Por Merval Pereira - O Globo
STF sobrecarregado - Os onze
STF vive à base de decisões monocráticas
A atitude dos dois não tem sido a tônica das decisões dos ministros do Supremo, que não por acaso são chamados de “ilhas”, o que significa que cada ministro é [se considera, por atos] um Supremo, os “onze supremos”, no título do livro dos especialistas Joaquim Falcão, Diego Arguelles e Felipe Rocondo.
As decisões monocráticas, quando um dos ministros decide sozinho, têm sido majoritárias nos últimos anos no Supremo Tribunal Federal (STF), a ponto de ter atingido em 2017, segundo estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a marca de 89,8% das mais de cem mil decisões daquele ano. A criação das 1ª e 2ª Turmas, cada uma com cinco ministros, foi uma tentativa bem sucedida de desobstruir o fluxo de processos, mas não o suficiente.
Essa prática tem uma razão básica, o excesso de processos que chegam ao Supremo todos os anos, mais de cem mil, para espanto de outros ministros de Cortes Supremas, como a dos Estados Unidos, que decide por conta própria quais os casos que vai rever desde que, em 1925, para evitar o congestionamento de processos, foi editado um ato nesse sentido. [sempre que o excesso de processos no Supremo é citado, não resistimos que o STF já julgou ação para declarar se banheiro público unissex, é legal ou ilegal - não sabemos se a Corte já decidiu ou algum ministro pediu vista.]
A média de processos aceitos na Suprema Corte americana é de cerca de 200 por ano, nada além disso. Outra diferença fundamental: a Suprema Corte dos Estados Unidos só decide em colegiado, e em reuniões secretas. Também nos Estados Unidos, cujo sistema judicial nos serve como parâmetro, 97% dos processos criminais são solucionados através de negociação entre promotor público e advogado de defesa, sem interferência de um juiz (“plea bargaining”). Aqui, a Câmara dos Deputados rejeitou na Comissão de Constituição e Justiça a implantação do sistema proposto pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro.
Com isso, o Supremo continuará sobrecarregado até mesmo com casos criminais, que podem chegar à última instância. Ao contrário, a Câmara aprovou proposta do ministro Alexandre de Moraes que possibilita a negociação e a não persecução penal em crimes mais leves. No debate sobre o excesso de atribuições do Supremo, já houve mesmo a proposta de criação de um novo tribunal superior apenas para tratar de casos criminais, como o mensalão e o petrolão. Mas não prosperou.
A questão das decisões monocráticas tornou-se também um caso político, com a crescente crítica, como a de Bolsonaro contra decisões individuais “de certas pessoas”, referindo-se ao ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que autorizara uma ação da Polícia Federal contra apoiadores do presidente acusados de espalharem notícias fraudulentas pelos meios digitais. Existe até mesmo em tramitação na Câmara uma proposta de emenda constitucional (PEC) que define que as decisões liminares em ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) só podem ocorrer pela maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF), isto é, seis votos dos 11, proibindo as decisões monocráticas. Outra proposta tenta limitar o número de decisões monocráticas que cada ministro poderá tomar durante o ano. [Se torna urgente estabelecer que decisões adotadas por maioria dos ministros do STF, só possam ser revistas em plenário - vedando concessão de liminar - após o mínimo de 12 meses de vigência.
Urge também adotar um período máximo de mandato - que tal dez anos? ou completar 65 anos, valendo o que ocorrer primeiro - , vedada a recondução ou qualquer prorrogação, a qualquer título ou pretexto.
Além de reduzir a ilusão de alguém ser insubstituível, a oxigenação de qualquer colegiado é sempre conveniente.
Por ser PEC a vigência é imediata, aplicando-se aos atuais ministros.]
Os dois casos enviados ao plenário tratam de questões delicadas politicamente, e a decisão colegiada é a melhor solução para o STF assumir como instituição.
Correção
Na coluna de domingo, o terceiro parágrafo continha, por engano meu, uma informação errada. Como estava escrito imediatamente acima, o Brasil não é o segundo país com o maior número de mortos por milhão de habitantes, mas o segundo maior em números absolutos.
Merval Pereira, colunista - O Globo
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