidade cultural submetidos, por décadas, a um sistema totalitário que trouxe sofrimento por onde passou. A Polônia, do velho cão soviético faminto, é país-membro da União Europeia desde 2004 e tem seus indicadores de desenvolvimento humano em alta — seus cachorros podem latir sem medo de represália, há várias opções de proteína e muitos deles são adestrados em nível superior… Não é mais uma vida de cão. Muito desse desenvolvimento deve-se ao trabalho de vida daquele simpático político norte-americano que entendeu, entre tantas outras coisas, o poder do deboche à tirania. Zombemos deles, sempre que possível.

Até porque, como disse o ex-senador republicano Alan Simpson em uma bela homenagem póstuma a George Bush pai, sucessor de Ronald Reagan na Presidência norte-americana:

“Humor is the universal solvent against the abrasive elements of life” — o humor é o solvente universal contra os elementos abrasivos da vida. 

Leia também “4 tragos de vodca”

Caio Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim Coppolla, na TV Jovem Pan News e na Rádio Jovem Pan

[Não há dificuldade em se confirmar que o regime da extinta URSS era péssimo - sendo a causa principal derivar do comunismo, que levou uma grande porrada com a extinção da União Soviética. Só que continua existindo e tenta se expandir via maldito esquerdismo e recuperar os espaços perdidos.]

 

quarta-feira, 2 de março de 2022

Por que a OTAN continuou existindo após a Guerra Fria? Gazeta do Povo

Filipe Figueiredo

Um dos motivos alegados pelo governo russo para invadir a Ucrânia seria impedir que o país vizinho se torne um integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Mesmo após a dissolução da União Soviética, a Federação Russa repetidas vezes afirmou que a OTAN é uma ameaça aos seus interesses e à sua segurança. Com o assunto ganhando ampla repercussão com o novo conflito, comentários foram feitos, inclusive por jornalistas e analistas profissionais, de que a OTAN teria perdido sua razão de existir com o fim da Guerra Fria, já que ela foi criada com a URSS como antagonista. Torna-se interessante, então, responder a pergunta: por que a OTAN continuou existindo após a Guerra Fria?


A Representante Permanente dos EUA na OTAN, Julianne Smith, participa de uma conferência de imprensa na sede da Aliança em Bruxelas, Bélgica, 15 de fevereiro de 2022.
A Representante Permanente dos EUA na OTAN, Julianne Smith, participa de uma conferência de imprensa na sede da Aliança em Bruxelas, Bélgica, 15 de fevereiro de 2022.| Foto: EFE/EPA/STEPHANIE LECOCQ

Antes disso, é essencial frisar que a argumentação de que a OTAN deveria ter deixado de existir após a Guerra Fria pode, em última instância, ser um apoio indireto à invasão de um país soberano, a Ucrânia, por outro, a Rússia, a potência agressora. Podem existir também pessoas que genuinamente pensem dessa maneira, que a organização teria cumprido sua missão durante a Guerra Fria e, ao ser mantida após 1991, contribuiu para tensões posteriores, como a sua expansão ao leste. Devido a essa linha tênue entre apologia de uma guerra e um debate intelectual válido, é importante deixar claro que entender ou explicar a OTAN não implica em legitimar todas suas ações e a atual ação russa. [somos contra as guerras, mas temos que reconhecer que a situação de conflito militar entre Rússia x Ucrânia tem vários motivos,com predominância de dois: 
- a necessidade da OTAN demonstrar que ainda tem alguma importância - apesar da razão principal, quiçá, única - a Guerra Fria - ter acabado:; e,
- a falta de escrúpulos do presidente da Ucrânia em criar uma guerra para os outros países guerrearem.]

Veja Também: O que é a Otan e por que a Rússia ameaça quem pretende entrar?
Chernobyl e o ataque de decapitação contra a Ucrânia

 Premissa falsa
O problema do argumento de que a OTAN teria perdido sua razão de ser com o fim da Guerra Fria é o de que ele parte de uma premissa comum, mas falsa, de que a Guerra Fria foi um fenômeno próprio. Não, a Guerra Fria é um capítulo, é um trecho, de um conflito mais amplo, interpretado pelas teorias clássicas da geopolítica. Em suma, dentre as grandes potências, duas seriam protagonistas. A que tiver o domínio do poder naval e a que tiver a hegemonia da vastidão terrestre Eurasiana. No século XIX, após a consolidação de uma ordem internacional centrada em potências, com o Congresso de Viena de 1815, essas potências eram, respectivamente, o Reino Unido e o Império Russo.

Naquele momento, os Estados americanos ainda se estabeleciam. Na Europa, a Espanha estava decadente em seu poder internacional, a França enfraquecida após as Guerras Napoleônicas e Áustria e Prússia disputavam a primazia no mundo alemão. A África estava fragmentada em uma miríade de reinos e, na Ásia, a postura era de isolamento total no Japão, de isolamento político na China, grande centro comercial, e a Índia e o sudeste asiático eram progressivamente subordinados aos europeus. Finalmente, o vasto, multicontinental e multinacional império Otomano passava por repetidas crises, com uma estrutura que não conseguia modernizar a economia do império.

Enquanto isso, o Reino Unido se isolava dos distúrbios continentais em sua política de “Isolamento Esplêndido” e tornava-se a potência hegemônica dos mares e do comércio mundial. Um enorme império colonial foi conquistado e o Reino Unido vitoriano era a “Oficina do Mundo”, um centro comercial e industrial. A Rússia, por sua vez, continuava sua expansão territorial no Cáucaso, na Ásia Central e no Extremo Oriente, além de expandir sua influência política sobre os povos eslavos do Cáucaso. Lembremos também que, naquele momento, o Império Russo incluía os atuais países bálticos, a Finlândia, Moldova e partes da Polônia.

Disputa por influência
Reino Unido e Rússia inclusive buscavam um deter a influência do outro. O apoio britânico aos otomanos, cujo grande exemplo é a Guerra da Crimeia, e a disputa pela Ásia Central no Grande Jogo são talvez os exemplos mais conhecidos. Outro, menos conhecido e ainda mais importante, é o fato de que a primeira aliança militar assinada pelos britânicos em quase cem anos foi “mirando” a Rússia, a aliança com o Japão, em 1902. Caso a Rússia atacasse um dos dois, o outro viria em defesa, colocando os russos em uma guerra em duas frentes. O Japão, aproveitando essa vantagem, derrotou a Rússia na guerra Russo-Japonesa de 1905, que projetou o país asiático como uma nova potência.

Na véspera da Grande Guerra, o Reino Unido dominava um quarto do território mundial, de forma não contínua. A Rússia dominava outros 17%, no maior império contínuo e centralizado da História. O cenário naquele momento, entretanto, era outro. Via Relação Especial, o Reino Unido começava a "passar o bastão” de potência marítima para os EUA, também “insulado” dos conflitos europeus em seu próprio continente. A unificação alemã criou uma potência econômica e militar no centro da Europa, cuja hegemonia industrial se projetava sobre fatia considerável do continente. A diplomacia britânica, temendo uma aproximação entre Alemanha e Rússia, o que criaria um titã territorial e econômico, se movimentou.

Em 1904, a criação da Entente Cordial aproximou britânicos e franceses, inimigos históricos, em uma aliança contra a Alemanha. Via França, foi construída a Tríplice Entente com a Rússia, uma aliança de ocasião. O objetivo britânico era impedir a aproximação entre Rússia e Alemanha. Depois da Grande Guerra, essa aproximação voltou a ocorrer, entre a República de Weimar e a URSS, dois países então excluídos da ordem internacional da Liga das Nações, aproximação que é encerrada pela Segunda Guerra Mundial e os planos nazistas de tomar os territórios soviéticos, além do antagonismo ideológico com o comunismo internacional e o Pacto Anticomintern.

Guerra Fria
Vem a destruição da Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria,
um conflito geopolítico por influência entre EUA, potência marítima, e a URSS, a potência territorial. Agora com um toque ideológico, em que cada superpotência tinha um alinhamento ideológico claro, cobrado de seus aliados. Ou seja, a Guerra Fria foi apenas um capítulo ideológico dentro de uma disputa mais ampla e mais longeva, que remetia ao início do século XIX. Com a Guerra Fria, veio a criação da OTAN, cuja semente inicial foi o quê? O Tratado de Dunquerque, de 1947, que basicamente foi uma renovação da Entente Cordial, a aliança entre Reino Unido e França, criada décadas antes da Guerra Fria.

Essa aliança foi expandida para incluir o Benelux, no Pacto de Bruxelas e, em 1949, é assinado o Tratado do Atlântico Norte, que adiciona Itália, Portugal, Dinamarca, Canadá e, principalmente, os EUA à defesa coletiva da Europa ocidental. Naquele momento, apenas duas potências tinham armas nucleares, URSS e EUA. Em 1952, Grécia e Turquia entram na aliança e, em 1955, a Alemanha ocidental. Esse processo de expansão foi conduzido por Lorde Hastings Ismay, primeiro Secretário-geral da organização. Ele é autor de uma célebre frase para definir a OTAN, lembrada por um amigo diplomata da coluna em meio ao conflito na Ucrânia. Segundo ele, a aliança foi criada para "para manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães abaixo".

A preocupação quando da criação do pacto de defesa coletiva não era necessariamente a URSS, era a Rússia, em qualquer encarnação, modelo de Estado ou ideologia que fosse, e seus objetivos são atrelar a defesa da Europa ocidental ao poderio dos EUA, independentemente de inimigo, e impedir que a Alemanha possa tornar-se, novamente, um pólo próprio que represente um desafio dentro da ordem internacional. 
Seja na década de 1950, na década de 2000 ou na década de 2050. 
Os propósitos da OTAN não se limitavam à Guerra Fria, assim como o fim da Guerra Fria não encerrou a disputa geopolítica, foi apenas o fim de um capítulo ideológico. O fim da Guerra Fria, ao contrário do que ingenuamente dito por Francis Fukuyama, não foi o “fim da História”.

Ascensão da China
É justo pelo caráter ideológico da Guerra Fria que é tentador achar que ela foi um processo próprio, e seu fim representou uma euforia com a possível “nova era”, de otimismo, ambientalismo e defesa dos Direitos Humanos. Oras, até hoje existem pessoas que automaticamente ligam a Rússia ao comunismo, mesmo no governo Putin. Lembremos, entretanto, que a Guerra Fria durou apenas pouco mais de quarenta anos, o que historicamente significa muito pouco. O fim da Guerra Fria, não sendo o fim de uma disputa mais ampla, foi apenas a transformação dessa disputa.

Em uma ordem multipolar, estamos vendo a ascensão de novas potências, como a Índia. Um mundo economicamente mais interligado. A expansão da OTAN para o leste, com países antigamente na esfera de influência russa. [aí é que mora o perigo - gostem ou desgostem, uma potência nuclear tem o poder de destruir o planeta - sabemos que não existe nenhuma segurança contra uma guerra nuclear, ainda que pretensamente localizada. O resultado é único: hecatombe, podendo ser total ou  parcial e progressiva. A própria radiação, inevitável, é mais mortífera, apenas mais lenta, que o potencial explosivo, imediato.]Também há uma maior integração em defesa dentro da Europa e, como consequência da invasão da Ucrânia, o governo alemão anunciou maior orçamento militar. Inclusive, é interessante lembrar que a aproximação entre Alemanha e Rússia nas últimas décadas, com projetos de energia, por exemplo, não agradava Washington.

Se cem anos atrás o Reino Unido passou o bastão de potência marítima para os EUA, hoje é a Rússia que transfere o posto de potência territorial para a China. 
Não por acaso, em agosto de 2019, o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, afirmou que a aliança precisa se adaptar para conter a influência chinesa. 
Acreditar que a OTAN deveria ter acabado junto com a Guerra Fria é ingenuamente comprar um discurso ideológico de achar que o mundo realmente se tratava apenas de uma disputa entre capitalismo e comunismo. É ignorar que, no cenário internacional, vivemos uma realidade cuja origem está, em boa parte, no século XIX. Passando por transformações e capítulos específicos, mas, ainda assim, marcada por bandeiras originadas naquele período. Principalmente, por disputas e interesses de longo prazo. A OTAN é apenas uma encarnação desses interesses.
Filipe Figueiredo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

terça-feira, 1 de março de 2022

Putin recorre à ameaça nuclear porque vai mal, e não porque vai bem - Mundialista - VEJA

 Vilma Gryzinski

Ele é cínico ou fanático? Fatos apontam para a primeira opção, o que traz algum alívio para o mundo num momento de tanta tensão que faz pensar no impensável

Exibicionismo: míssil que pode transportar ogiva nuclear desfila na Praça Vermelha, como prova de força - Mikhail Svetlov/Getty Images  

Não vai haver guerra nuclear. Por incrível que pareça, é preciso dizer isso diante do estado de ansiedade que Vladimir Putin provocou com insinuações de uso de armas nucleares.

Só de colocar a carta nuclear na mesa, Putin já está criando uma situação sem precedentes. Nem nos piores momentos da Guerra Fria líderes soviéticos usaram do mais extremo recurso retórico. Putin e seus asseclas estão falando grosso porque a invasão da Ucrânia e as sanções mais fortes do que o previsto colocam o regime russo em situação ruim.

O caso da Suíça, com seu histórico de neutralidade até durante a II Guerra mundial, já virou um exemplo da repulsa que a invasão de um país inocente está provocando ao aderir às sanções decretadas pela União Europeia. Da Shell à Fifa, os boicotes se multiplicam, atingindo interesses que pareciam inamovíveis.

Putin insinuou um estado de tensão pré-nuclear no domingo, dizendo que os responsáveis pelo arsenal nuclear russo haviam sido colocados em “prontidão especial de combate”. Com o puro ato de vocalizar estas palavras, ele exigiu que os Estados Unidos também subam o nível de alerta – o que foi desmentido pela Casa Branca, com o objetivo específico de não alimentar as tensões.

Ontem, o porta-voz Dmitri Peskov disse, sem citar nomes, que a escalada era culpa da secretária das Relações Exteriores do Reino Unido, Liz Truss. A ministra quer ser vista como uma nova Margaret Thatcher, mas não falou nada de excepcional. Disse que se o expansionismo de Putin não for tolhido na Ucrânia, “vamos ver outros sendo ameaçados – Bálticos, Polônia, Moldova, e isso pode terminar num conflito com a Otan”.

É tudo verdade, embora a linguagem seja pouco diplomática, uma exceção compreensível diante de circunstâncias extremas como uma guerra anexacionista. Explorar declarações de líderes estrangeiros para escalar o tom de confronto entre países ocidentais e Rússia é uma das provas de cinismo em que Putin é mestre. O perigo verdadeiro seria ele ter se fanatizado ao longo de 22 anos no poder, a ponto de imaginar uma situação em que a Rússia, atacada, reagiria com as “armas do fim do mundo”, a tríade de ogivas nucleares em mísseis, aviões e submarinos. Ou até tomaria a iniciativa – a essa altura, todas as especulações são possíveis. 

O discurso inacreditavelmente belicoso de Putin – é a segunda vez em uma semana em que ele evoca o uso potencial de armas nucleares – contradiz os princípios do “equilíbrio do terror”,  a admissão recíproca das duas superpotências da Guerra Fria de que a destruição mútua garantida (MAD, em inglês) seria o resultado inevitável de um conflito nuclear. Mesmo que uma das partes atacasse primeiro, a outra disporia de formas de reagir, levando a hecatombe nuclear ao adversário. Diversos tratados de controle dessas armas estabeleceram tetos para seu número, mas mantiveram a múltipla capacidade de destruição do planeta.

A Rússia ficou com todo o arsenal soviético depois do fim da URSS – inclusive os mísseis que eram baseados na Ucrânia antes que ela se tornasse um país independente. Herdou também a tradição de desfilar mísseis com capacidade nuclear na Praça Vermelha – uma exibição de força que os Estados Unidos nunca fizeram.

Hoje, são 6 200 ogivas nucleares, das quais 1 456 em vetores estratégicos, ou seja, com capacidade de atingir os Estados Unidos, que tem  5 600 dessas armas de destruição em massa.

Existe uma espécie de consenso entre especialistas de que Putin está falando em arsenal nuclear como uma medida preventiva: quer garantir que não haverá nenhuma intervenção militar estrangeira na Ucrânia, um princípio declarado especificamente por Joe Biden, apesar da grande quantidade de material bélico que está sendo enviada para a Ucrânia.

Mas o que aconteceria se a guerra entrasse numa escala muito maior, com grande número de civis mortos, o presidente Volodimir Zelenski – a esta altura, um herói global [a classificação nos dá a certeza que o mundo anda carente de heróis!!! notório que o presidente ucraniano arrumou uma guerra que esperava fosse realizada por outros... e ferrou o povo ucraniano...]fuzilado e outras atrocidades, como o uso armas de grande capacidade de destruição, mesmo convencionais?

É importante notar que, até agora, as tropas invasoras estão tendo um comportamento contido, sem recorrer à tática de terra arrasada e bombardeios indiscriminados, muito provavelmente para passar uma imagem menos maligna.  Tudo isso pode mudar com uma única ordem de Putin, se vislumbrar algum sinal de que o exército russo está sendo desmoralizado. “Eu hoje estou mais preocupado do que há uma semana”, resumiu para o Vox o diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação de Cientistas Americanos, Hans Kristensen.

“Nada na doutrina nuclear da Rússia justifica isso”, acrescentou, falando sobre o estado de alerta das forças nucleares. Ben Wallace, oficial da reserva que hoje é secretário da Defesa do Reino Unido, disse como explicou a seu filho de doze anos que “não vai haver guerra nuclear”.“O presidente Putin que distrair atenções do que está dando errado na Ucrânia e quer lembrar a todos nós que tem um poder nuclear dissuasivo”.

Há uma semana, ninguém estava tendo que explicar isso para os filhos.

[o conflito Rússia x Ucrânia está ocorrendo da forma padrão em qualquer conflito; todos sabem que não vai haver guerra nuclear - Putin não pretende usar armas atômicas, nem a Otan (Estados Unidos e companhia). Ousamos afirmar com segurança que NÃO HAVERÁ GUERRA NUCLEAR pela mais simples das razões = minutos após iniciada, não haverá mais mundo = até os silos nucleares serão destruídos - são resistentes, mas os locais onde estão serão destruídos. Destruição que inclui o planeta Terra e tudo sobre ele.
Crimes que Putin cometeu: (segundo a mídia militante) = ter recebido o presidente Bolsonaro - recepção de um estadista a um igual - e os dois terem bom relacionamento. ]

Vilma Gryzinski - Blog Mundialista - VEJA 

 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Tempo de escolha - Revista Oeste

Retrato do Ronald Reagan, ex-presidente norte-americano | Foto: Wikimedia Commons
Retrato do Ronald Reagan, ex-presidente norte-americano | Foto: Wikimedia Commons

Para aqueles que me acompanham há algum tempo, o assunto de minha coluna nesta semana pode até não ser novidade. Mas não há como ser diferente, já que, em 6 de fevereiro de 1911, nascia em Tampico, no Estado de Illinois, aquele que se tornaria o 40º presidente dos Estados Unidos e um dos maiores líderes que o mundo já viu: Ronald Reagan. Nome respeitado durante sua administração na Casa Branca, consegue ser nos dias atuais uma voz ainda mais indispensável.

Obviamente, mesmo um grande presidente como Ronald Reagan cometeu erros. Ele mudou de posição algumas vezes e chegou até a confundir sua base conservadora. No entanto, no big picture, como dizem os norte-americanos, a Presidência de Ronald Reagan foi um grande sucesso. Ele reconstruiu um caótico Exército dos EUA e ajudou a acabar com a Guerra Fria sem disparar um míssil sequer. Os cortes de impostos radicais em 1981 estimularam o crescimento econômico e redefiniram a relação entre os norte-americanos e o governo, além de nomear juízes federais conservadores, que tentaram reverter a tendência de meio século de expansão do controle governamental e do ativismo judicial nos Estados Unidos.

O carisma natural de Reagan era uma de suas grandes qualidades e isso fazia com que até os críticos pensassem duas vezes antes de emitir opiniões raivosas sem boa fundamentação. Mas ele não era apenas um bobo sorridente, como alguns acadêmicos alinhados com o Partido Democrata gostam de retratá-lo. Em vez disso, seus diários particulares e documentos revelam um homem profundamente bem informado, que lia vorazmente e possuía um intelecto diferenciado, além de ser um escritor talentoso e impecável. Seria impossível trazer a grande fotografia de todo o mapa de sua vida e seu legado em apenas um artigo. Não à toa, encontro-me mergulhada no esboço de meu primeiro livro, que deverá ser publicado ainda neste ano, sobre a história deste ícone da liberdade e da justiça.

Os antigos amigos, daqui de Oeste e de minhas redes sociais, conhecem em detalhes a história da primeira vez que ouvi o nome “Reagan”. Para os que chegam agora, um rápido resumo: nos anos 1980, depois de se dedicar durante décadas em salas de aula como professor de Matemática, meu pai passou a comandar, como diretor-geral e pedagógico, uma das instituições educadoras mais antigas e respeitadas do sul de Minas Gerais, o Instituto Gammon, em Lavras, onde nasci e fui criada.

Certo dia, eu devia ter uns 12 ou 13 anos, meu pai comentou em casa que ele antevia, até por sua experiência como professor, que aquele ano seria tumultuado, com a ameaça real de uma grande greve de professores em toda a cidade e região. Lembro como se fosse ontem, o telefone tocando em casa sem parar. Professores, sindicatos, pais, políticos, administradores de escolas. Todas as conversas, de alguma forma, convergiam para a mesa do meu pai. Apesar da aparente inevitável greve geral, ele sempre encerrava as ligações com calma e serenidade. Mas houve um dia, logo após mais uma enxurrada de telefonemas, que meu pai estava inquieto. Parecia que não havia mais como contornar os ânimos e que as repercussões de uma greve sem precedentes não poderiam ser evitadas.

Depois do que parecia mais uma conversa improdutiva ao telefone, ele finalmente sentou-se à mesa de almoço onde eu estava com a minha mãe e, mostrando clara frustação, disse para si mesmo: “O que Reagan faria?”. Fiquei com aquele nome na cabeça. Quem era esse homem por quem o meu pai, meu ídolo, tinha enorme admiração e que sempre mencionava em tempos de animosidade, insegurança e incertezas? Bem, a greve foi evitada depois de dias e dias de costuras entre as partes envolvidas; e eu cresci ouvindo histórias sobre esse tal de Reagan, o que fez despertar em mim uma curiosidade diferente sobre o ator que virou presidente.

Os anos se passaram e, mesmo antes de me mudar para os Estados Unidos, mergulhei em livros sobre a vida, as políticas e o legado do “Grande Comunicador”. Há um vasto caminho de abordagens sobre vários temas que fundamentam sua história. Aqui mesmo, em Oeste, tenho alguns artigos sobre Reagan, Reagan e Thatcher, Reagan e João Paulo II. O material sobre eles é vasto, e é difícil acreditar que muitos jovens nem sequer conhecem o legado desse trio para a humanidade e o que fizeram contra as forças do “império do mal” — nome propriamente dado ao comunismo pelo presidente norte-americano.

Hoje, no entanto, para celebrarmos o aniversário desse ícone e alimentarmos nossas esperanças de dias melhores, convido-os a uma reflexão sobre um discurso de Reagan de 1964, quando ele nem havia emergido para a vida política. Na verdade, foi exatamente depois desse discurso, “A Time for Choosing” (Tempo de Escolha), feito para a campanha presidencial do republicano Barry Goldwater, que muitos perceberam que Reagan possuía o caráter que define os líderes.

Não há dúvida de que “A Time for Choosing” pertence ao topo dos discursos históricos norte-americanos e está entre as oratórias políticas mais significativas já proferidas por alguém que não era político nem candidato a nada. O discurso anunciou o início da carreira longe dos palcos de um homem que se tornaria governador por dois mandatos — no Estado mais rico da nação, a Califórnia — e presidente de sucesso por outros dois. O discurso, que continua sendo uma expressão extraordinariamente poderosa e convincente de uma visão de mundo atemporal, nos deu frases citadas até hoje por conservadores espalhados pelo mundo, incluindo a de que “um novo programa do governo é a coisa mais próxima da vida eterna que veremos nesta terra”, além de ser uma declaração definitiva sobre o conservadorismo moderno. Os argumentos centrais de Reagan no discurso abordam os efeitos deletérios dos impostos, gastos deficitários e dívidas que definiram a agenda republicana por duas gerações e estabeleceram raízes sólidas do conservadorismo norte-americano. Mas ele vai muito além disso.

Reagan cultiva no discurso algo que os norte-americanos possuem desde o nascimento da nação: o desejo de um Estado mínimo

Como Reagan observa em seu discurso, as falhas do governo inevitavelmente tornam as ocasiões propícias para mais ativismo governamental. Nas palavras do ex-presidente: “Buscamos resolver os problemas do desemprego por meio do planejamento do governo, e, quanto mais os planos falham, mais os planejadores planejam da mesma maneira”. Hoje, os incentivos que não são bem geridos pelo governo, tanto no Brasil quanto nos EUA, aumentam os custos nas áreas de saúde, educação, segurança e habitação. No entanto, a esquerda continua argumentando que a resposta é mais regulamentação ou uma tomada completa do governo.

Reagan também bate na obsessão da esquerda com a desigualdade pintada até hoje em uma realidade paralela pela turba socialista: “Há tantas pessoas que não podem ver um homem gordo ao lado de um magro sem chegar à conclusão de que o gordo ficou assim levando vantagem sobre o magro”. Ele também cultiva no discurso algo que os norte-americanos possuem desde o nascimento da nação, e que nós brasileiros precisamos urgentemente adquirir; o desejo de um Estado mínimo e da responsabilidade de sermos donos do nosso próprio destino: “Ou acreditamos em nossa capacidade de autogoverno, ou abandonamos a Revolução Americana e confessamos que uma pequena elite intelectual em uma capital distante pode planejar nossas vidas melhor do que nós mesmos”.

“A Time for Choosing” é um discurso profundamente ideológico, mas Reagan não enquadra nossa escolha fundamentalmente entre o conservadorismo e o liberalismo (como o termo usado nos EUA, a esquerda norte-americana), mas entre o passado e o futuro, e entre declínio e progresso. Em um momento memorável, ele afirma: “Dizem que cada vez mais temos de escolher entre esquerda ou direita, mas gostaria de sugerir que não existe esquerda ou direita. Há apenas para cima ou para baixo — até o antigo sonho de um homem, o máximo em liberdade individual consistente com a lei e a ordem. E, independentemente de sua sinceridade, de seus motivos humanitários, aqueles que trocam nossa liberdade por segurança embarcaram nesse caminho descendente”.

As palavras de Reagan sobre a Guerra Fria no discurso são marcantes e deixam claro que ele tinha exatamente as mesmas crenças estabelecidas nos mesmos termos por décadas: “Estamos em guerra com o inimigo mais perigoso que já enfrentou a humanidade em sua longa escalada do pântano às estrelas (o comunismo), e foi dito que, se perdermos essa guerra, e ao fazê-lo perderemos nosso caminho de liberdade, a história registrará com o maior espanto que aqueles que mais tinham a perder fizeram menos para evitar que isso acontecesse”. Ele também defende com veemência a frase “paz através da força” (peace through strength), que, embora seja remetida à Guerra Fria, continua relevante não apenas à abordagem à segurança nacional americana, mas à segurança de todos nós contra os tiranos da pandemia dos últimos dois anos. Um recado de ontem para hoje.

Muitos defendem que “A Time for Choosing” é essencialmente um discurso libertário, no sentido original da palavra, não no deturpado significado dos tempos atuais. Mas, mesmo assim, Reagan entrega uma aura conservadora a temas que ressoam além da liberdade individual e do interesse próprio. Seu patriotismo profundo e permanente é inconfundível. Em uma expressão comovente do excepcionalismo norte-americano, ele declara: “Se perdermos a liberdade aqui, não há para onde fugir. Esta é a última posição na terra. E essa ideia de que o governo está em dívida com o povo, que não há outra fonte de poder a não ser o povo soberano, ainda é a ideia mais nova e única em toda a longa história da relação do homem com o homem”.

A lição fundamental de “A Time for Choosing” não é que precisamos de outro Reagan no sentido de alguém replicar exatamente suas políticas e discursos, não que isso seja uma má ideia, mas que, assim como Reagan, tenhamos uma visão de mundo que absorva a profundidade dessas palavras e que nos faça buscar objetivos exaltados por ele de defender nossa nação e nossa liberdade.

Muitas das frases de discursos de Ronald Reagan como presidente são vastamente conhecidas. Poucos, no entanto, mergulham nesse discurso profético daquele que um dia diria a um líder soviético para derrubar o Muro de Berlim. Não posso me despedir deste artigo sem deixar para a sua apreciação, caro leitor, o final inspirador desse discurso que pode ser aplicado exatamente no momento desta leitura. Não se surpreenda se voltar para ler novamente esses trechos, eu já perdi a conta de quantas vezes eles foram abraçados pelos meus olhos nos últimos anos.

“Aqueles que trocam nossa liberdade pela sopa do estado do bem-estar social nos disseram que têm uma solução utópica de paz sem vitória. Eles chamam sua política de ‘acomodação’. E dizem que, se evitarmos qualquer confronto direto com o inimigo, ele esquecerá seus maus caminhos e aprenderá a nos amar. Todos os que se opõem a eles são indiciados como provocadores. Dizem que oferecemos respostas simples para problemas complexos. Bem, talvez haja uma resposta simples — não uma resposta fácil, mas simples: você e eu temos que ter coragem de dizer aos nossos oficiais eleitos que queremos que nossa política nacional seja baseada no que sabemos em nossos corações que é moralmente correto. (…) Alexander Hamilton disse: ‘Uma nação que pode preferir a desgraça ao perigo está preparada para um dono e merece um’. Agora vamos ser honestos. Não há discussão sobre a escolha entre paz e guerra, mas há apenas uma maneira garantida de você ter paz — e você pode tê-la no próximo segundo —, rendição.”

“Você e eu sabemos e não acreditamos que a vida é tão querida e a paz tão doce a ponto de ser comprada ao preço de correntes e escravidão. Se nada na vida vale a pena morrer, quando isso começou — apenas diante desse inimigo? Ou Moisés deveria ter dito aos filhos de Israel que vivessem em escravidão sob os faraós? Deveria Cristo ter recusado a cruz? Os patriotas da Concord Bridge deveriam ter largado suas armas e se recusado a disparar o tiro ouvido em todo o mundo? (Início da Revolução Americana). Os mártires da história não foram tolos, e nossos honrados mortos que deram a vida para impedir o avanço dos nazistas não morreram em vão. Onde, então, está o caminho para a paz? Bem, é uma resposta simples, afinal.”

“Você e eu temos a coragem de dizer aos nossos inimigos: ‘Há um preço que não pagaremos’. ‘Há um ponto além do qual eles não devem avançar.’ E este — este é o significado da frase de ‘paz através da força’. Winston Churchill disse: ‘O destino do homem não é medido por cálculos materiais. Quando grandes forças estão em movimento no mundo, aprendemos que somos espíritos — não animais. Há algo acontecendo no tempo e no espaço, e além do tempo e do espaço, que, gostemos ou não, significa dever'”.

“Você e eu temos um encontro com o destino. Preservaremos para nossos filhos isso, a última melhor esperança do homem na Terra, ou os condenaremos a dar o último passo em mil anos de escuridão.”

Na visão de Reagan em “A Time for Choosing”, somos mais do que uma mera coleção de números econômicos ou mesmo o que é visível para nós neste mundo, como muitos governantes querem que enxerguemos.

É tempo de escolha. Estamos cansados, exaustos. Fato. Mas que caminho vamos seguir? Da rendição imediata por um pouco de paz? A liberdade nunca foi tão frágil e nunca esteve tão perto de escapar de nossas mãos como neste momento. Temos a capacidade, a dignidade e o direito de tomar nossas próprias decisões e determinar nosso destino. É tempo de escolha.

Leia também “É chegada a hora de despertar”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste

 

domingo, 31 de outubro de 2021

Davi Alcolumbre insiste em Aras para substituir André Mendonça e trava pauta da CCJ

O Globo

Ex-AGU já aguarda há mais de cem dias para ser sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado   

Enquanto articula para tentar viabilizar a indicação do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mantém o colegiado inoperante há um mês. A última reunião da comissão ocorreu no dia 29 de setembro. 
[Senhores guardiões da democracia,  senhores vigilantes dos atos antidemocráticos, por favor respondam: 
- É democrático um regime que permite que um  único senador da República mantenha inoperante, sem dar explicações nem citar em qual norma legal se ampara, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado da República?
- tal conduta não configura um atentado à democracia, ao 'estado democrático de direito', oferecendo substanciais riscos à democracia?
-cabe também perguntar: com sua conduta o senador que preside a CCJ impede o funcionamento NORMAL de um dos poderes da República também impede que o presidente da  República exerça uma competência que a Constituição lhe confere - agir desta forma é atentar contra a Constituição?]

Leia:Provar impacto eleitoral de disparos em massa será o desafio do TSE em 2022, dizem especialistas

Com os trabalhos parados, o escolhido pelo governo para ocupar a cadeira na Corte, o ex-advogado-geral da União André Mendonça, aguarda há mais de cem dias para ser sabatinado pela CCJ. Além disso, projetos importantes para o país, como a reforma tributária, seguem parados nos escaninhos da comissão. Hoje, há 214 matérias prontas para serem votadas pelo colegiado, entre elas indicações de autoridades para órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Há também impactos no Judiciário: o STF vem funcionando com dez ministros, o que prejudica os julgamentos em casos de empate.

Responsável pela pauta da CCJ, Alcolumbre se recusa a marcar a sabatina de Mendonça e, com isso, trava uma guerra fria com o Palácio do Planalto, do qual virou inimigo político. Sua postura, contudo, também irritou integrantes da comissão. Numa das últimas vezes em que a CCJ se reuniu, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por exemplo, fez duras cobranças para que o colega desse andamento ao processo do escolhido de Bolsonaro, o que expôs Alcolumbre a um constrangimento público. Os problemas do parlamentar amapaense, porém, não se limitam à condução do colegiado.

Ontem, uma reportagem da “Veja” revelou um esquema de manutenção de funcionários-fantasmas e de “rachadinha” que seria comandado por Alcolumbre. Mulheres que foram lotadas no gabinete dele contaram à revista que eram obrigadas a devolver parte dos salários e, em troca, não precisariam trabalhar.

Reflexo da resistência do senador, outros nomes que almejam a vaga aberta no STF com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello intensificaram as articulações para ocupar a prateleira de plano B de Bolsonaro, caso ele decida recuar da indicação de Mendonça e enviar outro nome ao Senado. O presidente diz fazer questão de que seu escolhido seja um evangélico e, desde sempre, afirma que não cogita voltar atrás na escolha do ex-advogado-geral da União.

Reação a PP e PL: Republicanos tenta atrair ministros de Bolsonaro

Cotado inicialmente para a vaga, o desembargador William Douglas voltou a circular em Brasília — assim como Mendonça, ele é pastor. O preferido de Alcolumbre e de outros senadores, Augusto Aras, o único da lista que não se declara religioso, mantém viva a esperança de chegar ao tribunal durante o atual governo, embora não admita publicamente que trabalhe para tal. O deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), outro evangélico, também não esconde de aliados o sonho de virar ministro do STF. Considerado um azarão, ele próprio costuma dizer em reservado ter 1% de chance de ser indicado.

Na quarta-feira, Bolsonaro voltou a criticar Alcolumbre pela demora:

Não vou desistir. Não vou mandar outro nome para lá (ao Senado). Espero que o André seja aprovado. Está há mais de três meses esperando. Isso é uma tortura, é um desapreço para com o presidente da República. O que ele fez de errado? O que ele defendeu que é indefensável?

A afirmação vem uma semana depois de o presidente elogiar publicamente o presidente da CCJ, dizendo que “com o Davi Alcolumbre, não tive problemas no Senado”. O gesto, inclusive, partiu de uma demanda do próprio senador. Ele fez chegar a interlocutores de Bolsonaro que gostaria de um reconhecimento público de seu trabalho como presidente do Senado, de 2019 a 2020.

O GLOBO apurou que Alcolumbre tem mantido conversas frequentes com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, sobre a sabatina de Mendonça. Tanto adversários quanto colegas próximos se queixam de que, nas últimas semanas, Alcolumbre passou a não retornar as ligações e que a situação está gerando um desgaste para ele. Senadores têm buscado o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para se queixar da paralisação da comissão.

Esforço concentrado
A interlocutores, Pacheco disse que fará um “esforço concentrado” no final de novembro, em acordo com Alcolumbre, para sabatinar autoridades que estão na fila da CCJ. O processo de Mendonça, porém, ainda é um impasse.

A comissão é considerada a mais importante do Senado, por ter a função de analisar a constitucionalidade e legalidade dos projetos. O prejuízo da paralisação só não é maior porque, como a Casa está funcionando em sistema semipresencial, as propostas que teriam de passar pelas comissões podem ser votadas diretamente pelo plenário. Não há perspectiva de retorno presencial neste ano.

Bela Megale: Aras submete relatório da CPI à análise prévia para ganhar tempo e se blindar com Bolsonaro e Senado

Líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM) afirmou que, quando houver o “esforço concentrado”, Alcolumbre deverá pautar todas as sabatinas, incluindo a de Mendonça, e que está “muito difícil” conversar com o colega, embora tenham falado rapidamente recentemente. — Se o Senado não estivesse trabalhando nesse sistema semipresencial, travaria a pauta do plenário. Acho que Davi está no limite. Se (o esforço concentrado) acontecer, vai ter que fazer tudo, não vai poder fazer só de alguns. Vai ter que fazer do Mendonça — disse ao GLOBO.

Política  - O Globo


domingo, 10 de outubro de 2021

Filhos da liberdade - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Numa época em que o pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório, a voz de um atleta levantou um movimento inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia

Um dos eventos mais marcantes da história política norte-americana foi a crise dos mísseis cubanos (retratada no brilhante filme Treze Dias que Abalaram o Mundo). Foi quando os líderes dos Estados Unidos e da União Soviética se envolveram em um tenso impasse político e militar em outubro de 1962 sobre a instalação de mísseis soviéticos com armas nucleares em Cuba, a pouco mais de 140 quilômetros da costa dos EUA.

Em um discurso na TV em 22 de outubro de 1962, o presidente John F. Kennedy notificou os americanos sobre a presença dos mísseis, explicou sua decisão de decretar um bloqueio naval em torno de Cuba e deixou claro que os EUA estavam preparados para usar força militar, se necessário, para neutralizar qualquer ameaça à segurança nacional. Depois dessa notícia, muitas pessoas temeram que o mundo estivesse à beira de uma guerra nuclear. No entanto, o desastre foi evitado quando os Estados Unidos concordaram com a oferta do líder soviético Nikita Khrushchev de remover os mísseis cubanos em troca da promessa dos americanos de não invadir Cuba e de retirarem seus mísseis da Turquia

 Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock


Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O que muitos não sabem é a história por trás desse episódio, agora retratada em The Courier, outro excelente filme produzido no ano passado. O Espião Inglês, como foi lançado no Brasil, conta a história real de Greville Wynne, um empresário britânico que ajudou o MI6, a agência britânica de Inteligência, a penetrar no programa nuclear soviético durante a Guerra Fria. Wynne e sua fonte no governo soviético, Oleg Penkovsky, forneceram aos americanos informações cruciais que encerraram exatamente a crise dos mísseis cubanos na administração de JFK na Casa Branca.

Sem maiores spoilers, há uma cena em que Wynne e Penkovsky conversam sobre a excepcionalidade do que estão dispostos a fazer, avisar os americanos sobre os detalhes de todo o esquema dos mísseis soviéticos em Cuba. Sentados à mesa em um falso almoço de negócios, eles conversam sobre os grandes riscos do trabalho de espionagem e a esperança de evitar uma possível tragédia nuclear, quando Penkovsky diz ao britânico: “Talvez sejamos apenas duas pessoas. Mas é assim que as coisas mudam”.

A cena imediatamente veio à minha mente diante do fato esportivo que chamou minha atenção nesta semana. Numa época em que o pagamento de pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório para atletas e celebridades, e questionar virou sinônimo de “ameaça à democracia”, uma voz levantou um movimento totalmente inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia. Jonathan Isaac, jogador do Orlando Magic, emergiu como um convincente defensor dos sagrados princípios da liberdade, do bom senso e da decência cívica tão presentes no DNA da América. Isaac se posicionou contra o passaporte vacinal obrigatório, como uma voz da razão contra a mídia e o establishment que desprezam e rotulam os não vacinados como anticientíficos. Na verdade, as entrevistas de Isaac ressaltam quão anticientífico o discurso sobre a covid se tornou: “Todos devem ser livres para tomar decisões por si próprios”, disse ele, acrescentando que acredita que o governo “está estabelecendo um precedente em que, à luz de qualquer emergência, sua autonomia pessoal, sua liberdade religiosa e, honestamente, sua liberdade como um todo tornam-se negociáveis”.

A revista Rolling Stone logo tratou de publicar uma entrevista com Isaac tentando retratá-lo como “mais um contra as vacinas”. Apesar de ter apenas 24 anos, Isaac tem se mostrado extremamente maduro e preparado, e, logo após a publicação da revista, rebateu: “Não sou antivacina”. “Não sou antimedicamento. Não sou anticiência. Não cheguei ao meu estado atual de vacinação estudando a história dos negros ou assistindo às coletivas de imprensa de Donald Trump. Tenho o máximo respeito por todos os profissionais de saúde e pessoas que trabalharam incansavelmente para nos manter seguros. Minha mãe trabalha na área de saúde há muito tempo. Sou grato por viver em uma sociedade em que as vacinas são possíveis e temos os meios para nos proteger. Mas, dito isso, minha convicção é que o status de vacinação de cada pessoa deve ser sua própria escolha, sem intimidação, sem ser pressionado ou coagido a fazê-lo. Não tenho vergonha de dizer que não estou confortável em tomar a vacina nesse momento. Acho que somos todos diferentes. Todos nós viemos de lugares diferentes, tivemos experiências diferentes e nos preocupamos com diferentes crenças. E o que você faz com o seu corpo quando se trata de colocar medicamentos nele deve ser uma escolha pessoal, livre do ridículo e da opinião dos outros.”

Não pense que Jonathan Isaac parou por aí. Ele foi muito além e trouxe o que muitos, inclusive milhares de médicos lobistas das big pharmas, tentam esconder — a imunidade de quem passou pela doença: “Já tive covid no passado, e, portanto, nossa compreensão dos anticorpos, da imunidade natural mudou muito desde o início da pandemia e ainda está evoluindo”, afirmou. “Entendo que a vacina poderia ajudar a ter menos sintomas se você contrair o vírus. Mas, tendo passado e tendo anticorpos, com a minha faixa etária e nível de aptidão física, uma reinfecção não é necessariamente um medo que tenho. Tomar a vacina, como eu disse, diminuiria minhas chances de ter uma reação grave, mas me abre para a possibilidade de ter uma reação adversa à própria vacina. Você ainda pode pegar covid com ou sem a vacina. Eu diria honestamente que a loucura de tudo está em não sermos capazes de dizer que isso deveria ser uma escolha justa de cada um, sem ser rebaixado ou considerado maluco. Há algumas das razões pelas quais estou hesitante em tomar a vacina nesse momento. Mas, no fim, não acho que há motivo para alguém dizer ‘É por isso’ ou ‘Não é por isso’ para que alguém tome ou não. Isso deve ser apenas uma decisão de cada um. E amar o próximo não é apenas amar aqueles que concordam com você, se parecem com você ou agem da mesma maneira que você.”

Jonathan Isaac mostra que está em uma posição totalmente razoável para ser assumida, e que é abandonada por muitos por medo, bullying ou simplesmente pela prostituição intelectual. Ele está na casa dos 20 anos, tem imunidade natural e está fisicamente mais saudável do que qualquer pessoa de sua idade. Na verdade, durante todo o curso da pandemia, o número total de pessoas entre 15 e 24 anos (faixa etária de Isaac) que morreram de covid nos EUA, um país com 330 milhões de pessoas, é de 1.372: menos do que o número de mortes por pneumonia não associada à covid para o mesmo grupo etário.

E como muitos exemplos de coragem na história, Jonathan Isaac quebrou o canto da atual sereia dos burocratas que, de suas salas em algum prédio com o metro quadrado mais caro de Washington, Berlim ou Bruxelas, decidem a sua vida por você, sem que você possa apresentar nenhum questionamento. Tome a vacina e cale a boca, fascista. Isaac provocou um efeito dominó sem precedentes na espiral de silêncio da NBA. Draymond Green, do Golden State Warriors, e Kyrie Irving, do Brooklyn Nets, também decidiram levantar a voz, com calma, razão e tolerância em meio a um pânico moral sobre as vacinas contra a covid, empurradas implacavelmente pela mídia corporativa, por lobistas e políticos.

Green falou em nome de milhões pelo mundo durante uma coletiva de imprensa na semana passada, quando disse que o debate sobre a picada contra a covid “se transformou em uma guerra política” e que, com decisões médicas como tomar a vacina, “você tem de honrar os sentimentos das pessoas e suas próprias crenças pessoais. Forçar as pessoas a tomar a vacina vai contra tudo o que a América defende”. Draymond Green, assim como a maioria dos jogadores da NBA, optou por tomar a vacina contra a covid, mas Green entende o que muitos jornalistas aparentemente fazem questão de não entender, que receber ou não a vacina deve ser um assunto privado, assim como qualquer outra decisão médica, e que ninguém deve ser coagido a isso.

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia

Outro atleta da NBA que decidiu se pronunciar foi Bradley Beal, do Washington Wizards. Beal também parece ter uma compreensão mais firme da liberdade de consciência e expressão do que toda a imprensa que o atacou repetidamente por sua hesitação em se vacinar por motivos pessoais. “Uma coisa que quero deixar clara é que não estou aqui defendendo ou fazendo campanha ‘Não, você não deveria tomar essa vacina’”, disse Beal, depois de lhe perguntarem sobre a eficácia das vacinas. “Não estou dizendo que são ruins. Não estou aqui dizendo que você não deveria tomá-las, mas que é uma decisão pessoal de cada indivíduo. Tenho o direito de manter essa decisão comigo ou com minha família e gostaria que todos respeitassem isso.”

Em 2020, quando jogadores negros famosos e milionários da NBA, vestidos com camisas do grupo Black Lives Matter, se ajoelharam durante o hino norte-americano contra o “racismo sistêmico” na América, Jonathan Isaac, negro, permaneceu de pé e disse que “ajoelhar ou vestir uma camiseta não era resposta para nada”, que “as vidas dos negros e todas as vidas eram sustentadas pelo Evangelho” e que apenas com a união de todos muitos problemas seriam confrontados, não apenas o racismo. O atual efeito cascata de vozes que se levantam para a defesa inviolável da verdade e da liberdade médica, iniciado pela bravura de Jonathan Isaac, parece que não vai parar. Atletas da NFL — a liga profissional de futebol americano — começaram a se portar publicamente contra o passaporte sanitário e a obrigatoriedade da vacina.

Jonathan Isaac permanece de pé durante hino norte-americano - 
Foto: Reprodução

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia. Homens com princípios basilares que viveram através de séculos por causa de seus legados. Princípios que podem transcender gerações, porque eles são maiores que elas. São a sobrevivência da civilização ocidental. Princípios que vencem regimes totalitários e seus ditadores, que derrubam muros e evitam crises nucleares.

Jonathan Isaac não é nenhum espião treinado para combater forças ocultas dos inimigos de seu país, mas seu espírito simboliza o significado do hino de sua nação — ainda pilar da liberdade no mundo —, sustentada por homens de valores inegociáveis: Land of the free because of the brave. Às vezes, não são necessárias nem duas pessoas para que algo mude. Uma apenas basta. Criem seus filhos para serem como Jonathan Isaac.

Leia também “Ciência, ciência e silêncio”

Ana Paula Henkel, colunista -  Revista Oeste

 [Nota do Blog Prontidão Total: em respeito ao direito à informação aos nossos dois leitores transcrevemos a excelente matéria da colunista Ana Paula Henkel, ao tempo que expressamos nossa posição favorável às vacinas - seja os imunizantes contra a COVID-19 ou os mais antigos, tradicionais.]