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domingo, 13 de março de 2022

OS PERIGOS DO PASSAPORTE SANITÁRIO - Autor desconhecido

Imagine...
Imagine que alguém se aproximasse de você, brasileiro e pagador de impostos, e lhe dissesse que, a partir de hoje, sua única pátria é o interior de sua casa. Soa absurdo, não? Entretanto, neste exato momento algo pior do que isso está em curso por todo o território brasileiro. Trata-se da adoção do Passaporte Sanitário, um certificado digital de vacinação de COVID-19, para acesso a espaços públicos.

Sou cidadão só dentro da minha casa ou fora dela também?
Uma das principais realidades que garante a identidade do indivíduo é o conceito de cidadania, compartilhado por todos os naturais de determinado país. É justamente por se tratar de uma única nação que nossos direitos são resguardados em todo o território nacional. Portanto, reduzir a livre locomoção de toda a população ao interior de suas casas é reduzir toda a unidade nacional e a cidadania ao território doméstico.

Você gostaria que sua privacidade fosse violada?
Além da supressão de direitos conquistados durante os anos de regime democrático, o Passaporte Sanitário traz consigo uma coleta indiscriminada de dados privados que governo nenhum tem necessidade de saber, é a completa supressão do direito à privacidade pessoal e familiar. Além disso, a exigência de apresentação do Passaporte Sanitário diversas vezes ao dia para que se possa frequentar padarias, mercados, restaurantes e transportes públicos resulta na prática em um registro indevido de toda a rotina de um cidadão comum.

Você sabia que pode estar fazendo parte de um programa de controle social?
A razão pela qual se deseja tanto o registro da vida dos cidadãos comuns, só o tempo dirá. Mas o que podemos observar desde agora é que o Passaporte Sanitário cria uma estrutura tecnológica capaz de exercer um controle social completamente atípico das democracias modernas. Se hoje a estrutura funciona com a desculpa do controle sanitário, é bem verdade que futuramente o mesmo aparato tecnológico poderá ser usado com qualquer outro critério com a opinião pública. Por essa razão, todos os brasileiros devem se posicionar fortemente contra a imposição do Passaporte Sanitário.

Não, isso não é teoria da conspiração
O exemplo mais claro do que estamos alertando é o Sistema de Crédito Social, em funcionamento na China desde 2014.

O Sistema de Crédito Social da China é um sistema de pontuação baseado em interações socioeconômicas com critérios definidos pelo Partido Comunista Chinês. Graças ao atual desenvolvimento da inteligência artificial (IA), todos os mais de 1 bilhão e 400 milhões de chineses estão submetidos ao programa e tem sua conduta vigiada individualmente.

Numa matéria (1)  sobre o Sistema de Crédito Social, a NBC News mostrou que o povo chinês está muito contente com todo esse controle exercido sobre o cidadão porque tornou o povo mais gentil e educado – leia-se subserviente.

O Sistema é tão opressivo que alguns aplicativos de celular têm capacidade de rastrear quem, num raio de amostra, possui a pontuação baixa, para que os bons cidadãos possam se afastar dos "cidadãos de segunda-classe".

É graças a uma boa pontuação no Sistema de Crédito Social que os chineses podem emitir passaporte, viajar de trem, frequentar boas faculdades ou concorrer a boas vagas no mercado de trabalho. Ou seja, um cidadão com uma má pontuação está privado das mesmas coisas: emprego, saúde e mesmo direito de fugir do país.

A vigilância da IA já é uma realidade no meio de nós!
Nas redes sociais mais populares já é possível observar a atuação da IA (a mesma utilizada no Sistema de Crédito Social da China) quando recebemos uma enxurrada de anúncios baseados nas nossas interações. As propagandas não aparecem de modo aleatório, mas são frutos dos dados que livremente disponibilizamos sobre nós mesmos nesses aplicativos: o tempo que gastamos em determinados perfis, as buscas que fazemos, as compras que não realizamos etc. Com isso, a IA consegue construir um perfil de nossa personalidade tão fiel quanto possível e muito próximo da realidade. Enquanto a IA trabalha com fins econômicos, tudo bem... mas o que aconteceria se uma máquina tão potente caísse em mãos erradas? É exatamente o que aconteceu na China: a tecnologia a serviço da tirania.

A Organização das Nações Unidas (ONU) (emitiu 2) um alerta recentemente sobre os perigos dos sistemas de IA. A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, pediu "uma moratória urgente até que haja regulação sobre a utilização da tecnologia, por exemplo, no rastreamento de indivíduos através de câmeras em via pública".

Numa conferência de imprensa em Genebra, Peggy Hicks, diretora de gabinete da Alta Comissária da ONU, explicou que "a IA já faz parte de nossas vidas e não há tempo a perder na luta para assegurar que seja concebida e aplicada de forma a tornar nossas sociedades melhores e mais respeitadoras dos direitos, ao invés de ser um instrumento que permite a discriminação, que invada a nossa privacidade e que mine nossos direitos".

A China já iniciou  a exportação de seu modelo de Sistema de Crédito Social. Os primeiros modelos estão sendo introduzidos em países africanos. Após eleições tumultuadas, Uganda já enviou uma delegação de especialistas à China para estudar como implantar o sistema em seu país.

A exemplo desses fatos no mundo, podemos dizer que se o Passaporte Sanitário for implementado no Brasil, bastará somente a escolha de novos critérios para que um brasileiro possa frequentar determinado espaço público e teremos aí o mesmo Sistema de Crédito Social, oprimindo e silenciando individualmente cada um dos brasileiros que não seguirem a opinião da moda.

Você que tomou suas doses de vacina, como se sente no meio de um imenso experimento de controle social? 
Eles te disseram que você teria sua vida de volta, não? 
Mas não te contaram que o preço a pagar por isso era o completo sacrifício de sua liberdade e sua privacidade
Agora você pode ir a um cinema, um restaurante e uma partida de futebol. Mas sempre que lerem seu Passaporte Sanitário, o governo saberá sua exata localização. 
Se você aceitar ser subserviente a essas imposições, o que será do seu futuro? 
Sem liberdade, sem privacidade, o que resta da vida?

Na sua cidade ou estado já há alguma lei ou decreto instituindo o Passaporte Sanitário? 
Se sim, o que você está fazendo para mudar a situação?

Site: Percival Puggina - Transcrito por Blog Prontidão Total.

 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Bia do Bradesco: inteligência artificial capenga importa mais que as clientes

Entre mudar com crédito a vida de mulheres reais e atender às demandas autoritárias da lacração, ficou-se com a segunda opção. Uma pena.

Desde que o ESG virou ativo valioso para as empresas tem gente tentando fazer versões mequetrefes. Hoje, no mercado corporativo, se dá uma importância enorme aos 3 eixos de governança: corporativa, social e ambiental. Environmental, Social and Corporate Governance, a tal da ESG, custa muito caro e dá um trabalho danado porque a gigantesca maioria das empresas não nasceu assim.

O legado empresarial hoje engloba também o tipo de interferência da empresa na sociedade e como a modifica para as próximas gerações. Esse é o problema do ESG, não tem como faturar no marketing no curto prazo. Por isso, no Brasil, já está na moda o que eu batizei de "ESG de Taubaté". Em vez de gastar uma fortuna promovendo governança social e ambiental, você bota uma grana numa propaganda lacradora e finge que é a mesma coisa. Bia do Bradesco, sabe?

O banco diz que está promovendo uma campanha contra o assédio e usa como carro-chefe do marketing a inteligência artificial criada para atender os clientes. Trata-se de um produto capenga devido ao estado de evolução dessa tecnologia e à realidade da interface com o usuário. Você já usou assistência da Bia do Bradesco? Tente. Não dá certo. Quer dizer, dá super certo se o seu objetivo for passar nervoso.

Inteligência artificial precisa ser treinada na interface com cada usuário. A tente também precisa aprender como fazer isso. E, vamos confessar, a maioria não sabe, não tem tempo nem paciência. É o meu caso. É indecente e misógino comparar o assédio sofrido por mulheres reais, com todas as suas consequências, à reação de alguém gritando com uma máquina que não funciona direito.

A tentativa de transformar um limão em limonada por meio de publicidade da lacração é um desrespeito com as mulheres. O problema da Bia é que o próprio Bradesco havia programado respostas misóginas, comparando estupro com namoro, por exemplo. Agora mudou para respostas igualmente misóginas, que equiparam dores reais de mulheres em situações graves a alguém dizendo, "que b*sta de chat" diante da frustração com o funcionamento dele. Desde quando isso é luta contra assédio?

Claro que a internet não perdoa. Geral já sabia que a tal da Bia não acha as coisas que a gente pede nem com corrente de oração. É mais rápido ir até a agência, pegar a fila do covidário e falar com o gerente do que conseguir fazer o que você quer pedindo à inteligência artificial. Quando mudaram as respostas, a interface continuou igualzinha. Vocês sabem que a única indústria em franca ascensão no Brasil é a da zueira. Ela entrou em ação mostrando que a Bia do Bradesco continua com os mesmos problemas.

Segundo a propaganda lacradora, "inspirados pelo movimento "Hey, atualize minha voz", da UNESCO, mudamos as respostas da BIA para que ela reaja de forma justa e firme contra o assédio. Sem meias palavras. Sem submissão. Porque, se queremos construir um futuro com mais respeito, precisamos dar o exemplo AGORA". O banco gastou uma fortuna com a campanha da lacração e nem assim a inteligência artificial parou de elogiar machismo e confundir estupro com amor.

A diferença prática é que agora aparece lição de moral quando, por exemplo, a Bia não entende o nome do cliente. Com o novo conjunto de respostas pré-programadas, a assistente virtual elogia nazismo e fetos enlatados, mas compara ir à missa a estupro. Não me parece que a campanha da UNESCO recomende essas práticas. Eu não entendo nada de banco, mas talvez tivesse sido melhor gastar o dinheiro da campanha lacradora em desenvolvimento de inteligência artificial.

O Bradesco propagandeia como se fossem iniciativas contra o assédio outras ações de marketing. Por exemplo, entrou na Aliança sem Estereótipo, "movimento que visa conscientizar anunciantes, agências e a indústria da propaganda, em geral, sobre a importância de eliminar os estereótipos nas campanhas publicitárias". Como diria o grande João Kleber, "para, para, para, para". Vão desativar a Bia? Não tem estereótipo mais gongado na área de inteligência artificial do que toda assistente ser mulher. Por que não é homem? Por que não é uma voz robótica, neutra, sei lá?

Madeleine Lacsko, jornalista - VOZES - Gazeta do Povo

 

sábado, 28 de novembro de 2020

Na reta final do segundo turno, hackers seguem com ataques contra o Judiciário

Criminosos da internet voltam a atacar o Judiciário, desta vez, com invasão ao TRF1. Alvo de atentados cibernéticos no primeiro turno das eleições municipais, TSE concentra-se na segurança do sistema para a segunda rodada do pleito, que será realizada amanhã

Mesmo com todos os esforços de técnicos e especialistas, o Judiciário brasileiro segue sob ataques de hackers. A onda de atentados cibernéticos começou em 4 de novembro, contra o sistema do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Uma semana depois, foi a vez do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Em 15 de novembro, atingiu, também, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — em plena apuração dos votos do primeiro turno das eleições municipais. E, ontem, mirou o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1).
 
Com o segundo turno das eleições marcados para amanhã, o TSE procurou se resguardar de novas investidas e de suspeitas de irregularidades no processo. Segundo a Corte, nos últimos dias, foram realizados testes adicionais no computador e nos sistemas que realizam a totalização de votos e a divulgação de resultados de todo o país. “A avaliação da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE é de que o sistema está devidamente preparado para a realização exitosa do segundo turno”, diz nota do site da Corte. “Tribunal Superior Eleitoral reitera o compromisso com a transparência e com a segurança do processo eleitoral brasileiro.”

No primeiro turno, ataques cibernéticos contra o TSE causaram preocupação, e um problema na inteligência artificial do computador que registra a totalização dos votos ocasionou atraso na divulgação dos resultados. O site de divulgação sofreu sucessivos ataques, registrando acessos robóticos que tentaram sobrecarregar e tirar do ar o endereço eletrônico.

Um dos sistemas que ficou inoperante no primeiro turno foi o que hospeda o e-título, aplicativo que permite ao eleitor votar sem precisar apresentar documento físico. Além da facilidade, a medida tem como objetivo reduzir o contato entre eleitores e mesários, dificultando a infecção pelo novo coronavírus.

Para evitar novas falhas, desta vez, o e-título só pode ser baixado até as 23h59 de hoje, ou seja, ficará indisponível para download no dia da votação. De acordo com o TSE, “a atualização dos dados até sábado (hoje) visa garantir o uso das principais funcionalidades do aplicativo no domingo, incluindo a localização do seu local de votação e a possibilidade de justificar a ausência no caso de não conseguir comparecer para votar”. Na segunda-feira, o sistema volta ao normal, e quem precisar poderá fazer as justificativas, caso não tenha comparecido ao pleito.

Correio Braziliense, MATÉRIA COMPLETA

 

 

 

sábado, 4 de abril de 2020

Até quando? As previsões de especialistas para o fim do isolamento - VEJA

Há imensa ansiedade para a volta à normalidade possível — cientistas indicam pelo menos mais um mês, desde que o isolamento seja respeitado à risca

Parece uma eternidade, e não se passaram mais de vinte dias desde que o governo do Estado de São Paulo decretou, pioneiramente no Brasil, severas medidas de distanciamento social para combater a pandemia de Covid-19. A partir daí, o país parou, com algumas distinções em cada região — congelamento necessário, imposto pelo mantra que atravessa o mundo, ancorado em três palavrinhas mandatórias: fique em casa. E é para ficar mesmo. Mas até quando teremos de estar confinados? Ou, em outros termos: quando conseguiremos retomar o cotidiano de modo relativamente normal, sem riscos para a saúde, mas em ritmo que autorize ar respirável e luz para a economia? Não há, evidentemente, uma resposta clara, muito menos única.

No entanto, a curva de casos, mortes e, sobretudo, recuperações em países que chegaram antes ao drama, além de vastos estudos de epidemiologia e projeções matemáticas, oferece um cauteloso — cauteloso, insista-seotimismo.

Um modo inaugural de enxergar alguma saída é olhar para a região de Hubei, na China, epicentro do espraiamento do coronavírus, identificado pela primeira vez logo depois do Natal de 2019, então como “uma pneumonia atípica de causa desconhecida” e que, na quinta-feira 2, tinha alcançado a triste marca de mais de 1 milhão de casos, 8 000 deles no Brasil. Em 23 de janeiro, a cidade mais populosa do condado chinês — Wuhan — entrou em um processo chamado de “isolamento sanitário”. Tudo fechou — ruas, escolas, estabelecimentos comerciais. Em 24 de março, depois de exatos dois meses, a pétrea decisão foi levantada.




(.....)
Embora seja compulsório registrar as diferenças: a ditadura mandou prender quem ousasse abrir a porta para a rua; havia testes em profusão, separando sãos de enfermos; e deu-se, é sempre bom sublinhar, uma exibição da extraordinária capacidade de movimentação oriental, que ergueu em apenas dez dias um hospital com 1 600 leitos. Ainda assim, apesar das evidentes discrepâncias, trata-se de um bom espelho. [além da lentidão típica dos burocratas brasileiros, alguns conseguem ser pior que outros.
Em Goiânia, entregaram um hospital de campanha em apenas oito dias.
Já em Brasília, na segunda, 31/3, o secretário de Saúde do governo Ibaneis informou que o estádio Mané Garrincha seria adaptado para receber pacientes - ontem, 3/4, conseguiram liberar o edital para escolher quem vai construir. Isso apesar da operosa Câmara Legislativa do DF = aquela que abriga os distritais = ter declarado calamidade pública no DF.
Com muita sorte, talvez no começo de maio, comedem a construção.]

Outros cenários, baseados em levantamentos rigorosos, entregam diferentes alternativas — bem mais sinistras. Há, grosso modo, duas perspectivas fundamentais no campo dos estudos de respeitadas instituições sobre o Brasil — uma em relação ao tempo de quarentena e a outra relativa ao número de óbitos. 

A primeira, desenhada por grupos como o da Universidade Simon Fraser, do Canadá, ao medir o vaivém virótico de uma cidade grande, Vancouver, adverte que são necessários ainda seis meses de vigília no Brasil, dado o tipo de quarentena costurado por aqui (algo em torno de 60% das pessoas com restrição de circulação). Detalhe: se isso for verdade, pulverizará nossa economia. 

O outro trabalho, dos cientistas do Imperial College, de Londres, ao focar a régua de mortes, sobretudo, e menos a linha temporal, é ainda mais assustador. Para eles, sem distanciamento social, haveria mais de 1 milhão de falecimentos no Brasil. Com restrições à locomoção de 45% da população, o pico iria a 627 000. Isolando-se 60% dos idosos, a 529 000. Com 75% em casa e aplicação massiva de testes, seriam 44 000 mortos.

(.....)

Um de seus pares, também da USP, Esper Kallás, afirma que o exagerado zelo na largada é imperioso em situações inéditas como a do surto atual. “Faltavam-nos dados precisos, e as referências, como as da China, poderiam não se aplicar ao Brasil”, explica ele.

(.....)
Não por acaso, adequadamente, o Ministério da Saúde anunciou — à falta de testes, que precisam ser importados — um serviço de ligações telefônicas, alimentadas por inteligência artificial, de modo a distinguir as ditas “zonas quentes” de outras menos ameaçadoras. Desde 1º de abril, 125 milhões de brasileiros estão recebendo chamadas telefônicas com perguntas sobre a existência (ou não) de sintomas. Um colossal banco de dados indicará onde serão necessárias ações incisivas de equipes de saúde para evitar que o vírus se espalhe (ainda) mais. É a aposta do lado consciente do governo federal. E é boa. 



 TRISTEZA – O Cemitério da Vila Formosa, em São Paulo: estudo inglês alerta para até 1 milhão de mortos no país Andre Penner/ap/.    

Em futuro breve, a Covid-19 pode se tornar o que é a gripe hoje — um flagelo controlável, recorrente no inverno. Se tivéssemos permitido que a pandemia seguisse seu curso natural, sem intervenção, ela acabaria, talvez definitivamente, em cerca de doze meses, mas deixaria milhões de mortos, como aconteceu quando da gripe espanhola, que ceifou 50 milhões de vidas em 1918. Ninguém deseja esse cenário — e o preço, que fere a economia global, mergulhada na pior crise desde a II Guerra, é ficar em casa. Calmamente, como um velho marinheiro.

Colaborou Edoardo Ghirotto
Publicado em VEJA,  edição nº 2681,  de 8 de abril de 2020

Em VEJA, leia MATÉRIA COMPLETA

domingo, 24 de novembro de 2019

Chegada do Google ao setor bancário assusta instituições tradicionais - VEJA

Por Lucas Cunha

Gigante da tecnologia anuncia a criação de uma conta-corrente; diferentemente das fintechs, a empresa já tem dinheiro e bilhões de usuários



“Se alguém me perguntar se temo as fintechs, eu digo que não. Tenho medo é das big techs” O alerta foi dado por Octavio de Lazari, presidente do Bradesco, durante o Fórum de Investimentos Brasil 2019, realizado em outubro. As startups do mercado financeiro podem até tirar o sono de banqueiros, como o próprio ex-CEO do Itaú Unibanco Roberto Setubal já admitiu, mas, na maioria das vezes, representam ameaças contornáveis pelos grandes bancos. Para compensar essas noites maldormidas, bastou o Itaú desembolsar 5,7 bilhões de reais uma fração dos 7,1 bilhões de reais que obteve de lucro líquido no último trimestre — para adquirir metade das ações da XP, a mais bem-sucedida fintech brasileira. Dinheiro, afinal, não é um problema para essas instituições. É a solução para incorporar inovações e clientes de concorrentes que possam sinalizar algum perigo a seu negócio. A situação muda de figura, porém, quando o entrante em seu mercado é um gigante da tecnologia que vale quase 1 trilhão de dólares. Bancos do mundo inteiro tremeram na semana passada, portanto, quando a Alphabet, empresa controladora do Google, anunciou o projeto Cache: uma conta-corrente que será acessada por meio do celular e vai oferecer a realização de transferências bancárias e a concessão de crédito a seus usuários.

E o Google não está sozinho. Amazon e Apple, ambas no seletíssimo clube do trilhão de dólares, e também o Facebook (“só” 560 bilhões de dólares em valor) têm à disposição ferramentas únicas para conquistar seu espaço no mercado financeiro. Todos possuem informações valiosíssimas sobre o comportamento e os hábitos financeiros de seus usuários, e uma capacidade técnica inigualável em inteligência artificial para aprimorar a efetividade do modelo de negócio e conectar centenas de milhões de pessoas em escala global — muitas delas fora do alcance dos bancos. E, como já fazem parte da vida dos usuários, tornam-se uma opção cômoda para quem tem aversão ao ambiente bancário, mesmo que on-line. “Em muitos mercados, a população está acostumada a usar o Google ou o Facebook regularmente, mas não tem nenhum relacionamento com as instituições tradicionais”, afirma Thad Peterson, analista sênior da consultoria americana Aite Group.

As armas das big techs proporcionam uma boa briga, mas, por enquanto, não garantem a vitória. O Facebook, por exemplo, já sofreu um revés e tanto recentemente, antes mesmo de lançar seu produto financeiro. A empresa anunciou uma parceria com mais de vinte companhias, entre elas MasterCard, Visa, PayPal e Mercado Pago, para lançar a própria criptomoeda: a libra. A reação dos bancos centrais de todo o mundo, inclusive o de seu país natal, os Estados Unidos, foi tão agressiva que os principais sócios no projeto abandonaram o barco. O público também se mostrou receoso, afinal a rede social já teve notórios problemas com vazamento de dados, sempre seguidos de desastradas tentativas de jogar a culpa em terceiros. “Há o temor de que a libra substitua as moedas emitidas pelos Estados, ameaçando, assim, a soberania monetária das nações com a privação do controle dos sistemas de pagamento vinculados ao dólar e da aplicação de sanções”, explica Katharina Pistor, professora de direito comparado na Universidade Columbia.

Em menor escala, a Apple encarou uma crise de imagem ao ter seu cartão de crédito, lançado em parceria com o banco Goldman Sachs, acusado de usar um algoritmo sexista por oferecer mais crédito a homens do que a mulheres com o mesmo perfil financeiro e agora está sob investigação do Departamento de Serviços Financeiros de Nova York. O próprio Google teve revelado um plano secreto denominado Project Nightingale, cujo objetivo era recolher e analisar dados de saúde sobre milhões de americanos. A coleta dessas informações teria sido feita sem o conhecimento dos pacientes.   A verdade é que se trata de um caminho sem volta. Mesmo que especialistas tenham suas desconfianças, todas as empresas citadas acalentam projetos para invadir o setor financeiro. Por outro lado, elas não são infalíveis. O Google, por exemplo, tentou inúmeras vezes lançar sua rede social e fracassou em todas elas. 

A Amazon ainda não conseguiu emplacar marcas próprias de produtos, mesmo dando um empurrãozinho e tanto a elas em seu algoritmo de vendas. “O fator-chave de sucesso para entrar no jogo as big techs já têm: grande quantidade de usuários. Mas isso não é garantia de que os empreendimentos serão bem-sucedidos”, afirma Paulo Furquim de Azevedo, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper.  

O barulho causado pelas big techs no setor financeiro ainda não é motivo para insônia, mas é bom os bancos ficarem de olhos abertos.




quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Qual será o novo modelo? - Nas entrelinhas:

“A modernização das relações trabalho-capital nunca teve uma correlação de forças tão favorável no Congresso, a favor da desregulamentação, é claro”


A grande mudança debatida ontem pela Câmara dos Deputados sobre a legislação trabalhista, com a chamada MP da Liberdade Econômica, foi o fim da remuneração em dobro do dia trabalhado aos domingos, que agora poderá ocorrer por até três fins de semana consecutivos, se houver compensação com uma folga correspondente no decorrer da semana, negociada individualmente. A aprovação da mudança é mais um avanço na desregulamentação das relações trabalhistas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Em outras circunstâncias, haveria grande mobilizações sindicais para evitar que isso ocorresse, mas não é o que acontece. Com o fim do imposto sindical, os sindicatos entraram em colapso, e os trabalhadores estão muito acuados pelo desemprego. Só se mobilizam em situação de desespero, como, agora, na greve dos motoristas do Espírito Santo, por causa dos ônibus que começariam a circular sem trocadores, quando em todo o mundo já começam a circular caminhões e ônibus sem sequer motorista.

A propósito, vem do Espírito Santo um “causo” que ilustra bem a situação, que me foi contado pelo ex-governador Artur Carlos Gerhardt Santos, que governou o estado no começo dos anos 1970 e foi o grande artífice da industrialização capixaba, cuja economia é a única do país voltada para o comércio exterior. Quando a ponte rodoferroviária Florentino Ávidos, também conhecida como Cinco Pontes, toda fabricada em aço e trazida da Alemanha, foi inaugurada, em 1927, um português de Vila Velha logo inaugurou uma linha de lotação ligando as duas cidades. Em protesto, os catraieiros (barqueiros cujos remanescentes até hoje fazem transporte de passageiros de um lado para outro do canal que separa a ilha de Vitória do continente) resolveram fazer uma greve. “Não tinha a menor chance de dar certo”, ironizou o ex-governador. A ponte existe até hoje, foi um marco da expansão e modernização da economia capixaba, possibilitando a chegada ao Porto de Vitória dos trens da Vitória-Minas.

A modernização das relações trabalho-capital, premissa para a retomada do crescimento, nunca teve uma correlação de forças tão favorável no Congresso, a favor da desregulamentação, é claro. Essa é uma das consequências do fracasso petista no comando do país, depois do naufrágio do modelo de capitalismo de Estado adotado a partir do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula das Silva e, principalmente, durante o governo Dilma Rousseff. É jogo jogado. A estagnação da economia, com aumento acelerado da miséria e desemprego em massa, induz mudanças profundas na estrutura produtiva do país, com o uso de novas tecnologias, principalmente robotização e inteligência artificial, que tornam obsoletos dispositivos de uma legislação criada quando o Brasil se urbanizava e se industrializava. A Era Vargas, cujo fim já foi tantas vezes proclamado, parece realmente moribunda.

Sem paradigma
A lógica da velha política classista dos sindicatos, que tinha como eixo a garantia e a ampliação de direitos trabalhistas para reduzir a taxa de exploração de mais-valia, como no caso dos catraieiros de Vitória, não tem a menor chance de dar certo. A velha indústria e os serviços estão passando por mudanças irreversíveis, que fazem da velha legislação letra morta. É um processo que exige soluções novas e criativas para garantir novos direitos aos trabalhadores, sem criar entraves ao funcionamento da economia. Além disso, setores que não conseguem acompanhar o aumento de produtividade pela inovação, recorrem à superexploração do trabalho para manterem sua competitividade.

O paradigma taylor-fordista da grande indústria mecanizada como referência para a organização e a luta dos trabalhadores já era. A crise é tão profunda que o próprio “ser operário”, que Marx classificava como a classe geral que, ao se libertar da exploração e opressão, libertaria todas as demais classes subalternas, hoje é uma espécie em extinção. A nova economia coloca em xeque até mesmo valores herdados da Revolução Francesa e que estão no cerne da democracia liberal: os direitos humanos.  A universalização do direito à saúde e à educação, que já foram essenciais, por exemplo, perderam a funcionalidade para a reprodução ampliada do capital. Não há necessidade de exércitos industriais de reserva e até mesmo de exércitos de massa. Para que tantos operários qualificados e oficiais e soldados diante dos novos artefatos de produção e bélicos guiados por inteligência artificial?

A economia brasileira passa, no plano institucional, por um novo ciclo de modernização. Indiscutivelmente, com a derrota da esquerda, ou seja, dos modelos nacional-desenvolvimentista e social-democrata, o Brasil vacila entre o velho americanismo e os novos paradigmas asiáticos. A contradição principal é o fato de que a modernização terá que ser feita com capital estrangeiro, sem um setor produtivo estatal e grandes grupos industriais nacionais. No século passado, os cafeicultores paulistas e seus banqueiros enfrentaram situação parecida, mas renegaram o velho patrimonialismo e financiaram a industrialização. Hoje, não sabemos se o nosso agronegócio e o mercado financeiro têm capital acumulado e vontade política para investir pesadamente num novo ciclo de modernização fora dos marcos da agricultura, ou seja, na economia do conhecimento: educação, ciência, tecnologia e inovação.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB


 

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Seguidores da Jô ou Josiane - a filha, sem noção, da brega Maria da Paz (a verdade sobre eles)

Folha de S. Paulo - Ronaldo Lemos

O fim dos likes no Instagram?


O modelo de likes ficou obsoleto; há outras formas de medir popularidade

Levantou poeira na semana passada o experimento do Instagram de ocultar os likes que um conteúdo recebe.  O Brasil está entre os países em que o teste está sendo realizado. Parece coisa pequena, mas o impacto de uma mudança como essa pode ser gigantesco. A justificativa seria "tornar o Instagram um lugar onde as pessoas sintam-se confortáveis para se expressar", além de "remover a pressão sobre o sucesso de cada post". Esses pontos fazem sentido. Mas a questão é mais profunda.

A organização da internet em likes tem levado a um estado geral de inflamação da rede, que, por sua vez, resvala na sociedade.

Na busca por likes, vale tudo. Por exemplo, surgiu toda uma indústria para vender curtidas artificiais em qualquer rede social. No Instagram, mil likes em uma foto custam hoje por volta de R$ 35. No atacado, 50 mil likes custam cerca de R$ 900. Em outras palavras, quem tem dinheiro pode artificialmente ser "famoso" na rede. Mesmo celebridades recorrem a esse tipo de recurso, tendo em vista a concorrência acirrada (e a ideia de que "todo o mundo está fazendo, então vou fazer também").  Mais do que isso, grupos políticos que querem dar aparência de "popularidade" a uma determinada ideia também fazem o mesmo: compram likes para artificialmente dar a impressão de que o "povo" está apoiando sua mensagem, criando uma forma perversa de propaganda oculta, que se tornou comum.

A compra de likes não é o único problema. Há estudos científicos que mostram que conteúdos apelativos e mesmo mentirosos geram mais "engajamento" e se espalham mais rápido e amplamente na rede.   Em outras palavras, na busca por likes, acabamos todos incentivados a produzir conteúdo cada vez mais extremo, reforçando um círculo vicioso inflamatório.

É nesse contexto que a medida do Instagram é um bom passo inicial. Mas há também razões comerciais.  O fato é que o modelo de likes para organizar conteúdos na rede ficou velho. Ele teve um impacto explosivo nos anos 2000 e em boa parte desta década. Mas, com o surgimento de ferramentas como inteligência artificial, o modelo do like começa a ficar obsoleto. Há muitas outras formas de medir popularidade e organizar conteúdos que não precisam mais do like. Outra questão é a desigualdade. Likes são um tipo de capital que se distribui de forma profundamente desbalanceada nas redes sociais. Um pequeno percentual de celebridades acumula volumes gigantescos de engajamento, sobrando pouco para os usuários comuns.

Essa questão distributiva começou a se tornar ruim para o negócio e a abrir flancos para a entrada de concorrentes. Um exemplo é o aplicativo de vídeos Kwai, surgido na China e que começa a se popularizar em outros países, incluindo o Brasil. Sua promessa é justamente acabar com o desnível entre celebridades e usuários comuns. Essa fórmula tem funcionado tão bem que começa a ser copiada por outras redes sociais. A obsolescência dos likes é só um sintoma de uma temporada de mudanças mais profundas que irão sacudir o território das redes sociais. Obviamente, com efeitos para toda a sociedade.

 

Folha de S. Paulo

 

 

sábado, 6 de julho de 2019

Nada de útil

Enquanto o mundo avança cada vez mais em busca da inteligência artificial, nossa elite está fazendo o possível para descobrir justo o contrário


Publicado na edição impressa de VEJA

A elite pensante do Brasil, que se imagina capaz de saber o tempo todo o que é o melhor para cada um de nós, frequentemente lembra o personagem do samba “Mocinho Bonito” o clássico pé rapado de uma Copacabana de outras eras, que passa a vida fingindo ser o que não é. O mocinho, para quem nunca ouviu a história, é o “perfeito improviso do falso grã-fino”, que no “corpo é atleta, no crânio é menino”, e “além do ABC nada mais aprendeu”. Como conta a letra da canção, ele tem “pinta de conde” mas nessa pinta só “se esconde um coitado, um pobre farsante que a sorte esqueceu”. Olha a nossa elite aí. Ela convenceu a si própria, e tenta convencer o resto do Brasil, que é a única classe de gente neste país realmente capacitada a pensar e, por via de consequência, como gostava de dizer um antigo político de Minas Gerais, a responsável exclusiva por definir o que é virtude e vício, e separar o certo do errado. Mas na vida real não é nada disso. As cabeças que hoje pretendem falar por todos os brasileiros são puro dinheiro falso; por trás da sua pose de conde o que existe é apenas a média da mediocridade nacional vigente.

O que é, na prática, essa elite ou quem faz parte dela? Não é, com certeza, a “zelite” do ex-presidente Lula, um ente em estado gasoso que ele mesmo jamais conseguiu definir. (Como não explica, supõe-se que a “zelite” seja apenas o conjunto dos seres humanos que não esteja de acordo com ele porque milionário, gente que manda, empresário “campeão”, empreiteiro de obra e o resto dessa turma nunca tiveram um amigo de fé-irmão-camarada tão dedicado quanto Lula.) Também não é aquilo que os livros de sociologia definem como “burguesia nacional”, nem o pessoal que vai à shopping center, nem a “classe A” dos institutos de pesquisa, ou, simplesmente, quem tem mais dinheiro que você. A elite a que se refere este artigo é a classe social descrita por ela mesma como civilizada, instruída, progressista, “antenada” as pessoas que se consideram habilitadas, em suma, a dizer como o Brasil deve ser governado e como o brasileiro deve se comportar. Antigamente, nos países considerados cultos, esse bioma social era chamado de intelligentsia. Aqui, considerando-se a soma do que pensam, querem e dizem, formam a burritsia.


Basicamente, faz parte da elite pensante quem influi em alguma coisa, ou se acha capaz de influir. É quem aparece no jornal, fala no rádio e dá entrevista na televisão. É o “especialista” quer dizer, o sujeito que se especializa, quase sempre, em dizer aquilo que os comunicadores sociais querem que ele diga. É quem dá aula na universidade ou, pelo menos, está em sua folha de pagamento. Em geral consideram-se “europeus”, embora tomem Nova York, Harvard e as vanguardas americanas do que se chama “diversidade” como santuários da civilização moderna. Acham que o povo brasileiro é altamente insatisfatório. Gosta de combate à corrupção, quando deveria gostar da OAB. Gosta de político ladrão na cadeia, quando deveria gostar do Congresso. Gosta da polícia, quando deveria gostar da Anistia Internacional, da CNBB e do STF. Não sabe votar, quando elege candidatos proibidos por quem tem qualificação para pensar corretamente em política; por conta de sua ignorância, despreparo e maus hábitos, acaba escolhendo gente errada para governar o país. Têm horror a Donald Trump. Vivem preocupados com o avanço da direita mundial. Nunca vão a manifestações de rua desautorizadas ou seja, tidas como ameaça potencial às instituições.

Qual a utilidade de se falar disso? Uma delas é sugerir uma regra que pode ajudar o leitor a economizar tempo e ansiedade: se a maioria da elite pensante, a autoridade intelectual e os “especialistas no assunto” estão dizendo alguma coisa, pela mídia ou em seus discursos, acredite no exato contrário. Dificilmente você estará errado. Na mesma linha, quando lhe disserem que 2 mais 2 são 22, coisa que acontece com frequência cada vez maior, não se impressione; estão dizendo apenas um disparate. Continue acreditando que são 4 é garantido que você vai se dar bem. Nove vezes em dez, o que parece ser a lógica será mesmo a lógica. É bom sempre ter em mente, enfim, quem está dizendo uma boa parte do que se ouve o tempo todo por aí. Parecem figuras muito sérias. Mas são apenas o perfeito improviso do falso entendido, que por trás da pose de conde nada têm a oferecer de útil a alguém. Enquanto o mundo avança cada vez mais em busca da inteligência artificial, nossa elite está fazendo o possível para descobrir justo o contrário.

Veja

segunda-feira, 27 de maio de 2019

O futuro do trabalho

Para enfrentar os desafios da revolução digital é preciso aprimorar a educação, com foco no ensino de competências de valor cognitivo e analítico


A pesquisa Tecnologias Digitais, Habilidades Ocupacionais e Emprego Formal no Brasil, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que o mercado de trabalho no País está perigosamente estagnado em relação às transformações da chamada quarta revolução industrial. Tal revolução começa com a difusão das tecnologias de comunicação desenvolvidas nos anos 1970 e se intensifica com os avanços recentes na inteligência artificial, nanotecnologia e biotecnologia. Estes vetores fazem com que sua velocidade e seu alcance sejam significativamente maiores do que no passado. Se antes as ocupações afetadas pela automatização se concentravam na linha de produção e nas camadas gerenciais intermediárias, agora atividades não rotineiras e altamente especializadas têm sido impactadas pela utilização de algoritmos capazes de decodificar imensas bases de dados e reproduzir padrões complexos.

Ocupações que envolvem habilidades físicas, classificação e triagem de objetos, controle de estoque e operação de máquinas tendem a perder rapidamente o seu valor. Por outro lado, os pesquisadores constatam que “habilidades cognitivas, como as que envolvem raciocínio e domínio de linguagens, habilidades interpessoais, como o cuidado e o contato humano, habilidades gerenciais e habilidades ligadas às ciências, tanto as da natureza como as sociais ou aplicadas, terão maior importância no futuro”.

O estudo revela um panorama duplamente preocupante no Brasil. Antes de tudo, a qualificação para tais habilidades é baixa. Além disso, quando há essa qualificação, ela é em boa parte subutilizada.  Dados do IBGE mostram que na última década a introdução de tecnologias da indústria 4.0 no País foi incipiente, sobretudo por causa de deficiências na infraestrutura de comunicação e do custo de importação de máquinas e equipamentos.

O Ipea mostra que no campo da educação, entre 2003 e 2017, houve uma expansão de quase 20% nos anos de estudo dos trabalhadores formais. Contudo, a melhoria na qualidade das ocupações cresceu menos. Ou seja, os jovens que ingressam no mercado de trabalho são bem mais escolarizados do que seus predecessores, mas o País não está criando empregos suficientemente qualificados para absorvê-los.

O Ipea mediu a utilização de 16 tipos de habilidades nos empregos disponíveis no Brasil e constatou uma queda na demanda por habilidades visuais e operacionais; habilidades que envolvem equilíbrio e força corporais; habilidades em saúde e medicina; e também em design e engenharia. Isso ocorreu em razão da contração das indústrias de transformação, extração e construção, e, em menor escala, do setor de saúde. Por outro lado, aumentou ligeiramente a demanda por habilidades cognitivas, gerenciais e de vendas, para abastecer campos como informação e comunicação; cultura e recreação; serviços sociais; agropecuária; administração pública e privada; e atividades científicas e técnicas. Segundo o Ipea, “a utilização de habilidades de maior consonância com o futuro do emprego cresceu de forma tímida no País durante o período 2006-2017”.

O estudo apresenta um cálculo das probabilidades de automação das ocupações brasileiras: para 29% delas a probabilidade é alta e para 26% é de média para alta. Isto é, mais da metade dos empregos do País podem ser, mais cedo ou mais tarde, substituídos por máquinas ou no mínimo ser fortemente alterados por elas.

Para enfrentar os desafios da revolução digital, os pesquisadores apontam algumas diretrizes para as políticas públicas. Em primeiro lugar, o aprimoramento dos sistemas de educação, com foco no ensino de competências e habilidades de valor cognitivo e analítico. Depois, recomenda-se a criação de um amplo sistema de informações ocupacionais. Com políticas integradas de recolocação e treinamento profissional, tais medidas poderão conferir à força de trabalho mais agilidade para se adaptar a um mercado em rápida mutação e talvez se tornar ela mesma uma potência transformadora.

Blog do Augusto Nunes - Veja

sábado, 12 de janeiro de 2019

Charada em construção

Profissões inteiras vão se tornando obsoletas por conta dos avanços da inteligência artificial, da impressão em 3D, da robotização e outras mudanças

(Publicado na edição impressa de VEJA)

As coisas seriam relativamente simples no Brasil se todas as preocupações, dúvidas e problemas a resolver se resumissem ao novo governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas aí é que está: a vida nem sempre nos dá a oportunidade de lidar só com uma questão de cada vez. Além de tudo o que precisa dar certo aqui dentro, hoje em dia é preciso encarar, também, uma quantidade ainda maior de coisas que têm de dar certo lá fora – e essas coisas, positivamente, não parecem estar a caminho de acabar bem. Trata-se das exigências do “novo pensamento mundial”, ou do “globalismo”, ou alguma outra combinação de palavras parecida – uma espécie de consenso ainda frouxo, mas cada vez mais ativo, que vai se criando na elite europeia e americana sobre como o planeta deveria ser ordenado daqui para frente.

A nova ordem que prescrevem para o mundo vai mal, e nem daria mesmo para esperar que fosse bem, levando-se em conta que inclui praticamente tudo o que deveria estar indo melhor com a humanidade. Mas a complicação realmente não parece estar na quantidade de problemas existentes. Parece, isso sim, estar na qualidade geral das soluções com as quais se pretende tornar o mundo e o homem melhores do que são hoje.

É uma sinuca, no caso particular do Brasil deste momento. O governo Bolsonaro, definitivamente, se declara disposto a fazer o contrário do que o pensamento mundial recomenda para resolver os problemas do universo. Do outro lado, o consenso ora em formação entre os intelectuais, burocratas, governantes e outros “influenciadores” da vida diária do primeiro mundo demonstra um aberto horror a tudo o que o governo brasileiro imagina que vai fazer nos próximos quatro anos. De Bolsonaro já sabemos o que é preciso saber. Do outro lado, porém, o que existe é uma charada em construção. Quando você começa a achar que entendeu alguma coisa na lista de deveres a ser obedecida hoje por pessoas e nações, os deveres mudam, ou entram em choque entre si, ou exigem ações que você não sabe como executar, ou sequer imagina como podem ser executadas. É mais ou menos natural, porque os propositores do novo pensamento não sabem direito, eles próprios, o que querem. 

Nem todos querem as mesmas coisas. A maioria não calcula direito as consequências das propostas que fazem. Acreditam-se capazes de organizar fatos que estão acima e além do seu controle. Não seguem, no fundo, uma ideologia, mesmo porque ainda não se identificou nenhuma ideia de verdade em nada do que prescrevem para o bem geral. Há apenas uma tumultuada coleção de desejos – e a exigência de que sejam removidas do mundo, em geral por atos do governo, todas as situações de frustração, carência e ressentimento que hoje incomodam as consciências.

Não é fácil enxergar com clareza no meio desse nevoeiro. Dá para dizer, em todo caso, que o grande traço de união entre as diversas seitas do novo pensamento é a certeza de que a mãe de todos os pecados do mundo de hoje é a falta de igualdade – tanto entre as pessoas, individualmente, quanto entre as nações. Tudo que há de errado na vida atual se deve, de uma forma ou de outra, à desigualdade; por via de consequência, de acordo com as crenças básicas do consenso mundial que está se formando no mundo rico, a redução ou a eliminação das diferenças levará à solução de todos os problemas que estão aí e não sabemos como resolver – dos quebra-quebras em Paris ao derretimento das geleiras no sul da Patagônia. Quase tudo pode entrar na lista. Guerras tribais na África, massacres de civis na Síria ou a fome no Congo não têm, por exemplo, nenhuma relação com as forças e governos que provocam essas desgraças. São, pelo novo sistema de pensar o universo, resultado da desigualdade e, portanto, têm de ser curadas com mais igualdade. Imigração ilegal em massa para os países bem sucedidos? Escassez de água? Emissões de carbono? É tudo mais ou menos a mesma coisa. Se o mundo fosse mais igual, nada disso existiria.

Como muito pouca gente está disposta a argumentar em favor da desigualdade, basicamente lembrando que esforços desiguais devem resultar em recompensas diferentes, nada mais fácil hoje em dia do que encontrar combatentes da igualdade. Estão por toda a parte. Em geral, acham que a redução do número de pobres se fará através da redução do número de ricos, e nunca da criação de riqueza entre os pobres. Têm uma mal definida hostilidade ao progresso, visto que o progresso não conseguiu eliminar a desigualdade; acham que mais eletricidade ou mais estradas, por exemplo, trazem benefícios desiguais, e portanto são desaconselháveis, sobretudo quando você já tem as duas.

O novo pensamento não gosta da ciência – não admite mais pesquisas e investigações sobre fenômenos considerados fatos já definitivos pelas suas crenças, como o aquecimento global ou a destruição das florestas brasileiras. Não gosta de religião, a não ser do islamismo, que deve ter estímulo, inclusive oficial, para se propagar nos países cristãos do primeiro mundo e aumentar com isso os índices de igualdade religiosa. Não gosta de hábitos nacionais; a grande virtude de hoje é a “diversidade cultural”, que torna um país tanto mais correto quanto mais ele substituir sua cultura pela cultura de outros países. Não gosta das liberdades individuais. Naturalmente, há um declarado horror pelo “agronegócio”, que, segundo a sabedoria predominante, destrói a natureza, produz carne de boi e faz muita gente ganhar dinheiro.

O New York Times e outros centros da nova inteligência mundial estão convencidos, por exemplo, que praticamente toda a produção da agricultura brasileira poderia ser substituída no futuro, e com vantagens, pelo consumo de insetos, capazes de fornecer todos os nutrientes necessários ao organismo humano. Com isso, seria possível eliminar fazendas nocivas ao meio ambiente, que hoje desperdiçam com a produção de alimentos terras que deveriam estar destinadas à florestas. Além disso, utilizam “agrotóxicos” e, eventualmente, perturbam a vida indígena. É mais ou menos a mesma visão que atribui aos “direitos dos animais” importância equivalente aos direitos humanos – isso para não falar nos direitos dos vegetais e da camada de gelo do Polo Norte. De modo geral, consideram a sobrevivência do meio ambiente mais importante que a sobrevivência das pessoas de carne e osso. Numa espécie de cavalo-de-pau filosófico, acham natural que os recursos naturais não devam ser utilizados em favor do bem estar humano; ao contrário, estão convencidos que é obrigação do homem e dos governos não tocar em nada que esteja presente na natureza.

Nada disso parece ter alguma coisa diretamente relacionada com a redução das desigualdades – mas o fato é que todas essas crenças, de um modo ou de outro, são apresentados como parte do mesmo pacote de salvação do mundo que vai sendo embrulhado hoje em dia por funcionários de burocracias como a ONU, Comissão Europeia e outros organismos internacionais, governos de países ricos, universidades do primeiro mundo, a mídia em geral, o cantor Bono Vox e por aí afora. Como de costume, as dificuldades mais complicadas que a construção da igualdade enfrenta estão nas suas incompatibilidades com o mundo real. Desde o início, o movimento parece cada vez mais tentado a aceitar a ideia de que é possível obter o bem estar independente do trabalho. Há bem estar na Alemanha, por exemplo, e miséria na África? A solução é abrir a Alemanha à imigração dos africanos – onde se espera que passem a desfrutar da mesma prosperidade sem ter feito os últimos 100 anos de trabalho que os alemães fizeram para chegar até onde estão hoje. É essa, por sinal, a grande ideia que sustentou a aprovação do recente acordo internacional declarando que todos os habitantes do planeta têm agora o direito legal de imigrarem para o país que quiserem.

Pouca ou nenhuma atenção é dedicada nisso tudo à criação de mecanismos de produção capazes de gerar as riquezas a serem distribuídas para eliminar a desigualdade. Distribuir a fortuna dos ricos parece ser uma ótima ideia até você ver que só dá para fazer essa distribuição uma vez – depois que é consumida a riqueza acaba, e é preciso criar outra em seu lugar, para continuar havendo alguma coisa a distribuir. Não está claro quem vai ficar encarregado dessa tarefa. Outro problema é a tecnologia – quanto mais progresso se cria, mais se aumenta a desigualdade, e a menos que se declare uma moratória no avanço tecnológico o futuro promete a multiplicação acelerada de desiguais. Hoje as revoluções industriais se sucedem mais de pressa que as fases da Lava Jato; na verdade, ninguém sabe direito em qual revolução, exatamente, estamos hoje. Quarta? Quinta?

O certo é que a cada avanço mais gente se vê excluída dos benefícios do progresso; nem todos têm capacidade para ocupar um emprego no Silicon Valley ou seus equivalentes através do mundo. Os que não têm cacife para isso se veem, cada vez mais, relegados às ocupações menos atraentes, mais frustrantes, pior remuneradas. Profissões inteiras vão se tornando obsoletas, por conta dos avanços da inteligência artificial, da impressão em terceira dimensão, da robotização e outras mudanças desagregadoras do mundo profissional como ele é hoje. Para que pilotos de jato se os aviões voarão sozinhos, e com muito maior segurança, de Nova York a Tóquio? Para que médicos, se o computador vai fazer um transplante de coração melhor do que eles? Para que o marceneiro, se a impressão em 3D lhe entrega sua cadeira pronta e sem defeito nenhum?

É um mundo no qual só as pessoas com alto grau de conhecimento serão realmente cidadãos de primeira classe. Por mais que as leis digam que todos são iguais, e por mais que as elites pensantes escrevam programas estabelecendo regras de igualdade, as diferenças estarão cada vez mais evidentes. É para essas realidades que o Brasil tem de se preparar. Será preciso, nesta caminhada, contar com ideias muito melhores do que as que apareceram até agora.

J R Guzzo - Publicado na Edição Impressa de Veja  
Edição da semana 2617 16/01/2019 
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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Trabalho não é caso de polícia

Desemprego é assunto cotidiano mesmo num país rico e desenvolvido como os EUA

[por mais brilhante que seja o jornalista, não existe outra alternativa: VENDER CARTA SINDICAL É CASO DE POLÍCIA.
Existir ou não um ministério do Trabalho não significa uma forma eficaz de combater o desemprego - caso fosse, após mais de 80 anos de existência do MTb, não teríamos mais de 12.000.000 de desempregados 
O que combate o desemprego é o crescimento da economia.]

Não é novidade para ninguém que a natureza do trabalho mudou muito, sobretudo nos últimos dez anos. Com as revoluções da automação e da informação, trabalhar da maneira tradicional, dentro de uma linha de produção ou num escritório, tornou-se quase um luxo. A natureza do trabalhador também está mudando, e muito rapidamente. Empresas procuram cada vez mais gente fora do balcão tradicional. Querem profissionais reconhecidos mais pelas suas habilidades humanísticas do que técnicas, com competências subjetivas, mais difíceis de se reconhecer e avaliar.

Na Califórnia, a Zume, uma pizzaria controlada inteiramente por robôs, que fazem a massa, montam e assam a pizza, virou um sucesso de tal ordem que um banco investiu US$ 375 milhões na ideia , e a empresa já vale no mercado US$ 2 bilhões, antes mesmo de se multiplicar. Uma pizzaria dessa não precisa de pizzaiolo, mas de gente que tenha ideias que a ajude a crescer e se transformar. A McKinsey Consultoria fez uma pesquisa em que revela que empresas que diversificam seu quadro de pessoal são mais competitivas e faturam mais.

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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Jair, o que a gente vai dizer?

Não falta muito para o Brasil ser chamado a assumir lado numa briga de cachorros muito grandes


O grande espetáculo geopolítico do século ganhou mais ritmo. O Departamento de Comércio do governo americano acaba de divulgar uma lista de novas tecnologias que terão exportação restringida. Elas incluem inteligência artificial, computação quântica e robotics. A lista de restrições às exportações dessas tecnologias é claramente desenhada para preservar o avanço americano em relação à China.

A divulgação da lista ocorreu poucas horas depois de um áspero duelo de discursos no encontro da cúpula econômica dos países da Ásia e do Pacífico entre o presidente da China (ao qual a imprensa internacional já se refere como imperador) e o vice-presidente americano Mike Pence (Trump esnobou o encontro). A guerra de palavras entre Beijing e Washington tornou mais difícil acreditar numa solução breve para a declarada guerra comercial entre os dois gigantes da economia mundial.

Mais ainda: na guerra de discursos, China e Estados Unidos descreveram-se mutuamente como potências coloniais na Ásia. Pence pediu aos países da região (e outros fora dela) que não aceitem “dívida externa” (uma referência à grande iniciativa estratégica chinesa de projetos de infraestrutura em vários países) que possa “comprometer sua soberania”. E Xi Jinping acusou os EUA (embora não tivesse mencionado o nome) de solapar o sistema de regras internacionais “por motivos egoísticos”.

Se alguém ainda tinha alguma dúvida, a ascensão da China resulta num confronto geopolítico de proporções inéditas, e tanto o desafiante (a China) como o desafiado (os Estados Unidos) comportam-se totalmente de acordo ao que previam algumas teorias sobre Relações Internacionais: a superpotência americana não pode tolerar o surgimento de uma outra superpotência capaz de dominar sozinha uma parte do mundo. E, inicialmente, dedica-se a uma clássica política de “containment” (comparável à da Guerra Fria com a União Soviética). A China já denuncia esse tipo de “cerco”.

As mesmas teorias supõem que inicialmente a China crescerá de forma harmônica e pacífica, até sentir que sua própria segurança (e crescimento) estão em risco – o ponto já parece ultrapassado. É esse tipo de tensão geopolítica que tem trazido medo nos últimos meses aos mercados internacionais – mais até do que as disputas comerciais travadas em termos de “guerras”. Aqui entra o papel de indivíduos. Xi Jinping, o novo imperador chinês, não deixa de maneira alguma a impressão de ser um dirigente propenso a ceder a pressões externas. Ao contrário: ele parece convencido de que o único objetivo dos Estados Unidos é o de conter a China.

Xi vai se encontrar dentro de alguns dias na cúpula do G20 com Donald Trump, o homem que acredita que conflitos geopolíticos dessa magnitude colossal se resolvem com “amigos” conversando ao redor de um campo de golfe (como ele fez com Xi Jinping na Florida). De fato, a cúpula chinesa aparentemente diferencia entre as instâncias tradicionais de formulação de condutas externas americanas (departamentos de Defesa e Estado), que se engajaram no “containment” como estratégia frente à China, e a figura de Trump.

O problema, porém, ficou claro para as outras potências que lidaram com chineses e americanos nos últimos tempos. Cada vez mais Washington e Beijing pedem aos líderes de outros países que assumam um lado nessa disputa monumental. Mesmo com tantos oceanos nos separando dos EUA e da China, não vamos escapar de ouvir a mesma pergunta: qual o lado?
E aí, Jair, o que a gente vai responder?

William Waack - O Estado de S.Paulo

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

As prisões mentais

Bolsonaro terá de moderar retórica. E oposição precisa tomar consciência da situação delicada em que o país entra


Lula está preso, meu caro. Repito a frase de Cid Gomes que ecoou na rede, suprimindo a palavra babaca. Não por correção política. A palavra iguala a estupidez à vagina. Apenas para lembrar, com humildade, como certos sentimentos estão arraigados em nossa cultura e emergem de nosso subconsciente.  A líder da direita francesa, Marine Le Pen, afirmou que algumas frases de Bolsonaro são inaceitáveis na França. Mas não o foram no Brasil.
Humildade aqui significa reconhecer que mudanças culturais levam tempo para se consumar. Não são como uma ponte destruída pela chuva que se reergue rapidamente. Nem mesmo uma nova capital que pôde ser construída no Planalto. Às vezes, atravessam gerações.

Lula está preso. É natural que o PT não aceite isso. Mas a forma de recusar foi chocar-se diretamente com a Justiça, tentar dobrá-la com manifestações, apoio externo e uma inesgotável guerra de recursos legais.  Compreendo que isso era visto como uma forma de acumulação de forças. Mas, na verdade, também acumulou rejeição. Quando Haddad foi lançado, cresceu rapidamente exibindo a máscara de Lula. No segundo turno, a máscara envelheceu como o célebre retrato de Dorian Gray.  Mas o período que se abre agora será de tanto trabalho, que talvez não tenhamos mais tempo para nos patrulharmos. São tempos complexos, que demandam mais humildade ainda.

Num debate em São Paulo, depois do primeiro turno, confessei como o processo me surpreendeu. As pesquisas indicavam uma grande vontade de renovação. Quando os partidos se destinaram quase R$ 2 bilhões para a campanha, concluí que a renovação seria mínima. Apesar de ter feito algumas campanhas no território digital, minha reflexão ainda se dava no quadro analógico. A renovação, cuja qualidade ainda é discutível, aconteceu. Com R$ 53 milhões, Meirelles teve menos votos do que o Cabo Daciolo, um exemplo de como os velhos parâmetros foram para o espaço.

As próprias pesquisas que tanto critiquei no passado porque achava que favoreciam Sérgio Cabral, hoje as vejo com nostalgia. Existe informação na pergunta clássica em quem você vai votar.  Mas, para detectar tendências, é preciso um oceano de dados e capacidade de análise. As pesquisas envelheceram, sem que muitos se dessem conta. Mas não apenas elas envelhecem, num mundo em que a inteligência artificial avança implacavelmente.  E é nesse mundo que teremos de navegar. A situação econômica internacional não é favorável como no passado. Nos artigos em que trato de alguns de seus aspectos, começo sempre com o paradoxo: os Estados Unidos, que lideraram uma ordem multilateral, decidiram abandoná-la. Será preciso mais do que nunca acertar os passos aqui dentro. Isso significa gastar menos, fazer reformas.

Quando estava na Rússia, os primeiros protestos contra a reforma da Previdência foram abafados pelo oba-oba da Copa do Mundo. Soube que agora a popularidade de Putin caiu 20 pontos precisamente por causa dela. Em outras palavras, a vida não é nada fácil para quem precisa reformar o Estado e fazer um ajuste fiscal.  Nesse futuro tão nebuloso que nos espera, a tese do quanto pior melhor é atraente, no entanto, pode ser também um novo erro de avaliação. Quando ficamos muito concentrados nos problemas internos, perdemos um pouco de vista nossa inserção internacional. A imagem do Brasil lá fora mudou. O próprio Bolsonaro começará seu mandato como um dos presidentes mais rejeitados pela imprensa planetária. [a rejeição da imprensa planetária não importa; Bolsonaro, vencendo, terá do seu lado mais de 60% dos votos válidos e ele está sendo eleito presidente do Brasil.] Ele terá de moderar sua retórica. E quem faz oposição precisa tomar consciência da situação delicada em que o país entra.


A sobrevivência da democracia não está ameaçada. Mas algumas escoriações podem empurrá-la para o viés autoritário que hoje cresce no mundo.  As fake news, por exemplo, sempre existiram, mas hoje têm um peso maior, pelo alcance e velocidade. Utilizá-las sem escrúpulos e denunciá-las no adversário apenas confirma o pesadelo moderno da decadência da verdade.  É muito difícil chamar à razão a quem se considera o dono dela. Os intelectuais condenam as escolhas populares, mas, às vezes, não percebem a sede de sinceridade que há por baixo delas. Pena.

Fernando Gabeira - O Globo