Boa parte daquilo que lhe dizem hoje em dia nos
meios de comunicação, ou nas conversas do seu círculo social, indica que
o mundo está ficando cada vez mais sem noção. A sua lógica recebe tiros
por todos os lados. Pela mais recente tábua de mandamentos do feminismo
realmente avançado, por exemplo, não se pode mais mencionar a
existência de mulheres que menstruam; agora é preciso dizer “pessoas que
menstruam”, sob pena de machismo, fascismo e discriminação “contra os
transgêneros”.
Mas biologicamente só mulheres podem menstruar; não há
nenhuma outra possibilidade, desde que o ser humano surgiu, há cerca de 2
milhões de anos.
O que poderia haver de errado em dizer isso? Não
interessa. É preconceito, pois nega a um homem que se sente “no corpo
errado”, e gostaria de ser mulher, o direito de ficar menstruado. Em
suma: a menstruação deve ser tratada como um fenômeno fisiológico que
pode ser acessado por todas as “pessoas”.
Todo indivíduo de pele branca, seja lá qual for o seu comportamento, é
racista; segundo os generais da atual guerra pela
canonização imediata e
mundial da etnia negra, o equipamento genético dos
brancos, ou algo
assim, os condena à prática do racismo, ou do crime de “branquitude”.
Não se menciona como isso poderia funcionar com as etnias orientais, por
exemplo, ou com os esquimós; também não há lugar, na cabeça dos
defensores mais agressivos da nova consciência racial, para as pessoas
que são fruto de séculos de cruzamento entre brancos e negros. No
Brasil, por exemplo,
estamos diante de um problema sem solução. Dezenas
de milhões de pessoas, na verdade a maioria da população brasileira, não
são brancas nem pretas —
o que se vai fazer com essa gente toda? Pelo
que deu para entender das últimas liminares baixadas na vanguarda
intelectual do antirracismo como ele é praticado hoje, o tipo chamado
“
brasileiro”, ou “moreno”, também é racista — talvez até mais que os
brancos.
Em suma: ou o cidadão tem o seu tom de pele negra aprovado pelo
“campo progressista”, ou não tem salvação possível. A
“branquitude”, em
si, é um delito.
O sujeito não precisa ser da Ku Klux Klan, ou a favor
do apartheid, para ser racista; basta ter nascido branco.
É obrigatório, para todo cidadão que queira ter uma ficha
politicamente limpa neste mundo, ir à rua, protestar ou manifestar-se em
público contra
“o fascismo”. Não está disponível a opção de pensar em
outra coisa, ou simplesmente de não pensar no assunto; pelo novo
catecismo hoje em vigor, o
“silêncio” equivale à prática dos delitos de
racismo, machismo, exclusão social, negação da “diversidade”, injustiça,
promoção da desigualdade e sabe-se lá quantas outras calamidades mais.
Também é compulsória a militância ativa por um
“planeta sustentável”.
Seria muita sorte, para todos, se esse dever se limitasse à preservação
da natureza, do ar puro e das geleiras; mas hoje em dia tudo isso está
longe de ser suficiente. É indispensável, também, denunciar o excesso de
bois, frangos e porcos na população animal.
Sua alimentação
(e a dos
animais) tem de ser orgânica.
É proibido aceitar a mecanização da
agricultura, o uso de fertilizantes, a aplicação de defensivos químicos
contra pragas, as
“grandes propriedades” e, em geral,
a presença do
capitalismo na atividade rural. O uso de hormônios para apressar o
crescimento de frangos, por exemplo, está terminantemente proibido.
(Tem
de ser permitido, e até pago pelos serviços sociais do Estado, quando
se trata de dar hormônios para bloquear o desenvolvimento natural
trazido pela adolescência a crianças “confusas” quanto ao seu sexo, como
se diz; mas para frango de granja não pode.) A indústria, como um todo,
é ruim. A produção de energia, hidroelétrica ou de qualquer natureza, é
pior ainda.
E o capital, então? Melhor nem falar.
Pelas novas regras, homens e bichos devem ter direitos iguais
Há dois meses a cidade americana de Portland, com uma população de
quase 3 milhões de habitantes na sua área metropolitana
, vem sendo
destruída, incendiada e violentada por gangues que se descrevem como
“antifascistas” — teoricamente, ainda em sinal de protesto contra a
morte de um negro por um policial branco. O atual pensamento
progressista sustenta que destruir propriedade pública e privada,
agredir policiais e impedir o direito de ir e vir dos cidadãos de
Portland é um direito dos militantes. O governo local do Estado e do
município,
controlado pela esquerda do Partido Democrata, acha muito
justo.
Mais que isso: reivindica-se que a cidade ganhe uma espécie de
extraterritorialidade, como se fosse uma embaixada estrangeira ou
reserva indígena, onde a autoridade pública não poderia ser aplicada e
as leis norte-americanas não teriam valor. A mesma coisa é exigida pelo
movimento antirracista em
Seattle,
com cerca de 4 milhões de habitantes e
não distante de Portland. Os líderes querem que a polícia seja
legalmente proibida de entrar em determinadas áreas dessas cidades, que o
orçamento da segurança seja reduzido pela metade, que mais verbas
públicas sejam entregues a
“projetos de interesse da comunidade negra” e
por aí se vai.
(.....)
“Julgar as pessoas é visto como uma conduta discriminatória”
O que mais? Mais tudo o que você quiser; a lista completa daria para
encher uma
Enciclopédia Britânica, e não é preciso chegar a tanto. Já
deu para entender, não é mesmo? “
Todos os limites que deram significado à
experiência humana, por centenas de anos, estão sendo questionados e
postos à prova”, disse em entrevista publicada pela
Revista Oeste
em sua última edição o
sociólogo Frank Furedi. Isso é resultado, em sua
visão, de uma crise moral — que por sua vez tem origem na crença, muito
em voga hoje em dia, de que é errado fazer distinções e julgamentos.
“Julgar as pessoas é visto como uma conduta discriminatória”, diz
Furedi.
“É o que se ensina nas escolas: ‘não julgue o colega’, ‘não
existe bom ou ruim’, ‘não há certo ou errado’.
Mas, se você começa a
destruir os limites morais, cria-se uma mentalidade em que as pessoas se
tornam intolerantes com os limites em geral.” Isso, na sua opinião, é
estúpido. É mesmo.
A questão, a partir daí,
é tentar enxergar para onde essa marcha da
insensatez está nos levando. Ou, mais precisamente: o pensamento
descrito acima, com todos os seus similares, será ou não será capaz de
interromper o progresso das sociedades humanas, tal como ele é entendido
hoje?
A vida vai realmente mudar? Na prática, são essas as questões que
interessam no curto prazo — que, como ensina a experiência, é sempre
bem mais interessante que o longo. À primeira vista,
a coisa toda está
com a pior cara possível. Em sua comemoração do
“Dia dos Pais”, a
Natura, empresa do ramo de cosméticos,
acaba de dar o título de “Pai do
Ano” a uma mulher; há pouco tempo,
o prêmio de “Miss Espanha” foi dado a
um homem.
Estátuas de Cristóvão Colombo são destruídas nos Estados
Unidos, e murais em sua homenagem, fechados na Universidade de Notre
Dame, para que ele pague, 500 anos depois,
o crime de ter descoberto a
América e, com isso, levado ao
“genocídio dos povos indígenas”.
Multinacionais bilionárias, que até anteontem se achavam exemplos
superiores de tudo o que pode haver de bom na liberdade em geral (e
econômica em particular),
exigem que o Facebook e o Twitter formem
comitês de censura para proibir a circulação de mensagens de “de
direita/de ódio/extremistas” — algo como obrigar os Correios a examinar o
conteúdo das cartas que recebem do público, e só entregar as que forem
previamente aprovadas pela sua direção. Jornalistas são postos para fora
(do The New York Times, digamos) por não se encaixar no modelo exigido pelo “coletivo” das redações.
O filme …E o Vento Levou, rodado em 1939, foi recentemente
tirado de circulação por “racismo” —
só voltou ao ar com uma introdução
“histórica”, equivalente a um pedido de desculpas, em que uma “ativista”
negra faz a denúncia da “injustiça social” e do “desrespeito aos
negros” que teriam sido praticados 81 anos atrás pelos produtores,
diretor, atores e técnicos responsáveis por essa “narrativa”. Já mudaram
o título que John Lennon deu em 1972 a uma de suas canções (
Woman Is the Nigger of the World)
pela mesma acusação
— “racismo”. Fala-se em cotas na distribuição do
Oscar;
“minorias” deveriam ter um número prefixado de estatuetas.
Universidades norte-americanas estão criando cerimônias de formatura
separadas para brancos e negros — por exigência de “lideranças” negras.
Professores considerados de “direita” são cada vez mais proibidos de dar
cursos, ou mesmo fazer uma palestra, no ensino superior. Uma
confederação de empresas internacionais ameaça fazer boicote econômico
contra os produtos agrícolas e a indústria de alimentos do Brasil caso
continue o que descreve como
“destruição da Amazônia”.
O presidente da
França não gosta do agronegócio brasileiro —
nem o rei da Noruega, o
papa Francisco, o Comitê de Diversidade do Conselho da Europa e nove
entre dez intelectuais atualmente vivos.
Tendem a dar mais atenção às ideias “corretas” os que menos precisam trabalhar para viver
Tudo bem — mas o futuro vai ser mesmo como essa gente está querendo,
ou dizendo que quer? Isso aqui não é uma aula de sociologia; é só um
artigo de revista. Em todo caso,
a prudência e o bom senso recomendam
que se pense um pouco mais nas realidades antes de chamar o padre para
dar a extrema-unção ao mundo como ele é hoje. É provável que a resposta
mais aproximada a essa pergunta seja a seguinte: depende. O Novo
Testamento da Virtude Política deve gerar mais efeitos concretos nos
setores da sociedade mais sensíveis à crença de que a vida possa
realmente ficar melhor desse jeito; onde essa fé não existir, ou for
apenas morna, o essencial não muda.
Os efeitos vão variar, muito
possivelmente, de acordo com as classes sociais —
quanto mais pobre, ou
menos rica, for a classe, menos importância vai se dar à ideia de que um
pai pode ser mulher, ou que se deva derrubar as estátuas de Cristóvão
Colombo, mesmo porque a maioria nem sabe quem foi Cristóvão Colombo.
Da
mesma forma,
tendem a dar mais atenção às ideias “corretas” os que menos
precisam trabalhar para viver; os que mais trabalham, sobretudo nas
ocupações mais modestas, pesadas e mal pagas, devem ser os que menos
tempo vão dedicar à igualdade de direitos entre animais e seres humanos,
ao desarmamento da polícia ou ao aquecimento da calota polar.
(.....)
Da
mesma forma, é melhor esperar um pouco antes de marcar uma data para o
fim do capitalismo nos Estados Unidos — ou no Japão, na Europa e no
resto do mundo. Alguém se lembra do movimento Occupy Wall Street, que ia
acabar com a bolsa de valores e os bancos norte-americanos dez anos
atrás? Pois é. Há valores diferentes, e muito, conforme o lugar do mundo onde você
está. É duvidoso que a China, por exemplo, com o seu 1,4 bilhão de
habitantes, esteja interessada nas queixas, exigências e necessidades da
etnia negra, ou de qualquer outra.
E a Índia? Seria um país negro? Ou
sofreria de “branquitude”? Não dá para dizer — e lá se vai mais 1,3
bilhão de cidadãos. As “causas” defendidas nas ruas norte-americanas,
europeias ou brasileiras seriam as mesmas dos países da Ásia, ou das
sociedades muçulmanas?
Quanta importância se dá aos direitos das
mulheres no Paquistão ou na Arábia Saudita? Mais de 3 bilhões de
pessoas, incluindo China e Índia
(onde não passa pela cabeça de ninguém
abolir o sistema de castas, que exige direitos diferentes conforme a
definição social do indivíduo), vivem em regimes onde se aceita sem
maiores problemas a ausência da liberdade, da igualdade ou da
democracia. É gente que não acaba mais; devem saber o que estão fazendo.
Os valores defendidos em Seattle não são os que se levam em conta em
Xangai. O que as pessoas têm em comum, no mundo de hoje, é muito menos
do que aquilo que as separa.
Em suma: quem acredita que não pode mais haver limites para nada
neste mundo precisaria combinar isso com os chineses. Além dos russos, é
claro.
Leia a entrevista com Frank Furedi
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J.R. Guzzo, jornalista