Se o PT sempre foi uma máquina produtora de versões, a prisão de seu líder máximo apenas confirma este fato
Se o PT sempre foi uma máquina produtora de versões, a prisão de seu
líder máximo apenas confirma este fato.
Sempre atento à formação da
opinião pública, é-lhe capital manter o seu protagonismo político. Sair
de cena significaria uma batida em retirada de difícil retorno.
Ocorre que Lula e vários de seus dirigentes foram condenados e alguns
estão cumprindo pena em prisões. O comprometimento do partido com o
crime tornou-se uma outra marca sua, com o mensalão e o petrolão sendo
suas expressões mais visíveis. O partido da ética na política tornou-se o
da criminalização da política, numa equação em que salta aos olhos a
contradição.
Imagens contraditórias atormentam o partido. Como conviver com elas
veio a ser uma questão maior. Várias alternativas se fizeram presentes.
Uma delas, a de uma verdadeira autocrítica e uma mudança de rumos
propriamente social-democrata, foi das primeiras a ser descartada. Seu
lugar foi ocupado por uma denegação de todos os crimes cometidos,
acompanhada por um discurso de tipo revolucionário em que abundam as
radicalizações,
com seus dirigentes abertamente defendendo o Foro de São
Paulo em Cuba e a sanguinária ditadura de Maduro na Venezuela.
O discurso do
“golpe”, da “perseguição política” e contra a
“direita e
os conservadores” faz parte da estruturação dessa narrativa
. Lula preso
tornou-se um ativo de preservação do próprio partido,
em sua busca
desenfreada por manter uma imagem pública palatável aos seus crentes e
simpatizantes. Neste quadro, a prisão do ex-presidente é um fato propriamente
político da maior importância.
O aparente quebra-cabeças de seus
advogados faz parte do jogo, visando a manter o apenado em cena. Não se
trata de uma defesa jurídica, mas propriamente política. Os argumentos,
digamos
, “jurídicos” são apenas uma aparência que faz parte de uma
lógica mais geral.
Não se bate em juízes e promotores um dia sim e outro
também se há verdadeira intenção de libertar o condenado. A estratégia
seria outra.
[só um detalhe: o criminoso condenado só tem alguma chance se for candidato e o mais dificil: precisa ser eleito;
preso - que será o resultado da justa punição de seus crimes e das ofensas que faz a membros do Poder Judiciário, o sentenciado não vale nada.
Portanto, está sendo apenas estúpido com sua conduta idiota avalizada por defensores incompetentes.]
Alguns chegam a enxergar nessas atitudes aparentemente paradoxais uma
espécie de
“suicídio” do PT, vitimado que seria por suas contradições.
Contudo, se adotarmos uma outra perspectiva, poderíamos ver a lógica do
que surge como ilógico.
E se o objetivo maior do partido fosse
precisamente a sua própria conservação sob a ótica do longo prazo? Uma abordagem possível consistiria em considerar um posicionamento
partidário voltado para o período pós-eleitoral, cujo relógio começaria a
contar a partir do dia 1.º de janeiro de 2019.
Eis o cenário para o
qual o PT está se preparando.
O partido já sabe que Lula não poderá ser candidato em 2018 por
razões legais evidentes. A Lei da Ficha Limpa é clara a respeito. Até um
estudante de primeiro ano de Direito sabe disso. Não é necessária a
contratação de nenhum grande advogado. Contudo, o discurso da
“perseguição política” e de cerceamento de seus direitos eleitorais faz
parte de um processo mais amplo de deslegitimação das próximas eleições.
O partido está amealhando capital político.
As chances de um poste escolhido no último momento são exíguas,
apesar de alguns acreditarem ainda sinceramente nessa possibilidade. Em
todo caso, tal crença contribui para que o partido continue coeso, algo
que é da máxima relevância neste momento. Aparentemente
, o PT está
preocupado em ganhar esta eleição, quando na verdade visa a se
posicionar enquanto oposição ao novo governo, dentro de um cenário
institucional degradado – cenário este que lhe é de valia também em
função do discurso revolucionário que está adotando. Regressa às suas
origens.
Neste cenário,
não lhe interessa qualquer aliança que lhe dê
substância eleitoral para outubro. Por exemplo, compor com o
ex-governador Ciro Gomes não lhe convém, pela simples razão de que este,
eleito, seria por demais igual ao PT, vindo a aniquilar o próprio
partido. O programa do candidato apresenta semelhanças profundas com o
que foi defendido pelos governos Dilma e Lula II. Seria lógico apoiá-lo.
Eleitoralmente, faria sentido; partidariamente, não. O fundamental para
o partido reside em manter a sua hegemonia.
Para o PT, faz muito mais sentido a eleição de Jair Bolsonaro. Isso
porque sempre poderia dizer que o processo eleitoral não tem nenhuma
legitimidade, na medida em que Lula não teria podido participar da
eleição. Teria sido impedido graças a uma
“perseguição política”, a um
ato de
“arbítrio” perpetrado por juízes e promotores apoiados pela
“grande mídia”.
Teria, ainda, do ponto de vista de sua narrativa, no interior de um
quadro apresentado como institucionalmente degradado, o
“benefício” de
colocar-se como de oposição a um governo
“militar”. Caso eleito,
Bolsonaro não seria considerado como resultado de um processo
constitucional, mas como produto de um conjunto de arbitrariedades da
toga e dos meios de comunicação que teriam propiciado a volta dos
militares ao poder.
O comprometimento do partido com a verdade é nulo. Importa-lhe
exclusivamente a sua versão, contanto que essa lhe seja útil na
perspectiva da conquista do poder. Não há nada ilógico no que o partido
vem fazendo. A aparente desordem nas orientações partidárias segue
também um método próprio de ordenação, tendo como eixo a estrutura
partidária e a coesão de sua ideologia, por mais falsa e dissociada que
seja da realidade.
O PT nunca prezou tampouco a democracia. Esta lhe foi útil, sobretudo
no período pós-regime militar, apresentando-se como uma nova
alternativa de participação política. Discursos de uma suposta
“democracia direta” abundaram naquele período. Entretanto, o que
importava para o partido era o uso que poderia fazer das instituições
democráticas para apropriar-se do poder. Tratava-se do mero uso
instrumental da democracia. Agora, o seu aviltamento veio a ser o seu
complemento.
Denis Lerrer Rosenfield - Professor da UFRGS