Reportagem do
Correio conta a história de mulheres, mães e filhas que enfrentam a dura
rotina de visitas no Complexo Penitenciário do DF, a Papuda, para levar
afeto, conforto e solidariedade a parentes que cumprem penas
Uma realidade que atinge milhares de mulheres em todo o país. Quem tem
um filho, esposo ou irmão preso vive também um tipo de prisão, que
inclui medo, constrangimentos e longas jornadas até a cadeia para rever a
pessoa querida. O Brasil tem uma população carcerária de mais de 812
mil presos, segundo o Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). No Distrito Federal, o número de internos
chega a 16.688, distribuídos em seis penitenciárias: Centro de Detenção
Provisória (CDP), Centro de Internamento e Reeducação (CIR),
Penitenciária do DF I (PDF I), Penitenciária do DF II (PDF II),
Penitenciária Feminina do DF (PFDF) e Centro de Progressão Penitenciária
(CPP).
Mas do lado de fora da cadeia, há mais prisioneiras: as
parentes dos encarcerados. Além da tristeza de ver um familiar privado
da liberdade (por crimes que cometeram e estão pagando por isso), elas
enfrentam uma dura jornada, que envolve a preocupação de rebeliões no
presídio e mortes dentro das celas, além de gastos com advogados e com
os mantimentos para levar nos dias de visita. Há ainda situações
constrangedoras, como a revista íntima. “O que observamos é que muitas mães, esposas e irmãs visitantes do
sistema penitenciário abdicam de tudo e acabam aceitando o filho do
jeito que é. Para elas, o amor está acima de tudo, o que alivia um pouco
o sofrimento”, explica Mariana Rosa, presidente da Associação
Humanizando Presídios (Ahup).
Dados da Secretaria de Segurança
Pública do DF (SSP) mostram que, no total, há 25.797 visitantes, sendo
19.093 mulheres e 6.704 homens. Desses números, 8.717 são mães, 858
cônjuges, 5.580 filhos e filhas e 6.844 irmãos (homens e mulheres). O
restante (4.656) inclui amigos e visitas religiosas.
Há quatro
anos, Mariana Rosa fundou a associação após constantes visitas ao irmão
na cadeia. Com o apoio do Conselho Distrital de Segurança Pública
(Condisp), a Ahup recebe reclamações de familiares de detentos por meio
de um grupo de WhatsApp e pelo Facebook. São 170 associadas, que incluem
mães, esposas, filhas e irmãs de internos. “Como os parentes não têm
voz, os familiares recorrem a nós. A maior demanda de reclamações são de
assuntos ligados à saúde. Também ajudamos em consulta de processos e
reinserção no mercado de trabalho. Fazemos uma ponte entre o poder
público e essas pessoas. Para mim, esse trabalho é essencial. Meu sonho é
ver uma grande quantidade de presidiários ressocializados”, diz.
De
acordo com ela, o sentimento de culpa (por não ter conseguido evitar
que o parente seguisse o mundo do crime) é um das razões que essas
mulheres encontram para enfrentar a dura realidade. Culpa que nem sempre
é delas. “A sociedade as condena por terem familiares presos. Acaba que
elas pagam um alto preço, pois são julgadas e, muitas vezes, tratadas
como criminosas. São mulheres que se submetem a qualquer coisa, mesmo
que enfrentem represálias”, argumenta Mariana.
Pesquisador do
sistema carcerário, o professor e psicólogo da Universidade de Brasília
(UnB) Márcio Ângelo Silva relata que os depoimentos de mulheres que
visitam homens presidiários revelam sentimentos, motivações e atitudes
que demonstram a importância de vínculos afetivos. “A maioria dessas
pessoas não abandona seus entes. Faz visitas regularmente. Além de levar
sentimentos, afeto e solidariedade, supera as dificuldades financeiras e
até as situações de humilhação”, ressalta.
Agentes
As visitas são às quartas e
quintas-feiras, das 9h às 15h. Algumas são semanais e outras de 15 em 15
dias. O processo para entrar no presídio é burocrático: dentro das
celas, os agentes penitenciários distribuem uma lista para os detentos,
na qual eles referendam o nome das pessoas que querem receber. Os
internos podem cadastrar nove familiares e um amigo.
Após isso,
os familiares têm de fazer um cadastro a fim de comprovar o grau de
parentesco para entrar no complexo. Eles recebem o número de matrícula
do sistema da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), que emite
uma senha
(liberada sete dias antes da visita, às 20h). Essa etapa
costuma ser o drama dos visitantes, pois aqueles que conseguem gerar uma
senha com número mais baixos entram mais rápido. Depois das 12h, a
entrada é impedida, sem exceção, e as senhas são canceladas.
Nas
unidades prisionais, a regra é clara: a roupa tem que ser toda branca,
assim como a dos presos. Não é permitido usar peças decotadas, com
frente única, minissaia, miniblusa, shorts e casacos com forro, zíper ou
capuz. Também é proibido utilizar sutiãs com bojo e com detalhes de
metal. As sandálias devem ser brancas, com solado fino, sem miçangas,
pingentes ou fivela metálica. Até chuchinha tem que ser branca.
Mantimentos
O Complexo Penitenciário da Papuda
(CDP, CIR e PDF I e II) fica em São Sebastião, a 18km do Plano Piloto.
Quem vai de ônibus tem de pegar a linha 0.111, que sai da Rodoviária. O
trajeto dura, em média, 40 minutos. Por volta das 6h, é possível ver
longas filas no ponto de partida. O objetivo é só um: conseguir entrar
mais rápido no coletivo. O medo: perder a viagem e a visita. Quem tem
sorte consegue uma carona de ida e volta, pelo mesmo preço da tarifa do
ônibus. Em um grupo de familiares de presos no Facebook, com 1,5 mil
componentes, as mulheres anunciam vagas nos carros.
Os destinos são os
mais diversos — Ceilândia, Luziânia, Cidade Ocidental, Riacho Fundo,
Samambaia, Recanto das Emas, entre outros.
Em toda visita, é
permitido levar a
“cobal”, uma espécie de cesta básica com alguns
utensílios.
Entre os itens liberados estão seis unidades de frutas
(banana, goiaba, maçã e pera);
biscoito (proibido recheado, com gotas ou
caseiro);
creme dental branco; folha de papel com pauta; e sabão em pó
(apenas azul). A reportagem conversou com algumas mulheres visitantes.
Elas se queixam que, mesmo seguindo a lista dos produtos permitidos na
visita, muitos não entram durante os procedimentos de ingresso ao
complexo.
Para quem visita há anos, a revista íntima se tornou
algo comum e corriqueiro. Mas quem vai pela primeira vez estranha e até
se constrange. Geralmente, um grupo de três a cinco mulheres e crianças
entra em uma sala, todas juntas. Cada uma fica em um cômodo e é obrigada
a tirar toda a roupa. Todas se veem nuas. Uma agente revista as peças e
dá os comandos
: “abra as pernas”, “mexa no cabelo”, “vire de costas”,
“mostre a sola dos pés” e “abra a boca e mostre a língua”.Nos
presídios, há também outra revista, pelo escâner, um aparelho de raios X
que possibilita o funcionário ver se o visitante está com algo inserido
em alguma parte do corpo. As entrevistadas pela reportagem também
reclamam desse modo. Elas relatam que evitam até tomar café da manhã,
pois têm medo de alguma comida não ter digerido, e os agentes
confundirem com algum tipo de droga.
*Estagiária sob supervisão de José Calos Vieira
Três perguntas para
Leyla Cury, juíza titular da Vara de Execuções Penais do DF
Qual a importância das visitas de parentes aos presídios, especialmente as mulheres?É
fundamental para o processo de ressocialização, pois os parentes se
tornam um elo entre o preso e o mundo exterior — a sociedade.
Representam o conforto. A ideia de que não estão sós.
Segundo
dados da SSP/DF, 19.093 mil mulheres visitam parentes no sistema
carcerário. Os homens são minoria (6.704). Como isso se explica?Infelizmente,
esta é a realidade. É um fenômeno social. Não tem muita explicação. Os
homens não são solidários e costumam abandonar suas mulheres quando elas
vão presas. Ou eles próprios também estão presos, ou não costumam
visitar suas mulheres, como elas o fazem.
Qual o perfil das mulheres que visitam o presídio?Não
há um único perfil definido. São mulheres fiéis, amigas, disponíveis,
solidárias. São mães, esposas, avós, filhas, enteadas, tias. As
mulheres, ao contrário dos homens, costumam ser bastante solidárias. Mas
há aquelas que vão por pressão dos homens, porque deles são dependentes
econômica e emocionalmente. Porém, essencialmente, vão por
solidariedade mesmo.
"O que observamos é que muitas
mães, esposas e irmãs visitantes do sistema penitenciário abdicam de
tudo e acabam aceitando o filho do jeito que é. Para elas, o amor está
acima de tudo, o que alivia um pouco o sofrimento”
Mariana Rosa, presidente da Associação Humanizando Presídios (Ahup),
"Todas
as vezes que vou visitá-lo parece a primeira vez. O cárcere faz com que
nós, mulheres de homens presos, vivamos uma solidão inimaginável"
Daniela, 33 anos, mulher de interno da Papuda
(...)
Quatro perguntas para
Érito Pereira da Cunha, delegado e coordenador-geral da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe)
Como o senhor avalia as visitas feitas por familiares no sistema carcerário?As visitas ocorrem dentro do que é previsto na Lei de Execução Penal (LEP).
Muitos parentes visitantes reclamam sobre serem humilhados por agentes penitenciários nas visitas. Como explicar isso?A
Sesipe atua com respeito às leis vigentes e com respeito à dignidade da
pessoa humana, não permitindo qualquer desrespeito ao interno, familiar
ou servidor.
Existe algum trabalho promovido dentro das penitenciárias para humanizar o atendimento aos visitantes?Todos os servidores são orientados a respeitar as leis vigentes.
Segundo
dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 16.688 mil presos no
DF, mas a capacidade é de 7.398. Como podemos explicar isso? Onde está o
problema?O problema da superlotação é nacional, e não só
do Distrito Federal. Creio que (a solução) está na educação e na
melhoria de perspectiva de vida dos brasileiros. Todos querem uma
oportunidade de ter uma vida digna.
No Correio Braziliense, MATÉRIA COMPLETA