O presidente da República surpreendeu a todos ao ingressar com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade, pedindo liminar, contra a ordem de
cancelamento, pelas redes sociais, dos perfis de 16 cidadãos
brasileiros. A determinação foi expedida pelo ministro do STF Alexandre
de Moraes, no âmbito do conhecido “inquérito do fim do mundo”.
O
extenso arrazoado é uma oportuna aula sobre as liberdades públicas, que
aparentemente foi gazeteada pelo ministro em seu curso de Direito. Na
longa história dos povos rumo ao constitucionalismo e à democracia, o
Estado não foi concebido para servir a si mesmo, nem para proporcionar
intangibilidade e veneração cívica sem limites a quem nele exerce poder.
Antes, as liberdades cívicas evoluíram dessa condição original para seu
oposto. Hoje, todas as nações democráticas se percebem integradas a
estados nacionais em que o estado existe para assegurar os direitos e
liberdades de seus cidadãos.
Foi saudável saber que o presidente,
vendo atropelados direitos que os cidadãos brasileiros prezam, tomou a
iniciativa de apelar aos colegas do ministro. Fez bem ao lembrá-lo de
que nossa Constituição – e ela como tantas outras – não cria liberdades
públicas. A liberdade é inerente à natureza humana. A Constituição
simplesmente reconhece que essas liberdades são meros adjetivos de uma
mesma e única liberdade, que é aviltada quando suprimida sem muito justa
causa definida em lei. E é ela, a lei, que vai assegurar a legitimidade
de qualquer coação.
Estas linhas registram minha alegria por ver
o presidente defender, pelo modo certo, um bem de imenso valor,
expressando respeito a algo que vem sendo vilipendiado por assomos
autoritários e totalitários de um colegiado jurídico, poder de Estado,
que se extraviou do bom serviço e perturba a nação. Como afirma a ADI
presidencial, modernamente, cortar de alguém o acesso às redes sociais é
o mesmo que lhe tomar a voz.
Percival Puggina (75),
membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de
jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba,
a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante
do grupo Pensar+.
O curioso é que esses sinais de Aras se acumulam exatamente no governo que durante a campanha eleitoral prometia combater a corrupção. Era uma propaganda enganosa, Jair Bolsonaro nunca em sua carreira política atuou contra os desvios. Em 2018, ele surfou a onda contra a corrupção, que é um sentimento legítimo da sociedade.
O presidente Bolsonaro levou para seu governo um símbolo da Lava-Jato e o enfraqueceu. O ex-juiz Sergio Moro diz agora que foi usado. Aras foi escolhido procurador-geral da República a dedo para determinadas ações, e tem cumprido essa promessa. Havia a expectativa de que ele, a partir do momento em se tornasse indemissível como PGR, desempenhasse seu papel constitucional. Desde o começo Aras combate a Lava-Jato. Ele assedia a Força-Tarefa, dá declarações críticas e agora fala em corrigir os rumos da operação.
O procurador-geral diz que a Lava-Jato acumulou dados sobre 38 mil pessoas, sem critérios. Dá a impressão de que se formou um poder discricionário dentro do estado na mão de alguns procuradores. A realidade é que muita gente foi citada. Algumas não foram investigadas, outras serão acompanhadas por outras instâncias do MP ou da PF. A Lava-Jato vem desde 2014. Aras, desde o início, exigiu o compartilhamento das informações obtidas pela operação e pretende centralizá-las. Por outro lado, ele luta contra o que chama de “lavajatismo”, que na realidade levou o país a conhecer profundamente as entranhas da política para corrigir os desvios.
A Lava-Jato teve excessos, todo o processo numa democracia exige fiscalização e correção. Mas para isso há a própria Justiça que várias vezes impôs uma correção de rumo à Lava-Jato. Corrigir o processo investigativo é muito diferente de tentar acabar com ele. As declarações e ações de Aras passam a impressão de que ele acabar com as investigações. Em outra frente, ele ataca a Lava-Jato. Em outra, ele mira na Polícia Federal. Aras propôs o arquivamento dos inquéritos nascidos da delação de Sergio Cabral, que foi negociada pela PF. É claro que uma delação tem que ser confirmada por provas, caso contrário não é homologada. Mas aí há uma briga entre dois grupos dentro do estado brasileiro. A Polícia Federal sempre quis o poder de conduzir delações premiadas, e o MP entende que essa prerrogativa é exclusiva dos seus membros. A discussão vem desde antes do mandato de Aras. O STF já havia reconhecido o direito da PF celebrar acordos de delação. Aras quer voltar ao debate anterior. A ideia dele é que um acordo de colaboração só será celebrado se o MPF concordar.
O movimento de Aras vai enfraquecer a investigação sobre desvios.
Míriam Leitão, jornalista - O Globo