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terça-feira, 7 de junho de 2022

Lula está com medo das ruas? Por que o petista tem evitado eventos abertos ao público

A pré-campanha PT tem evitado que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participe de eventos abertos ao público e na rua.Isso tem sido usado por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) para criticar Lula. Os aliados do atual presidente dizem que Bolsonaro não tem "medo" das ruas, pois ele com frequência participa de eventos abertos, tais como motociatas e marchas evangélicas.

A ausência de Lula em eventos abertos ao público e nas ruas foi discutida recentemente durante reunião da coordenação de partidos que apoiam a candidatura do ex-presidente. A avaliação, segundo dirigentes partidários, é de que a segurança de Lula e do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), indicado como vice na chapa, deve ser reforçada.

No encontro, Lula demonstrou desconforto com a situação e rechaçou a possibilidade de fazer campanha apenas pelas redes sociais. Mesmo com a resistência de Lula, integrantes do partido pressionaram para que, ao menos neste período de pré-campanha, as agendas ocorram em ambientes com controle de segurança.

Nesta semana, por exemplo, um ato público que estava previsto para ocorrer no Rio Grande do Sul foi transferido da Rua da Praia, uma das vias mais movimentadas de Porto Alegre, para um ambiente fechado. Paralelamente, o PT também alegou "questões de logística" para adiar uma agenda que Lula iria cumprir em Santa Catarina depois da passagem pelo Rio Grande do Sul. Em nota, o presidente estadual do PT, Décio Lima alegou que não "foi possível reservar locais adequados" e as "condições climáticas de Florianópolis não recomendavam um ato público em local aberto".

"A equipe do [ex-]presidente, que já estava no local para preparar a agenda, constatou a impossibilidade das questões climáticas para fazer em lugares abertos", informou Lima. Além disso, o PSB decidiu recomendar o adiamento devido à falta de consenso acerca do candidato ao governo estadual da coligação. No estado, o senador Dario Berger (PSB) e Décio Lima postulam o posto.

Incidentes na segurança de Lula deram alerta sobre eventos abertos
A  preocupação com a segurança do ex-presidente tem sido alvo de debates dentro dos quadros do PT ao menos desde o começo deste ano, quando as agendas públicas se intensificaram. No lançamento oficial da pré-candidatura, em São Paulo, o PT exigiu credenciamento de todos os presentes e usou detectores de metal para acesso das 4 mil pessoas que participaram do evento.

Na semana seguinte, durante uma agenda em Campinas, no interior de São Paulo, o carro em que o ex-presidente estava foi cercado por um grupo de pessoas que hostilizava o petista. Dias antes, durante a participação de Lula em um ato do acampamento indígena Terra Livre, em Brasília, o carro em que ele estava ficou parado no meio da multidão por alguns minutos sem avançar. Os poucos seguranças privados não conseguiam abrir caminho para que o veículo passasse e o ex-presidente não baixou o vidro do carro para falar com apoiadores.

Recentemente, durante sua passagem por Minas Gerais, Lula foi alvo de protestos por parte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Depois, em Juiz de Fora, também em Minas, uma das agendas teve de ser alterada também por causa de protestos de opositores ao petista.

Por ser ex-presidente, Lula conta com apoio de agentes da Polícia Federal. E, em eventos abertos, costuma ter também o reforço de seguranças privados. Além disso, de acordo com o PT, as polícias militares costumam ser acionadas nos estados em que o petista tem cumprido agendas nas últimas semanas.

Integrante da coordenação de campanha de Lula, o deputado Rui Falcão (PT-SP) afirma que, apesar da preocupação com a segurança do petista, não é necessário criar pânico nem intimidar as pessoas. "É apenas uma coisa natural; Lula é uma pessoa muito visada. Ele conta com segurança profissional e naturalmente também o apoio da militância mais organizada", disse o petista ao jornal Folha de S.Paulo.

PT também quer evitar questionamentos da Justiça Eleitoral
Além da questão de segurança, a equipe do ex-presidente teme problemas com a Justiça Eleitoral se Lula participar de eventos públicos antes de a campanha eleitoral efetivamente estiver autorizada. Na avaliação dos integrantes petistas, neste momento atos abertos podem ser classificados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como campanha antecipada.

No mês passado, o PL, partido do presidente Bolsonaro, entrou com uma representação contra o PT por causa da participação de Lula no ato das Centrais Sindicais no Dia do Trabalho, em São Paulo. Na avaliação do PL, a cantora Daniela Mercury, que cantou no evento, entoou o slogan de campanha de Lula, enquanto balançava uma bandeira com o rosto do petista. "Ato contínuo, em verdadeiro ato de campanha antecipada ilícita, diz: 'Quem não votar pra Lula vai estar votando contra os trabalhadores, contra os artistas, contra o país, contra a Amazônia, contra tudo que a gente acredita e vem construindo democraticamente para esse país'", diz um dos trechos da representação. [essa cantora teve algum sucesso na década de 90, agora sua influência é insignificante.]

 O que diz a comissão do TSE sobre as tentativas de “hackear” as urnas

Publicamente, Lula rechaça a possibilidade de reduzir as agendas públicas por causa de questões de segurança e tem pedido para a militância petistas evitar embates com os apoiadores do presidente Bolsonaro. De acordo com o petista, ele irá rodar o país em agendas abertas a partir do momento que a campanha estiver liberada. Oficialmente, a campanha eleitoral vai começar em 15 de agosto. "Tem gente que acha que não precisa mais fazer campanha com comício, é só pela rede social. Quem quiser ficar na rede social, que fique. Eu vou viajar o Brasil, quero conversar com o povo brasileiro", disse Lula em evento um do partido Solidariedade no mês passado.

Polícia Federal vai reforçar segurança dos presidenciáveis
Na última terça-feira (31), a Polícia Federal apresentou um esquema inédito para reforçar a segurança dos presidenciáveis durante a campanha deste ano. O modelo apresentado envolve a criação de um grupo de inteligência de segurança dos candidatos e a definição de uma metodologia para identificar os riscos contra cada candidato.

De acordo com a corporação, ao menos 300 policiais federais serão designados para cuidar da segurança dos candidatos a presidente. Os agentes já trabalharam em eleições passadas ou em grandes eventos recentes, como a Copa do Mundo e a Olimpíada do Rio de Janeiro. Além disso, todos os profissionais passarão por um curso específico para exercer essa função.

Ao todo, serão investidos R$ 57 milhões para custear o esquema especial de segurança. Desse total, cerca de R$ 25 milhões serão gastos com o custo operacional (logística, diárias) e R$ 32 milhões com a compra de equipamentos. A PF informou ainda que adquiriu 71 veículos blindados para uso dos presidenciáveis. "É notório que vai ser uma eleição que até o momento está muito polarizada, mas isso não implica em dizer que é uma eleição de maior risco. Mas estamos preparados para realizar o trabalho mesmo em um ambiente de muitas paixões", informou Sandro Avelar, diretor-executivo da PF.

Gazeta do Povo -  eleicoes 2022


quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Não pode haver inteligência livre

Alexandre Garcia

O Brasil acaba de perder um de seus maiores poetas.  foi embora na sexta-feira, com 95 anos. Deixou para nós o seu maior poema, Os Estatutos do Homem, escrito em 1964, hoje atualíssimo, nesses tempos estranhos. "Fica decretado que agora vale a verdade", é seu primeiro verso. 
Vivemos tempos em que se decretam qual é a verdade e qual é a mentira, retirando da consciência julgadora de cada um o direito de avaliar o que é o quê. "Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira", proclama o poeta no art. V. Mas a mentira é um jugo que escraviza quem prefere não pensar, apenas aceita qualquer mentira porque é mais fácil se deixar conduzir.

No art. XII, "decreta-se que nada será obrigado". Nesses estranhos dias que vivemos, parece que tudo é obrigado, até o veto das palavras que não permitem que você ponha na sua própria boca. Escolhem as palavras da sua boca! Parafraseando outro poeta, Eduardo Alves da Costa, primeiro escolhem palavras que você deva pronunciar, e você permite. Depois põem frases completas na sua garganta, e você cede. Quando semearem ideias inteiras no seu pensamento, você não pode fazer mais nada, porque já não pode pensar. E você deixa de ser uma pessoa, para ser uma peça descartável do coletivo.

Como se opera isso? No art. XIII, Thiago de Mello registra "o grande baú do medo". Essa é a arma que abre as defesas do indivíduo. O medo enfraquece, paralisa. Ameaça-se com um grande mal que paira sobre todos, já covas abertas e caixões prontos para receber o seu cadáver. Mas se você obedecer, para o seu bem, poderá ser salvo, desde que entregue a sua liberdade, se una à multidão dos que transferiram seu destino a grandes condutores de massas.

Não pode haver inteligência livre. Os rebeldes são alvo do denuncismo, os que demonstrarem teses contrárias são censurados, banidos para o limbo. O livro 1984, de George Orwell, escrito em 1949, é profético, mostrando o que acontece num país totalitário chamado Oceania. Até o nome foi um prognóstico, diante das atuais anulações de liberdades na Austrália. Ironicamente, ontem fez 234 anos que lá chegaram 736 condenados ingleses para colonizar aquela terra sob a égide da liberdade.

Vivendo como condenados em um regime sem liberdades, mais de 280 mil venezuelanos já regularizados no Brasil fugiram de sua pátria, de sua própria terra natal. Ao acolhê-los, oferecemos liberdade. A mesma que precisamos legar a nossos filhos e netos. O artigo final dos Estatutos do Homem estabelece que será suprimida a palavra liberdade dos dicionários e do "pântano enganoso das bocas", porque a morada da liberdade "será sempre o coração do homem". Mas a premonição literária dos poetas e escritores aqui citados é hoje uma perigosa realidade ganhando corpo. Não podemos nos omitir de reconhecer que cada um de nós está desempenhando um papel, por ação ou inércia, nesses tempos que já foram apenas ficção. [Excelente artigo; aqui no Blog consideramos amparar refugiados um DEVER CRISTÃO. 
Só que preservar a vida é um DEVER CRISTÃO MAIOR e a generosidade com que o Brasil recebe os venezuelanos, não é suficiente para que um FATO seja esquecido: cada venezuelano que consegue emprego no Brasil é mais um brasileiro desempregado a permanecer na miséria.
Não é possível ajudar estrangeiros sacrificando os nacionais.]
 
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense

domingo, 16 de janeiro de 2022

A preservação das liberdades - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

A administração Biden segue a passos largos em várias frentes na tentativa de desvirtuar os pilares democráticos norte-americanos 

Depois da eleição presidencial de 2018, o brasileiro começou a entender — pra valer — a real atuação do Supremo Tribunal Federal
Foi-se a era de sabermos de cor a escalação da Seleção Brasileira de Futebol. 
O povo se apaixonou por política e hoje sabe de cabeça os nomes, sobrenomes, apelidos e decisões dos ministros do STF.
 O ativismo da nossa mais alta Corte, até então apenas suspeito e bem disfarçado na maior parte do tempo, foi exposto na clara luz do dia. As dúvidas sobre a militância do tribunal deixaram de existir e hoje sabemos que a atual escalação do STF não gosta de jogar na esfera institucional.
 
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos | Foto: Shutterstock
       
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos - Foto: Shutterstock

Juízes com grande poder de decisão. Decisões fora de sua área de atuação. Esse era um medo que aterrorizava os Pais Fundadores dos Estados Unidos. Homens não eleitos que poderiam decidir o que quisessem sem a chateação de ter de ouvir “os representantes do povo”. A Revolução Americana, nascida na opressão de decisões britânicas de taxar os colonos na América sem a devida representatividade no Parlamento (“No taxation without representation”), forjou uma nação com pilares sedimentados na desconfiança de decisões de homens sem votos. Os filtros do sistema político americano que evitam tais aberrações foram estudados e descritos por homens que entenderam que, em um justo sistema de freios e contrapesos em uma república, um Poder não pode — jamais — ferir as leis e atuar com maior peso sobre outro.

Há mais de 230 anos, Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, três dos Pais Fundadores Americanos, publicaram uma série de ensaios promovendo a ratificação da Constituição dos Estados Unidos, conhecidos como Federalist Papers. Ao explicar a necessidade de um Judiciário independente, Alexander Hamilton observou no Federalist número 78 que os tribunais federais “foram projetados para ser um órgão intermediário entre o povo e sua legislatura”, a fim de garantir que os representantes do povo agissem apenas dentro da autoridade dada ao Congresso nos termos da Constituição. Em um trecho do Federalist número 78, publicado em 1788 como parte de um dos documentos mais importantes da era fundadora da nação mais próspera do mundo, Alexander Hamilton é incisivo:  
Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar isso seria afirmar que homens, agindo em virtude de poderes, podem fazer não apenas o que seus poderes não autorizam, mas o que eles proíbem. (…) É mais racional supor que os tribunais foram concebidos para ser um órgão intermediário entre o povo e o Legislativo, a fim de manter este último dentro dos limites atribuídos à sua autoridade. A interpretação das leis é da competência própria e peculiar dos tribunais (…) A Constituição deve ser preferida à lei, à intenção do povo, à intenção de seus agentes. Nem esta conclusão supõe, de modo algum, uma superioridade do Poder Judiciário sobre o Legislativo. Supõe apenas que o poder do povo é superior a ambos; e que, onde a vontade do Legislativo, declarada em seus estatutos, se opõe à do povo, declarada na Constituição, os juízes devem ser governados por este e não pelo primeiro. Eles devem regular suas decisões pelas leis fundamentais, e não pelas que não são fundamentais”.

Os Pais Fundadores da América dedicaram anos de suas vidas estudando as falhas e os acertos de sistemas políticos até chegarem à sua Constituição, documento único com mais de 230 anos e apenas 27 emendas. No entanto, por mais que esses homens estivessem imersos na proposição de desenhar um sistema justo e sólido, pequenas imperfeições foram inevitáveis. Até na Corte Suprema, estritamente constitucional, momentos de puro ativismo podem acontecer. Como na manobra militante de 1974 que legalizou o aborto no país, no emblemático caso Roe v. Wade, mencionado em alguns de meus artigos aqui em Oeste. E há outro ponto dentro desse raro, porém existente e importante, ativismo judicial na América. O uso de agências regulatórias, que podem ter ações com poder de lei na ausência de legislações específicas.

Em Chevron v. National Resources Defense Council (1984), a Suprema Corte americana decidiu criar a doutrina de que os tribunais normalmente devem ceder às agências governamentais quando a linguagem de uma lei é ambígua. O conceito de “deferência Chevron” surgiu das interpretações concorrentes da Lei do Ar Limpo (Clean Air Act), entre as administrações de Jimmy Carter e Ronald Reagan. Em 1977, o Congresso alterou a Lei do Ar Limpo após críticas de que o governo não cumpria os padrões de qualidade do ar estabelecidos pela Agência de Proteção Ambiental (EPA).

A lei alterada exigia que os Estados que não atendiam às especificações teriam de estabelecer um programa de licenças regulando “fontes estacionárias novas ou modificadas” de poluição do ar. Em grande parte, a definição de “fontes estacionárias” ficou intacta sob as emendas de 1970 à Lei do Ar Limpo, que se referia a “qualquer edifício, estrutura ou instalação que emite ou possa emitir qualquer poluente do ar”. O problema é que as administrações Carter e Reagan não concordavam com a definição de “fontes estacionárias”.

Em um ano na Casa Branca, o atual presidente já encara preocupantes números de aprovação

Em 25 de junho de 1984, o juiz da Suprema Corte John Paul Stevens redigiu a decisão unânime da Corte que considerou a revisão judicial da interpretação de uma lei por uma agência. Se o Congresso não se manifestou diretamente sobre a questão específica, a interpretação da agência podia ser baseada em uma construção permissível da lei. No caso da Chevron, as emendas de 1977 deixaram à agência o poder de interpretar a linguagem ambígua da lei. O juiz Stevens argumentou que não havia uma intenção clara na história legislativa das emendas de 1977 para obter uma definição nítida de “fontes fixas ou estacionarias”, e, onde a linguagem não era precisa na questão de sua aplicação, as agências tinham experiência além do Congresso para promover a flexibilidade em administrar uma legislação importante.

Eu sei, parece um caso saído de um livro do Barroso. Agora imaginem os Pais Fundadores da América ouvindo que juízes deram o poder de interpretar legislações às agências reguladoras! Administradores que nunca receberam um voto de cidadãos americanos. E Chevron v. National Resources Defense Council acabou se tornando a porta para que outras agências administrativas adquirissem mais e mais poder, muitas vezes sendo usadas pelo próprio Executivo, que, se não conseguir conversar com as Casas Legislativas, pode assinar ordens executivas absurdas e até inconstitucionais. Como Joe Biden.

Em um ano na Casa Branca, o atual presidente já encara preocupantes números de aprovação (uma nova pesquisa da Quinnipiac University mostra queda de 36% para 33% nesta semana), para quem ainda deveria estar gozando da “lua de mel” com o eleitorado. Biden começou o ano de 2021 anunciando que jamais obrigaria as pessoas a se vacinar contra a covid, e que sua administração “erradicaria” o vírus. Bem, de acordo com vários imunologistas sérios, como o doutor Zeballos, no Brasil, e o doutor Martin Kuldorff, aqui nos EUA, o vírus não vai a lugar algum tão cedo. Ele pode até ser atenuado por variantes como a Ômicron, que traz alta transmissibilidade e baixíssima letalidade, mas está longe de ser “erradicado”, como declarou o democrata.

Sobre o passaporte sanitário fascista de uma vacina ainda em desenvolvimento, Biden também não cumpriu sua promessa. E, usando exatamente uma agência regulatória, a Osha (Occupational Safety and Health Administration), seu governo baixou uma ordem exigindo que empresas com mais de 100 empregados obrigassem seus funcionários a se vacinar. De acordo com a ordem, Joe Biden teria poder regulatório para emitir um mandato médico em prol da saúde pública e do “bem comum”. Muitos Estados, empresas e organizações sem fins lucrativos desafiaram a regra imposta pela Osha e foram para os Tribunais de Apelação em todo o país. Em novembro do ano passado, o Tribunal de Apelações do Quinto Circuito bloqueou totalmente a ordem draconiana do democrata e jogou o problema para a Suprema Corte.

Colhendo os frutos
Sempre é bom lembrar que a eleição presidencial norte-americana de 2016, entre Donald Trump e Hillary Clinton, não foi histórica apenas pela digital da polarização política. A escolha não era nada fácil, já que na cédula havia o nome de dois candidatos que não eram muito queridos nem pelos eleitores nem por seus partidos. No entanto, mais uma vez, o pragmatismo do norte-americano entrou em cena na eleição e, junto com ele, o famoso “single issue voter”, ou algo como “eleitor de questão única”. Para eles, havia apenas uma razão, um único motivo para eleger Donald Trump: a indicação de dois ou mais juízes para a poderosa Suprema Corte Americana.

Donald Trump ficou quatro anos na Casa Branca e conseguiu deixar uma marca inigualável. Além de um número surpreendente de indicações de juízes conservadores para as Cortes Superiores e distritos federais, Trump colocou três juízes constitucionalistas na Suprema Corte. Para aqueles que taparam o nariz e votaram no bufão laranja por uma única questão, a colheita chegou ontem, quinta-feira, 13 de janeiro de 2022. Em uma votação histórica, a Scotus bloqueou a ordem de vacinação para todas as empresas privadas que possuem 100 ou mais empregados, escrevendo em sua decisão: “O secretário (de Saúde) ordenou que 84 milhões de americanos tomassem uma vacina contra a covid-19 ou se submetessem a exames médicos semanais à sua própria custa. Este não é um ‘exercício cotidiano do Poder Federal’”.

A opinião final da Corte também observa que o Congresso nunca decidiu dar à Osha o poder de regular a vida dos norte-americanos: “Embora a covid-19 seja um risco que ocorre em muitos locais de trabalho, não é um risco ocupacional na maioria”. A decisão observa a falta de “precedentes históricos” da agência governamental Osha na emissão de amplas regulamentações de saúde e alerta: “Permitir que a Osha regule os perigos da vida cotidiana — simplesmente porque a maioria dos americanos tem empregos e enfrenta esses mesmos riscos enquanto estão trabalhando — expandiria significativamente a autoridade regulatória da Osha sem autorização clara do Congresso”.

O juiz Neil Gorsuch, um dos apontados por Donald Trump, concordou que o Congresso não deu à Osha o poder de regular a vida diária nem as liberdades de milhões de norte-americanos, e foi enfático: “A questão diante de nós não é como responder à pandemia, mas quem detém o poder de fazê-lo. A resposta é clara: de acordo com a lei atual, esse poder é dos Estados e do Congresso, não da Osha. Ao dizer isso, não impugnamos as intenções por trás das ações de ordens da agência. Em vez disso, apenas cumprimos nosso dever de fazer cumprir as exigências da lei quando se trata da questão de quem pode governar a vida de 84 milhões de norte-americanos. Respeitar essas exigências pode ser difícil em tempos de estresse. Mas, se este Tribunal as cumprisse apenas em condições mais tranquilas, as declarações de emergência nunca terminariam, e as liberdades que a separação de Poderes da nossa Constituição procura preservar seriam poucas”, concluiu Gorsuch, mostrando o motivo pelo qual os eleitores com apenas uma razão para votar Trump comemoraram a decisão nas redes sociais.

Mas não pensem que não há juízes ruins na Corte Suprema Americana. Os juízes indicados por democratas, Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan, não apenas discordaram da decisão e queriam que o governo federal violasse o próprio federalismo americano, diminuindo a autonomia dos Estados e do Congresso. Também cometeu gafes (mas pode chamar de fake news) do nível do nosso STF.

A juíza Elena Kagan sugeriu que tomar a vacina reduz totalmente a propagação do vírus, uma alegação duvidosa que é contestada pelo número quase fora de controle de novos casos em todo o mundo. A opinião de Kagan é que “esta é a política mais correta para acabar com tudo isso que está aí”. O juiz Stephen Breyer ecoou o sentimento de Kagan de que a vacina — ainda em desenvolvimento — impediria a propagação do vírus no local de trabalho. Ele disse que o argumento das empresas de que centenas de milhares de pessoas deixariam a força de trabalho devido à vacinação forçada, prejudicando a já em dificuldades economia dos EUA, é discutível, porque “mais pessoas podem renunciar a seus postos quando descobrirem que precisam trabalhar em conjunto com outros não vacinados”, disse Breyer, antes de sugerir que um mandato de vacina eliminaria os casos de covid nos EUA.

Até o próprio CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) admitiu que a vacina não bloqueia a transmissão da covid, mas isso não impediu que os juízes continuassem a alegar que as vacinas eram eficientes para conter a propagação do vírus. O juiz Breyer também usou repetidamente o aumento do número de casos após o surgimento da variante Ômicron para justificar a manutenção do mandato da Osha e afirmou que houve “750 milhões de novos casos ontem”, apesar de a população dos EUA ser menos da metade desse número.

O presidente eleito em 2022 indicará para o Supremo Tribunal Federal dois ministros em 2023

Os exemplos, dados e fatos não reprimiram as falácias vindas dos juízes progressistas, como Sotomayor, que passou a afirmar que a covid é um “risco grave” para “pessoas de todas as idades e condições”, e que pessoas não vacinadas têm potencial destrutivo para si mesmas e para os outros, inclusive os vacinados. Ela, junto com Breyer, também afirmou, de forma bizarra e sem a menor responsabilidade, que “os hospitais estão quase todos com capacidade total”, o que não é verdade, e mentiu que mais de 100.000 crianças estão hospitalizadas com covid e em respiradores. Faltou combinar com os dados oficiais: de acordo com o atual censo nacional de covid pediátrico, esse número é de 3.342 crianças internadas, a maioria de maneira incidental.

Mesmo com uma derrota histórica ontem e com uma decisão importantíssima para a preservação das liberdades que sustentam o Ocidente, a administração Joe Biden segue a passos largos em várias frentes na tentativa de desvirtuar os sólidos pilares democráticos norte-americanos
Com uma atual Suprema Corte, com maioria conservadora, que vê na letra fria da lei o único norte possível (nessa decisão sobre a Osha, o placar final foi de 6 a 3), democratas tentam aumentar o número de juízes do tribunal para 11 ou até 13 membros; tentam acabar com a ferramenta de fillibuster no Senado, manobra que daria ao partido de Biden o poder de passar leis com maioria simples (e não os 60 de 100 senadores necessários para votações importantes); além das inúmeras tentativas de “federalizar” as eleições e tirar o poder e o importante filtro de segurança colocado pelos Pais Fundadores da América.
 
Em 2022, a agenda nefasta da esquerda radical, que também está presente nos Estados Unidos, vai tentar seguir um caminho ainda mais violento; na América e no mundo. Neste ano, temos uma eleição-chave para o nosso futuro no Brasil. 
O presidente eleito em 2022 indicará para o Supremo Tribunal Federal dois ministros em 2023. Que o caminho que os norte-americanos pragmaticamente decidiram trilhar em 2016 nos ensine que resultados eleitorais são também colhidos com o tempo.

A agenda democrata tentou seguir um caminho muito bem pavimentado, de maneira quase perfeita, por Obama. De acordo com a velha imprensa e os institutos de pesquisas, Hillary seria eleita presidente em 2016 em todos os cenários. Faltou combinar com o eleitor.

Leia também “E se o governo mandasse o STF passear?”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


domingo, 17 de outubro de 2021

Soropositivos 'indetectáveis' reescrevem história do HIV - O Globo

Adriana Mendes

Diferentemente dos pacientes que nos anos 1980 e 1990 viam o vírus como sentença de morte, eles levam uma vida saudável, mas ainda precisam lidar com estigmas 

A escritora Thaís Renovatto, de 38 anos, trabalha na área de marketing de uma multinacional. DJ nas horas vagas, ela se apaixonou pelo marido em uma das festas que organizou para os amigos do escritório. Em pouco tempo, estavam casados e eram pais de duas crianças. Hoje, Thaís se divide entre tarefas profissionais, da casa e da vida em família. Uma vida que pode parecer comum, mas traz uma história especial narrada em seu livro “Cinco anos comigo”: Thaís faz parte da geração de “indetectáveis” que carregam o vírus do HIV, mas em carga tão baixa que a infecção não se manifesta nem é transmissível. Diferentemente dos pacientes que, nos anos 1980 e 1990, viam o vírus como sentença de morte, eles levam uma vida com cuidados, mas saudável e, sobretudo, feliz.

Após descobrir que havia sido infectada pelo ex-namorado, em 2014, Thaís transformou sentimentos de revolta e medo em perdão. A terapia fez voltar a confiança. Um comprimido ao dia mantém o resto de sua rotina normal. Thaís e o marido Rodrigo são “sorodiferentes” — ela tem o vírus; ele não —, mas a diferença nunca foi problema. Os filhos, nascidos após a infecção, não são soropositivos.  — Engravidei de forma natural. Procurei me aceitar e comecei a me abrir para as pessoas. Daí, já não estava mais preocupada com o preconceito — diz a escritora, que na gestação tomou cuidados especiais e não amamentou, seguindo o protocolo médico.

Naufrágio no Pantanal:  Sobe para seis número de mortos

Hoje, além de tomar regularmente medicamentos antirretrovirais, garantindo que a carga viral se mantenha indetectável, ela se examina a cada oito meses, para acompanhamento: — Hoje em dia não uso preservativo com meu marido. A gente tem um relacionamento fechado, fomos ao médico, que nos orientou, e decidimos isso.

(...........) 

 Os “indetectáveis” escrevem um novo capítulo na história da doença. Cada vez mais o HIV é tratado como uma patologia crônica. Em 1977, a médica dinamarquesa Margrethe Rask, que esteve na África investigando o Ebola, foi a primeira a morrer com uma pneumonia após desenvolver “quadro clínico estranho”. A epidemia explodiu nos anos 1980. No Brasil, uma imagem marcante foi a de Cazuza, levado pela doença aos 32 anos, no auge da carreira musical. Casos eram associados erroneamente à sexualidade.

Em O Globo - Brasil - MATÉRIA COMPLETA

 

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

As verdadeiras lições olímpicas - Ana Paula Henkel

Revista Oeste
 

Simone Biles é o reflexo da atual sociedade, que enaltece quem chora mais, quem se vitimiza e quem se ofende por tudo

Entramos em mais uma Olimpíada. De quatro em quatro anos vivemos, através das lentes dos fotógrafos e das telas de TV, acontecimentos que mexem emocionalmente com milhões de famílias pelo mundo. A torcida por seu país, histórias de superação, derrotas inesperadas, vitórias extraordinárias. Se o mundo dos esportes é fascinante, o dos esportes olímpicos é hipnotizante.

Todo atleta olímpico tem sua história, e ela é única. Caminhos parecidos entre atletas podem até se esbarrar, mas jamais serão iguais. Família, treinamentos, técnicos, escola, relacionamentos, contusões, traumas, tudo tem um peso diferente para cada atleta. É difícil estabelecer certezas nas muitas vias que cada um percorre até chegar a uma Olimpíada, mas é exatamente nas poucas e profundas similaridades entre nós que percebemos que existe algo em comum entre todos os que estão ali.

Como ex-atleta olímpica pelo Brasil em quatro edições dos Jogos, não tenho resposta para as centenas de perguntas que chegam até mim nesta época. Como mencionei, cada história é única, mas creio que posso afirmar uma ou duas coisas sobre esse mundo. Às vezes, assistindo aos Jogos com a família, os filhos perguntam “Como você sabia que isso ia acontecer, que ele erraria?”, “Como você sabia que ela recuperaria?”. A resposta é: não sei. Talvez algo no olhar, na linguagem corporal, alguma intuição por já ter estado lá e saber, na pele, o que pode estar passando naquele momento na cabeça daquele atleta. Todos nós ali já vivemos um turbilhão de emoções: medo, alívio, dor, alegria, decepção, dúvida, entorpecimento pela glória, humilhação pela queda.

Meu primeiro contato com os Jogos Olímpicos, e as emoções que eles podem trazer, foi em 1980, na Olímpiada de Moscou.  
No interior de Minas, em Lavras, lá estava a menina de 8 anos, aos prantos, assistindo à cerimônia de despedida daqueles Jogos com o inesquecível ursinho Misha, que também derramava uma lágrima numa coreografia feita pelo próprio público nas arquibancadas. 
Ali foi apenas o começo de um longo namoro e casamento com o esporte. Eu mal podia esperar pela próxima edição, e logo veio a Olimpíada de Los Angeles, em 1984, que nos deu a geração de prata no vôlei masculino num jogo inesquecível contra os donos da casa. 
Mas aquela Olimpíada me deu muito mais do que o amor necessário para querer defender o Brasil jogando vôlei. Ela me deu Gabriela Andersen. E eu nunca mais fui a mesma.
 
[Gabriela Andersen e
Kerri Strug, lições de coragem, espírito esportivo, respeito à equipe,  patriotismo...] 
 

Assim como as reuniões de família nesta semana para assistir aos eventos esportivos de Tóquio, em 1984 estávamos todos em casa diante da TV para acompanhar a chegada da maratona feminina. Foi quando Gabriela Andersen, da Suíça, entrou no Coliseu de Los Angeles e mudou para sempre minha alma de atleta. 
Ninguém se lembra quem foi ouro, prata ou bronze naquela prova, mas todos se lembram de Gabriela Andersen.

Os 30 graus centígrados de calor e umidade de agosto em Los Angeles estavam insuportáveis e longe das condições ideais para uma maratona. Além disso, Gabriela, de alguma forma, havia perdido a estação de água no caminho. Muito desidratada, a maratonista entrou no estádio olímpico quase tropeçando nas próprias pernas. Ela se inclinava desajeitadamente para a esquerda e para a direita, cambaleando através das raias da pista. Foi uma visão desesperadora para os espectadores nas arquibancadas e para os espectadores em todo o mundo que seguiam a prova pela TV. Milhares de pessoas assistiam atônitas àquela cena e torciam para que ela não desabasse. Diante daquela imagem emocionante e agonizante, o estádio inteiro, agora de pé, começou a incentivar Gabriela a completar a prova.

Seu marido, Dick Andersen, acompanhava angustiado das arquibancadas, enquanto os oficiais e médicos caminhavam ao lado dela perguntando sobre sua condição. Em entrevistas, Gabriela lembra que essa era a primeira maratona feminina em Olimpíadas e recorda o que dizia a si mesma: “’Tente continuar correndo’. ‘Tente ficar ereta’. Mas meus músculos simplesmente não respondiam e tudo se deteriorou nos últimos 400 metros. Nesse ponto, apenas pensei: ‘Estou na Olimpíada, não pare!’.”

Enquanto ela cambaleava, os gritos de incentivo de milhares de espectadores ficavam cada vez mais altos. “Lembro-me claramente dos aplausos e do barulho. Foi simplesmente incrível. Estava muito alto. Não esperava algo assim. Isso provavelmente me manteve de pé também!” No dia 23 de agosto de 1984, em Los Angeles, depois de 2 horas, 24 minutos e 52 segundos, Gabriela Andersen finalmente alcançou a linha de chegada, caindo nos braços de três médicos que a carregaram para fora da pista.

No mesmo 23 de agosto de 1984, em Minas Gerais, uma menina de 12 anos está quase sem conseguir respirar diante da TV, com os olhos cheios de lágrimas e hipnotizada por aquele momento. Uma única coisa passava pela minha cabeça: “Agora eu entendi”. Eu havia sido engolida pelo verdadeiro espírito olímpico.

[Simone Biles, uma lição de egoísmo,  falta de espirito esportivo, falta de solidariedade, covardia...]

Como em toda Olimpíada, um drama marcou Tóquio nesta semana. A superestrela da ginástica e atual campeã olímpica Simone Biles desistiu da competição individual geral dos Jogos para se concentrar em seu “bem-estar mental”. 
 A decisão veio um dia depois que Simone se retirou da final de equipe após uma apresentação bem abaixo do esperado no salto.
 Ao falar para a imprensa, ela citou sua saúde mental como o motivo. Ao comunicar a saída de sua maior estrela, a federação norte-americana de ginástica disse em um trecho da nota oficial: “Após uma avaliação médica adicional, Simone Biles retirou-se da competição individual geral final. Apoiamos de todo o coração a decisão de Simone e aplaudimos sua bravura em priorizar seu bem-estar. Sua coragem mostra, mais uma vez, por que ela é um modelo para tantos”.
Posso até entender a decisão de Simone. Dramas psicológicos no mundo esportivo, principalmente no universo da alta performance, não são raros. As pressões são muitas, eu sei. Não conheço as condições psicológicas da atleta e o que, de fato, a levou a tomar essa decisão. Posso tranquilamente me solidarizar com suas possíveis batalhas internas, e espero que ela saia desse redemoinho mental que, muitas vezes, pode ser perigoso. Dito isso, meu problema com essa situação é outro. O primeiro é o fato de que Simone não competia sozinha
Ela fazia parte de uma equipe que dependia dela, que se preparou e treinou durante anos para este momento. 
Com sua decisão, a atleta não prejudicou apenas o seu caminho. Respeitaria muito mais as suas palavras se elas fossem suportadas com o ônus de uma decisão individual.  
Simone não fez isso. Depois da performance com notas baixas na qualificação, ela desistiu. A melhor ginasta do elenco dos EUA, uma das atletas olímpicas norte-americanas mais festejadas de todos os tempos, optou por abandonar seu time no meio da final. 
Suas companheiras de equipe perderam o ouro e terminaram em segundo, atrás da lendária rival na ginástica, a arqui-inimiga Rússia. Medo do fracasso?

Na coletiva, com as companheiras tentando mostrar algum apoio, mas ainda com os olhos arregalados e um pouco perdidos, Simone Biles reclamou que a Olimpíada não foi “divertida” neste ano: “Estes Jogos Olímpicos, eu queria que fossem para mim mesma quando entrei e eu senti que ainda estava fazendo tudo isso para outras pessoas”. Mais tarde, ela disse que é importante “colocar a saúde mental em primeiro lugar” porque, se não o fizer, “você não vai gostar do seu esporte” e reclamou da “pressão” que está sofrendo.

Sinceramente? Não há nada de terrivelmente surpreendente nas razões que ela apresentou. A pressão a que está submetida uma atleta mundialmente famosa em um palco global é bastante pesada, tanto no nível emocional quanto no físico. Não é um crime desistir sob pressão, mas quando isso se tornou algo para ser admirado com profunda reverência? Esse é meu segundo problema em todo esse evento.

Se Simone Biles tivesse desistido da competição em equipe e se desculpado após o fato, com um pouco mais de humildade, talvez o público reagisse de outra maneira e o assunto seria encerrado. É difícil competir em Olimpíadas. Todos nós temos, uma vez ou outra, vontade de desistir de tudo. É por isso que, quando alguém desiste, normalmente balançamos a cabeça e dizemos: “Que pena, sinto muito”, e seguimos em frente com nossa vida.

Vitória não é apenas vencer os adversários e abraçar a glória, é superar os próprios limites

O problema é que agora somos exortados a não apenas entender por que alguém desiste de algo. Temos de aplaudi-lo por isso. O que torna a história de Simone Biles preocupante não é que a equipe de ginástica feminina teve de se contentar com uma medalha de pratao que me incomoda é o fato de que a atual mídia e partes da sociedade querem que celebremos a covardia de um soldado ao abandonar seus companheiros no campo de batalha. Poderíamos tranquilamente dizer: “Simone Biles desistiu da Olimpíada, ela está com problemas. Que pena”. Mas o que querem é que digamos: “Simone Biles desistiu. Não estará mais com o time porque ela precisa pensar nela. Que ato corajoso!”.

Não, não, não é corajoso. Pode ser humano, mas é o oposto de coragem. Ter coragem é colocar o time acima de suas dores, físicas ou emocionais, quando você já está comprometida com ele. Simone Biles poderia ter se inspirado na ginasta Kerri Strug, também norte-americana, que competiu na Olimpíada de 1996, em Atlanta. Na disputa por equipes, um evento dominado pelos soviéticos por décadas e nunca vencido pelos Estados Unidos, os norte-americanos competiriam com as seleções da Rússia, Romênia e Ucrânia. Depois de um salto, Kerri aterrissou bruscamente e lesionou dois ligamentos no tornozelo. Ela era a última peça do time que poderia trazer o ouro para as norte-americanas. Diante da importante lesão, a ginasta poderia ter desistido, mas se negou a abandonar a competição. A equipe médica tentou estabilizar o tornozelo com esparadrapos, e Kerri, com dois ligamentos comprometidos, saltou… Sim, o final é esse mesmo que você está pensando. As norte-americanas venceram, e Kerri foi carregada até o pódio para receber o tão sonhado ouro olímpico em equipes para a ginástica dos EUA.

Entre muitos esportes olímpicos, talvez a ginástica seja um dos mais cruéis com seus atletas. Além da pressão física, há casos de supressões hormonais (para que as atletas não cresçam) e até de assédio e abusos sexuais. Não sabemos o que sucedeu na mente de Simone Biles, e ela não é uma vilã por ter desistido, mas também não é uma heroína. Simone é o reflexo da atual sociedade, que enaltece quem chora mais, quem se vitimiza e quem se ofende por tudo. Em uma sociedade com balaios coletivistas, divididos em categorias “negros”, “mulheres”, “gays” etc., é interessante ver que aplausos, elogios e contratos de publicidade são dados àqueles que colocam exatamente as suas necessidades e desejos pessoais em primeiro plano.

Gabriela Andersen, hoje com 76 anos, em uma entrevista para o canal oficial dos Jogos Olímpicos, disse que o que a surpreendeu foi a compaixão e a reação dos espectadores e dos atletas. Ela relata que estava com muita vergonha pela performance ruim (Andersen chegou em 37º lugar, quase último) e que se sentia culpada. Ela achava que não merecia tanta atenção. “Na época eu teria trocado por qualquer coisa entre o 10º e o 15º lugar para não ter aquilo que considerei apenas um espetáculo”, disse. “Mas agora, olhando para trás, posso ver que as pessoas se identificaram por causa da luta. Se você realmente se dedicar, poderá superar muitos obstáculos. Há lição em tudo.”

Vitória não é apenas vencer os adversários e abraçar a glória, muitas vezes entorpecente e traiçoeira. É superar os próprios limites e, como Gabriela Andersen, inspirar milhões a não desistir, mesmo chegando em último lugar, mesmo com o ego ferido. O espírito olímpico é justamente o da superação e do sacrifício, mesmo que isso não lhe traga nenhum esplendor. E essa lição não fica restrita ao esporte, ela o acompanha por toda a vida. Salve, Gabriela Andersen!

Leia também “Deixem os Jogos Olímpicos em paz”

Ana Paula Henkel, colunista -  Revista Oeste


quinta-feira, 11 de março de 2021

De quem você tem medo? - VOZES - Gazeta do Povo

Preciso educar meu filho de três anos. Já passei por isso com minha filha, hoje com 19 anos. São as pessoas que mais amamos no mundo, e mesmo assim uma boa educação envolve impor limites, ser duro eventualmente, quiçá subir bem o tom, colocar de castigo ou, para os mais antigos, dar umas palmadas ou beliscões, que não matam ninguém. Fazemos isso por amor, e queremos em troca o respeito deles. Claro que em certa etapa do processo, algum grau de medo é talvez necessário. Meu moleque, com três aninhos, ainda não compreende bem a diferença, e de vez em quando, em situações extremas, pode ser útil eu incutir certo medo nele, para que um olhar mais severo seja suficiente para evitar o pior.

Educar é uma arte, não uma ciência exata. Mas uso essa introdução para fazer uma distinção entre respeito e medo. Um bom chefe, por exemplo, que se destacou por méritos individuais, costuma exercer uma liderança natural em seus subalternos. O chefe pode até lançar mão do medo ocasionalmente, mais a chefia eficiente precisará contar é com o respeito da equipe mesmo. E respeito se conquista, não se obtém por decreto.

Toda essa digressão foi só para chegar na política nacional. A analogia com uma família não presta muito, pois somente uma alma muito servil compararia autoridades de estado com um pai, colocando-se como um filho. Não obstante, reparem que o uso do medo só tem utilidade bem no começo da educação, quando estamos falando de filhos pequenos. Ou seja, a autoridade que governa pelo medo está tratando o cidadão como uma criancinha incapaz.  É o que faz, porém, todo regime totalitário. Encara o povo como súdito e mentecapto, necessitando, assim, de tutela absoluta obtida por meio da disseminação do medo. E não é preciso "castigar" todos. Basta alguns "bons" exemplos. Um vizinho retirado de sua casa no meio da madrugada, talvez, por ter dado a opinião "errada". Os outros, apavorados e com medo de ter o mesmo destino, serão mais "obedientes" dali em diante.
[Eles lançam mão do 'balão de ensaio', o equivalente mais romântico do esticar a corda e ver quando arrebenta.
A cada movimento forçam mais a barra.
Autoridades de estado não são nossos pais, certamente, e tampouco são nossos chefes. A bem da verdade, é o oposto: são servidores públicos, já que, numa democracia, o poder emana do povo. É preciso ter leis claras e objetivas, igualmente válidas para todos, para se viver num ambiente republicano de liberdade. Os cidadãos, então, obedecerão tais leis, não os homens, os poderosos. Assim, ao menos, deveria ser.


A pergunta do título serve, então, para colocar em xeque o regime democrático. Afinal, numa democracia não deveríamos ter medo de ninguém, apenas das leis. Quem não está cometendo atos ilegais não deveria ter o que temer, portanto. É por isso que em países mais avançados e democráticos, como nos Estados Unidos, qualquer um pode tecer as mais duras críticas ao presidente, seguro de que nada lhe acontecerá como retaliação.

Ronald Reagan gostava de contar piadas de russos para expor as gritantes diferenças entre os dois sistemas. Numa delas, o russo escutava um americano lhe dizer que pode ir a qualquer momento até a Casa Branca, bater na mesa do Salão Oval e gritar com o presidente que ele é péssimo. O russo, sem titubear, diz que não fica nada surpreso com isso e que também pode fazer o mesmo, para espanto do americano, que cobra uma explicação. O colega russo diz: "Sim, eu posso a qualquer momento ir até a Casa Branca, bater na mesa e gritar com seu presidente".

Brincadeiras à parte, todos sabemos que a mais singela crítica ao regime soviético era passível de punição severa, e dependendo do tom, o Gulag era o destino. Daí a importância dessa pergunta: de quem você tem medo? Se você teme criticar o presidente, então talvez não viva numa democracia verdadeira. No Brasil, como fica evidente para quem observa, ninguém tem medo do presidente. Ele é xingado de tudo o tempo todo, jornalistas desejam sua morte nos jornais, artistas chegam quase ao orgasmo ao se imaginar esfregando o rosto dele num asfalto quente, e uma réplica de sua cabeça pode ser usada numa partida de futebol sem qualquer consequência. A julgar pelo presidente, portanto, vivemos numa democracia.

Mas calma lá! O presidente não é a única autoridade de estado. E quando pensamos em outras figuras com poder, a coisa muda. Basta pensar nos ministros do Supremo, por exemplo.  
De quem você tem medo?

 Se eles podem rasgar ao meio a Constituição da qual deveriam ser os guardiões, abrir inquéritos ilegais e perseguir jornalistas, e até mesmo prender um deputado pelo "crime" de opinião, então é porque desfrutam de um poder abusivo e arbitrário. E com base nisso espalham o medo.

Chefes de redação dos jornais chegam a pedir aos seus comentaristas para evitarem críticas duras aos ministros, pois sabem onde a porca torce o rabo. Comentaristas mais enfáticos no tom contra a postura desse Supremo temem ser enquadrados em qualquer entulho da ditadura que algum ministro ali resolver puxar da cartola só para calar tais críticos. É um ambiente de medo.

Até porque respeito por esses ministros praticamente ninguém tem, e com bons motivos. Liderança natural eles tampouco exercem, já que a maioria foi indicada por uma quadrilha criminosa e passou na "sabatina" de um Senado comprado por essa mesma quadrilha
O notório saber jurídico e a reputação ilibada faltam à imensa maioria ali. Sem respeito, o que eles exigem é mesmo obediência, por meio do medo.

Eu confesso, sem qualquer problema: sou um dos que têm certo medo. Mas meu espírito é livre, e acompanho Aristóteles quando ele diz que a coragem é a primeira das virtudes. Não podemos nos intimidar ou nos curvar diante de poderosos que ignoram as leis máximas que deveriam proteger. Todo poder emana do povo. Numa democracia, deveríamos respeitar as leis e seus guardiões. É numa tirania que temos medo dos poderosos. De quem você tem medo?
Rodrigo Constantino, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Representação truncada - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A vida dos cidadãos não é levada em conta. A sociedade clama por mudanças [e a sociedade -  no caso, quase 60.000.000 de brasileiros e brasileiras) fez sua parte: elegeu Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO - que até agora não teve oportunidade de governar: surgiu a pandemia, ainda em curso mas  indo embora, e antes da pandemia e até agora teve a oposição cerrada da turma dos inimigos do Brasil =  a soma dos: arautos do pessimismo + inimigos do Brasil + inimigos do presidente + os contra a Pátria Amada, + adeptos do 'quanto pior, melhor'.  
A soma de todos esses resíduos, sujeiras, tem impedido mudanças, mas aos poucos a corja do mecanismo e do establishment começa a desmoronar e as mudanças ocorrerão.
Por falar em desmoronar, o projeto mirabolante e alucinante do ainda governador paulista, Joãozinho Doria, está afundando de vez. Fez um auê danado com a vacina, iludiu milhões de brasileiros incautos (a maioria eleitor da esquerda), disseminou duas fake news:
- vacina em abundância, disponível para qualquer brasileiro que se deslocasse ao estado paulista;
- que os brasileiros não estavam todos vacinados devido Bolsonaro ser contra.
MENTIRA. Fosse ele um apoiador do capitão, estaria preso, sendo processado por... o crime  cometido é um detalhe que pode ser apresentado depois.]

A pandemia invadiu a vida das pessoas de forma nunca vista, introduzindo a doença e o medo da morte no seio de cada família. Diante de tão aterrorizante realidade, a população vê os países mais avançados se vacinando e abrindo caminho para o futuro, enquanto os responsáveis pelo governo federal se comprazem com malabarismos da pior qualidade, num cenário que, não fosse trágico, seria cômico. Os discursos são tão disparatados e anacrônicos que sua mera listagem, além de longa, seria enfadonha.

Em todo caso, da “gripezinha” à luta contra a vacina “chinesa”, passando pelo dito “tratamento precoce”, uma espécie de poção mágica para incautos, o espetáculo oferecido à Nação é de completa irresponsabilidade. Pessoas adoecendo e morrendo, e a única preocupação dos políticos parece ser a eleição presidencial de 2022. E até lá quantos padecerão? [E, como ficam os vacinados? e os meio vacinados? 
se passar o prazo de validade da primeira dose e não for aplicada a segunda. Que acontecerá?  
A validade da primeira dose da genérica chinesa é contada em dias e a do imunizante da Fiocruz, exige a segunda dose só 12 semanas após a primeira.
Temos que ter atenção com os números para que não sejam manipulados: a soma dos que tomaram a primeira dose, com a dos que receberem a segunda dose, mais os que estão (agora) recebendo a primeira dose não pode ser superior ao total de doses disponibilizadas (agora). E as doses da Fiocruz não podem servir de segunda dose para os que receberam a primeira da Coronavac.]

A crise fiscal se avoluma, os gastos não são cortados, os privilegiados de sempre guardam os seus benefícios e os estamentos estatais defendem os “seus” direitos – aliás, só os deles. Enquanto isso, o País definha economicamente, com alto desemprego, milhões na miséria, à beira da sobrevivência, e a expectativa de vida cai. [estranho... conseguiram com estudos de no máximo dois anos concluírem que a expectativa de vida do brasileiro está em  queda?] O atual governo foi eleito com uma agenda liberal, que, dizia-se, seria conduzida com rigor. No primeiro ano de mandato, nada foi feito, salvo uma reforma da Previdência amplamente preparada pelo governo anterior. No segundo ano, a desculpa foi a pandemia, contra a qual nada foi levado a cabo. E neste começo do terceiro volta o palavrório usual com a reforma da economia e do Estado.

Curiosamente, temos uma situação paradoxal, pois a esquerda retoma a luta contra o “neoliberalismo”, contra a responsabilidade fiscal, sem que liberalismo nem contenção de gastos se tenham realizado. [a esquerda está seguindo a regra de que a pretensão punitiva pode ser exercida antes do delito ser praticado - desde que a vítima da punição seja um apoiador do capitão.
Afinal temos cidadãos encarcerados há anos, sem julgamento, usando apenas o recurso da prisão preventiva sem prazo de validade = pena de prisão com características de perpétua = se sabe a data do começo mas a data do término é desconhecida -   nos remete aos tempos do Stalin, do Mao.
Temos casos em que é politicamente correto (sempre o maldito politicamente correto = esquecem que se é politico não pode ser correto) manter o preso o acusado de um crime. O justo, correto, até democrático, seria julgar o acusado = só que em um julgamento ele seria absolvido - não existem provas que sustentem a acusação. Então mantém o acusado preso, alegando suposto envolvimento em outros crimes e por aí vai.] O pior serviço do atual governo consiste em ter matado a ideia liberal sem que ela tenha sequer existido praticamente.

Os partidos e os políticos, por sua vez, em vez de vocalizarem os anseios da sociedade, estão mais preocupados com suas brigas intestinas, como se estas fossem o mais importante problema da República. Talvez o sejam em sua conotação negativa, ao expressarem o desmonte da representação política. A sociedade não se reconhece em seus representantes. É como se os parlamentares e os partidos vivessem num mundo à parte, só deles, povoado por emendas, cargos e interesses particulares dos mais diferentes tipos, dotados de vida própria. A vida dos cidadãos não é levada em consideração, enquanto esses seres inanimados guardam toda a sua vitalidade. Raras, infelizmente, são as exceções.

As disputas pela presidência da Câmara dos Deputados e do Senado, com suas intrigas e traições, exibiram uma cena parlamentar e partidária desconectada da realidade. O governo procurou eleger os seus e desestruturar as oposições, os parlamentares negociavam individualmente ou coletivamente os seus votos, enquanto o País seguia à deriva. A sociedade, alarmada, observou um processo longínquo, distante dos seus afazeres cotidianos de sobrevivência e de luta pela vida. Há um crescente estranhamento entre a sociedade e a sua representação, tendo como resultado o enfraquecimento das instituições representativas.

A democracia vive na medida em que suas instituições sejam fortes. [a democracia está em declínio - menos de 10% da população mundial vivem em regime de democracia plena. Cabe a pergunta: a rejeição um regime de governo não indica a necessidade de mudança? do regime? ou da forma como é praticado?] a No momento em que os parlamentares e os eleitos em geral, no Executivo e no Legislativo, apresentam, sem nenhum pudor, o jogo do “toma lá dá cá”, sem que dele se siga nenhum projeto ou realização coletiva, numa espécie de tributo que o vício poderia pagar à virtude, ocorre a debacle da representação política. A política esgotar-se-ia nessa negociação, à qual se seguiriam outras, num jogo sem fim.

Os partidos perdem o seu valor, o seu significado. A sociedade não se vê naqueles que deveriam ser os seus representantes. A “velha política”, tão abominada nas últimas eleições presidenciais, bandeira do então candidato Bolsonaro, é agora conduzida por “novos” e “velhos” políticos, incluídos militares que se apresentavam como avessos a tais práticas. A contradição é manifesta.

Se o divórcio entre a representação política e a sociedade se acentua, se a política renuncia a valores morais e a noções de bem coletivo, se instituições e estamentos do Estado não tornam viável o bem público, se os interesses mais comezinhos tomam a cena pública, o caminho está aberto para soluções demagógicas e autoritárias. Se os partidos e as instituições nada valem, líderes procurarão estabelecer contato direto com uma sociedade aflita e desamparada.

Cria-se um caldo de cultura propício à emergência de “salvadores” da pátria, daqueles mesmos que tudo fazem para corroer e desestruturar a democracia. O discurso passa a ser sem mediações entre o líder e a sociedade, vendendo qualquer narrativa, contanto que ela pegue, suscitando a adesão, por mais mentirosa que seja. E aí de nada adianta dizer que foi o resultado das urnas, pois eleições sozinhas, sem instituições democráticas, podem ser também a via para o autoritarismo. 

Denis Lerrer Rosenfield, denisrosenfield@terra.com.br  - Professor de filosofia - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O fracasso do ‘lockdown’ - Revista Oeste

Sem base em dados e em prejuízo dos mais pobres, autoridades insistem no fechamento de atividades econômicas

Em março de 2020, para tentar conter o aumento de casos de coronavírus no Brasil, prefeitos e governadores decidiram fechar as escolas, proibir a abertura de bares e restaurantes, impedir o funcionamento de academias de ginástica e salões de beleza e restringir o máximo possível a circulação de pessoas. Passados dez meses, para tentar conter o aumento de casos de coronavírus no Brasil, prefeitos e governadores decidiram fechar as escolas, proibir a abertura de bares e restaurantes, impedir o funcionamento de academias de ginástica e salões de beleza e restringir o máximo possível a circulação de pessoas.

Uma frase atribuída a Albert Einstein diz que “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Nada resume com mais precisão a atitude de governantes que insistem em decretar medidas drásticas de isolamento social — o chamado lockdown — para controlar a expansão da pandemia. A realidade informa que elas não foram bem-sucedidas antes. Também não o serão agora.

Quarentena escolar
No dia 13 de março do ano passado, as escolas públicas e privadas do Estado de São Paulo receberam a notícia de que, na semana seguinte, teriam de fechar as portas por tempo indeterminado. “Não sei se vai durar uma semana, duas semanas, 30 dias ou mais”, disse na época Rossieli Soares, secretário estadual de Educação, numa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Vamos avaliar dia a dia, até que as autoridades de Saúde digam que as aulas poderão ser retomadas.” Assim teve início aquela que se tornaria a quarentena escolar mais longa do planeta.

Um levantamento realizado pela Unesco e divulgado em 24 de janeiro mostrou que, enquanto a maioria dos países fechou suas escolas por pouco mais de 20 semanas, no Brasil, as crianças e adolescentes ficaram longe das salas de aula pelo dobro do tempo: 40 semanas. Nesse recorde, o país só se equipara à Argentina, Chile, Moçambique e Etiópia. De acordo com o estudo, aproximadamente 800 milhões de estudantes no mundo foram afetados e as instituições de ensino passaram, em média, dois terços do ano letivo fechadas.

No Brasil, quase 50 milhões de estudantes ficaram entregues à própria sorte — particularmente os 80% matriculados em escolas públicas. Destes, cerca de 25% não têm acesso à internet. Uma pesquisa do Ibope realizada em agosto mostrou que, em domicílios com renda per capita de até meio salário mínimo, um quarto dos estudantes não teve sequer acesso à educação remota. No mês de outubro, conforme a Pnad Covid19 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 6 milhões de alunos de 6 a 29 anos, da educação básica ao ensino superior, não tiveram acesso a atividades escolares. Na educação básica, “inexistência de aulas” e “dificuldade com o acesso remoto” foram as principais causas da evasão escolar. No ano da pandemia, cerca de 4 milhões de jovens abandonaram os estudos, segundo uma pesquisa encomendada pelo banco digital C6 Bank.

Alfabetizar as crianças com aulas remotas é um dos maiores desafios. “Pessoalmente, consigo fazer com que elas sintam o som das letras; a distância, não dá”, lamentou a professora Rizomar Maria de Menezes, numa reportagem publicada na Folha de S.Paulo. “Nenhuma criança do primeiro ano conseguiu se alfabetizar. Normalmente, no final dessa série, a maioria estaria lendo e escrevendo um pouco.” Para Alexandre Schneider, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo, as crianças não estão apenas paradas. “Muitas vão andar para trás e, para recuperar, levarão dois, três anos”, constatou na mesma reportagem. “É dramático do ponto de vista pedagógico.”

Um estudo coordenado pelo médico Fabio Jung, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e publicado em setembro de 2020, mostrou que o fechamento das escolas também ameaça a saúde psiquiátrica de crianças e adolescentes, compromete a segurança alimentar e os torna mais expostos a abusos e maus-tratos, a drogas e violência. Cerca de 30% das crianças em confinamento podem passar a sofrer de transtorno do estresse pós-traumático.

“É importante entender que a escola vai muito além da aprendizagem”, lembrou Cláudia Costin, na reportagem “A educação pode ser a maior vítima da epidemia de medo”, publicada em Oeste. “A escola é o espaço de socialização, de vivências, além de oferecer uma rede de proteção social à infância.”

Provas irrefutáveis
Pelo menos desde julho de 2020, o mundo sabe que a volta às aulas não compromete a saúde dos alunos nem acelera a transmissão do vírus. Muito menos suscetíveis à covid-19, crianças representam apenas 2% dos casos confirmados da doença e menos de 1% dos óbitos. Além disso, abaixo dos 11 anos, elas transmitem muito pouco e, quando contaminadas, são assintomáticas ou apresentam sintomas leves. O coronavírus é 4,5 vezes menos agressivo que a gripe (influenza) na faixa etária até 14 anos, por exemplo.

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O economista Luís Artur Nogueira classificou a quarentena escolar como “um crime contra as crianças”. “Neste um ano de pandemia, o número de mortos e contaminados pelo coronavírus aumentou, diminuiu e voltou a crescer mesmo com as escolas fechadas”, observou. “Ou seja, elas não tiveram absolutamente nenhuma influência.” Rossieli Soares, ao lembrar que algumas escolas reabriram para atividades extracurriculares em outubro de 2020, garantiu: “Não registramos uma única contaminação dentro das escolas, nem entre alunos nem entre alunos e professores”.

Irrefutáveis, os argumentos a favor das aulas presenciais englobam constatações científicas que mostram que o afastamento do ambiente escolar prejudica, além do rendimento acadêmico, o desenvolvimento das capacidades sociais, o vínculo aluno-professor e a saúde mental. “Não deveríamos de forma alguma estar discutindo se devemos ou não voltar”, disse Rossieli. “Mas como fazemos para voltar o mais rápido possível.”

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Quarentena gastronômica
Não foram apenas as escolas. Bares e restaurantes também se transformaram em bodes expiatórios, responsáveis pelo aumento das contaminações. Solução? Fechá-los. Assim, em quase todo o país, suporta-se uma “quarentena gastronômica” ainda sem prazo para acabar.

“O que está acontecendo com o setor é uma tragédia”, resumiu Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em São Paulo (Abrasel-SP). “Cerca de 30% dos bares e restaurantes já fecharam as portas. Se houver um segundo lockdown, nem 20% conseguirão permanecer abertos.”

Poucos meses atrás, o governo paulista permitiu que os estabelecimentos voltassem a receber clientes de forma presencial até as 23 horas, com 60% da capacidade. Há uma semana, João Doria e seu “comitê de especialistas” mudaram de ideia. Desde 25 de janeiro, os bares e restaurantes devem encerrar as atividades às 20 horas, de segunda a sexta-feira, e permanecer fechados nos fins de semana.

Esse mesmo comitê de notáveis não enxerga muito contágio nas festas clandestinas e pancadões que proliferam pela cidade, com centenas de pessoas aglomeradas. E nenhum de seus integrantes viu nada de mais durante os eventos de campanha ou nas comemorações de vitória das eleições de 2020. O problema, para eles, são os restaurantes — onde o distanciamento social é cumprido à risca, a temperatura é medida na entrada, o álcool em gel está ao alcance dos clientes, os garçons usam uma proteção de acrílico sobre a máscara e mesas e cadeiras são desinfetadas incontáveis vezes por dia.

“Não são as 15, 20 pessoas sentadas distantes umas das outras nos restaurantes que estão causando essa pandemia”, observou Maricato. “Estão sacrificando um dos setores que mais geram empregos, atraem turistas e podem contribuir muito para a retomada econômica.” Só no Estado de São Paulo, cerca de 300 estabelecimentos entram em falência diariamente, deixando quase 2 mil desempregados. “É como se uma fábrica da Ford fechasse por semana no país”, compara.

Uma pandemia de desemprego
O economista Luís Artur Nogueira estuda justamente as consequências do lockdown no mercado formal de empregos. “No período de março a junho de 2020, quando prefeitos e governadores adotaram severas restrições ao funcionamento das empresas, o saldo entre vagas formais abertas e fechadas foi negativo em 1,6 milhão”, escreveu. “No período seguinte, de julho a dezembro, quando houve um processo de reabertura da economia, o saldo de vagas formais foi positivo em 1,4 milhão.” Ou seja, ainda há um déficit de 200 mil empregos.

Publicado pela revista britânica The Lancet em julho de 2020, outro estudo revelou que, em uma comparação entre 50 países, a covid-19 foi mais mortal em lugares com população mais velha e com maior taxa de obesidade, mas não se observou redução de mortalidade em países que fecharam suas fronteiras ou aplicaram o “bloqueio completo”. Na Universidade de Edimburgo, na Escócia, um pesquisador concluiu que as infecções na Grã-Bretanha já estavam diminuindo antes que o lockdown começasse no fim de março. Uma análise realizada pelo Instituto de Tecnologia de Karlsruhe descobriu que as infecções na Alemanha estavam se reduzindo na maior parte do país antes do início das medidas de confinamento. Também foi provado que o toque de recolher imposto na Baviera e em outros Estados não surtiu efeito. Nos Estados Unidos, menos de 1% da população vive em lares de idosos, mas, em janeiro de 2021, essa pequena fração foi responsável por 36% das mortes por covid-19 no país. Até mesmo quem estava “protegido” entre muros não escapou do contágio.

Leia também o artigo “Os tecnocratas da pandemia”

Revista Oeste - Branca Nunes de Paula Leal - MATÉRIA COMPLETA