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domingo, 9 de agosto de 2020

Cem mil brasileiros - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo


É torcer para as vacinas, e que Bolsonaro não tente reescrever história e recriar personagem

 
Com mais de 100 mil brasileiros mortos e de três milhões de contaminados, é impossível não lembrar que o Brasil é vice-campeão da covid-19 e apontado no mundo inteiro como o campeão de erros na condução da pandemia. O presidente Jair Bolsonaro entra para a história como o turrão que não liderou o País na hora decisiva, fez tudo errado e se aliou ao vírus, em vez de combatê-lo.

Entre a ciência e o que Bolsonaro acha, ele ficou com o que ele acha. Entre seguir as orientações de organizações médicas do mundo inteiro e os cochichos de amigos e aliados, ele optou pelos cochichos. Entre admitir os erros gritantes e dobrar a aposta, ele dobrou. Entre se solidarizar com as vítimas e lavar as mãos, ele lavou as mãos, produzindo frases que entram não para o anedotário da história, mas para a memória internacional da falta de empatia.

[o presidente da República fez alguns comentários que podem ser considerados irônicos, negativos, conformistas,etc.
Mas, em nenhum momento, tomou qualquer decisão, propôs lei ou editou MP que de alguma forma causasse problemas às ações de combate ao coronavírus.
A única autoridade que recorreu ao  Judiciário para impedir que recursos dos Fundos Eleitoral e Partidário fossem empregados no combate à pandemia, foi o presidente do Senado =  Davi Alcolumbre.
Obteve êxito = o Poder Judiciário proibiu que os recursos fossem utilizados no combate à covid-19.]

“Histeria da mídia”, “gripezinha”, “e daí?”, “todos nós vamos morrer um dia”, “não podemos entrar numa neurose”, “não acredito nesses números”, “o vírus está indo embora”, “eu não sou coveiro, tá?” “quer que eu faça o quê?”, “eu sou Messias, mas não faço milagres”. Já pertinho da marca de 100 mil brasileiros mortos, Bolsonaro continuou sendo Bolsonaro e entre sorrisos, ao lado do eterno interino ministro da Saúde, deu de ombros: “Vamos tocar a vida”.

[atualizando: todos torcemos e imploramos a DEUS por uma vacina o mais rápido possível.
Por enquanto, apesar de muitos apresentarem como fato que as vacinas, ainda não criadas, logo estarão disponíveis para o Brasil se impõe lembrar que NÃO EXISTE nada que garanta a entrega das vacinas - quando criadas, testadas e aprovadas - ainda este ano ou mesmo no primeiro semestre de 2021.
Alguém em sã consciência, agindo de forma imparcial, sensata, é capaz de apostar que a Sinovac, ou a AstraZeneca vão dar prioridade ao Brasil - deixando de lado os Estados Unidos e a própria China?
Será que essas companhias também não firmaram acordos com China, Inglaterra, Estados Unidos, União Europeia, para dar prioridade àqueles países?
Ou só o Brasil foi esperto o suficiente para ser o primeiro a garantir exclusividade?
Lembrem-se que no começo da pandemia, alguns produtos farmacêuticos destinados ao Brasil - máscaras, EPIs, anestésicos - foram confiscados quando aviões que os traziam para o Brasil, pousaram nos Estados Unidos. ] 

O que os amores, pais, mães, filhos, irmãos, amigos e colegas dos 100 mil brasileiros mortos acham disso? Tocar a vida? Como assim? E o presidente foi adiante: “Tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”. Buscar uma maneira só a esta altura da desgraça? Maneira de “se safar”? Desse “problema”? Uma frase, quatro absurdos.
São falas que não condizem com um presidente no auge de uma pandemia assassina que destrói vidas, famílias, empresas, empregos, renda e a economia do País. No mundo democrático, presidentes e primeiros ministros, com poucas exceções, falam – e agem – como líderes, respeitam a ciência e os cientistas, dão rumos, apresentam soluções, admitem erros. Conferem a devida solenidade, demonstram preocupação, dor, compaixão.

No Brasil, vice-campeão da covid-19, o presidente aparece sorrindo, provocando, ironizando a desgraça. Pior: dando mau exemplo, tomando decisões absurdas. E atrapalha muito ao desestruturar o Ministério da Saúde, rasgar protocolos internacionais, jogar no lixo a única vacina possível – o isolamento social – e virar, alegremente, ridiculamente, perigosamente, garoto-propaganda de um remédio sem nenhuma comprovação, [existe algum comprovadamente eficaz?]de nenhum órgão sério, de nenhum país. Sem coordenação central, com Bolsonaro só ligado em política, guerreando contra governadores e prefeitos, viu-se o caos. A covid-19 dá um banho em cientistas, cheia de armadilhas cruéis, manhas assassinas, surpresas a cada hora. 

Não bastasse, ela aqui encontra o ambiente perfeito para destruição e dor. A única bala de prata que resta para vencer uma guerra já perdida são as vacinas, que chegam ao Brasil pelos acordos entre o governo federal e Oxford e entre o governo de São Paulo e a China. É torcer e rezar, contando com uma expertise comprovada brasileira: as vacinações em massa. Se os testes forem um sucesso, se o Brasil cuidar adequadamente da logística e da compra e produção de insumos, há luz no fim do túnel. Antes tarde do que nunca.

Bolsonaro está sorrindo, confrontando, agredindo a população com expressões muito além de impróprias. Que não venha depois, com boa parcela da população vacinada e os números em queda, tentar reescrever a história e reinventar seu personagem numa das maiores tragédias do planeta. Todo mundo sabe que a culpa é de um vírus ardiloso, cheio de mistérios, que encontrou no presidente do Brasil um grande aliado.


 Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo



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