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domingo, 24 de setembro de 2023

Por que não recorrerei ao STF contra minha cassação - Deltan Dallagnol

VOZES - Gazeta do Povo

Justiça, política e fé

Nesta semana, depois de muita oração e reflexão, anunciei que não irei recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão ilegal do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o meu mandato de deputado federal, conquistado com os votos de 344.917 paranaenses
A razão para isso é muito simples: não há justiça no Supremo. 
Eu já cheguei a acreditar que houvesse justiça em meu país e que o STF seria capaz de entregar essa justiça. Faz tempo que não acredito mais.

Confiar na justiça e lutar por ela sempre fez parte de mim. Tenho orgulho de poder ter servido, ao longo de 18 anos de minha carreira, como procurador da República, uma função que sempre identifiquei como de amor ao próximo, porque é isso que o Ministério Público faz: cuida das pessoas garantindo o cumprimento da lei e da ordem, punindo a criminalidade, combatendo a corrupção, protegendo o meio ambiente e os direitos difusos e coletivos.

Infelizmente, é impossível reconhecer a justiça nas decisões que são diariamente tomadas pela maioria do STF. 
A maioria no tribunal, a quem compete a guarda da Constituição, tem destruído a democracia que deveria proteger, com decisões cada vez mais arbitrárias. 
No STF, o que me espera são três ministros que já votaram contra mim no TSE pela cassação do meu mandato. 
Além disso, temos os pivôs da destruição da Lava Jato, que não disfarçam sua inimizade por mim: Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ministros que representam a ala dominante na corte, totalmente avessa à Lava Jato.

Os ministros que julgariam o meu caso seriam os mesmos que votaram para anular condenações e investigações contra Lula, Arthur Lira, Beto Richa, Sergio Cabral, Gleisi Hoffman, Eduardo Cunha e vários outros. 
São os mesmos que, mesmo com todas as provas encontradas pela operação Lava Jato, só conseguiram condenar um único político, o ex-deputado Nelson Meurer, que nem chegou a cumprir pena, falecendo pouco depois. 
E são os mesmos ministros que condenaram, à revelia dos princípios constitucionais mais básicos do direito penal democrático, pessoas envolvidas no 8 de janeiro, que não têm sequer foro privilegiado perante a corte, para enumerar apenas um dos dez problemas com o julgamento.

Esses mesmos ministros têm, segundo a imprensa, interesse em emplacar candidatos seus à próxima vaga no STF, após a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Dizem os jornalistas, ainda, que Gilmar Mendes está especialmente empenhado em influenciar a sucessão de Augusto Aras na PGR, e que Dias Toffoli tem tomado decisões absurdas contra a Lava Jato movido por um desejo de fazer as pazes com Lula e o PT, após ele mesmo ter destruído pontes com seus velhos amigos.

Num cenário desses, em que Lula - justamente quem vai fazer as indicações aos poderosíssimos cargos que são de interesse dos ministros - não esconde que seu maior sonho é a vingança total e completa contra a Lava Jato, é fácil de perceber que sobra pouco espaço para a Justiça, essa coitada entidade pouco lembrada pelos supremos. Ela fica ali, nas sombras do Plenário do STF, cegada, ensurdecida, emudecida, amarrada e impotente, esmagada pelo tamanho das pretensões políticas e desejos inconfessáveis por poder absoluto que permeiam o local.

Desde que anunciei minha decisão, recebi muitos comentários carinhosos de apoio e de força, pelos quais sou grato, e muitos que também expressaram sua revolta e sua indignação com o atual Estado de Abuso do Direito que vivemos no Brasil. 
É alarmante que a maioria das pessoas compartilhe exatamente o meu sentimento - de que não há justiça no STF - mas é também triste, extremamente triste. 
Tão triste quanto um desembargador precisar expressar, na tribuna do Supremo, que os ministros são as pessoas mais odiadas do país
Como nossa Suprema Corte se deixou desmoralizar desta forma?

Algumas pessoas chegaram a comentar: “Deltan, recorra ao STF, faça você mesmo a sustentação oral e exponha a injustiça do tribunal”
Como acreditar que até mesmo isso, o direito básico de um advogado ou de uma pessoa a apresentar pessoalmente a sua defesa aos seus juízes, será respeitado no meu caso? 
Como acreditar nisso quando o STF, ao ser confrontado com as críticas necessárias às suas ilegalidades e arbitrariedades por advogados durante o julgamento dos réus do 8 de janeiro, muda seu regimento interno para passar os julgamentos futuros ao Plenário virtual, negando a mais de mil réus e seus advogados o direito deles de serem julgados e apresentarem suas defesas no Plenário físico?

Não há como acreditar porque não há mais respeito à lei e à Constituição. Não há mais Império da Lei e Estado Democrática de Direito. Por conta disso, 35% dos brasileiros acreditam que não é permitido afirmar que o STF prejudica a democracia. Uma a cada quatro pessoas entende que não há liberdade de opinião no Brasil, que deveria ser garantida pelo Supremo. Além disso, 45% já sentiram medo de perseguição por criticar autoridades. As pessoas já perceberam que, hoje, há apenas o exercício puro e simples do poder e a manipulação da lei e das regras conforme as conveniências políticas do momento, em que salvam-se os amigos e aos inimigos sobra apenas a destruição. 

Hoje, como a maioria dos ministros me identifica como inimigo da corte, terei apenas isso à minha espera lá - abuso, arbitrariedade, ilegalidade e, ao fim, destruição. Isso no tribunal que deveria ser o primeiro a defender impessoalidade, imparcialidade e império da lei. Um dos maiores problemas é que os ministros que seguem a lei são os que têm menos poder, justamente porque não estão dispostos a violar as regras para beneficiar amigos e prejudicar adversários. Enquanto isso, vemos o poder dos demais crescer assustadoramente.

Outras pessoas não conseguem entender como eu possa ter decidido não recorrer para recuperar o mandato - para essas pessoas, não há nada mais importante do que cargos, verbas, prestígio e status social. 
Mas não é isso que me move, nunca foi. Não sou um cargo e nem um mandato. 
Se fosse, aliás, nem teria renunciado ao meu cargo de procurador, que sempre me realizou profissionalmente e trazia mais conforto pessoal por qualquer ótica que se faça a comparação. 
O que me move - e move a muitos que estão comigo nessa jornada - é um senso de propósito maior, de que devemos construir um Brasil iluminado pela Justiça em que floresçam democracia, liberdade e prosperidade. Nas sombras da injustiça em que vivemos, isso jamais acontecerá.

E é por isso que vou continuar a lutar. As 344.917 mil vozes que foram caladas pelo TSE não serão caladas para sempre. A sua voz, leitor, também não será calada para sempre.


A escudeira de Flávio Dino - Revista Oeste

Cristyan Costa

Articulações de Eliziane Gama na CPMI do 8 de Janeiro mostram que a relatora vai blindar o ministro da Justiça e figurões do governo federal que têm muito a explicar

 

Instalação da CPMI do 8 de Janeiro. Foram escolhidos Arthur Maia como presidente e Eliziane Gama como relatora | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Durante o depoimento do ex-GSI Gonçalves Dias à CPMI do 8 de Janeiro, membros da oposição acusaram o militar de receber, previamente, as perguntas que seriam feitas a ele pela relatora da comissão, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA). A própria parlamentar estaria envolvida no caso. Isso porque mensagens de WhatsApp obtidas por congressistas mostram um diálogo no qual o filho de Dias, Gabriel, afirma ter negociado um encontro com Erlando da Silva, chefe de gabinete de Eliziane. Depois dessa reunião, Dias teria recebido uma lista com as interpelações.

Num país sério, uma revelação desse calibre seria a bala de prata para derrubar da posição de relatora uma parlamentar que, desde o início da CPMI, trabalha para blindar o governo e Flávio Dino, ministro da Justiça. Seu padrinho político, é ele o responsável por Eliziane chegar à posição que ocupa hoje no Parlamento e na comissão.  
A senadora trabalha ativamente com aliados da bancada do Maranhão — a maior da CPMI — para chamar ex-membros do governo Bolsonaro, como Anderson Torres e Mauro Cid, em vez de gente que realmente tem muito a explicar sobre o 8 de janeiro, como G. Dias e o próprio Dino. 
Com a caneta da relatoria na mão, caberá a Eliziane indiciar pessoas ao término da CPMI, até mesmo no Supremo Tribunal Federal. 
 
O militar e o ministro da Justiça são atores centrais do 8 de janeiro. Imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto, divulgadas em abril deste ano pela CNN Brasil, mostram o então ministro do GSI auxiliando invasores e tratando-os com cordialidade. 
Apesar da gravidade, a CPMI só convocou o general dois meses depois de os vídeos virem à tona. 
A demora se deu, sobretudo, por causa de articulações do governo na CPMI patrocinadas por Eliziane, que chegou a afirmar que a presença de Dias no colegiado, logo depois da revelação, “atrapalharia o cronograma dos trabalhos”. 
Sobre Dino, Eliziane não viu “necessidade” de chamá-lo, em razão de “muitas informações do caso estarem sob sigilo”. O ministro da Justiça vinha sendo cobrado por imagens da sede de sua pasta no dia dos protestos. Dino, contudo, sem dar muitos detalhes, afirmou que os vídeos haviam sido apagados.


(...)


Outros deputados confirmam a tese segundo a qual Eliziane age com parcialidade nos bastidores e, principalmente, nas sessões diante das câmeras. Ao citar a troca de mensagens entre o filho de G. Dias e o assessor da parlamentar, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) disse temer que as conclusões da CPMI acabem distorcendo a realidade. “Questionar a parcialidade da relatora não é um crime”, afirmou o parlamentar. “Se eu estivesse sentado na cadeira de relator, teria vergonha.”

Assessor de Eliziane Gama encontrou-se com G Dias antes do depoimento do General à CPMI, indicam mensagens.

Parlamentares oposicionistas apresentaram conversas na sessão desta terça-feira (12) e acusaram a relatora de combinar perguntas com o ex-ministro do GSI.

Senadora não… pic.twitter.com/9J1KxepaTm

— Metrópoles (@Metropoles) September 12, 2023


Espera-se que o relatório final, a ser divulgado em 17 de outubro, proteja Dino e G. Dias das acusações de omissão e ocultação de provas. Nas mais recentes declarações, Eliziane disse que dará prioridade a uma segunda convocação de Mauro Cid, bem como de outros militares, como o ex-ministro Braga Netto. Cid permaneceu em silêncio, respaldado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, Eliziane acredita que essa postura pode mudar, especialmente depois de o militar ter sido interrogado em três ocasiões pela Polícia Federal (PF) e por causa do acordo de delação premiada que ele celebrou com a PF, homologado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Amiga do poder

A relação amigável entre Eliziane e os parlamentares de esquerda
no Congresso Nacional ficou mais estreita com a CPI da Covid, em 2021. Embora não fosse membro efetiva da comissão, o então presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), deu a ela uma posição de destaque para atacar o governo Bolsonaro. Com a vitória de Lula, a parceria ganhou musculatura, quando o ministro da Casa Civil, Rui Costa, aprovou a nomeação do marido da senadora, Inácio Neto, para a presidência do Serviço Geológico do Brasil (SGB), uma estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia que faz pesquisa sobre o território nacional e suas riquezas. Além do salário de R$ 30 mil, Neto pode dar pareceres a favor de pedidos para a realização de extração de minerais. O governo Lula ignorou completamente um manifesto feito por funcionários do SGB contra a nomeação.

Divulgado em março deste ano, o documento lista vários processos arquivados ou em trâmite contra Neto. O texto diz que o homem é acusado de praticar crime ambiental, elaborar e usar documentos falsos, sonegar impostos, além de denúncias de agressão à ex-mulher. “Outro agravante é a inaptidão técnico-científica confirmada pela falta de formação para o cargo pretendido, sendo formado em administração, além de inexistência de conhecimento prévio ou experiência na área de geociências, ou mesmo relacionada ao setor mineral”, diz trecho do documento enviado ao governo. A carta dos funcionários lembra ainda que, em 2021, Neto chegou a ter a prisão decretada pela Justiça no Maranhão, por não pagar R$ 560 mil de pensão alimentícia do filho do primeiro casamento.

Neto tem ainda várias denúncias contra ele no Maranhão. A publicação de algumas delas, por jornalistas que atuam em blogs independentes no Estado, renderam processos contra esses profissionais. Werbeth Saraiva, Neto Ferreira, Antônio Martins e Domingos Costa são alguns deles. O grupo acusa a senadora de usar verba de gabinete do Senado para pagar o escritório Spindola, Raposo e Ribeiro Advocacia e Consultoria, que moveu a ação. Comprovantes no Portal da Transparência do Senado confirmam que o escritório presta serviço para Eliziane. 

LER ÍNTEGRA DA MATÉRIA

 

Leia também “O triunfo da injustiça”

 

Coluna Cristyan Costa, Revista Oeste 

 

 

Governo Lula bloqueia verba do Auxílio Gás e 2 milhões podem ficar sem o benefício em dezembro - O Estado de S. Paulo

Daniel Weterman
 

Ministério do Desenvolvimento Social teve R$ 262 milhões bloqueados no Orçamento e colocou todo o corte no programa que paga o gás de cozinha para famílias carentes

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva bloqueou recursos do Auxílio Gás e 2 milhões de famílias famílias podem ficar sem o benefício no fim do ano
O programa paga o gás de cozinha para pessoas de baixa renda e foi atingido pela tesourada determinada na Esplanada dos Ministérios.

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome travou a liberação de R$ 262 milhões do Auxílio Gás, de acordo com levantamento da Associação Contas Abertas com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).

O valor representa 14% do orçamento do programa (um total de R$ 1,8 bilhão) que ainda não foi liberado para os beneficiários. Considerando o número de famílias atendidas e o benefício pago atualmente, ou não vai ter dinheiro até o fim do ano ou algumas [em torno, sendo otimista, de 796 mil famílias.] famílias ficarão desatendidas.

O ministério foi alvo de um bloqueio de R$ 262 milhões após dois decretos do governo. Todo o corte ficou em cima do Auxílio Gás, programa criado na gestão de Jair Bolsonaro, e nenhuma outra área foi atingida na pasta. O dinheiro das emendas parlamentares, por exemplo, foi poupado.

A pasta, comandada pelo ministro Wellington Dias, admitiu que a decisão “poderia afetar o Auxílio Gás, mas apenas em dezembro” e disse que colocou o bloqueio no programa porque não haveria prejuízos “neste momento”. O ministério também afirmou que espera a liberação da verba travada até o fim do ano. Se isso não acontecer, se prepara para “remanejar recursos de outras ações orçamentárias”, ou seja, garantir o Auxílio Gás e deixar outras áreas sociais sem dinheiro.

O importante é que os bloqueios atinjam o supérfluo e não o essencial, de forma a preservar as políticas públicas prioritária

Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas

O governo efetuou o bloqueio porque apontou risco de furar o teto de gastos públicos, conduta que pode levar ao impeachment de um presidente da República. Mesmo com essa imposição, são os ministérios que definem quais ações ficarão sem dinheiro garantido. O recurso só é destravado se a situação financeira se resolver - o que não tem prazo para acontecer.

O Auxílio Gás foi criado em 2021, no meio da pandemia de covid-19, para socorrer famílias que passaram a cozinhar com lenha e álcool porque não tinham dinheiro para comprar o gás
Na época, pessoas chegaram a ser hospitalizadas com queimaduras. 
O valor pago hoje é de R$ 110 a cada dois meses por família, com base no preço médio do botijão de 13 quilos no Brasil. “Os bloqueios podem ser temporários ou definitivos, dependendo do comportamento das receitas e das despesas. O importante é que os bloqueios atinjam o supérfluo e não o essencial, de forma a preservar as políticas públicas prioritárias”, afirmou o secretário-executivo da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Três parcelas do benefício já foram pagas (fevereiro, abril e junho). As famílias ainda devem receber o auxílio nos meses de agosto, outubro e dezembro. Se o governo trabalhar com o valor que ficou disponível, o bloqueio representa 795 mil famílias a menos.  
Se atender o mesmo número de pessoas nas próximas duas parcelas, como prometeu, faltaria dinheiro para 2 milhões de beneficiários em dezembro.

Conforme o Estadão revelou, o bloqueio também atingiu áreas estratégicas do Ministério da Educação, que bloqueou recursos para a educação básica, alfabetização de crianças, transporte escolar e bolsas de estudo na mesma semana em que Lula lançou um programa de ensino em tempo integral.


Daniel Weterman, colunista - O Estado de S. Paulo

 

 

Decisão do STF que derruba marco temporal torna o Congresso inútil - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Para que aprovar uma lei se os ministros do Supremo Tribunal Federal vão dizer que ela não vale?

O Congresso Nacional serve para duas coisas no Brasil de hoje. A primeira é fornecer uma aparência de legalidade ao regime que está em vigor – algo como um certificado de “nada consta” para exibir na ONU, ao New York Times e coisas parecidas.  
A segunda é distribuir dinheiro público para deputados e senadores através das “emendas parlamentares”o até há pouco tempo amaldiçoado “orçamento secreto”, que hoje é reverenciado pelos analistas políticos como um alicerce da “governabilidade”. 
O que o Congresso não faz é cumprir a obrigação principal que lhe foi destinada na Constituição: aprovar as leis do Brasil, coisa que ninguém mais está autorizado a fazer.  
A maioria dos congressistas dá a impressão de não ligar para isso. 
Mas também não adiantaria nada se eles ligassem. 
As leis que já aprovaram podem ser anuladas a qualquer momento pelo STF
As que querem aprovar podem ser declaradas “inconstitucionais”. 
E as que não querem? O STF pode mandar que aprovem.
Realmente: para que aprovar uma lei, dentro de absolutamente todos os conformes, se os ministros do Supremo vão dizer que ela não vale? 
O caso do “marco temporal” é a última aberração da série que o STF vem produzindo em tempo real, sobre quaisquer assuntos, há pelo menos quatro anos. 
A Câmara dos Deputados aprovou por 283 votos contra 155, agora no dia 30 de maio, uma lei estabelecendo que as tribos indígenas só podem reivindicar a demarcação das terras que elas já estivessem ocupando até 1988, ou 35 anos atrás. 
Foram quinze anos inteiros de discussão; poucas vezes a Câmara debateu um assunto por tanto tempo e com tanto cuidado. 
Também é difícil achar um caso tão evidente de maioria – e a maioria dos votos na Câmara representa a vontade da maioria dos brasileiros. 
Não há, simplesmente, nenhum outro meio legal de se determinar isso. Mais: o projeto que os deputados aprovaram foi para o Senado, e já recebeu, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, a aprovação dos senadores, por 13 votos a 3. 
Está, obviamente, a caminho de ser aprovada na Comissão de Justiça e, em seguida, no plenário.
O STF, antes da votação final do Senado, acaba de decidir que o “marco temporal” é contra a Constituição.  Por quê?  
Não há, como em tantas outras decisões do tribunal, nenhum argumento coerente para achar isso. Também não há “dúvidas”, ou “vazio legal”, em torno do tema. Foi para eliminar todos os possíveis pontos obscuros, justamente, que a Câmara aprovou uma lei depois de quinze anos de debate. O que mais se pode exigir? 
Não se trata de saber se o marco é certo ou errado, justo ou injusto. É lei. Mas lei, no Brasil, é a vontade do STF.
 
 
J. R. Guzzo,  colunista - O Estado de S. Paulo

Violência da PRF e mortes na Bahia expõem polícias desgovernadas - O Globo

 [COMENTÁRIO destaque INICIAL: indiscutivelmente que ocorreu uma fatalidade que vitimou uma criança de 3 anos - mas em nossa opinião o cerne do lamentável incidente se fundamentou com a IRRESPONSABILIDADE do pai da vítima em dirigir um VEÍCULO ROUBADO - é DEVER do condutor do veículo (proprietário ou não) se assegurar de que está portando a documentação legal do veículo e da procedência do mesmo.]

Sete de setembro, Dia da Independência. Uma família da Região Serrana do Rio volta para casa depois de passar o feriado com parentes. No Arco Metropolitano, o carro com duas crianças começa a ser perseguido pela Polícia Rodoviária Federal. Um agente aponta o fuzil e atira. A caçula, de 3 anos, é baleada na cabeça.[comentário: carro que consta nos registros como VEÍCULO ROUBADO.]

Heloísa dos Santos Silva foi levada para um hospital público da Baixada Fluminense. Depois de nove dias no CTI, seu coração parou de bater. A PRF divulgou uma nota de pesar: “Solidarizamo-nos com os familiares, neste momento de dor, e expressamos as mais sinceras condolências pela perda”.

O comunicado, redigido em tom protocolar, trata a morte como um acaso infeliz. Ignora a brutalidade da abordagem, a imprudência assassina dos policiais, a tentativa de constranger e intimidar a família da vítima.

Enquanto Heloísa agonizava, 28 policiais circularam pelo hospital. Um agente se infiltrou na emergência e abordou o pai da menina. Outro pressionou a tia, chegando a exibir um projétil. “Isso tudo ocorreu no ambiente hospitalar, quando a vítima Heloísa recebia atendimento médico cirúrgico”, anotou o procurador Eduardo Benones. Mesmo assim, o juiz Ian Legay Vermelho, da 1ª Vara Federal Criminal, negou os pedidos de prisão preventiva.[ao que se sabe entre os policiais - 28!!! - não estavam os três que guarneciam a viatura envolvida da lamentável ocorrência.]

A morte da menina não foi caso isolado. Nos últimos anos, a PRF se notabilizou por excessos e operações à margem da lei. Dois casos de 2022 resumem o descontrole. Em Sergipe, agentes asfixiaram Genivaldo de Jesus no porta-malas de uma viatura. No Rio, policiais rodoviários participaram de incursão que deixou 23 mortos na Vila Cruzeiro. [no caso do Genivaldo ocorreu imprudência dos policiais - o que é lamentável e condenável, fato reconhecido pelo Poder Judiciário que determinou o pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00, além de uma pensão mensal vitalícia  de R$ 800,00 para sua esposa. 
O valor da indenização seria ganho por Genivaldo, se ele trabalhasse ganhando um salário mínimo, em 80 anos.
Quanto a incursão na Vila Cruzeiro os policiais participavam de um incursão contra bandidos que reagiram à ação policial, levando os policiais ao uso necessário, compulsório mesmo, da FORÇA NECESSÁRIA. ]

Além de abusar do uso da força, a PRF atuou como braço armado de um projeto extremista. Na eleição presidencial, armou barreiras ilegais para tumultuar rodovias. Depois fez vista grossa a bloqueios promovidos por caminhoneiros bolsonaristas. O ex-diretor Silvinei Vasques usou cargo e distintivo em campanha pelo capitão. Foi preso no mês passado, acusado de interferir no processo eleitoral.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que “há um esforço sincero de redução das mortes decorrentes de ação policial na PRF”. Pode ser, mas o esforço não evitou o fuzilamento da menina Heloísa. Em agosto, o ministro deu 120 dias para o órgão rever seus manuais “a fim de identificar eventuais falhas ou lacunas”. Com sorte, as primeiras medidas concretas virão em 2024.

Pode ser tarde demais para outras crianças que circulam em rodovias. Na terça-feira, em nova operação na Via Dutra, uma bala perdida perfurou o sapato de uma menina de 7 anosas polícias estaduais. Pelo que se vê, a política do bangue-bangue não tem ideologia. As chacinas se sucedem em estados governados pela direita, como São Paulo, e pela esquerda, como a Bahia.

Só na última semana, ações da polícia baiana deixaram 20 mortos. Na segunda-feira, repórteres tentaram ouvir o chefe da Casa Civil, Rui Costa. O ministro comandou o estado por oito anos e é aliado do atual governador, o também petista Jerônimo Rodrigues. Ao ser questionado sobre o assunto, deu as costas e respondeu com um monossílabo: “Fui”.

[fechando:  pelo título da matéria, fica claro que o jornalista lamenta que as mortes não tenham alcançado policiais - esqueceu que um policial da PF morreu nas ações de Salvador.]

 Bernardo Mello Franco, jornalista - O Globo

 


sábado, 23 de setembro de 2023

Marco Temporal: Bancada ruralista quer o STF em ‘seu devido lugar’ e prepara emenda constitucional - Estadão

Frente Parlamentar da Agropecuária aposta na crise institucional para reverter a decisão do STF que invalidou a tese de marco temporal para demarcação das terras indígenas

A Bancada Ruralista decidiu abrir uma nova frente contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que invalidou o marco temporal para demarcação de terras indígenas.  
O princípio estabelecia que só áreas ocupadas até a promulgação da Constituição, em 1988, poderiam virar reservas. 
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) articula com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a votação de uma Proposta de Emenda à Constitucional (PEC) na tentativa de resgatar a tese do marco temporal.

Integrantes da FPA, como o vice-presidente da região Nordeste, deputado José Rocha (União Brasil-BA), argumentam que a PEC é o único mecanismo capaz de frear a ingerência do Supremo sobre as prerrogativas do Congresso. “A PEC é para colocar o STF em seu devido lugar”, afirmou Rocha.

“Quando o Congresso vota uma lei determinando, regulamentando a Constituição, aí vem o STF e desfaz isso, é uma p. de uma agressão ao agro. Chego a ir mais além, é um desrespeito ao Congresso, um poder constituído”, prosseguiu o deputado.

A medida defendida pela bancada, porém, pode não surtir o efeito esperado. Mesmo com a aprovação de uma PEC, a tese ainda poderia voltar a ser questionada pelo STF.  O tribunal proibiu o uso do marco temporal para demarcação de terras e a decisão foi classificada como de “repercussão geral”, ou seja, todos os juízes do País devem seguir a determinação da Corte ao analisar casos de disputas de áreas reivindicadas por indígenas.[perguntar não ofende: mas sendo aprovada uma PEC em data posterior à decisão do STF proibindo o uso do marco temporal, vale a norma mais recente?  = no caso a  PEC.]

A bancada ruralista defendia a aprovação de um projeto de lei sobre o tema. Agora enxerga na PEC, proposta que muda a Constituição, como uma forma de mandar um recado forte ao Supremo.  
Os parlamentares ruralistas defendem abandonar o projeto de lei em tramitação no Senado que trata do marco temporal para centrar esforços na emenda à Constituição, pois, caso aprovada, terá apoio mínimo de 308 deputados e 49 senadores em votação de dois turnos. 
Além disso, seria uma demonstração de coesão do Congresso em torno do tema.

“Se nós fizermos uma emenda à Constituição, aprovada pelo Congresso Nacional, especificando claramente qual é o marca, o tempo e os critérios, a gente acaba com essa insegurança jurídica”, disse o deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). “O direito à propriedade privada, na nossa concepção, é um direito quase que sagrada do produtor rural. Qualquer discussão jurídica que possa ferir o direito à propriedade abala o setor do agronegócio”, completou.

A PEC também é defendida como uma possibilidade de enquadrar o STF sem gerar dissensos no Congresso. O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), prometeu travar todos os projetos do governo na Câmara e no Senado enquanto o marco temporal não for revisto.

A bancada ruralista é formada por 374 parlamentares, o que confere poder a Lupion para enquadrar a base governista. O deputado, contudo, precisaria convencer os líderes dos partidos a embarcar no boicote ao governo Lula. “O assunto é muito sério. Mexe com o homem do campo e o direito deles. A minha preocupação é com o rumo da nossa agricultura, que representa muito bem o País, por conta de decisões unilaterais que contradizem até mesmo as resoluções do próprio STF. Decisões que acredito completamente arbitrárias, que estão sendo um verdadeiro um retrocesso”, afirmou o deputado Luiz Nishimori (PSD-PR). “Essa decisão só visa agradar ONG internacionais e até mesmo governos outros que têm interesses”, completou

O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), avalia, por sua vez, que as ameaças não devem prosperar no Congresso. Segundo ele, “não há espaço para boicotes”. “Acredito que os parlamentares não deixarão de debater e votar projetos em benefício de todos os brasileiros por não concordarem com uma decisão judicial”, argumentou. [o que contraria o raciocínio do petista é que a quase totalidade dos projetos que estão no Congresso, originários do governo, não beneficiam os brasilieiros.]

“O Legislativo deve continuar fazendo o papel dele, com autonomia e independência. Entendo, inclusive, que a legítima manifestação do STF se dá justamente pela omissão do Legislativo. Não há espaço para boicotes, porque quem perde é a população”, completou.

Editorial - O Estado de S. Paulo  

 

Ruralistas, evangélicos e bancada da bala se unem no Congresso para desafiar Supremo - O Estado de S. Paulo

 Vera Rosa

Clima de tensão entre Poderes preocupa Planalto, que tem projetos considerados prioritários para votar no Congresso, como o da reforma tributária

A ameaça da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) de enfrentar o Supremo Tribunal Federal (STF) e obstruir votações no Congresso enquanto o marco temporal das terras indígenas não for aprovado no Senado conta agora com o apoio das bancadas evangélica e da bala.  
A aliança entre as três frentes provoca tensão entre os Poderes e preocupa o Palácio do Planalto.
 
O movimento que conta com apoio da maioria dos partidos do Centrão e pode unir mais da metade do Congresso contra o Supremo foi iniciado nesta quinta-feira, 21, depois que a Corte considerou inconstitucional o marco temporal das terras indígenas. 
Mas as articulações políticas abrangem outras pautas que opõem conservadores ao STF, como a descriminalização do aborto e do porte de drogas.

Dirigentes da FPA e das frentes parlamentares evangélica e da segurança pública vão se reunir na próxima semana, em Brasília, para definir uma estratégia conjunta. A ideia é pressionar o Senado a aprovar o marco temporal das terras indígenas e dar um “ultimato” ao Supremo.

A união de deputados e senadores tem potencial para prejudicar votações de temas prioritários para o governo Lula. Na lista estão a reforma tributária, novas regras de cobrança de impostos para fundos exclusivos e offshores e até a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

“Nós vamos usar todos os instrumentos regimentais para obstruir as votações na Câmara e no Senado, com o objetivo de garantir o direito à propriedade”, disse o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA.
O coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), afirmou que o Congresso não pode ficar de braços cruzados diante do protagonismo observado do outro lado da Praça dos Três Poderes.

“O Supremo atropela o Poder Legislativo e tenta implantar uma ditadura da toga. Não podemos aceitar isso”, reagiu Câmara, numa referência ao voto da presidente do STF, Rosa Weber, favorável à descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação.

A ação que trata do aborto começou a ser analisada na Corte pelo sistema eletrônico de votação, mas o ministro Luís Roberto Barroso – que assumirá a presidência da Corte no próximo dia 28, com a aposentadoria de Weber – transferiu o julgamento para o plenário físico. Não foi fixado prazo para a retomada do tema.

O STF também interrompeu, no último dia 25, o julgamento que vai decidir se o porte de maconha para uso pessoal é crime e trata da fixação de critérios para diferenciar o traficante do usuário de droga. O ministro André Mendonça pediu vista do processo, o que significa mais tempo para análise.

Pressão
Diante de um cenário de confronto frequente com a Corte
, as bancadas do agro, da bala e evangélica decidiram iniciar o movimento de pressão pelo Senado. Motivo: é na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa que tramita o projeto de lei com a tese defendida pelo Centrão, segundo a qual a demarcação de territórios indígenas precisa respeitar a área ocupada até a Constituição de 1988.

O problema é que, caso seja aprovado na CCJ e passe pelo crivo do plenário do Senado, o projeto ainda terá de ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, [o presidente petista é fácil de ser enquadrado pelos parlamentares.] que é contra. 

Há também duas propostas de emenda à Constituição (PECs) no Congresso que preveem a demarcação das terras indígenas.

“As nossas frentes parlamentares, juntas, têm condição de aprovar o marco temporal no Senado e as emendas constitucionais que estão na Câmara”, destacou o deputado Alberto Fraga (PL-DF), que preside a frente conhecida como bancada da bala. “Eu sempre digo que é melhor ser da bala do que da mala”, ironizou ele.

Para Fraga, a Câmara e o Senado precisam “tomar providências” para conter o “ativismo judicial” dos magistrados. “O Supremo ultrapassou todos os limites e está usurpando as funções do Congresso”, declarou. “Vamos até as últimas consequências para vencer essa batalha”, insistiu Lupion.

A ideia é que outras bancadas também se juntem ao movimento, como a Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana, que se posiciona contra a descriminalização do aborto e reúne 193 deputados.

Na prática, muitos estão em mais de uma frente e, por isso, não é possível fazer uma conta exata do número de congressistas dispostos a enfrentar o Supremo: a FPA conta com 347 parlamentares; a bancada evangélica, com 236, e a de segurança pública, com 292.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse não ter recebido qualquer sinal de obstrução no Congresso. O Estadão apurou, no entanto, que o movimento das frentes fez acender o sinal amarelo no Planalto. Recentemente, Lula selou acordo com o Centrão, após a entrada na equipe dos ministros André Fufuca (Esporte), filiado ao PP, e Sílvio Costa Filho (Portos e Aeroportos), do Republicanos. Ao que tudo indica, porém, o primeiro racha já está no horizonte. “Temos a convicção de que o esforço que já existia no primeiro semestre para votar e aprovar a agenda prioritária do governo, a recuperação econômica do País e a recriação dos programas sociais não só vai continuar como se ampliar”, amenizou Padilha.

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo 

 


Um orçamento para lá de ruim

As despesas obrigatórias consomem 99% do total

Da classe política se espera que a criação de gastos seja compatível com a responsabilidade fiscal. Déficits não podem acarretar trajetória insustentável para a dívida pública. A insolvência do Tesouro provocaria, entre outros danos, queda de confiança, inflação sem controle e redução do potencial de crescimento. No Brasil, todavia, a maioria não pensa assim. É alheia à restrição orçamentária — isto é, o limite para realizar gastos, dado pela receita disponível e pela capacidade de endividamento.

A rigidez orçamentária é inédita no planeta. No orçamento para 2024, a margem para gastos discricionários é de apenas 55 bilhões de reais, correspondentes a 2% das despesas primárias — que excluem encargos financeiros — ou a 1% dos gastos totais. No mundo, as despesas obrigatórias são, em média, 50% do total. Aqui, perfazem 99%, representadas basicamente por Previdência, pessoal, educação, saúde e gastos sociais.

Na origem do processo está a Constituição, influenciada pela ideia de reduzir pobreza e desigualdades via gastos públicos. Grupos poderosos reservaram para si gorda parcela do orçamento. Um generoso regime previdenciário consome metade das despesas primárias.

“No Brasil, remunerações e aposentadorias mensais acima de 100 000 reais são um escândalo”

O Judiciário e o Ministério Público conseguiram aprovar uma regra inédita, a de propor seu orçamento diretamente ao Congresso, sem passar pelo Executivo. 
A inovação lhes permitiu fixar supersalários, aos quais se somam muitos penduricalhos. 
Remunerações e aposentadorias mensais acima de 100 000 reais são um escândalo quando metade dos servidores públicos ganha pouco 
mais de 3 000 reais por mês.
 
A partir de 1989, os gastos federais cresceram em ritmo superior ao da expansão da economia
Por isso, a carga tributária saltou de 22% para 34% do PIB. 
O endividamento chegou perto de 100% do PIB recentemente. 
O teto de gastos foi uma ideia bem pensada para encerrar esse processo suicida. Não funcionou, pois frustrou-­se a expectativa de que ele criaria o ambiente para enfrentar a situação.

Até então, resolvia-se o problema mediante mais arrecadação tributária e mais dívida, mas o modelo se esgotou. Agora, pressões para rever orçamentos começaram antes mesmo do que se imaginava. O novo arcabouço fiscal tende a se tornar tão inviável quanto o teto de gastos.

O futuro da economia depende essencialmente da recuperação da flexibilidade para gerir o orçamento público e definir prioridades. Isso demandará liderança política para mudar regras como a da vinculação de impostos à educação. O país não pode despender, proporcionalmente, uma vez e meia o que gasta a China nessa área ou até mais do que as nações ricas.

É preciso enfrentar supersalários e outros excessos orçamentários, incluindo emendas parlamentares e os fundos eleitorais. Infelizmente, não temos no país lideranças para tanto. Lula, ao contrário, piorou a situação ao restabelecer os reajustes reais do salário mínimo e criar um piso para os investimentos. Difícil dizer se há tempo para esperar.

Publicado em VEJA,  edição nº 2860, de 22 de setembro de 2023,


Aborto ADPF 442: bruxaria no STF - Gazeta do Povo

Vozes - Guilherme de Carvalho

Ao retirar o status de pessoa constitucional dos nascituros, o direito à vida só caberia após o nascimento deles
Se acatado pelo Supremo, o argumento dará brechas para pedidos de legalização do aborto até o nono mês de gestação.

Ao retirar o status de pessoa constitucional dos nascituros, o direito à vida só caberia após o nascimento deles. Se acatado pelo Supremo, o argumento dará brechas para pedidos de legalização do aborto até o nono mês de gestação.
Ao retirar o status de pessoa constitucional dos nascituros, o direito à vida só caberia após o nascimento deles. Se acatado pelo Supremo, o argumento dará brechas para pedidos de legalização do aborto até o nono mês de gestação.| Foto: Unsplash

“Tanto para a bruxaria quanto para a ciência aplicada, o problema é como subjugar a realidade aos desejos dos homens, e a solução encontrada foi uma técnica; e ambas, ao praticarem essa técnica, se põem a fazer coisas até então consideradas repulsivas e impiedosas – tais como desenterrar e retalhar cadáveres... A verdadeira finalidade é expandir o poder do Homem para o domínio de todas as coisas possíveis. Ele rejeita a bruxaria porque ela não funciona; mas o seu objetivo é o mesmo da bruxaria.”
(C. S. Lewis, A Abolição do Homem)

No coração do movimento abortista habita uma “bruxaria”:
a afirmação da dignidade humana através da indignidade humana. Trata-se, é claro, de uma contradição, uma ruidosa marcha da liberdade rumo ao nada.

À superfície, é um movimento por “direitos humanos” – direitos das mulheres, especificamente. 
Sua alegação básica é a de que a autodeterminação da mulher se sobrepõe à vida do nascituro. 
Sendo dela o corpo e o ventre, e estando eles a seu serviço, pertenceria unicamente a ela o direito de decidir sobre a continuidade da gestação e, por conseguinte, sobre o direito de existência do nascituro.
 
Direitos versus deveres
O texto da ADPF 442, impetrada pelo PSol, afirma que “hoje, o Estado brasileiro torna a gravidez um dever, impondo-a às mulheres, em particular às mulheres negras e indígenas, nordestinas e pobres, o que muitas vezes traz graves consequências ao projeto de vida delas”. É notória a raiz profunda da ansiedade abortista: o peso de um “dever” da maternidade sobre uma mulher grávida. 
O objetivo da ação, inteira, é ampliar direitos negando deveres: inexistindo um núcleo ético que obrigue a mulher e a sociedade à proteção do nascituro, expande-se a liberdade.

    No coração do movimento abortista habita uma “bruxaria”: a afirmação da dignidade humana através da indignidade humana

Um dos fundamentos da ADPF 442 é um julgado anterior sob o ministro Marco Aurélio Mello, sobre o aborto de anencéfalos, que cabe citarmos aqui: “A criminalização viola, em primeiro lugar, a autonomia da mulher, que corresponde ao núcleo essencial da liberdade individual, protegida pela dignidade humana [...] a autonomia expressa a autodeterminação das pessoas, isto é, o direito de fazerem suas escolhas existenciais básicas e de tomarem as próprias decisões morais a propósito do rumo de sua vida [...] Quando se trate de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas, inclusive a de cessar ou não uma gravidez. Como pode o Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de Justiça ou um juiz de Direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida?”

Essa é a questão básica: reforçar “o núcleo essencial da liberdade individual, protegida pela dignidade humana”. Essa liberdade, notoriamente, não é qualificada; é liberdade no sentido negativo, como liberdade de “dar rumo à sua vida”, seja ele qual for. 

Não é uma liberdade moralmente qualificada, mas a liberdade do arbítrio, cujo único limite, aparentemente, é o arbítrio do outro. 
Nesse caso, como o nascituro não tem arbítrio, não pode impor qualquer limite. Nesse universo há apenas arbítrios num infinito vácuo moral.


O texto propriamente dito da ADPF 442 é límpido sobre o conteúdo dessa liberdade, no parágrafo 72: “Não importam as concepções de bem íntimas a cada mulher; direito ao aborto é condição para a plenitude de um projeto de vida. Projeto de vida é ter condições sociais e políticas para dar sentido à própria existência, em respeito à ordem constitucional vigente: o respeito aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres é um núcleo essencial do projeto de vida para as mulheres. Mesmo que, por convicções privadas, uma mulher não venha a realizar um aborto, a oferta descriminalizada do serviço de saúde é um ato de neutralidade do Estado em questões morais. A gravidez coercitiva, isto é, a ‘maternidade compulsória’, nos termos de Siegel, representa um regime injusto de controle punitivo com potenciais efeitos disruptivos ao projeto de vida das mulheres.”

A imaginação abortista procede assim:
retirando da gravidez qualquer sentido moral superior, independente da felicidade pessoal, e assim removendo a proteção legal do nascituro em nome da autonomia individual. Para haver liberdade, é necessário que haja diante dela um vazio, um nada. Se for possível provar que algo é, moralmente, um nada, aumenta-se ali a liberdade humana. Arrastando-se o nascituro e a maternidade para o nada, realiza-se a “justiça social reprodutiva”. Pois contra o nada, a liberdade pode tudo. O niilismo fornece as preliminares da bruxaria.

Quanto à alegada neutralidade moral do Estado: uma falácia, evidentemente, uma vez que toda a questão da prioridade da liberdade sexual e da participação no mercado de trabalho sobre outros bens humanos é, desde sempre, uma agenda moral. Instaura-se o liberalismo moral (e com ele, o epicurismo) como a moralidade oficial do Estado. Não é perceptível o cheiro da contradição?

Liberdade versus natureza
Pois bem:
a ministra Rosa Weber postou seu voto de despedida da casa à zero hora de hoje, 22 de setembro. Depois de negar, para todos os efeitos, que a Constituição Federal e os sistemas regional e internacional de direitos humanos forneçam proteção efetiva à vida humana intrauterina (ela nega-lhe o status de pessoa), a ministra passa a seu ponto principal, os direitos das mulheres. Cito os parágrafos 62 e 88: “Gradualmente... a partir da Revolução Francesa, em especial, durante o século 20, o processo de emancipação e libertação das mulheres passou a ganhar espaço e força nos mais diversos locais e nas mais distintas arenas decisórias. Um caminho ainda hoje trilhado, a acarretar maior integração das mulheres à sociedade e o reconhecimento de seus direitos.” (62)

“É preciso reconhecer que a autonomia, entendida como a capacidade das pessoas de se autodeterminarem, ou seja, capacidade dos indivíduos de definirem as regras de regência de sua própria vida particular, consubstancia o núcleo essencial e inviolável do direito à liberdade, que se inclui a liberdade reprodutiva.”

“A autonomia, associada à própria liberdade, é, pois, a aptidão para tomar decisões, escolher os caminhos e direções da própria vida, adotar concepções ideológicas, filosóficas ou religiosas. Em outras palavras, definir, sob os mais diversos ângulos, as características básicas e individuais de cada um, bem como o itinerário a seguir, segundo a consciência particular e única em busca do que se considera viver bem, sem a possibilidade de interferência indevidas por parte de terceiros (seja particulares, seja o Estado).”
(66)

    A alegada neutralidade moral do Estado é uma falácia, evidentemente, uma vez que toda a questão da prioridade da liberdade sexual e da participação no mercado de trabalho sobre outros bens humanos é, desde sempre, uma agenda moral

Embora se argumente que a decisão foi proposta no melhor interesse da proteção do feto e da vida da mulher, é claro que a questão suprema é a extensão da liberdade individual da mulher, de modo que ela possa ter uma participação cívica tão plena quanto a do homem, livre do obstáculo de uma maternidade indesejada. De resto, trata-se da mesma marcha emancipatória moderna, simbolizada pelos ideais da Revolução Francesa: o ideal moderno de personalidade livre. O individualismo expressivo, que temos criticado sistematicamente nessa coluna, nada mais é do que uma versão tardia, ou hipermoderna, desse velho ideal secular.

O pastor e pensador reformado Francis Schaeffer, principal responsável por convencer os evangélicos a passarem para o lado dos católicos na luta pró-vida, trabalhou por muitos anos na comunidade L’Abri, na Suíça, procurando mostrar os problemas dessa concepção moderna de liberdade, e a superioridade da compreensão cristã do ser humano, e não é possível compreender sua luta sem ter clareza sobre a sua crítica cultural.

O ponto de Schaeffer, basicamente, era de que o homem moderno é uma espécie de “filho pródigo” do cristianismo. Ele tomou a herança judaico-cristã da dignidade, liberdade e direito humano natural, e a abstraiu de Deus. Seu anseio era afirmar a plena autonomia da pessoa humana em relação a qualquer divindade, igreja, ordem social ou natural, e esperar grandes coisas dessa exaltação antropocêntrica do ser humano.

Para efetivar essa “recriação” do humano, naturalmente, seria necessário expandir ao máximo a capacidade humana de entender e controlar o mundo ao seu redor. Mas sem um Deus no céu, o homem estaria livre para ser ele mesmo, e a natureza poderia ser explorada e manipulada sem impedimentos morais; ela nada teria de sagrado, nem um propósito superior. Afinal, como o homem moderno poderia impor seus significados sobre um mundo já ocupado com nomes e significados divinos? Um mundo sem sentido seria um imperativo necessário para a plena autonomia humana.

Daí começam nossos problemas: a tecnociência emerge com a esperança de colonizar toda a natureza e a sociedade, tornando-as expressões da vontade livre do indivíduo. Emerge a religião secular do progresso. Mas enquanto a técnica, o conforto e a liberdade individual aumentam, o sentido, o valor e o propósito diminuem na mesma taxa. Tudo ao redor do homem vai aos poucos se tornando uma “coisa”, um objeto a ser explorado. Como disse Schaeffer, “o humanismo moderno tem uma necessidade inerente de manipular e brincar com os processos naturais, incluindo a natureza humana”. Diante do Self moderno, nada é sagrado, exceto ele mesmo.

Mais cedo ou mais tarde esse processo se voltaria contra o próprio ser humano, uma vez que ele também é feito de barro, e parte do mesmo universo colonizado pela racionalidade técnica. E assim começaram os abusos especificamente capitalistas, tecnicistas, e especificamente modernos contra a natureza: a escravidão moderna, como argumentou William James Jennings, a exploração de mulheres e crianças na Revolução Industrial, o colonialismo, e o racismo branco – tudo com a conivência vergonhosa de grupos cristãos ainda que, em última análise, sob o controle do mesmo liberalismo moral e político que hoje, completamente secularizado, dirige a civilização moderna. Os líderes da sociedade liberal moderna, no século 20 – os maiores responsáveis pela nossa crise ambiental são qualquer coisa, menos alunos de Jesus Cristo e de São Francisco. A verdade é que desde a Revolução Francesa os cristãos praticantes têm sido uma minoria decrescente na condução dos rumos da civilização.

Dignidade versus dignidade
Mas vamos ao nosso ponto central
: o ideal humanista de personalidade autônoma, com sua absolutização do princípio da liberdade individual, é incompatível com o controle total da natureza, porque o ser humano também é natureza; e o humanismo não tem um fundamento objetivo para distinguir a natureza humana do resto da natureza. Como é possível que a mera natureza produza a sua transcendência? Onde o ser humano levantará do chão a sua dignidade e seus direitos especialíssimos, se não há um teto moral onde pendurá-los?

Mas o ser humano moderno não pode renunciar à sua autonomia, nem pode abrir mão de manipular a natureza para afirmar essa autonomia.
A solução é restringir a definição do que é sagrado e do que é humano.
O que é uma floresta? Nada, a não ser fonte de madeira e obstáculo à expansão agrícola. E assim chegamos, para encurtar a história, à ADPF 442 do PSol (e ao voto da ministra Rosa Weber): o nascituro é “uma criatura humana intrauterina”, carente do status de pessoa humana e, assim, passível de abortamento
Para que nada impeça a mulher de ser integrada no sistema moderno do capitalismo emocional.

    A afirmação dos direitos humanos, capturada pelo individualismo expressivo, se degrada em uma epidemia de narcisismo

A luta abortista é,
nesse sentido, uma das mais nítidas expressões da contradição fundamental do individualismo expressivo: ele se justifica o tempo inteiro alegando o princípio da dignidade humana, mas a subverte progressivamente, à medida que desconstrói toda ordem moral objetiva além desse mínimo, a saber, a liberdade do Self, que subsiste suspenso, quase como uma alma platônica, uma ilha subjetiva de dignidade em um oceano de niilismo moral.

E quanto à dignidade humana do nascituro, como ninguém sabe quando e como ela se apensa àquela massa de células, decidem os juristas constituir uma pedra filosofal reversa, que determinará o limite dessa passagem. O que a imaginação moral não consegue fazer, a técnica jurídica o fará. Bruxaria.

Sonhando com uma ciência transformada e regenerada, C. S. Lewis diria: “A ciência regenerada que tenho em mente não faria nem mesmo com minerais e vegetais o que a ciência moderna ameaça fazer com o próprio homem”. De fato, historicamente, a dessacralização da natureza acaba atravessando a fronteira e atingindo a sacralidade da vida humana.

Ora, ou coisas sagradas existem independentemente da liberdade humana, ou nada é sagrado, nem mesmo a liberdade. Essa esquizofrenia moral parece cada vez mais plausível do ponto de vista do direito contemporâneo, mas nem por isso se faz mais consistente. Pelo contrário, a legitimação dessa absurdidade nas cortes faz ressaltar a condição patológica das democracias liberais.

Aplicando uma reductio ad absurdum a esse padrão geral de raciocínio, chegamos rapidamente ao direito ao suicídio. E antes que alguém me acuse de alarmismo: o conceito de “accomplished life” nas discussões contemporâneas sobre morte voluntária assistida já vem sendo empregado para casos nos quais não há nem mesmo a justificativa (perigosa) da doença ou da idade avançada.  
Jovens e adultos comuns, mas deslocados socialmente, terão em breve o caminho aberto para o autodescarte. 
Esse foi o coração do argumento antiaborto de Francis Schaeffer em Whatever Happened to the Human Race?“Se o homem não foi feito à imagem de Deus, não há obstáculo no caminho para a inumanidade. Não há boa razão pela qual a humanidade possa ser percebida como algo especial. A vida humana é barateada. Podemos ver isso em muitos dos grandes temas em debate na sociedade hoje: aborto, infanticídio, eutanásia, o crescimento do abuso infantil de todos os tipos, a pornografia (e suas formas particulares de violência, como evidente no sadomasoquismo), a tortura rotineira de prisioneiros políticos em muitas partes do mundo, a explosão da criminalidade, e a violência aleatória que nos cerca.”
 
É nesse sentido que a modernidade é uma espécie de “filho pródigo”; sua lógica e suas instituições, uma vez afastadas do cristianismo, exploram, desgastam e desnaturam a herança cristã. A dignidade humana, por exemplo, se torna o fundamento para um epicurismo moral desenfreado, que não apenas recusa o princípio agápico do autossacrifício, mas o combate intensamente como uma violação do direito individual à felicidade. A afirmação dos direitos humanos, capturada pelo individualismo expressivo, se degrada em uma epidemia de narcisismo. 
E assim os modernos se tornam cada vez mais ricos, enquanto rumam para uma morte solitária.

O padrão se repete, desde o movimento internacional de direitos humanos até o Judiciário brasileiro: os direitos se alargam, os deveres se contraem, e a soberania do indivíduo cresce à custa de tudo o que é sagrado – incluindo o sangue infantil. No espírito, ainda é bruxaria.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Guilherme de Carvalho, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


No STF de hoje, o que vale não é a lei, é a vontade dos donos do governo - VOZES

J. R. Guzzo - Gazeta do Povo

É uma espécie de frenesi. O Supremo Tribunal Federal decidiu que as provas de corrupção contra a construtora Odebrecht não valem mais, apesar da confissão de culpa dos seus próprios diretores e da devolução de bilhões de reais em dinheiro roubado
Decidiu que os índios têm direito de reivindicar qualquer espaço do território nacional, mesmo aqueles que não ocupam há mais de 35 anos e que são propriedade legal de outros brasileiros.
 
Decidiu anular a lei que tornou voluntário o pagamento do “imposto sindical”; o trabalhador vai ser obrigado a pagar de novo, na prática, com desconto direto em seu salário na folha. 
Decidiu colocar em votação (por computador) a exigência de um partido de extrema esquerda para legalizar o aborto até doze semanas de gravidez, em desrespeito direto ao Código Penal em vigor. A coisa não para, nem por um minuto.

    É assim que funciona o STF de hoje. Quando há provas indiscutíveis contra alguém que os ministros querem proteger, as provas são anuladas.

Como acontece em qualquer regime onde os que mandam se dão o direito de decidirem tudo, sem respeito a nenhum tipo de limite, o STF também não se obriga a obedecer à lógica comum. 
A presidente do tribunal, ora em vias de se aposentar, disse tempos atrás que o quebra-quebra do dia 8 de janeiro em Brasília foi um novo “Pearl Harbour– o ataque aéreo japonês que matou 2.400 pessoas no Havaí, em 1940, e fez os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial.
 
Não tem pé nem cabeça, é claro, mas o mínimo que o STF podia fazer em deferência a esse desvario seria um julgamento público, com o máximo de exposição dos condenados. Está fazendo o contrário. 
Depois do show de abertura, e dos protestos que provocou pela flagrante violação das leis penais brasileiras, o processo virou “virtual”.  
Os advogados não poderão fazer a defesa oral – um direito básico de qualquer acusado. 
Não haverá debate entre os julgadores. 
Tudo volta a ser empurrado para baixo do computador. É algo tão doentio que até a Ordem dos Advogados do Brasil protestou.
 
Depois da excitação inicial, os ministros acharam mais conveniente se esconder do público. 
Não querem que o cidadão veja com seus próprios olhos réus serem condenados a 17 anos de cadeia por participarem de uma arruaça. 
Não querem mostrar para o público que as pessoas estão sendo punidas duas vezes pela mesma coisa, “golpe de Estado” e “abolição violenta do estado democrático de direito” – um truque primitivo para somar duas penas e dobrar o tempo de prisão.
 
Não querem que os advogados digam na frente de todo mundo que os seus clientes estão sendo acusados de um crime impossível; sua chance real de dar um golpe sempre esteve entre o zero e o triplo zero. 
Não querem que o povo ouça seu argumento de que não é preciso haver provas contra os réus culpado não é quem fez isso ou aquilo, mas quem o inquisidor-chefe do processo decide que é culpado.
 
É assim que funciona o STF de hoje. Quando há provas indiscutíveis contra alguém que os ministros querem proteger, as provas são anuladas. Quando não há prova nenhuma contra alguém que querem perseguir, as provas não são necessárias. 
Como sempre ocorre quando quem tem a força deixa de ter limites, o Sistema de Justiça é substituído pela anarquia – o que vale não é a lei, é a vontade individual dos donos do governo. 
É inevitável que fique do jeito que está.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

J.R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


A gangorra e o vento - Alon Feuerwerker

Análise Política

O andamento das colaborações referentes ao 8 de janeiro exige alguma cautela na interpretação, mas as versões trazidas até agora não autorizam muito otimismo sobre provar o envolvimento institucional necessário para caracterizar uma tentativa concreta de golpe de Estado. Houve em toda a transição pós-eleitoral, e isso já se sabia, um desejo de virada de mesa. E houve os acontecimentos daquele domingo. A dificuldade, até agora, está em conectar os dois fatos.

Seria um golpe de Estado sem o Exército ou contra o Exército. Complicado.

Mas, como em toda investigação revestida de forte componente político, aguardar é prudente. Um exemplo é a Lava Jato, que levou anos para construir o arcabouço condenatório almejado pelos seus condutores. Ali, métodos heterodoxos buscaram redesenhar um disseminado sistema de caixa dois eleitoral, com elementos de corrupção política, como se fosse o inverso. Ao final, as forçações de barra acabaram facilitando o desabamento do castelo de areia.

E os que ontem caçavam hoje são caçados.

Mas seria também precipitado debitar o fim inglório da Lava Jato e seus personagens às heterodoxias. 
A Lava Jato morreu, e os líderes dela estão em retirada ou em fuga, porque mudou a correlação de forças políticas e sociais. Os equívocos de Jair Bolsonaro na presidência foram centrais para a divisão do bloco histórico que o elegera em 2018. Na gangorra da política, quando um dos lados desce, o outro sobe. 
Quem matou a Lava Jato não foi o Telegram.

Agora, o cenário guarda alguma semelhança com o período 2014-18.

A Lava Jato pôde avançar sem maior resistência porque o sistema de freios e contrapesos estava bem relativizado. Aqui e ali, vozes isoladas pediam a observância do devido processo legal e questionavam a terra arrasada empresarial, mas era só um registro. No mais, um alinhamento quase perfeito (quem não impulsionava, recolhia-se a uma conveniente passividade, muitas vezes em nome do “republicanismo") de vetores facilitou a vida de Curitiba.

Na teoria, numa democracia como a nossa, o sistema de freios e contrapesos garante por si próprio que todos os núcleos de poder sofram alguma limitação para prevalecer sobre os demais. Na prática, a experiência brasileira comprova mais uma vez que depende. 
Se Executivo, Legislativo, Judiciário, imprensa e sociedade civil estão alinhados, ainda que algum ou mais de um deles esteja neutralizado, o mecanismo engasga. 
E, no limite, uma hora deixa de funcionar.

Como resolver? Difícil. A exemplo da guerra, na política os exércitos avançam até alcançar os objetivos ou enfrentar resistência que imponha mudança de cenário. Esta pode resultar de dificuldades econômicas, mas regimes políticos sobrevivem a isso quando há coesão nos grupos dominantes. Coesão que sempre é imposta por uma mistura de coerção e consenso. Até aqui, o governo Luiz Inácio Lula da Silva vai bem na aplicação da primeira e na construção do segundo.

Onde está a dúvida? O lavajatismo e seu produto político-eleitoral, o bolsonarismo, talvez tenham acreditado que poderiam eliminar o petismo só por meio da coerção. Se ambos tivessem compreendido que sua hegemonia seria mais estável e duradoura caso trabalhassem para absorver no sistema um petismo minoritário, porém legitimador, é possível que não estivessem enredados nas atuais dificuldades. Mas o “se” não joga e jamais saberemos.

Hoje, o vento venta no sentido da criminalização da direita, como um dia ventou para criminalizar a esquerda. Qual será a resultante?

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político