O jogador de vôlei
Maurício Souza — vejam só que ousadia — expôs a sua opinião acerca do
novo Superman da DC. O super-herói agora também virou um
superambientalista, e superbissexual. Ao que tudo indica, além desse
crime terrível de ter opiniões divergentes e de criticar pautas à
esquerda, o jogador também cometeu a atrocidade imperdoável de ser um
antigo apoiador do presidente Jair Bolsonaro e um confesso defensor de
certas ideias tradicionais.
Ou seja: não houve crime algum. E nem
com muito esforço retórico e má vontade jurídica seria possível
tipificá-lo como “homofóbico” por discordar da instrumentalização do
personagem da DC. Sinto muito dizer isso, mas, se você acha que criticar
a instrumentalização do Superman pela patrulha ideológica ou não
concordar com a linguagem neutra são atos criminosos, o autoritário aqui
é você.
Essa situação está se tornando tão bizarra e ilógica que
até comentaristas do espectro à esquerda, como Kirsten Powers, da CNN
americana, estão ficando assustados. Em seu livro The Silencing: How the Left Is Killing Free Speech, ela diz: “[Olhando] pelas lentes estreitas e intolerantes [dos militantes] da esquerda radical, discordância é violência. Ofendê-los se assemelha a uma agressão física” (tradução livre, p. 70).
Liberdade
de expressão significa justamente ter de conviver com opiniões
diversas, muitas das quais até mesmo ofensivas. Se formos opinar apenas
com palavras que não ofendam absolutamente ninguém, então acabaremos
todos mudos. Se só formos dialogar com quem pensa estreitamente dentro
de um limite ideológico preestabelecido, então acabaremos sozinhos em
nossos porões existenciais. Quem gosta de unanimidade vigilante e
harmonia forçada são os ditadores. Fica, então, o spoiler para os tiranetes de marshmallows: autoritário mesmo é calar a boca de opositores para não ter de conviver com ideias contrárias.
Cada vez mais, atitudes autoritárias ganham ares e contornos de normalidade social
Como diz o filósofo americano Jonah Goldberg em O Suicídio do Ocidente:
“De fato, a liberdade de expressão não é apenas emocionalmente
dolorosa; ela é uma ameaça à hegemonia ideológica. A política
identitária sempre esteve relacionada à política e à psicologia do
poder. Ao insistir em que algumas perguntas não podem ser feitas e
algumas ideias não podem ser contempladas, o novo clero está exibindo
seu poder. Toda noção de criar ‘espaços seguros’ deve ser entendida como
esforço para controlar certos campos da batalha na guerra cultural” (p.
234).
Quem acredita que criticar uma ideologia seja um crime é um
ditadorzinho enrustido. Não se trata aqui de achar que a liberdade de
expressão seja irrestrita, sem limites jurídicos nem criminais. Cada um é
responsável pelo que diz. Se danos forem causados pela exposição de uma
crítica, a análise e o julgamento devem ser submetidos a uma apreciação
legal, e não ao tribunal de exceção no Twitter.
Cada vez mais,
atitudes autoritárias ganham ares e contornos de normalidade social. Por
exemplo, na terça-feira 2 de novembro, o perfil do Instagram da Revista
Oeste compartilhou meu ensaio da Edição 84, Pequenos ditadores.
Nele, desenvolvo uma reflexão crítica sobre a prostituição da ciência
patrocinada pelos politiqueiros de carreira e jornalistas engajados. Lá,
mostro como a ciência, quando transformada em uma religião inerrante,
acaba se tornando a desculpa fundamental para abissais desumanidades
políticas.
Quando fui compartilhar o post, o Instagram mostrou-me
uma placa de alerta de radioatividade de opiniões contrárias que dizia:
“Verifique se as informações são confiáveis antes de compartilhar”. Ao
que parece, minha opinião não estava naquele hall de ideias
boas e “confiáveis”. Pior ainda, eu havia falado de vacinas sem a
permissão expressa da PPO, do governador João Doria e da Rede Globo.
Neste
ano, quando ainda tinha um perfil no Facebook, a rede social me
notificou por uma antiga postagem. Nela, eu tinha colocado a imagem de
um aborto real, com algumas tarjas para encobrir o assassinato ali
exposto. De fato, era chocante, e essa era exatamente a ideia: chocar
com a própria realidade. No aviso da rede, os moderadores me falavam que
aquela imagem feria as políticas do Facebook, pois era extremamente
exposta, e que minha conta sofreria sanções e emudecimentos a partir
daquele instante. Achei melhor pedir para sair daquela rede.
O
duplo padrão é óbvio, e o cerceamento, evidente. A plaquinha do
Instagram pode parecer algo inofensivo. Mas no fundo é uma tomada de
espaço social e político do indivíduo, uma espécie de adiantamento de
interpretação. Um pop-up de ideias “possivelmente erradas” já é
uma tomada de lado. Tal julgamento, em sociedades maduras e livres, é
uma atitude individual inalienável. A mentalidade profunda que jaz em
uma plaquinha de “alerta para verificação de conteúdo” é que você pode
ser lerdo demais ou não suficientemente maduro para filtrar as ideias
que receberá naquele artigo, ou vídeo, etc. O que são os “checadores de
notícia” se não a terceirização do julgamento individual, além de um
atestado coletivo de incapacidade intelectual para interpretação e
percepção da realidade?
O que deve ficar claro, entretanto, é que o
problema não é exatamente o conteúdo compartilhado em si, mas, sim, as
ideias políticas que sustentam tais postagens, bem como quem as
vocaliza. Se você for progressista e um radical “do lado certo”, tipo o
José de Abreu, você pode cuspir no rosto de uma mulher, pode até ameaçar de espancamento uma deputada. Nada irá acontecer no tribunal do Twitter. A PPO ficará imóvel.
Mas,
se você for conservador, então basta criticar a sanha ideológica
militante da DC Comics e a linguagem neutra, basta expor uma ideia que
diverge da liturgia oficial para que sua carreira profissional, vida
pessoal e sustento financeiro sejam completamente arruinados diante dos
aplausos efusivos das mídias e redes sociais. Peter J. Hasson, em Os Manipuladores: a Guerra do Facebook, Google, Twitter e das Big Techs Contra a Direita,
resumiu bem esse anacronismo de José de Abreu: “Quando você acredita
que o discurso contrário ao seu ponto de vista é uma forma de violência,
você pode justificar a violência real, ou a censura, como uma questão
de autodefesa” (p. 25).
O mesmo autoritarismo de outroraO pós-modernismo é o renascimento da velha tirania. Como dizem Helen Pluckrose e James Lindsay
(liberals sinceros, isto é, progressistas raiz) em Teorias Cínicas:
“Dependendo do ponto de vista, o pós-modernismo se tornou ou deu origem a uma das ideologias menos tolerantes e mais autoritárias com que o mundo tem tido de lidar desde o declínio generalizado do comunismo e os colapsos da supremacia branca e do colonialismo” (p. 8).
Após um
século de ditaduras sanguinárias e genocídios dantescos, todos eles
iniciados unilateralmente a partir da supressão de ideias opositoras, da
criminalização de pensamentos e pontos de vista diversos, voltamos a
praticar tais atos antiliberais com uma roupagem nova, glitters
retóricos, novos salvadores sociais e discursos políticos de inclusão.
Mas o que realmente está por trás dessa maquiagem altruísta são os
filhos remanescentes das ideias tirânicas e atitudes autoritárias do
século 20.
Aqueles que deviam guardar o acervo de liberdade do
Ocidente resolveram ser meretrizes do poder. Em troca da liberdade de
seus netos, escolheram os louvores dos abutres do momento. É tão
vergonhoso quanto assustador assistir à derrocada das liberdades
fundamentais dos indivíduos e testemunhar a olho nu o esfolamento
público da liberdade de expressão em todos os seus níveis. Piora muito
ainda se pensarmos que tudo está seguindo esse curso funesto sob a
bênção da Suprema Corte, e diante dos olhos impassíveis dos homens das
redações.
O absurdo, o socialmente inaceitável se verteu em
abnegação progressista, em heroísmo moderno. Excluem do debate em nome
do diálogo, calam opositores em nome da liberdade, cancelam divergentes
em nome da inclusão. O progressismo é o mesmo autoritarismo de outrora.
Mudaram os discursos, as cores dos uniformes e bandeiras, as marchas e
até as justificativas. Mas a mentalidade ditatorial se mantém a mesma.
Os
cancelamentos promovidos pelos militantes progressistas, assistidos e
catequeticamente seguidos pelas grandes empresas (tais como Fiat e
Gerdau), são cada vez mais radicais.
O que antes era isolamento e
exclusão das redes, agora começa a ser linchamento virtual e pressões
públicas para demissões.
Em suma, involuímos, para a real inviabilização
do sustento daqueles que expõem ideias que não se encaixam no index político-religioso dos novos salvadores sociais.
É
bizarro assistir, de novo, ao início de tais ideias, políticas e leis
antiliberais, principalmente porque sabemos aonde tudo isso vai findar.
Não se trata de ter pensamentos apocalípticos, ser conspiracionista ou
qualquer coisa do tipo. Mas, se tivermos o mínimo de senso histórico, e a
capacidade razoável de entender o conceito de causa e efeito,
perceberemos que o que se desenha hoje em nosso horizonte é a semente
daquilo que colocou a sensatez política e a humanidade de quatro no
século passado. Estamos realmente preparados para enfrentar de novo os
fantasmas do século 20?
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