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domingo, 17 de setembro de 2023

A vontade de comer. E a fome - Alon Feuerwerker

  Análise Política 
 
A aproximação entre o governo, que na campanha eleitoral atacava o “orçamento secreto”, e o “centrão”, principal beneficiário daquela modalidade de execução orçamentária, é um movimento obrigatório para ambas as partes, se olhado pelo ângulo da lógica política.

Verdade que parte daquela verba agora é impositiva - e que só isso já garante a suas excelências do Parlamento um belo colchão para suprir as bases municipais. Mas há mais espaço a ocupar, até porque o “orçamento secreto” diminuiu, mas continua bem vivo, e não existe vácuo na política. E o governo também se mostra disposto a abrir espaços na máquina.

Seria, entretanto, um erro reduzir a isso a atratividade do governismo.

O escudo oficialista é particularmente útil quando a atividade de oposição embute risco crescente. Essa proteção sempre foi uma variável a considerar com cuidado em Brasília, mas a nova cultura política e policial confere-lhe papel especialmente relevante, judicial e social.

E o governo? Por que precisa tanto da aliança? A razão primeira
é a de sempre: solidificar a base parlamentar para aprovar projetos e reduzir o potencial de desestabilização. Mas qual a razão do afã, num cenário em que Jair Bolsonaro e os dele estão institucionalmente acossados e isolados?

No primeiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva só fez a primeira reforma ministerial decorrido um ano de governo.

Mas agora a sustentação social da administração petista não é tão confortável quanto costumava ser naqueles primeiros e hoje distantes, e não apenas no tempo, oito anos. E a coesão política da frente ampla é relativamente frágil.

Só o antibolsonarismo e a sede governista mantêm aglutinada a coalizão que deu a vitória a Lula por estreita margem.

O que não chega a ser obrigatoriamente fatal no tempo, pois o governo sempre terá seus atrativos, e o bolsonarismo leva jeito, assim como o petismo, de corrente social e política resiliente, com potencial para resistir aos percalços do líder, ainda que com algum sofrimento.

O antibolsonarismo está servindo e ainda vai servir de escada para muita gente. Como um dia foram o antimalufismo, o antipetismo (ainda é), o antichaguismo, o anticarlismo etc.

Aliás, governo e “centrão” podem agradecer a Bolsonaro as atuais negociações entre ambos não serem alvo das clássicas acusações de “fisiologismo” e “toma lá, dá cá” nos mecanismos tradicionais de difusão informativa. Com o inevitável assédio jornalístico dessas horas.

Mas cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém, até por Lula enfrentar resistência sólida dentro da sua frente ampla a dois pilares programáticos da administração: 1) a política externa e 2) a política econômica.

Parte socialmente influente dos que elegeram e apoiam Lula contra Bolsonaro opõe-se decididamente à política exterior de defesa da multipolaridade e prioridade aos Brics. Pedem, em oposição, um alinhamento estreito ao Ocidente político.

É um viés particularmente acentuado na cobertura jornalística.

O governo americano ser do Partido Democrata e promover uma agenda ambiental e comportamental-identitária alinhada com as correntes hegemônicas do dito progressismo brasileiro cria um ambiente especialmente favorável a essas pressões.

O governo do PT tampouco tem apoio relevante nos setores não-petistas da frente ampla de 2022 a seu propósito de equacionar o desafio fiscal por meio do aumento da carga tributária, que à luz das novas regras precisará ser substancial.

Nesse desenho, o apoio do “centrão” é estratégico, pois, dentro de certos limites, trata-se de um agrupamento bem mais voltado para a ocupação de espaços do que interessado em debates programáticos. Mesmo em assuntos de política econômica.

No passado, a direita ou centro-direita parlamentar até era mais permeável a pressões empresariais. Mas o fim das contribuições eleitorais de CNPJs limita exponencialmente esse fator. Hoje, quem tem dinheiro legal de verdade para sustentar projetos eleitorais são o governo, com o orçamento e as estatais, e os (donos de) partidos políticos, com os fundos partidário e eleitoral.

Como diz o batido porém útil chavão, a aliança entre o governo do PT e o “centrão” pode parecer o casamento do jacaré com a cobra d’água, mas é apenas a junção da fome com a vontade de comer.

Alon Feuerwerker,  jornalista e analista político


terça-feira, 20 de dezembro de 2022

A nova meta de um TSE sem limites é extinguir o partido de Bolsonaro - Gazeta do Povo

Vozes - J.R. Guzzo

Num país em que o mundo político, as elites pensantes e as entidades da “sociedade civil” acham perfeitamente normal, e até elogiam, que o Supremo Tribunal Federal prenda um cacique xavante e coloque em liberdade o ex-governador Sérgio Cabral, a conclusão mais simples é: está valendo realmente tudo. 
O cacique não cometeu delito nenhum, a não ser um desses “atos antidemocráticos que servem para colocar na cadeia, hoje em dia, qualquer cidadão que entre na lista negra dos ministros do STF.                 O ex-governador está condenado a 300 anos por crimes de corrupção, provados e confessos. 
O primeiro não tem direito, como acontece com tantos outros brasileiros, a processo legal. O segundo tem direito a desfrutar os mais extremos privilégios que a lei concede a criminosos cinco estrelas. O cacique, é claro, é de “direita”. 
O magnata que a justiça condenou como ladrão é de “esquerda”.    Fica tudo explicado, então: prende um e solta o outro. É desse jeito que funciona a democracia no Brasil no final do ano de 2022.

Veja Também:

    Teremos Dilma 3 por que o PT não admite pensamentos que não sejam os do partido

Numa situação assim, é natural que não tenha levantado o mais remoto sinal de protesto o anúncio, por parte do ministro Alexandre de Moraes, de que o sistema STF-TSE pode extinguir o PL. 
Sim, extinguir o PL e, possivelmente, os mandatos dos seus deputados e senadores – qual é o problema? 
É apenas o maior partido da Câmara dos Deputados, só isso; acaba de eleger, nessas eleições que o STF considera impecáveis, 99 deputados. 
E o que o PL fez de errado para merecer a ameaça de extinção? Entrou com uma representação na justiça eleitoral para que fossem apuradas possíveis falhas em milhares de urnas usadas na eleição.       Mas não é justamente para isso que existe a justiça eleitoral - para investigar queixas como as que foram feitas pelo PL? Deveria ser, pelo que está escrito na lei, mas não é. Esse TSE que está aí, claramente, não admite nenhuma queixa quanto à sua perfeição; reclamar é crime.
 
O PL, como se sabe, foi multado em 23 milhões de reais, e teve todas as suas contas bancárias bloqueadas, por ter apresentado a reclamação.   O TSE não investigou absolutamente nada. Apenas decretou a multa, horas depois da entrada do pedido, sem observar processo legal algum. É uma decisão demente – e não importa, aí, se o PL está certo ou está errado em suas pretensões. 
A lei, obviamente, não exige que ninguém esteja com a razão para entrar com um processo na justiça. As alegações de quem reclama alguma coisa são examinadas; se forem julgadas procedentes o autor ganha a causa, se forem julgadas improcedentes ele perde. 
É isso, e só isso – mas não para o TSE. Lá você é punido por exercer o seu direito de reclamar à justiça. O ministro Moraes justificou a multa dizendo que o PL teria feito “litigância de má fé”. É um disparate.          Essa má fé teria de ser provada, dentro dos procedimentos previstos em lei – e não foi provada má fé nenhuma, mesmo porque não houve procedimento nenhum.

Esse TSE que está aí, claramente, não admite nenhuma queixa quanto à sua perfeição; reclamar é crime

Todo mundo sabe, naturalmente, qual é o crime pelo qual o PL foi punido trata-se do partido do presidente Jair Bolsonaro, que o STF escolheu como o seu maior inimigo e ao qual faz oposição diária e sistemática. Se multaram e bloquearam as contas - inclusive as de recursos próprios, que não têm nada a ver com o dinheiro público dos “fundos” partidário e eleitoral – e ninguém viu nada de errado, por que não dar o passo seguinte e extinguir o PL logo de uma vez?                 É a maneira mais cômoda de se livrar, numa tacada só, dos 99 deputados “do Bolsonaro”; funciona com mais eficácia, pensando bem, do que qualquer multa. 
Talvez eles possam criar alguma dificuldade mais adiante – não seria melhor resolver isso já? 
Uma coisa é certa: se fecharem o PL, vão dizer que é para salvar a democracia. 
O Brasil civilizado, moderno e lúcido vai aplaudir de pé.
 
J. R. Guzzo, colunista - Revista  Oeste
 

terça-feira, 15 de novembro de 2022

PT deixa de repassar valor milionário a candidaturas de negros e mulheres [alguém embolsou R$ 155 milhões]

TSE deu três dias para o partido explicar-se 

Autoproclamado porta-voz de negros e mulheres, o PT deixou de injetar R$ 155 milhões de recursos dos fundos voltados a cotas de gênero e de raça nas eleições deste ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) obtidos pelo portal O Antagonista e publicados na segunda-feira 14.

 [depois dizem que os racistas e misóginos somos nós - bolsonaristas, conservadores e extrema-direita = só que não roubamos nem as mulheres nem os negros; 

- já os que defendem mulheres e negros roubaram apenas R$ 155.000.000,00.

Nós elegemos  77 negros e eles apenas 16 = e também elegemos mais mulheres.]

Em agosto, o PT recebeu cerca de R$ 500 milhões do fundo eleitoral, com previsão de aplicar R$ 185 milhões, o equivalente a aproximadamente 40% do valor, em candidaturas femininas. A sigla, contudo, injetou apenas R$ 140 milhões às candidaturas de mulheres, ou seja, R$ 45 milhões a menos do que foi previsto.

Sobre as pessoas negras, a legenda deveria ter repassado cerca de R$ 250 milhões. No entanto, a aplicação dos recursos do fundo foram de pouco mais de R$ 140 milhões, diferença de quase R$ 110 milhões a menos.

O TSE deu três dias para que o PT ou complemente os dados comprovando o repasse correto, ou justifique a diferença nos valores apresentados na prestação de contas do partido.

Na disputa deste ano, os partidos que mais elegeram candidatos autodeclarados negros são de direita.

Dos 135 deputados do grupo, 25 são do PL, o partido do presidente Jair Bolsonaro. Em seguida vem o Republicanos, que elegeu 20 deputados registrados como negros, e o União Brasil, que levou 17 à Casa. Ainda no espectro de centro-direita, o PP fez 15 representantes negros.

Em quarto lugar, como primeiro partido de esquerda no ranking, vem o PT de Lula, com 16 cadeiras. O MDB elegeu 8 deputados que se declaram negros; PSD e PDT, 6 cada um; Podemos, 5; PCdoB, 4; Avante, Pros, PSB e PV, 2 cada um; Solidariedade e Rede, 1 cada um.

PSDB, Novo, Cidadania, PTB, PSC e Patriota não elegeram para a Câmara nenhum representante identificado como negro“O crescimento ocorre depois da instituição da lei que determina peso dois para candidaturas femininas e negras à Câmara, medida que prevê maior fundo partidário no futuro às siglas que elegerem mais representantes dos grupos”, observou a Folha, sobre partidos de direita elegendo mais candidatos negros que os de esquerda.

Leia também: “Os negros são de direita”, reportagem publicada na Edição 134 da Revista Oeste


terça-feira, 12 de abril de 2022

Partido do Bolsonaro - Silvio Navarro

Revista Oeste

Presidente arrasta uma multidão de parlamentares para o PL e siglas aliadas e forma uma base robusta para disputar as eleições

Desde que tomou posse, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro foi alvo de centenas de críticas vindas de políticos derrotados e da imprensa. 
Entre elas, a de que não tinha uma base sólida para sustentar seu governo no Congresso Nacional. 
O PSL, sigla pela qual foi eleito e que já desapareceu, tampouco ajudou com a debandada de oportunistas que pegaram carona nos votos dele. Esse cenário mudou em março deste ano com o desfecho da janela partidária.
O jogo político com a definição dos partidos de cada candidato | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
O jogo político com a definição dos partidos de cada candidato - Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Essa janela é o prazo de um mês que a Justiça Eleitoral brasileira estabelece para que os políticos que vão às urnas neste ano se filiem ou mudem de legenda sem punições. A troca de camisas foi intensa. 
Um enorme grupo de políticos decidiu seguir o presidente rumo ao PL (Partido Liberal) e outras agremiações que o apoiarão nas urnas.

Desde o dia 1º de abril, o PL é a maior força política na Câmara dos Deputados, com 78 representantes, mais do que o dobro do que elegeu (33). Chefiada pelo ex-deputado federal Valdemar Costa Neto, condenado no escândalo do mensalão, a legenda mantinha estatura mediana nos últimos anos. Passou dias difíceis em 2006, quando precisou mudar o nome para PR (Partido da República), numa fusão com o finado Prona, de Enéas Carneiro, para sobreviver à cláusula de barreira (dispositivo legal que impede a atuação de partidos que não alcançam determinado número de votos). Depois, conseguiu alguma musculatura comandando ministérios — o predileto sempre foi a extinta pasta dos Transportes e os milhões distribuídos pelo Dnit nos Estados.

“É o maior patamar que atingimos no Congresso. Vamos chegar a 120 deputados estaduais também”, afirmou o deputado Capitão Augusto (SP), vice-presidente da sigla. “O número de filiações cresceu de 700 mil para 1 milhão e vai chegar a 2 milhões até as eleições. Outro ponto foi que, com a chegada do presidente Bolsonaro, muitos diretórios regionais se organizaram já pensando em 2024.”

O PP e o Republicanos também cresceram no campo que apoia o presidente. O primeiro é tratado como parceiro crucial nos palanques estaduais. Por exemplo: abriu mão de ter candidatura própria para apoiar Onyx Lorenzoni (PL) ao governo do Rio Grande do Sul; a ex-ministra Tereza Cristina (Agricultura) vai tentar uma vaga no Senado por Mato Grosso do Sul; além de ser a sigla do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI). Já o segundo foi o destino de Tarcísio Gomes de Freitas para concorrer ao governo de São Paulo, do vice-presidente Hamilton Mourão e da popular ex-ministra Damares Alves — ambos querem disputar o Senado.

A dupla forma a base mais fiel a Bolsonaro, junto com o PL e o pequeno PTB. O PP tem 52 cadeiras na Câmara e o Republicanos, 42. O aumento das bancadas deve se refletir na aprovação de projetos nas comissões da Câmara. “O PL terá uma representação muito maior pelo volume de deputados que vão fazer parte da bancada”, afirmou Altineu Côrtes (RJ), líder do PL. “Isso fortalece nossa representação em cada comissão. “O presidente Arthur Lira (PP-AL) preza pela democracia e pelo equilíbrio. Vai saber dar ao PL o espaço maior que merece.”

Outras forças
Outros três partidos que não se alinham automaticamente ao governo fecham o primeiro pelotão da Câmara dos Deputados. Por caminhos diferentes, todos seguem fortes. O primeiro é o PT, que detém 56 cadeiras, praticamente o mesmo número que elegeu (54). A sigla segue o histórico de fidelidade partidária e comanda a oposição na Câmara.

As demais bancadas significativas são o novo União Brasil (47 deputados) e o PSD (46). O União é uma criação de Luciano Bivar, ex-dono do PSL, com o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, que também administrava o DEM. Eles resolveram se unir para montar um partido rico e com muitos deputados. A primeira aposta deu certo: amealhou R$ 1 bilhão dos fundos partidário e eleitoral neste ano. Já a engenharia legislativa foi um fiasco, já que muitos parlamentares optaram por seguir Bolsonaro.

Nesta semana, o casamento do PSL com o DEM também estremeceu com a primeira crise na relação. Bivar resolveu filiar o ex-juiz Sergio Moro para concorrer à Presidência, mas ACM não quis sequer ouvir a hipótese. Candidato ao governo da Bahia, onde tenta trilhar os passos do avô, ele pretende se manter neutro no embate entre Lula e Bolsonaro.

Há décadas o Senado funciona como um feudo do MDB

Ainda não houve um desfecho para a briga, mas Moro acabou ameaçado de expulsão se insistir na ideia de ser presidente — algo de que ele mesmo já havia desistido havia dez dias.

No caso do PSD, a base foi construída sem alarde pelo ex-prefeito Gilberto Kassab. As filiações foram negociadas ao longo do tempo, especialmente no Senado (leia abaixo). Nesse aspecto, ele é pragmático: quanto maior for o número de eleitos para a Câmara em outubro, maior será a fatia do bolo de recursos do fundo partidário para o PSD.

Kassab consegue seduzir potenciais aliados com uma série de “balões de ensaio” no consórcio da imprensa — não à toa é tratado por colunistas como “um dos mais habilidosos articuladores de Brasília”. Recentemente, conseguiu emplacar na mesma semana colunas sobre a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), ao Palácio do Planalto, tratado como o novo Juscelino Kubitschek ou Tancredo Neves, e a filiação do então governador gaúcho, Eduardo Leite, para concorrer ao mesmo cargo. Nenhuma das duas vingou, mas o barulho foi grande.

Senado
O Senado poderá renovar um terço de suas cadeiras neste ano. Há décadas, funciona como um feudo do MDB. A bancada atual, com 12 nomes, é um retrato do velho Brasil: Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA), entre outros. O ex-senador Romero Jucá (RR), que foi líder de todos os governo antes de Bolsonaro, já despacha num escritório em Brasília e deve retornar à Casa no ano que vem.

A segunda força é justamente o PSD de Kassab, com 11. O PL tem nove representantes, o Podemos, oito e o PT, sete.

Ao contrário da Câmara, as negociações no Senado ocorrem no varejo. Como muitos senadores são alinhados aos governadores e outros se colocam num pedestal, a agenda de projetos do Executivo travou no plenário. Uma CPI foi montada para desgastar o presidente e seus auxiliares. [e fracassou...] Isso explica por que uma sigla como a Rede, por exemplo, com um único senador, o estridente Randolfe Rodrigues (AP), tem tamanha exposição na mídia. Não é exagero imaginar que, com tão poucos parlamentares, a legião de assessores da Rede passa o tempo preparando ações no Supremo Tribunal Federal (STF).

A despeito das intrigas de Randolfe e do elenco que atuou na CPI da Covid, de modo geral os senadores trabalham tão pouco que alguns são vistos somente a cada oito anos. Em alguns casos, tiram licenças do mandato por seis meses, e seus suplentes — sim, são dois — circulam pela Casa sem ser reconhecidos sequer pelos garçons do famoso cafezinho do plenário.

Uma das estratégias eleitorais de Jair Bolsonaro neste ano é tentar alavancar candidaturas para ganhar respaldo na Casa se for reeleito. Cinco ministros deixaram os cargos para concorrer: além das já citadas Tereza Cristina e Damares, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Gilson Machado (Turismo) e Flávia Arruda (Secretaria-Geral). Outros possíveis nomes são o apresentador José Luiz Datena, em São Paulo — embora Janaina Paschoal seja um plano B —, Daniel Silveira, no Rio de Janeiro, e Paulo Eduardo Martins, no Paraná.

Eis a lista dos 27 senadores em fim de mandato (por ordem dos Estados): Mailza Gomes (AC), Fernando Collor (AL), Omar Aziz (AM), Davi Alcolumbre (AP),[e não vão investigar as rachadinhas do Alcolumbre?]  Otto Alencar (BA), Tasso Jereissati (CE), Reguffe (DF), Rose de Freitas (ES), Luiz do Carmo (GO), Roberto Rocha (MA), Alexandre Silveira (MG), Simone Tebet (MS), Wellington Fagundes (MT), Paulo Rocha (PA), Nilda Gondim (PB), Fernando Bezerra (PE), Elmano Férrer (PI), Alvaro Dias (PR), Romário (RJ), Jean Paul Prates (RN), Acir Gurgacz (RO), Telmário Mota (RR), Lasier Martins (RS), Dario Berger (SC), Maria do Carmo Alves (SE), José Serra (SP) e Kátia Abreu (TO).

Para muitos analistas, o Senado nem sequer deveria existir na Praça dos Três Poderes. A discussão sobre o modelo bicameral brasileiro, aliás, é um tema que aparece na imprensa de tempos em tempos. Ocorre que, enquanto o sistema for esse, o Senado tem uma prerrogativa singular que tem sido desrespeitada nos últimos anos: pautar pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

É a única saída no regime democrático brasileiro capaz de frear o ativismo político do Judiciário. O caminho é difícil, mas começa no dia 2 de outubro.

Leia também “Congresso em xeque”

Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 11 de abril de 2022

PROS, o nanico das grandes confusões com dinheiro público

Partido, que tem apenas quatro deputados federais, é acionado para pagar 10 milhões de reais gastos por dirigente para contratar consultoria  

O PROS está sendo cobrado na Justiça a pagar uma dívida de 10,2 milhões de reais, contraída pelo novo presidente do partido, Marcus Vinicius de Holanda, ao contratar uma consultoria que orientou o dirigente na disputa pelo comando da legenda com seu antecessor, Eurípedes Junior. A empresa contratada foi a Aliance Business Consultoria Empresarial, cujo dono é réu num processo criminal na justiça. 

Holanda está à frente da legenda desde 8 de março, depois que Júnior foi destituído do cargo por ordem judicial, sob acusação de fazer uso indevido de recursos dos fundos partidário e eleitoral. 

O atual presidente da sigla assinou um contrato de 4,2 milhões de reais com a Aliance Business Consultoria Empresarial em dezembro do ano passado, com o objetivo de obter serviços que lhe permitissem “assumir sua função e cargo como presidente do PROS”. A Aliance Business pertence a Constantino Dias Oliveira Junior. 

Quatro dias depois de assumir o controle da legenda, Holanda assinou uma nota promissória com a consultoria, por meio da qual repassou a dívida para o PROS. VEJA teve acesso não apenas à nota, como também ao documento que contém a assinatura digital do líder partidário sacramentando esse acordo com a empresa. 

Sem pagamento, a Aliance Business acionou o PROS na Justiça para receber o dinheiro. Na petição, datada de 1 de abril de 2022, os advogados da consultoria exigem que o partido devolva os valores devidamente corrigidos. Segundo os cálculos da empresa, a dívida atual giraria em torno de 10,2 milhões de reais. “Ante o inadimplemento da obrigação e todas as tentativas de negociação restaram infrutíferas, não restou alternativa ao credor a não ser entrar com o presente pedido de execução", escreveu Juliana  Kreimer  Caetano Torres, advogada da Aliance.

A briga entre Holanda e Eurípedes Junior vem de longa data. Os dois travam uma verdadeira batalha pela presidência do PROS desde 2020. Recentemente, o atual dirigente do partido chegou a registrar um boletim de ocorrência contra Junior com uma série de acusações. Entre outras coisas, disse que o ex-presidente havia sumindo com vários equipamentos do parque gráfico do PROS, além de 10 carros, um helicóptero, computadores e móveis. Todos os itens seriam avaliados em 50 milhões de reais. Holanda divulgou vídeos mostrando caminhões tirando os equipamentos do local. 

Em nota, Holanda afirmou que o PROS foi vítima de uma fraude e negou que a nota provisória tenha sido assinada por ele. “O Diretório Nacional do PROS, por seu presidente, Marcus Vinícius Chaves Holanda, vem a público esclarecer que esta agremiação partidária foi vítima de uma fraude na utilização do token de assinatura digital, o que acabou por gerar essa falsa, nula e viciada nota promissória”, diz a o texto. Ele também prometeu tomar as “medidas legais cabíveis” quanto à suposta falsificação da nota.

Além de negar a titularidade do documento, Holanda também se diz vítima de ataques de Eurípedes Junior, seu adversário dentro da sigla. “O PROS nega veementemente a titularidade e a legalidade da nota promissória, artimanha possivelmente ligada à inconformidade do ex-presidente  da legenda com o resultado de recurso decidido pelo TJDFT, que legitimou a eleição interna que escolheu os atuais dirigentes partidários”, sustentou.  

Holanda disse ainda que a transição entre as duas cúpulas não foi harmônica e acusou seu antecessor até mesmo de delapidar os patrimônios do PROS.

O partido, um vulcão de confusões envolvendo desvios de dinheiro, tem apenas quatro deputados no Congresso Nacional.

Política - VEJA


quarta-feira, 30 de março de 2022

Eleições 2022 - A campanha proibida - Alexandre Garcia

 Gazeta do Povo - VOZES

O que aconteceu nesse fim de semana, com o Tribunal Superior Eleitoral sendo chamado a interferir em suposta propaganda eleitoral fora de época, num festival de música, é apenas uma pequena amostra do que deve acontecer neste ano, até a liberação da campanha, em 15 de agosto. Imagino que o TSE não vai conseguir atender a tanta reclamação, com base no emaranhado de leis que enredam as eleições brasileiras. [Pelo que tem sido visto em termos de empenho do TSE,  nitidamente contra o presidente Bolsonaro, havendo sobrecarga de processos serão priorizados os que resultem em decisões contrárias ao capitão.]

Há o Código Eleitoral, leis complementares, leis ordinárias e uma série interminável de leis casuísticas, [interpretações adaptadas]  feitas sob medida para cada período eleitoral, além das resoluções e atos dos tribunais eleitorais. É um quebra-cabeça supostamente para dar igualdade de oportunidade a todos os candidatos - o que é uma utopia.

Teoricamente, a propaganda eleitoral só pode começar em 15 de agosto, mas isso é uma hipocrisia, porque de fato ela começou na noite de 28 de outubro de 2018, quando foi conhecido o vencedor do segundo turno na eleição presidencial. Desde então, tudo está embebido de propaganda eleitoral.

Por que o direito constitucional de Daniel Silveira se expressar não é respeitado

Rosa Weber nega arquivamento do inquérito contra Bolsonaro no caso Covaxin

A pandemia teve mais conteúdo de propaganda eleitoral que de coronavírus. A CPI da Covid no Senado foi pura campanha eleitoral. Boa parte da mídia está em campanha eleitoral desde que precisou noticiar o nome do novo presidente. Até agora ninguém reclamou da propaganda fora de época, travestida de notícia. Na verdade, quem percebeu é o leitor, o ouvinte, o telespectador, como se nota nas quedas de audiência.

Penso que assim que deveria ser. Não precisamos de tutores, a proibir e a censurar, a decidir o que podemos ou não podemos ler, ver ou ouvir. Temos discernimento para separar propaganda de notícia, boato e fato - e um smartphone para conferir. Mas, aí, o nosso smartphone também pode ser censurado, se quisermos participar da campanha, ou se usarmos plataformas malvistas pela autoridade tutelar da eleição.

Lembro-me bem das campanhas em que se jogavam de aviões panfletos com denúncias, difamações, acusações. Voto desde 3 de outubro de 1960; já fui mesário e sou, sobretudo, eleitor, o mandante que transfere o seu poder para um mandatário. Meus candidatos ganharam e perderam eleições, mas nunca julguei que alguém devesse ser proibido de fazer propaganda de algum candidato, seja ele quem for. Mesmo porque a proibição é inútil. E deixa a impressão de que o estado está cada vez mais avançando em nossas liberdades, no velho sonho de tornar-se o Leviatã.

[A matéria recomendada mostra que denunciar o que sequer seria notado é dar publicidade ao insignificante - por isso o Prontidão Total apesar do seu elevado número de leitores: dois = 'ninguém' e 'todo mundo' costuma não veicular certas notícias ou destacar alguns nomes.]

Discutem-se filigranas, como a definição de propaganda eleitoral. Seria apenas pedir voto para alguém, ou pedir que não vote em alguém. Mas há mil formas de fazer isso. É muito subjetivo. Citar um nome já é, de fato, fazer propaganda. No fundo esses controles, como vimos durante a pandemia, são formas de nos botar um cabresto, pelo medo. Medo de um vírus ou medo de um juiz que não respeita os direitos fundamentais da Constituição.

Jogam sobre nós a teia de leis que acompanham o calendário desde 1932. As leis tratam de dinheiro de fundos eleitoral e partidário, dos partidos, dos eleitores, dos candidatos, dos prazos, dos gastos, da contabilidade, dos limites, dos honorários advocatícios, dos bens, das redes sociais. Seria bom se tanta lei trouxesse mais transparência às apurações. [algo do tipo do registro do voto impresso = voto auditávelvoto em cédulas de papel.]

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


domingo, 28 de novembro de 2021

O grid, o potencial de agregação e o desafio de cada um - Alon Feuerwerker

Análise Política

A economia é sempre um vetor importantíssimo em eleições, costuma ser decisiva, mas está longe de construir consensos automáticos. No auge do lançamento do Plano Real e da euforia por ele desencadeada em 1994, um oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu beirar os 30%. O governista Fernando Henrique Cardoso ganhou no primeiro turno, mas com pouquinho acima da necessária metade mais um.

Mesmo nos píncaros da popularidade do primeiro presidente petista, Lula, o piso da oposição tucana nunca baixou do patamar de 40% dos votos no segundo turno. Os fatos são os fatos: governos dependem em boa medida dos resultados, mas, além da eficiência e das realizações, as vitórias e derrotas eleitorais resultam também de movimentos de outra natureza no eleitorado. Especialmente da divisão político-ideológica. Sim, ela conta.

Uma pista é o efeito do deslocamento no segundo turno, em disputas presidenciais, dos eleitores daqueles candidatos que não passaram do primeiro. Um achado a partir dos resultados das eleições brasileiras desde a redemocratização revela que o campo político afinal vitorioso é sempre o com melhor representação, em votos, entre os candidatos eliminados da disputa no primeiro turno.

Dito de outra maneira, se os votos dados a candidatos que não passaram à decisão eram majoritariamente de direita (vamos convencionar haver essencialmente dois campos, direita e esquerda), o nome da direita mostrou-se mais competitivo no segundo turno. 
Aconteceu com Fernando Collor em 1989 e Jair Bolsonaro em 2018. Quando se deu o contrário, prevaleceu a esquerda, com Lula em 2002 e 2006 e Dilma Rousseff em 2010 e 2014.  E isso não chega a depender absolutamente de apoios formais. O eleitor costuma ser algo cioso da sua independência.

Portanto, talvez seja importante aos atuais candidatos tentar organizar o grid eleitoral de modo a garantir potencial de agregação no segundo turno. Até porque no último quarto de século ninguém ganhou no primeiro. E isso deveria agora receber atenção ainda maior da esquerda, pois desde que se implantou a reeleição nenhum presidente no cargo deixou de se reeleger e, portanto, nunca ficou fora de um segundo turno.

As pesquisas trazem uma boa notícia para Lula. Ele está na frente no primeiro turno e bem na frente no segundo. Ou seja, recolhe a maior parte dos votos de quem não vai à decisão. Efeito da, no momento, muito alta rejeição ao presidente da República, nascida principalmente dos erros cometidos na administração da pandemia.[(SIC);  Israel, que chegou a ser modelo no combate à pandemia, agora volta a ser vítima de uma nova variante, oriunda de países com baixíssimos índices de vacinação.]  Mas o cenário traz também um alento para Bolsonaro e outros potenciais candidatos de seu campo.

Pois a maior parte do dito centro que busca se impor como terceira via, para eventualmente chegar a segunda, ou quem sabe primeira, é composta de nomes cujos eleitores hoje tendem ao campo político do presidente da República, e não ao do antípoda dele. A exceção é Ciro Gomes. [a função do 'coroné' Gomes é perder; os tucanos precisaram jogar foram muito dinheiro dos fundos eleitoral e partidário para escolher o perdedor; já no partido do Gomes, a escolha do perdedor é automática = o cearense nascido em Pindamonhangaba?SP.]

Mesmo no cirismo há um contingente, a ser medido, de eleitores que recusariam o voto em Lula num eventual segundo turno. Um desafio de Lula é penetrar em certo eleitorado hoje alimentado 24x7 contra ele. O de Bolsonaro é insistir que a alternativa é Lula. E o da terceira via é convencer que Bolsonaro não ganha de Lula.

*

Saio em dezembro. Boas festas e ótimo 2022 para todo mundo.

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

 


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A prévia patética do PSDB - Foi humilhante - J. R Guzzo

O Estado de S. Paulo

Partido gastou um dinheirão dos fundos partidário e eleitoral [dinheiro público, seu, meu, nosso.] e não conseguiu montar uma eleição com 40 mil votantes. 

De todas as aberrações que falsificam a democracia brasileira, e transformam numa piada as grandiosas “instituições” formalmente previstas na Constituição, poucas se comparam aos partidos políticos. São 34 – ou seja, não são nada, porque não pode existir nem sinal de política séria com tanto partido assim. Multiplicam-se como ratos não por alguma questão de “diversidade”, mas porque recebem dinheiro vivo do pagador de impostos, através dos “fundos” partidário e eleitoral: R$ 1 bilhão esse ano, mais quase R$ 6 bilhões em 2022, por conta da eleição. (É uma PG: nos últimos 20 anos, essa fortuna dada de presente aos partidos aumentou em 1.000% –  isso mesmo: 1.000%). Anos atrás a ex-deputada Heloisa Helena chamou os partidos brasileiros de “gangues partidárias”. Não eram partidos políticos; eram quadrilhas. De lá para cá não surgiu definição melhor.)

Todo brasileiro capaz de ter alguma preocupação com política poderia fazer nesse momento a seguinte pergunta: como o PSDB quer governar o Brasil e seus 200 milhões de habitantes se não consegue organizar uma miserável prévia com menos de 50 mil votantes para escolher o seu candidato a presidente da República?

Passaram meses a fio tentando fazer essa prévia. Gastaram uma fortuna no sistema digital de votação – aliás, dinheiro saído diretamente do seu bolso, através das facilidades do “fundo eleitoral”, que pagou também pela formidável frota de jatinhos espalhada pelo aeroporto de Brasília durante as horas do evento. Levaram o dia inteiro tentando votar. No fim tudo o que conseguiram foi um grande zero: tiveram de desistir e suspender a prévia.

Não conseguiram fazer nem isso? Nem isso. As pessoas, simplesmente, não conseguiam votar; deu pau no aplicativo e ninguém soube consertar. Fim de conversa e da prévia. Com a recusa em encarar a realidade que vem mostrando há anos, os dirigentes do PSDB disseram que houve um “impasse”; os mais hipócritas disseram que foi uma “pausa”. O que houve, na verdade, foi uma calamidade – e uma humilhação em estado integral para o partido, a sua direção e os seus integrantes.

A prévia do PSDB não foi a pique por nenhuma alta razão de Estado. Foi a pique pela absoluta falta de capacidade da direção em cumprir o mínimo de seu dever técnico, político e moral. De duas uma: os votantes não conseguiram votar porque houve fraude ou, então, incompetência em estado extremo. Não há uma terceira hipótese.

A eleição do PSDB para escolher o seu candidato à Presidência já era uma piada: o partido tem 1,3 milhão de inscritos, e menos de 5% se interessaram em votar pela prévia. Mas não se conseguiu nem isso. Com o fiasco grosseiro do sistema digital, só conseguiram dobrar a aposta e o prejuízo.

O PSDB, que já foi um partido sério e chegou a comandar o Brasil por oito anos, é hoje uma ruína. Perdeu cinco eleições presidenciais seguidas 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018, quando conseguiu ficar com 4% dos votos. Vive no terror perpétuo de desagradar ao ex-presidente Lula e parecer “de direita”. O desastre da prévia, agora, mostra que o partido continua construindo, com o máximo de empenho, sua biografia de perdedor.

J. R. Guzzo, colunista  - O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Fura-teto: para gastar e escapar da cadeia - Carlos Alberto Sardenberg

Auxílio Brasil
 
Não, não é verdade que será necessário furar o teto de gastos públicos em 2022 para financiar o programa Auxílio Brasil com o pagamento de R$ 400 por mês para 14 ou até 17 milhões de famílias muito pobres.

Considere apenas um número. Por baixo, o governo federal terá algo como R$ 1,5 trilhão para gastos no ano que vem. Dinheiro para gastar onde quiser. Nessa montanha de recursos, não seria possível encontrar uns míseros R$ 50 bilhões para os mais pobres?  Sim, os números parecem meio chutados. Ocorre que este Orçamento federal é mesmo feito aos chutes e pedaladas. Na primeira versão, calculava-se inflação menor de 4% para 2022, crescimento robusto e juros baixos.

Mas, em consequência mesmo dos improvisos e das inconsistências geradas pelo governo Bolsonaro, o quadro mudou rapidamente ao longo de 2021. Há fatores externos, claro, como os efeitos da pandemia, mas o real se desvaloriza mais que as demais moedas de países emergentes; a inflação aqui sobe mais; os juros que os investidores cobram do Tesouro brasileiro, em títulos de dez anos, já passam de 12% anuais, também acima do padrão emergente; e, finalmente, o risco Brasil (o prêmio exigido pelos investidores para “comprar” Brasil) também é mais alto que o dos nossos pares.

Populismo exige improvisação e mentiras. Por exemplo: o Auxílio Brasil não é um verdadeiro programa social, com foco e objetivos bem definidos, como era o Bolsa Família.[o Auxilio Brasil é emergencial e logo será substituído por condições que permitam aos seus beneficiários proverem seu próprio sustento; já o 'bolsa-familia', tinha como único objetivo enganar a população e manter os mais pobres dependentes dos governos petistas = os mais corruptos e incompetentes da história do Brasil.]  Este tinha uma constatação e um fundamento, definidos lá atrás por técnicos do Banco Mundial.

A constatação: as famílias pobres permaneciam pobres porque as crianças tinham que ajudar os pais no trabalho e não podiam frequentar a escola. O fundamento: dar uma renda mínima às famílias, desde que mantivessem as crianças na escola e ainda cumprissem visitas regulares aos postos de saúde, especialmente para vacinação. [não pode ser olvidado que as pessoas recebiam aquele auxílio e por falta de programas geradores de empregos, continuavam em situação de penúria e dependentes dos governos ladrões de Lula e Dilma.] Iniciado no Brasil nos anos 90, é um sucesso mundial.

O Auxílio Brasil é eleitoreiro. [sugerimos aos defensores do 'bolsa-família' que tragam de volta o petista ladrão = só que antes precisam convencer os eleitores.] São R$ 400 por família só para superar o Bolsa Família de Lula; vale só para 2022, o ano eleitoral; não há contrapartidas definidas, o que significa que haverá grande corrupção, com o dinheiro distribuído a quem não precisa, como aconteceu com o auxílio emergencial.

Mesmo assim, como demonstrou o Instituto Fiscal Independente (IFI), seria possível pagar esses R$ 400 sem furar o teto, sem quebrar a regra fiscal básica criada em 2016. E por que é preciso um teto de gastos, que engessa o gasto social? — dizem os chamados progressistas. Porque o governo federal havia se transformado numa máquina de gastar cada vez mais dinheiro. Em 1997, o gasto público total equivalia a 14% do Produto Interno Bruto. Em 2016, já passava dos 20%.

E não se tem notícia de que os brasileiros vivessem num magnífico Estado de bem-estar social. O gasto público é desigual, os salários do funcionalismo vão do mínimo a um teto de quase 40 mínimos, frequentemente superado com gambiarras postas em lei. A ideia do teto é simples: gasta-se num ano o mesmo aplicado no ano anterior, mais a inflação.

Não engessa nada. Não engessa as emendas parlamentares, o dinheiro que os parlamentares federais têm direito a gastar com suas clientelas. Hoje, a maior parte desse dinheiro é controlada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o chefe do Centrão. Tudo considerado, eis o fato: resolveram pedalar as contas e furar o teto para salvar (e aumentar) as emendas e os fundos partidário e eleitoral. O resto é populismo para livrar Bolsonaro e seus filhos da cadeia.

A conta vai para a população e já está sendo paga na forma de mais inflação (com dólar nas alturas), mais juros, menos investimento e consumo, menos crescimento e mais desemprego. [o desemprego,  apesar da torcida em contrário,  está caindo - voltando aos níveis anteriores à pandemia. Níveis esses que foram parte da herança maldita que o capitão recebeu.]

 Carlos Alberto Sardenberg, jornalista



domingo, 13 de junho de 2021

Partidos menores buscam sobrevida com projeto de federações partidárias, em tramitação na Câmara - O Globo

Sérgio Roxo

Se lei for aprovada, PCdoB pode se juntar a PSB ou PT, enquanto Cidadania deve negociar com PSDB por acesso a fundo público 

[optamos pela transcrição da matéria, para mostrar as razões que levam partidecos sem voto, sem noção, sem programa de governo, a tentarem usar o Poder Judiciário para governarem (procurando atrapalhar o governo do presidente Bolsonaro)  - tentativas que quase sempre são apoiadas pelo Supremo.]

Articulado como uma saída para salvar o PCdoB, o projeto de lei que cria as federações partidárias, caso aprovado, também deve ser utilizado por outras legendas de esquerda, centro e direita, como Cidadania, PV, Rede e PTB. O mecanismo é uma forma de as siglas driblarem as limitações impostas pela cláusula de barreira, que só permitirá acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito aos partidos que atingirem 2% dos votos válidos para deputado na eleição do próximo ano.

Pelo projeto em tramitação na Câmara, duas ou mais legendas podem se unir em uma federação que passa a atuar, na prática, como se fosse um único partido. As siglas devem ficar juntas por, no mínimo, quatro anos nas esferas municipal, estadual e federal. Quem romper a união estará sujeito à punição como proibição de ingressar em nova federação nas duas eleições seguintes e de utilizar o fundo partidário.  A proposta conta com apoio, além das legendas diretamente interessadas, de siglas maiores, como o PT. A Câmara aprovou a tramitação do projeto em regime de urgência por 429 votos a 18. O texto, que já passou no Senado, poderá ser votado em plenário sem passar por comissões.

A expectativa é levar o projeto para votação até o fim do mês, junto com outras matérias que tratam de questões eleitorais, como o distritão. Não há garantia, porém, de a análise do mérito obter o mesmo índice de aprovação que foi alcançado na votação da tramitação em regime de urgência. Em tese, partidos grandes que sabem que conseguirão ultrapassar a cláusula de barreira não têm interesse de beneficiar outras legendas porque os fundos eleitorais e partidário serão divididos entre menos siglas.

Para o PCdoB, a aprovação da federação pode definir o futuro do partido. O único governador da legenda, Flávio Dino, do Maranhão, vem tendo conversas com o PSB e a sua migração chegou a ser anunciada pelo deputado federal Marcelo Freixo (RJ). Mas Dino, pré-candidato ao Senado, afirma que só definirá o futuro após a votação do projeto. — A minha preocupação central é com a máxima união possível no nosso campo. Se passa a federação, abrimos um cenário novo, que demanda novas avaliações. Só vou tomar qualquer decisão quando as regras estiverem claras — afirma.

Se o projeto da federação for aprovado, os comunistas vão discutir a formação de uma federação com o PSB ou com o PT. Outras legendas do mesmo porte também cogitam caminhos a serem seguidos. O Cidadania deve entrar em conversas para formar uma federação com o PSDB.  — O partido vai buscar fazer federação com quem tem maior afinidade porque você vai ter que conviver durante quatro anos — diz o presidente do Cidadania, Roberto Freire, que nega, “a princípio”, a intenção de formar uma federação.

A Rede e o PV podem se associar. Também é cogitado na Câmara que o PTB forme uma federação com o partido a que o presidente Jair Bolsonaro venha a se filiar.

Dúvidas na Justiça
A cientista política Lara Mesquita, da FGV-SP, avalia que a federação é melhor que as coligações, permitidas até 2018, pois pressupõe uma atuação conjunta no Legislativo, o que minimiza a fragmentação partidária:— Mas há dúvidas. O projeto prevê punição para partidos que abandonem as federações. Porém, a Justiça Eleitoral tem criado exceção para deputados em relação à fidelidade partidária. Se decidir assim para os partidos, o mecanismo pode virar uma coisa só de fachada.

Brasil - O Globo

OBSERVAÇÃO: a redução do tipo das letras utilizadas na grafia dos partidos prestes a ser extintos, é para destacar a pouca ou nenhuma importância das siglas.


sábado, 6 de fevereiro de 2021

A velha política leva tudo - Carlos Alberto Srdenberg

Não foi apenas o fim orquestrado da Lava Jato. Há uma sequencia de movimentos que revigoram a velha política (aqui incluídos executivo, legislativo e judiciário), abafam o combate à corrupção e tornam o Estado brasileiro cada vez mais ineficiente. Começando pela Lava Jato. A força tarefa não apanhou “apenas” alguns casos de corrupção. Mostrou que o sistema operacional do Estado estava dominado por diversos “quadrilhõesassociações de políticos, empresários, advogados e, sim, membros do judiciário – com o objetivo de roubar o setor público e distribuir o dinheiro entre eles, estivessem na esquerda, no centro ou na direita.

Dizem que a Lava Jato exagerou, que a dupla Sérgio Moro e Deltan Dallagnol não poderia ter mantido aquelas conversas hackeadas; que, em busca de mais eficiência, romperam os limites do devido processo legal.  É verdade que os dois não agiram pelas vias ortodoxas. Mas o que eram, e continuam, agora reforçadas, as vias ortodoxas?  
São os caminhos tortuosos dos tribunais para anular processos, não pela prova da inocência dos réus, mas pelo tempo de prescrição e supostos equívocos formais.
O que é pior, o ativismo da Lava Jato ou os conchavos brasilienses entre políticos, advogados e juízes? 
Encontram-se nas festas de casamento, são compadres entre si, almoçam e jantam nos bons restaurantes – à custa de dinheiro público – e promovem os filhos nas suas carreiras. 
Deputado filho de deputado, advogado filho de juiz, que facilita a prática dos “embargos auriculares”. Uma conversinha entre um uísque e outro.

Dia desses, um ministro de corte superior me disse que poderia perfeitamente frequentar essa corte brasiliense e julgar com a devida isenção os seus participantes. Não pode, é claro. Assim como um filho de juiz simplesmente não pode advogar na corte do pai. Quer dizer, não poderia, mas advoga e ganha bem. Como a Lava Jato poderia ganhar disso? Utilizando os métodos modernos de combate à corrupção, usados em todo o mundo civilizado, que consiste em reunir polícia, receita e ministério público, investigando e trocando informações e – por que não? – partilhando com a imprensa, vale dizer, com o público.

Tem algum inocente posto na cadeia pela Lava Jato? Mas tem culpado sendo libertado pelos métodos transversos da velha ortodoxia. O triplex e o sítio não existiram? Isso não importa. Importa desqualificar o processo e o juiz. [nos parece que foi o juiz quem se desqualificou quando começou a usar seu cargo,para fazer política, seguir carreira - em seus devaneios se sentiu qualificado até para ser presidente da República.
Quando abandonou a magistratura e percebeu que lá  comandava e no Executivo era comandando, iniciou um processo para as áreas do 'seu' ministério não estarem sujeitas à intervenções do seu Chefe = o presidente da República. 
E a primeira vítima de sua pretensão foi a lealdade devida por um ministro de Estado ao presidente da República.
Esqueceu que um ministro que deseje impor limites à autoridade do seu chefe, pode assim proceder, após pedir demissão do cargo.]
 
E, assim, parece normal que deputado processado em dois casos no STF se eleja presidente da Câmara. [motivo óbvio de sua eleição: teve votos e processado não é culpado;
Um exemplo: O filho do presidente, quando era apenas o filho de um candidato, começou a ser acusado de uma série de supostos delitos. O mandato do pai já está na segunda metade e os que o acusam não conseguem promovê-lo a culpado = faltam provas -  que não são substituídas por ilações nem pelo desejo dos seus detratores.] Em uma das denúncias, correndo na Primeira Turma, já há maioria para aceitá-la. Mas tudo parou por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli.
A nova direção do Congresso diz estar alinhada com Bolsonaro na agenda vacina, reformas e privatização. A agenda deveria ser essa mesmo. Mas não é. A verdadeira inclui: auxílio emergencial [indispensável, dele depende a REDUÇÃO da fome de milhões de brasileiros que agora procuram,  nas lixeiras,  cascas de banana para alimentação de seres humanos.
Procurando com atenção encontram de onde tirar recursos (não esqueçam que a grana dos Fundos Eleitoral e Partidário - se usada para pagar auxilio emergencial e não para sustentar político e partidos - seria suficiente para pagar mais de 5.000.000 de auxílio a R$600,00)  - ainda tem muita grana a ser desperdiçada, é só procurar. ] mas sem tirar dinheiro de outros setores, especialmente da elite do funcionalismo e da política, fim da prisão em segunda instância, liquidação da ficha limpa e juiz de garantias, para atrasar ainda mais os processos.

Outro dia, o deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro, disse que a prisão em segunda instância nunca existiu no Brasil e que foi um casuísmo para tirar Lula da disputa presidencial. Duplo erro: a prisão em segunda instância era regra. Eliminá-la foi a exceção de alguns anos. E Lula foi afastado por ser ficha suja.
Será que o líder não sabe mesmo ou está aí para confundir o público?
Esse pessoal acha que enunciar a agenda é o suficiente. Muita gente nos meios econômicos acredita ou finge acreditar. Mas o fato é que sem a pressão da sociedade, da imprensa livre e independente, dos políticos e agentes públicos do bem, vamos continuar com vacina de menos e ineficiência de mais.

 Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


Coluna publicada em O Globo - Economia 6 de fevereiro de 2021

 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Covid: OAB vai ao STF por compra de vacina aprovada em agência no exterior

 Coluna Maquiavel - VEJA

Conselho da entidade pede que imunizantes sejam adquiridos, excepcionalmente, mesmo sem aval da Anvisa, desde que tenham registro em órgão de outro país

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai entrar nesta quarta-feira, 9, com um pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para que sejam permitidos, excepcionalmente, a aquisição e fornecimento de vacinas contra a Covid-19 independente de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde que os imunizantes já possuam registro em renomadas agências de regulação no exterior.

Além disso, a OAB pede ainda que fundos recuperados na 
Operação Lava-Jato sejam destinados ao Plano Nacional de Imunização contra o novo coronavírus, [curioso é que quando decisão de um juiz federal de 1º grau, determinou que  os bilhões de reais dos Fundos Eleitoral e Partidário fossem aplicados no combate à covid-19 e o Senado Federal obteve no TFRF-1 a revogação da decisão = o dinheiro voltou para as mãos dos políticos - a OAB silenciou

Agora a Ordem quer que dinheiro público seja utilizado no combate à covid -19 = isso se a Transparência Internacional permitir.] foram assim com recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST). Segundo levantamento da Câmara dos Deputados, o FUST arrecada 1 bilhão de reais ao ano e já acumula cerca de 21,8 bilhões de reais.

No documento, a OAB faz diversas críticas à condução que o governo federal tem feito da pandemia. Em um trecho, diz que “o Poder Executivo Federal, na contramão do que se espera dos gestores nessa quadra da história, tem menosprezado a gravidade da situação e vem assumindo uma postura omissa e negacionista, quando, em verdade, deveria assumir o papel de coordenação e articulação nacional em torno do combate à pandemia”.

Correio Braziliense

Confira aqui outra 'democrática' intervenção daquela Ordem.


terça-feira, 24 de novembro de 2020

CAÇADORES DE IRRELEVÂNCIAS - Percival Puggina

Em recente artigo sobre racismo, Roberto Rachewski criticou quem faz política usando como bandeira seu sexo e sua cor. E conta haver apoiado uma jovem, mulher, negra e moradora da periferia, candidata a vereadora por seu partido, “não porque ela era jovem, mulher, negra e da periferia, mas porque ela é honesta, culta, inteligente, empreendedora e liberal”. Mais adiante, afirma o autor: “Seja branco ou negro, seja homem ou mulher, seja jovem ou velho, seja rico ou pobre, eu analiso e julgo o caráter, o quanto aquela pessoa valoriza a racionalidade, a produtividade, a independência, a honestidade, a integridade, a justiça e a capacidade de melhorar moralmente a cada dia, a ponto de se orgulhar por suas conquistas”.

 No Brasil e em todo o Ocidente, porém, a maior parte dos grandes veículos de comunicação está comprometida com a ideia de que as cadeiras dos parlamentos, os concursos e os cargos públicos, as posições de diretoria da iniciativa privada, os postos de trabalho das grandes empresas, devem estar equitativamente distribuídos por sexo e suas tendências e por cor da pele e suas variações.

[O TSE em um julgamento andou legislando e criou um sistema de cotas para a grana dos fundos partidário e eleitoral  = proporcionalidade regida pela cor dos candidatos.

Nos parece que o sistema não funcionou bem = ainda não inventaram um sistema de cotas raciais para as eleições, já que o voto, ao que sabemos, é secreto. Também criaram ou quiseram criar cotas de sexo para beneficias as mulheres - a tal de proporcionalidade - também não funcionou = o voto secreto atrapalha.]

Na capa da edição Zero Hora (24/11) 11 vereadores eleitas posam diante da Câmara Municipal de Porto Alegre assinalando a maior representação feminina já levada ao parlamento da capital. Mas, mesmo assim, sendo 11 em 36, acrescenta a informação, “bem distante da relação com a representatividade do gênero na população”...
Terminou a eleição municipal do dia 15 de novembro e lá estavam os caçadores de irrelevâncias contando brancos e negros, homens e mulheres, homossexuais e transexuais, para checarem se estão ou não equitativamente representados.

Ou seja, para esse tipo de jornalismo, parlamentares são eleitos para representar interesses relacionados à população do mesmo sexo, ou cor, ou tendências sexuais. Obviamente, em presença de tais critérios de decisão, o bem de uma comunidade, de um município, do estado e da União Federal é mais adequadamente atendido por uma representação política marcada por esse tipo de militância, embora no cotidiano da atividade parlamentar tenham os legisladores que deliberar sobre tudo mais. Para tanto, caráter e competência são muito mais relevantes do que cor da pele, sexo e tendências sexuais.

É por isso que a afirmação do Roberto Rachewski é de uma lógica cristalina. Como tenho afirmado tantas vezes, o parlamentar não deve ser um representante de interesses, mas um representante de opinião identificado com o eleitor não por meras coincidências genéticas, mas por identificação com o modo de ver o ser humano e a sociedade, sua cidade e o mundo onde vive.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

A Justiça Eleitoral é coisa nossa

Ao custo de R$ 25 milhões por dia, essa invenção nacional trata de demandas que poderiam ser resolvidas na Justiça comum e escancara a ineficiência do Estado

Assim como a jabuticaba, o brigadeiro, o pão de queijo, a tomada de três pinos e o frescobol, a Justiça Eleitoral também é uma brasileirice.

Com 25 mil servidores, a Justiça Eleitoral dispõe de uma verba de R$ 9,2 bilhões em 2020. O valor ultrapassa o orçamento anual de cidades como Guarulhos (1,4 milhão de habitantes e orçamento de R$ 4,26 bilhões), Manaus (2,2 milhões e R$ 6,25 bilhões) ou Porto Alegre 
(1,5 milhão e R$ 8 bilhões), e é superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de 5.459 dos 5.570 municípios brasileiros.
Vale a pena destrinchar a cifra desta que é uma das cinco repartições do Poder Judiciário no país. 
São R$ 766 milhões por mês. Ou R$ 25 milhões por dia. Ou R$ 1 milhão por hora. Ou 17,5 mil por minuto. Ou mais de R$ 290 a cada segundo. 
A quantia por segundo equivale ao valor atual do auxílio emergencial, de R$ 300, pago pelo governo federal para tentar minimizar as consequências econômicas da epidemia de coronavírus para os trabalhadores.
O montante inclui os gastos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que corresponde a mais de R$ 2 bilhões, dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais (somados, cerca de R$ 6 bilhões) e do Fundo Partidário (quase R$ 1 bilhão). Mas não inclui o Fundo Eleitoral, que neste ano ultrapassou a marca de R$ 2 bilhões. [Fundo Eleitoral + Fundo Partidário = 3 BILHÕES = (DEZ BILHÕES) 10.000.000 DE AUXÍLIO EMERGENCIAL no valor de R$ 300,00.
Decisão da 1ª Instância da Justiça Federal autorizava a que o dinheiro dos dois fundos fosse usado no combate ao covid-19 - só que o senador Alcolumbre, presidente do Senado, recorreu e a decisão foi revertida.]

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Histórico
Assim como a jabuticaba, o brigadeiro, o pão de queijo, a tomada de três pinos e o frescobol, a Justiça Eleitoral também é uma brasileirice. Na maioria dos países, pendências eleitorais são decididas pela Justiça comum. “O modelo brasileiro surgiu por causa das fraudes eleitorais rotineiras durante a República Velha, quando os pleitos eram organizados pelo Executivo federal e lideranças locais”, explica o procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que foi procurador eleitoral até setembro deste ano e acredita na eficácia do sistema brasileiro. “Naquela época havia, por exemplo, o ‘voto de cabresto’, quando os coronéis levavam os eleitores para votar em quem eles mandavam.” Vem daí a expressão “curral eleitoral”, já que o povo era conduzido como se fosse um rebanho.

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“As atribuições da Justiça Eleitoral certamente poderiam estar sob a alçada da Justiça comum”, afirma o cientista político Rubens Figueiredo, da Universidade de São Paulo. Ele salienta que o Brasil gasta hoje quase 1,8% do PIB com o Sistema Judiciário, valor muito superior ao despendido pela Argentina (0,13%), Alemanha (0,37%) ou França (0,2%), países providos de bons juízes nessa especialidade.

Para Figueiredo, o fato de a legislação eleitoral brasileira ser complexa e mudar a cada ano, o que a torna de difícil assimilação, colabora para o que ele chamou de “barafunda jurídica”. “O Brasil já é um país extremamente judicializado”, observa. “Essa falta de clareza e de transparência das leis acaba entupindo a Justiça Eleitoral de processos. É preciso simplificar as leis e, principalmente, não modificá-las a cada dois anos. Antes, por exemplo, os brindes e showmícios eram permitidos. Hoje, não são. Uma hora se pode colocar cavaletes nas calçadas. No ano seguinte, está proibido. Parece que as leis são feitas para gerar demandas judiciais.”

Figueiredo também qualifica de “ficção científica” a prestação de contas obrigatória. “O candidato finge que gastou aquilo e a Justiça finge que acredita”, resumiu. “Nas eleições deste ano há mais de 550 mil candidatos. Alguém acha que vão conferir tudo?”

Como tem acontecido no Brasil, a confirmação de uma eleição muitas vezes é feita na Justiça. “Você tem o primeiro turno e o segundo nas urnas. E o terceiro agora acontece no Judiciário”, lamenta Figueiredo. “O custo para quem move uma ação é muito pequeno e, mesmo quando ela não faz o menor sentido, não acontece nada com quem a propôs.”

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Os 27 TREs
Apesar das diferentes dimensões regionais existentes entre os Estados, todos os TREs têm sete juízes. No Tribunal de São Paulo, os casos pendentes são 23 mil. Cada juiz, portanto, lida com 3 mil processos. Em contrapartida, no Acre, o lote de cada juiz não chega a 200.

Leia também nesta edição o artigo “As piores eleições do mundo”, de J. R. Guzzo

Como constata J. R. Guzzo, colunista da Revista Oeste, se ter uma Justiça Eleitoral — e pagar bem por ela — fosse sinônimo de qualidade, o Brasil teria os melhores políticos do mundo. Não é o que se vê.

 Revista Oeste - MATÉRIA COMPLETA