Sob o pretexto de se combater a corrupção a ferro e fogo, o Brasil foi se tornando um país arreganhadamente despudorado.
Ficamos sabendo — e é fato — que o governo Bolsonaro intensifica seu
lobby junto ao Superior Tribunal de Justiça para que a Corte Especial
que vai avaliar o recurso da defesa de Wilson Witzel endosse o seu
afastamento cautelar, imposto, monocraticamente, pelo ministro Benedito
Gonçalves. [FANTÁSTICO: o presidente Bolsonaro, que grande parte da mídia considerava já impedido e execrava uma eventual pretensão presidencial de se tornar um 'digital influencer', ganha o status de herói e "influencer of justice".]
Imagem: Reprodução/NEFF
Atentem para uma questão importante: o problema não está apenas no fato
de a decisão ser monocrática. Se o STF decidiu, em 2017, que um
governador pode ser afastado sem prévia autorização da Assembleia — o
que é um erro —, está mantida, no entanto, a exigência de que haja ao
menos a aceitação da denúncia — o que tornaria o governador réu. E ele
ainda não é réu porque nem sequer foi ouvido. Não se constrói democracia sólida assim. O que se tem é bagunça.
A defesa recorreu, claro!, à Corte Especial do STJ contra a decisão. A
coisa deve ser votada na quarta-feira. Até onde se sabe, vai endossar a
decisão de Gonçalves. "Ah, aí a coisa não será mais monocrática, então!"
Não resolve nada, minhas caras, meus caros! Um governador eleito
diretamente está sendo retirado do cargo sem nem ainda ser réu; sem que o
próprio STJ tenha apreciado a denúncia. E não se pode tomar o endosso a
uma liminar como sinônimo de denúncia aceita.
Há algo de errado num país em que é mais fácil tirar do cargo um governador do que um deputado estadual. Sim, um deputado estadual está submetido à jurisprudência do Supremo que
vale para parlamentares federais: enquanto conservar o mandato, não
pode ser submetido a medidas cautelares que impeçam o livre exercício do
mandato sem a concordância da Assembleia. [a decisão de um ministro do STF de suspender o mandato do ex-deputado Eduardo Cunha e 'pegar carona' na medida ilegal para retirá-lo da presidência da Câmara dos Deputados, foi acatada pelo plenário do STF, passando a existir uma legislação virtual - só acessível por ministros da Suprema Corte - amparando o absurdo.] Que sentido faz impor a um
governador uma sanção antecipada como essa?
A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer. - Rui Barbosa - PENSADOR
A defesa também recorreu ao STF para derrubar a liminar. A decisão cabe
ao presidente da Corte, Dias Toffoli. Ele deu 24 horas para o STJ se
manifestar e depois igual prazo para a PGR — cuja resposta já sabemos.
Vale dizer: só vai decidir depois da votação da Corte Especial, cujo
resultado é conhecido de antemão. Vamos ver o que fará Toffoli se a Corte Especial endossar a decisão de
Benedito. Um caminho é considerar o recurso prejudicado porque o que se
pedia era a derrubada de decisão monocrática, que monocrática não será
mais. Nesse caso, a defesa de Witzel deverá voltar ao Supremo com outro
recurso, cuja natureza precisa ser estudada.
Insista-se: o governador Wilson Witzel nem sequer foi denunciado. "E por
que não se denuncia logo?" Porque se está ainda na fase da
investigação. Não houve tempo. Deixo aqui uma questão para reflexão: se, do concerto entre STJ e STF
resultar uma decisão em que um governador de Estado pode ser afastado do
cargo com base em declarações de um delator, sem nem ao menos ter sido
ouvido e antes que tenha se tornado réu — já que não existe a denúncia
—, então teremos as cortes superiores investindo no baguncismo.
Tanto pior quando se sabe que uma dessas cortes, o STJ, está sob o cerrado assédio do Poder Executivo. Os dois tribunais vão inaugurar a fase da execução sumária para políticos? Quem ganha? Os fascistoides.
Reinaldo Azevedo, jornalista - Coluna no UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário