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quinta-feira, 23 de maio de 2019

Senado paralisa Itamaraty

“ONU, Paraguai, Grécia, Guiana, Hungria, Marrocos, França, Romênia, Bulgária, Jordânia, Portugal, Bahamas, Egito, UNESCO e Catar aguardam novos embaixadores, além de Itália, Santa Sé e Malta e CPLP”


A relação do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, com o Congresso, na linha de atuação do guru Olavo de Carvalho, está criando a maior dor de cabeça para o Itamaraty. Quinze novos embaixadores designados pelo ministro foram parar na geladeira da Comissão de Relações Exteriores do Senado, apesar da conversa entre o chanceler brasileiro e o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que somente liberou a apreciação das indicações de três embaixadores até agora, todos por interferência de outras autoridades.

O presidente da Comissão, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), é aliado de primeira hora de Alcolumbre. Hoje, em reunião extraordinária da Comissão, segundo a pauta que estabeleceu, serão examinados os nomes dos embaixadores designados para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com sede em Lisboa, Pedro Fernandes Pretas, um pedido do ministro-chefe do Gabinete de segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; para Santa Sé e Malta, Henrique da Silveira Sardinha Pinto, solicitação do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG); e da Itália, Hélio Vitor Ramos Filho, cujo padrinho é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A primeira indicação será relatada pela senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), a segunda pelo próprio Anastasia e a terceira, pelo senador Jarbas Vasconcelos(PMDB-PE). Todos são de oposição.

Nos bastidores do Itamaraty, a interpretação é de que as dificuldades estão num contexto mais amplo do que as relações dos diplomatas indicados para os postos no exterior com o Congresso, porque a maioria deles exerceu funções técnicas e não têm rusgas políticas com os senadores. Também não existe nenhuma “pendência” do presidente do Senado com o Itamaraty. Há cerca de um mês, o chanceler Ernesto Araújo esteve com Alcolumbre para solicitar a aprovação de suas indicações, sem sucesso até agora. Araújo já se queixou com o presidente Jair Bolsonaro sobre a demora nas nomeações, mas não houve nenhuma iniciativa do Palácio do Planalto no sentido de agilizar a apreciação dos nomes.

A substituição de embaixadores em postos estratégicos é normal na troca de governos, o que não é normal é essa demora. Também não é trivial a ruptura promovida por Araújo, que resolveu “caronear” — para usar uma expressão militar — a elite diplomática do país e promover diplomatas mais jovens para os postos mais relevantes. O ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira foi elegante ao deixar o cargo que ocupou durante o governo Temer, evitando trocas nos postos primordiais, como as embaixadas de Estados Unidos, França e Portugal, com o objetivo de facilitar a vida de seu sucessor e a dos próprios diplomatas. A demora nas nomeações, porém, tornou-se um empecilho para a política externa, porque os embaixadores que serão substituídos já fizeram suas mudanças e cumprem um expediente meramente formal, aguardando o substituto estoicamente.

Beija-mão
É o caso do embaixador Sérgio Amaral, em Washington, que aguarda seu substituto até hoje. Demitido antes mesmo de Jair Bolsonaro tomar posse, suporta com galhardia o constrangimento de ter que representar o país sabendo que já não tem nenhuma sintonia com o novo chanceler e o atual governo. As embaixadas também ficam em compasso de espera, porque as iniciativas estratégicas dependem da chegada dos novos embaixadores. No jargão diplomático, perdem o “drive”, ou seja, o impulso de trabalho e a energia para novas iniciativas.


No caso dos Estados Unidos, Bolsonaro ainda nem escolheu o substituto. A expectativa era de que o nome do novo embaixador fosse anunciado para o presidente Jair Bolsonaro no seu encontro com Donald Trump, mas isso não ocorreu. Os nomes que chegaram a ser cotados foram o do cientista político Murillo de Aragão, da Consultoria Arko Advice, que era apadrinhado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e o do ministro de segunda classe Néstor Forster, preferido do chanceler Ernesto Araújo.  Estão no limbo, aguardando aprovação do Senado, os novos embaixadores na Organização das Nações Unidas (ONU), Ronaldo Costa Filho; no Paraguai, Flávio Damião; na Grécia, Roberto Abdalla; na Guiana, Maria Clara Clarísio; na Hungria, José Luiz Machado Costa; no Marrocos, Júlio Bitelli; na França, Luiz Fernando Serra; na Romênia, Maria Laura Rocha; na Bulgária, Maria Edileuza Fontenele Reis; na Jordânia, Riu Pacheco Amaral; em Portugal, Carlos Alberto Simas Magalhães; nas Bahamas, Cláudio Lins; no Egito, Antônio Patriota; na UNESCO, Santiago Mourão; e no Catar, Luiz Alberto Figueiredo.

Tradicionalmente, no Senado, há uma espécie de romaria do beija-mão dos indicados para cargos que dependem de aprovação no Senado, como as agências reguladoras e tribunais superiores. Os designados visitam os integrantes das comissões encarregados de apreciar a indicação, os líderes de bancada e os integrantes da Mesa do Congresso. No caso dos embaixadores, porém, nunca houve isso, bastavam as visitas formais ao presidente da Comissão de Exteriores para marcar as sabatinas. Foram raras as vezes em que indicações foram embarreiradas no Senado, quase sempre em retaliação ao Executivo, por algum motivo. O código para derrubar uma indicação em plenário era coçar a gravata, para ninguém ser constrangido por discursos e encaminhamentos de votação.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB


terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

A cabeça de Maduro

“A crise venezuelana estava se transformando no epicentro da disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que ocorre desde a guerra fria” 


A queda do presidente da Venezuela, Nícolas Maduro, é uma espécie de troféu para a nova política externa do governo Jair Bolsonaro. Traduziria no plano internacional a ruptura política que sua eleição representou. Ocorre que a política externa brasileira, desde o barão do Rio Branco, é uma política de Estado. Quando tudo parecia que a disjuntiva entre uma coisa e outra era um fato consumado, a realidade começou a se impor com toda a força à nossa diplomacia. O Brasil meteu a colher na política interna da Venezuela como nunca antes, pero no mucho. Os militares cuidaram de jogar um balde de água fria na estratégia de confronto com Maduro.

Há razões para isso. O Brasil não está preparado para uma guerra de verdade e não tem uma cultura militar intervencionista. Uma coisa é mobilizar as Forças Armadas e a população para se defender de uma agressão. Outra coisa, muito diferente, é participar de uma intervenção militar ou mesmo apoiá-la num país vizinho. A paz nas nossas fronteiras da Amazônia foi uma conquista diplomática, não foi um estatuto estabelecido militarmente, com exceção do Acre. Os militares sabem muito bem disso, assim como o Itamaraty, mas parece que foi preciso o vice-presidente Hamilton Mourão, que foi adido militar brasileiro na Venezuela, explicar aos parceiros da nova diplomacia do chanceler Ernesto Araújo que nosso alinhamento aos Esta- dos Unidos tem um limite.

Ontem, durante o encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (Colômbia), Mourão afirmou que o governo brasileiro defende uma solução “sem qualquer medida extrema”. O Grupo de Lima foi criado em 2017, por iniciativa do governo peruano, com o objetivo de pressionar Maduro a restabelecer a democracia na Venezuela. Além de: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão.

Em termos geopolíticos, para ser bem claro, a crise venezuelana estava se transformando no epicentro de uma disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que historicamente ela ocorre desde a guerra fria. Há muito petróleo em jogo, como no Oriente Médio, e também uma espécie de simetria com os casos da Ucrânia e da Síria, onde a Rússia teve seus interesses estratégicos ameaçados pelos Estados Unidos. A guerra comercial com a China põe mais lenha na fogueira. Para os adversários de Trump, a crise venezuelana é uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.

Intervenção
Os militares brasileiros não estão nessa, não vão riscar um palito de fósforo perto de um barril de pólvora. Pode ser que Maduro caia mais rapidamente do que se imagina, mas o fato é que ele tem todas as condições de se manter no poder por mais tempo com o apoio das Forças Armadas venezuelanas e a ajuda da Rússia e da China, a não ser que haja uma intervenção militar norte- americana que arrase suas instalações e tropas militares.

Qual seria a repercussão disso nos demais países do continente? Seria a volta da política de “Big Stick” do presidente Theodore Roosevelt, como corolário da Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos deveriam exercer a sua política externa como forma de deter as intervenções europeias.  Por ironia, o canal do Panamá, construído para consolidar a hegemonia norte- americana, hoje serve aos interesses comerciais chineses, que ainda pretendem construir na Nicarágua um canal três vezes maior, com 80km, ao custo de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 85 bilhões), aproximadamente quatro vezes o PIB nicaraguense. A escalada intervencionista protagonizada pelos Estados Unidos, a partir da ajuda humanitária articulada pelo “presidente interino” Juan Guaidó, que atravessou a fronteira para a Colômbia com objetivo de liderar a entrada de caminhões com alimentos e kits de primeiros socorros, é uma jogada de alto risco. Se foi um erro ou não, só saberemos quando tentar voltar, mas o fato é que a maioria dos generais está com Maduro.

O caminho para superação do problema não é a intervenção militar. É a negociação política no plano internacional e no plano interno, com a convocação de novas eleições e uma anistia geral. O comprometimento com a corrupção e o tráfico de drogas por parte dos líderes militares da Venezuela são um complicador para qualquer acordo que não lhes garanta a uma certa impunidade. É aí que está o grande entrave à saída de Maduro, por mais que sua cabeça tenha sido posta a prêmio.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Sem intervenção

Resistência truculenta da ditadura de Maduro pode provocar confronto de dimensões imprevisíveis

O governo brasileiro, até o momento, tem dado prioridade às informações sobre as repercussões no dia a dia de nossa fronteira com a Venezuela, e não às questões militares, que são apenas laterais, pois a decisão é não participar de eventuais tentativas de golpe contra a ditadura de Nicolás Maduro, a despeito de o governo bolivariano acreditar que a “ajuda humanitária” coordenada pelos Estados Unidos não passa de um pretexto para uma invasão.
Não para as autoridades brasileiras. A preocupação, ao contrário, é em relação ao deslocamento de membros da Guarda Nacional Bolivariana para a fronteira brasileira, pois são soldados que não conhecem a região, ao contrário dos venezuelanos que lá estão, já bastante entrosados com os brasileiros. Tanto que, apesar da gravidade da situação, oficialmente o governo brasileiro não considera uma hostilidade o fechamento da fronteira pela Venezuela. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, fala em nome do governo quando diz que a Venezuela pode fazer o que quiser dentro de seu território para tentar impedir que a ajuda humanitária chegue a seus cidadãos, o que seria um erro político, mas não uma agressão ao Brasil. Para ele, pensar em intervenção dos Estados Unidos na Venezuela não faz sentido, sendo “prematuras” as preocupações, pois uma ação dessas “não faria sentido”. [o complicador é o estacionamento pela Venezuela, na fronteira com o Brasil, de armamentos de grande poder.
Pode se tornar complicado aceitar o que é uma evidente provocação, visto a clara intenção de demonstrar força.]
Para Mourão, “os Estados Unidos estão mais na retórica do que na ação. A Venezuela tem que ser resolvida pelos venezuelanos”. O governo brasileiro admite que a ajuda humanitária tanto na fronteira do Brasil quanto da Colômbia, e na Guiana, sob a coordenação da União Europeia, é mais simbólica, pois a quantidade necessária de alimentos para equilibrar a situação é muito maior, diante do quadro trágico do momento. A situação do lado brasileiro tem alguns pontos de atenção, como, por exemplo, o desabastecimento, pois muitos venezuelanos estão fazendo estoques de mantimentos em compras do lado brasileiro. Há também o perigo de falta de energia, pois aquela região é dependente da Venezuela e, em caso de racionamento, temos combustível para o funcionamento de uma termoelétrica por cerca de dez a 15 dias.
Ontem mesmo, nas diversas reuniões que foram feitas, o governador de Roraima, Antonio Denarium, conseguiu a aceleração dos estudos, inclusive de impactos ambientais, para a obra do linhão que trará energia de Tucuruí para a região, que deixaria de ser dependente de fornecimento do exterior. Todos os órgãos de informação do governo estão dedicados a detectar o que acontecerá hoje, quando estão marcadas pelo governo interino de Guaidó manifestações na fronteira para forçar o recebimento dos mantimentos. O Brasil, porém, continuará na posição de levar a ajuda humanitária até a fronteira e exigir que os venezuelanos venham pegar os mantimentos. [este parágrafo permite avaliar a irresponsabilidade dos governos anteriores a Bolsonaro na busca de uma solução definitiva para livrar Roraima da dependência de fornecimento de energia do exterior;
só agora, sob Bolsonaro e os generais, é que vão iniciar os estudos - que são demorados, todos sabemos que existem vários órgãos ambientais com a única função de criar dificuldades, sem olvidar que o MP e o próprio Poder Judiciário sempre se empenham em retardar a execução de obras dessa natureza.]
Não se sabe qual será a reação da Guarda Nacional Bolivariana, nem a da população local, que sofre com a crise e se revolta com a proximidade do que lhes faz falta vital, sem conseguir usufruir. Ontem, os conflitos já provocaram duas mortes na fronteira, e Maduro estimulou as forças militares a se manterem na repressão a todo custo. A resistência truculenta e sanguinária da ditadura de Maduro pode provocar um confronto de dimensões imprevisíveis. Se, no entanto, as demonstrações marcadas para hoje em todo o país em favor do governo provisório fracassarem, é previsível que a ditadura de Maduro, mesmo à custa de uma repressão brutal, ganhe nova força. Na segunda-feira, haverá a reunião do grupo de Lima em Bogotá, e o vice-presidente Hamilton Mourão representará o Brasil, que também terá a presença do vice dos Estados Unidos, e manterá a posição de não intervenção.
Como já contei em outra coluna, o então ministro da Defesa da Venezuela, general Vladimir Padrino López, teve em Caracas uma reunião com seu correspondente brasileiro à época no governo Temer, general Joaquim Silva e Luna, na qual pediu que o Brasil não participasse de uma eventual força multinacional de “ação humanitária”, pois ela seria só início de uma intervenção, estimulada pelos Estados Unidos. Embora participe da ação coordenada pelos Estados Unidos e União Europeia, tudo indica que o Brasil não endossará uma ação militar para derrubar o governo de Maduro, e a estratégia continua sendo pressioná-lo através de declarações e apoio ao interino Guaidó.
O fato de que no governo Bolsonaro há diversos generais que chefiaram a força de paz da ONU no Haiti e no Congo, considerados combatentes treinados em situações desse tipo, leva à interpretação de que apoiariam uma ação nesses moldes na Venezuela, mas por enquanto não há clima para isso.
 
Merval Pereira - O Globo
 
 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Dualidade de poderes

“Grandes manifestações populares, apesar de toda repressão policial e a violência das milícias chavistas, demonstram que a sociedade venezuelana já não aceita o governo de Maduro”


O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, que é o líder da oposição, se declarou ontem presidente interino do país, diante de gigantesca manifestação popular em Caracas: “Na condição de presidente da Assembleia Nacional, ante Deus, a Venezuela, em respeito a meus colegas deputados, juro assumir formalmente as competências do Executivo nacional como presidente interino da Venezuela. Para conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e ter eleições livres.”

Guaidó foi imediatamente reconhecido presidente por Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Guatemala, além do Brasil. O Itamaraty emitiu uma nota oficial na qual “reconhece o Senhor Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela”, além de anunciar que “apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem”. O presidente Nicolás Maduro, considerado um ditador pelo Grupo de Lima e pelos Estados Unidos, porém, não pretende deixar o cargo: “Aqui não se rende ninguém, aqui não foge ninguém. Aqui vamos à carga. Aqui vamos ao combate. E aqui vamos à vitória da paz, da vida, da democracia”. Maduro acusa o presidente Donald Trump de liderar um complô contra o regime chavista e rompeu relações com os Estados Unidos, dando um prazo de 72 horas para os diplomatas norte-americanos deixarem a Venezuela.

A tragédia social venezuelana, com a emigração em massa, já vem de alguns anos. A fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11 quilos no ano passado. Já são 12 trimestres seguidos de recessão. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que caia mais 15% neste ano. Com a hiperinflação, essa é uma linha de força da crise contra a qual Maduro nada pode fazer. O colapso do modelo de capitalismo de Estado venezuelano, mesmo com tanto petróleo, não pode ser superado sem um consenso social e político em torno de reformas de caráter liberal na economia. A linha adotada por Maduro, na direção de aprofundar a socialização do país, não tem respaldo político na sociedade nem pode se sustentar apenas no apoio da Rússia, da China e de Cuba.

Os artifícios usados por Maduro para se perpetuar no poder, fraudando eleições, aparentemente se esgotaram. Um sinal de sua fraqueza é o fato de que até agora não conseguiu fechar a Assembleia Nacional, que desafia seu poder. As grandes manifestações populares, apesar de toda repressão policial e a violência das milícias chavistas, demonstram que a sociedade já não aceita o governo de Maduro. Pela sua própria natureza, tal situação não pode ser estável. A sociedade necessita de uma nova concentração de poder, que pode se dar por duas vias: a renúncia de Maduro e um pacto com os militares para transitar à democracia, ou o fechamento da Assembleia Nacional e a implantação de uma ditadura aberta, com prisões em massa. Os militares bolivarianos apoiam Maduro porque controlam a maioria dos ministérios e das empresas estatais.

Mudança de postura
O modelo clássico de dualidade de poderes é a Revolução Inglesa (1625-1688) do século XVII, na qual o poder real, apoiado pelos aristocratas e bispos, se opunha à burguesia e aos fidalgos das províncias reunidos no Parlamento presbiteriano londrino. A longa luta entre esses dois polos de poder resultou numa guerra civil, numa ditadura e numa revolução democrática. Enquanto Londres e Oxford rivalizavam como centro de poder, surgiu uma terceira força, o Exército de Cromwell, que estabeleceu uma ditadura pretoriana. Com sua morte, nova dualidade de poderes se estabeleceu. Carlos II (1660 – 1685) foi proclamado rei da Inglaterra com poderes limitados. O parlamento se dividiu em dois grupos: os Whigs, que eram contra o rei e ligados à burguesia, e os Tories, defensores feudais e ligados à antiga aristocracia.


Com a morte de Carlos II, seu irmão Jaime II assumiu o governo, mas quis restaurar o absolutismo e o catolicismo, e acabou com o habeas corpus, proteção à prisão sem motivo legal. O parlamento não tolerou esse comportamento e convocou Maria Stuart, filha de Jaime II e esposa de Guilherme de Orange, para ser a rainha. Essa foi a Revolução Gloriosa. Guilherme se tornou rei e assinou a Declaração dos Direitos, que concedia amplos poderes ao Parlamento e vigora até hoje. Ao longo da história, esse tipo de dualidade de poderes se repetiu em vários países, em momentos diferentes, como na Revolução Francesa (1789-1799) e na Revolução Russa (1917-1921).

Ninguém sabe ainda o que vai acontecer com a Venezuela, mas a sua situação política se alterou radicalmente com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Maduro perdeu seu principal aliado no subcontinente, o Brasil, bem antes disso, com o impeachment de Dilma Rousseff. O governo de Michel Temer já havia tomado distância regulamentar de Maduro, mas não havia assumido uma postura de alinhamento automático com os Estados Unidos nem o apoio escancarado à oposição venezuelana, embora as pressões norte-americanas para uma postura mais agressiva já existissem, a ponto de o Departamento de Estado pedir ao governo brasileiro que mandasse tropas para a Guiana, temendo uma invasão do Exército venezuelano no país vizinho, em razão de uma disputa de fronteiras.

 Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

O labirinto da esquerda

Há cinco anos, dos 12 países da América do Sul, só três eram governados por partidos de centro ou à direita

Dois fatos políticos registrados na América do Sul nos últimos dias mostram com clareza como o ambiente político mudou na região, confirmando uma guinada à direita que vem se processando desde 2015. E também como a [agonizante] esquerda brasileira está atônita diante dessas mudanças. Dez anos antes, a maioria dos países da América do Sul era governada pela esquerda. À posse contestada pela ampla maioria dos países ocidentais de Nicolas Maduro, compareceram apenas quatro presidentes da América Latina: da Bolívia, Evo Morales; da Nicarágua, Daniel Ortega; de Cuba, Miguel Díaz-Canel; e de El Salvador, Salvador Sánchez Cerén.
Isolado na região, Maduro pode contar com o PT, que enviou sua presidente, Gleisi Hoffman. Segundo ela, a presença era um aval de que as eleições venezuelanas foram legítimas. A decisão de enviar a presidente do partido a Caracas para prestigiar a posse de Maduro mostra que o PT não aprendeu nada com a derrota de 2018, e está completamente fora da realidade. O partido respeita a eleição na Venezuela, mas diz que a eleição no Brasil não deveria ser validada, e nem participou da posse do Bolsonaro, porque não o reconhece como presidente eleito legitimamente. Considera, depois de ter participado de todos os atos da campanha presidencial, que a eleição sem Lula é um golpe.
Porém, dois adversários de Maduro foram presos sem julgamento durante a campanha, e a eleição foi considerada fraudulenta por diversos organismos internacionais que a acompanharam. A fuga e a captura do italiano Cesare Battisti na Bolívia por forças policiais da Interpol e da Itália explicitaram falhas da Polícia Federal brasileira, que não acompanhou o terrorista depois que o então presidente Temer determinou a extradição, e não conseguiram encontrá-lo.
Mas o fato concreto é que ele foi expulso da Bolívia e já está preso em Roma. Caso passasse pelo Brasil antes de ir para a Itália, estaria valendo a extradição, e a pena dele seria de 30 anos no máximo; saindo direto da Bolívia, pegará prisão perpétua por quatro assassinatos, conforme condenação da Justiça italiana. O presidente Evo Morales está usando uma nova tática, não cedeu a pressões ideológicas e expulsou Battisti, claramente para agradar o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que estava muito empenhado na extradição do italiano.
Já os partidos de esquerda brasileiros lamentaram a prisão do terrorista, que foi comemorada na Itália por partidos políticos de vários espectros políticos, da direita à esquerda. O PSOL considerou uma “covardia” de Morales ter expulsado Battisti. O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardoso disse que a extradição pelo Brasil, no governo Lula, deveria prevalecer. [Cardoso, seu desorientado, Lula está preso - é um ladrão.] Com a queda do bolivarianismo em vários países da América do Sul, o ambiente político mudou muito, e Morales, que depende da compra do seu gás pelo Brasil, precisa mudar também, para não ficar isolado.
A emergência de uma direita politicamente forte no mundo, culminando em nossa região com a eleição de Jair Bolsonaro, leva a esquerda a perder força na América do Sul, com a maioria dos países sendo governados por partidos de direita, revertendo uma situação geopolítica. Há cinco anos, dos 12 países da região, (Argentina, Bolívia Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela), só três eram governados por partidos de centro ou à direita: o Chile, de Sebastián Piñera, o Paraguai, de Federico Franco, e a Colômbia, de Juan Manuel Santos.
Dos governantes de esquerda de então, vários estão presos ou sendo processados por corrupção, como Rafael Correa, do Equador, Cristina Kirchner, da Argentina, Lula, do Brasil, Maduro da Venezuela, entre outros. E o escândalo da Odebrecht foi exportado pelo governo Lula para diversos países da América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru, Venezuela.
Quando os novos presidentes da Colômbia, Ivan Duque, e do Paraguai, Mário Abdo Benitez, tomaram posse em agosto do ano passado, e Temer governava o Brasil, mais da metade dos países da região estava sendo governada por políticos de centro ou à direita. Desde 2015, aconteceram vitórias na Argentina (Mauricio Macri), Peru (Pedro Pablo Kuczynski, que caiu por corrupção e foi substituído por Martín Vizcarra, da mesma tendência política), Chile (Sebastián Piñera), Paraguai (Mario Abdo Benítez). Isto é, dos dez países politicamente relevantes na América do Sul, apenas Maduro e Morales são da esquerda. [só que a Venezuela é de relevância negativa - país falido, acabado, miséria absoluta - e Morales busca abrigo nas asas do Brasil - mas, espera-se que Bolsonaro para começar a conversar exija que o boliviano devolva as refinarias que expropriou da Petrobras.] 

Merval Pereira - O Globo

 

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Polícia e MP deflagram Operação Echelon contra o PCC em 14 Estados

Justiça decretou ainda prisão preventiva de 75 acusados, todos apontados como integrantes da facção

A Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo deflagraram nesta quinta-feira, 14, a Operação Echelon para atingir a estrutura do Primeiro Comando da Capital (PCC) que controla as ramificações interestaduais da facção criminosa. Trata-se do setor conhecido como “Resumo dos Estados”, que é subordinado diretamente à cúpula da organização.
Ao todo, os policiais estão cumprindo 59 mandados de busca e apreensão em 14 Estados. A Justiça decretou ainda prisão preventiva de 75 acusados, todos apontados como integrantes da facção.

Os policiais mobilizados para a operação começaram as buscas às 6h. A concentração dos agentes, porém, começou duas horas antes. As investigações começaram em junho de 2017, quando o líder máximo da facção, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, estava isolado pela sexta vez no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), no presídio de Presidente Bernardes, na região oeste do Estado. É por isso que Marcola, condenado a 332 anos de prisão por diversos crimes, por enquanto, não figura entre os acusados que tiveram a prisão decretada pela Justiça neste caso.

As investigações feitas pelo Departamento de Polícia Judiciária do Interior -8 (Deinter-8), de Presidente Prudente, e pelo Grupo de Atuação especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPE, mostraram como a cúpula do grupo mantém contato com bandidos em outros Estados, atuando nos tráficos de armas e drogas. Nos últimos quatro anos, o total de integrantes do PCC espelhados fora de São Paulo cresceu 6 vezes, passando de 3 mil para pouco mais de 20 mil em 2018. A facção, que em São Paulo conta com 10,9 mil integrantes, está presente ainda em cinco países da América do Sul Bolívia, Colômbia, Guiana, Paraguai e Peru.

A expansão do PCC pelo Brasil levou à reação de gangues locais, que se aliaram ao Comando Vermelho, iniciando uma guerra que atinge principalmente os Estados do Norte e do Nordeste do País. Depois de São Paulo, os Estados que concentram o maior número Vejade integrantes do PCC são, de acordo com o Gaeco, Paraná (2.829), Ceará (2.582) e Minas Gerais (1.432). Foi justamente em Minas que, na semana passada, a facção determinou a realização de uma série de atentados contra ônibus e ataques contra postos policiais.

Veja

 

sexta-feira, 8 de junho de 2018

O PCC ameaça a democracia

É impossível que um grupelho de detentos formado no interior de uma penitenciária chegue ao desenvolvimento sem a conivência do poder público

O poderio bélico e econômico e a periculosidade do Primeiro Comando da Capital (PCC), quadrilha formada há 25 anos no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, no Vale do Paraíba, já eram tristemente conhecidos. Entretanto, o assassinato de Rogério Jeremias de Simone, o “Gegê do Mangue”, um dos líderes do bando, desencadeou uma investigação que revelou detalhes do funcionamento da facção criminosa capazes de estarrecer até os que se debruçam sobre ela por dever de ofício.

Os documentos apreendidos pela polícia revelam a estrutura operacional montada pelo PCC para extrapolar os limites de São Paulo, ampliar sua presença em outros Estados e operar no tráfico internacional de drogas. A facção criminosa já está presente na Colômbia, no Paraguai, no Peru, na Bolívia e na Guiana. Apenas no Brasil, cerca de 30 mil criminosos fazem parte da folha de pagamento da facção.  Uma série de ataques coordenados a ônibus e agentes de segurança pública de Minas Gerais e do Rio Grande do Norte mostra a força dessa política expansionista do PCC. Áudios obtidos pela Polícia Militar (PM) de Minas Gerais indicam a responsabilidade da facção nos ataques. Entre domingo e segunda-feira, 24 ônibus foram incendiados em 17 cidades mineiras. Em Natal, um ônibus foi queimado e um PM foi assassinado. “Parece-nos que houve, em parte, a orquestração de facção criminosa, mas não podemos determinar isso. A investigação é que vai ditar se esses áudios correspondem aos ataques que foram efetivados”, informou o major Flávio Santiago, porta-voz da PM mineira.

De acordo com a apuração feita pelo Estado, os ataques teriam sido represálias ao que o PCC chama de “opressão” supostamente praticada em presídios de MG e do RN. É sabido, no entanto, que o emprego da violência em ações espetaculares é uma tática do PCC para marcar “território”. De acordo com estimativa conservadora dos setores de inteligência da Polícia Civil de São Paulo, o PCC movimenta cerca de R$ 400 milhões por ano. O curioso é que, embora a informação provenha de um setor de “inteligência”, os números não são precisos. Há policiais que acreditam que o faturamento do bando possa ser, pelo menos, o dobro.  Fosse uma organização que operasse de acordo com as leis, o PCC estaria entre as 500 maiores empresas do País. É impossível que um grupelho de detentos formado no interior de uma penitenciária chegue a este patamar de desenvolvimento sem a conivência do poder público, em diversas esferas, para operar sem sobressaltos. Também é um escândalo que uma organização criminosa possa operar por tanto tempo. A que preço se deu a omissão de agentes do Estado é ensejo para rigorosa investigação.

A julgar pelo teor das informações reveladas após a morte de “Gegê do Mangue”, a facção há muito não se contenta com os limites de São Paulo e do Brasil para executar suas atividades criminosas. Para o PCC, o mundo é pequeno se não lhe impuserem barreiras legais dissuasórias.  Com estas ambições e os meios para a consecução de seus fins, o PCC tem atuado para infiltrar membros e simpatizantes em instituições do Estado que representam o anteparo legal aos seus planos de expansão criminosa. Já se teve notícia da presença de membros da quadrilha em Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais e até mesmo em tribunais, sem falar na conivência da chamada “banda podre” das Polícias Civil e Militar.

Investigações revelaram a ação do PCC para financiar campanhas eleitorais de candidatos à Câmara dos Deputados que, caso eleitos, serviriam para propor projetos de lei alinhados com os interesses da quadrilha. Poucas ações representam maior ameaça à democracia representativa no Brasil do que o sequestro da vontade popular para servir aos nefandos desígnios de uma organização criminosa. Hoje, o PCC é uma das maiores ameaças à segurança dos brasileiros e às instituições democráticas. Tenha o tamanho que tiver, a quadrilha jamais poderá ser maior do que o próprio Estado. Passa da hora de dar um fim a este mal.

Editorial - O Estado de S. Paulo

 

domingo, 3 de junho de 2018

Na fronteira da escravidão [única solução: fechar fronteira]




[Brasil tem mais de  13.000.000 de  desempregados, muitos famintos; e as necessidades dos brasileiros, especialmente em solo brasileiro, tem prioridade em relação as de um estrangeiro.
É lamentável a situação dos venezuelanos, mas, entre eles e os brasileiros, a prioridade, o direito, até mesmo uma questão de Justiça, manda dar prioridade aos nascidos no Brasil.]


Desesperados por emprego, venezuelanos são explorados em fazendas de Roraima

Miguel planeja a universidade. A mãe, costureira, sonha com isso. O pai opera máquinas na PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela. O menino caminha para o fim do ensino médio. Mira Engenharia Mecânica, na própria cidade, El Tigre, talvez inspirado pelo trabalho do pai.  José Daniel experimenta a paternidade pouco após deixar a adolescência. É chaveiro na Isla Margarita, paraíso turístico mais conhecido em território venezuelano. A ilha de 600 mil moradores, ao norte do país, vive lotada de gringos. Em Maturín, capital de Monagas, Argenes também opera máquinas na PDVSA, enquanto a mulher, médica pediatra, comanda um movimentado ambulatório num hospital. O caçula deles acaba de nascer. Denci toca seu negócio: vende cachorro quente, sanduíche, frango frito; oferece mesas de sinuca para a clientela. Na mesma cidade, Osward trabalha num laticínio.

Esse é um recorte de dois, três anos atrás na vida dos cinco venezuelanos. Tudo ruiu. Os bolívares recebidos perderam poder de compra diante de uma hiperinflação de quase 14.000%. Uma semana de trabalho compra apenas meia cartela de ovo ou um quilo de café. A economia encolhe num ritmo de 15% ao ano. A pobreza extrema triplicou. A violência estalou na porta de casa.  A fome foi a senha derradeira para uma verdadeira jornada de Miguel Maica, de 18 anos; José Daniel Cabello, 23; Argenes Hernandez, 32; Denci Flores, 42; e Osward Lara, 35. Percorreram por terra distâncias de até 1,4 mil quilômetros. Deixaram tudo para trás, incluindo suas famílias, e cruzaram uma fronteira — porta de entrada de uma verdadeira tragédia humanitária.
  • Em 2018, 12 já resgatados
  • Vergonha de contar à mãe
  • Fiscais focam em roraima
  • 'Vou assinar carteira para homem de roça?'
Em 2018, 12 já resgatados
Em território brasileiro, mais especificamente em Boa Vista, viraram “venecos” — o pejorativo termo que os brasileiros usam para se referir aos venezuelanos expulsos de um país em ruínas. A equação é bem simples: não há trabalho em Boa Vista; os venezuelanos estão em esquinas e sinais aceitando qualquer trabalho, a qualquer preço. Essa dicotomia vem alimentando um fenômeno cada vez mais real, frequente e óbvio: trabalhadores estão deixando a Venezuela para servirem de mão de obra escrava no Brasil.

É nesse contexto que Miguel, José Daniel, Argenes, Denci e Osward se encontraram. Eles foram levados das ruas de Boa Vista para uma fazenda a 30 quilômetros da cidade. Em condições degradantes de trabalho, erguiam dois sítios para dois brasileiros. Até o último dia 17, uma quinta-feira. Os cinco foram resgatados por um grupo móvel de combate ao trabalho escravo, por estar configurada condição análoga à escravidão.  No dia anterior, outro resgate foi feito. Um venezuelano e dois brasileiros também foram retirados de um regime de exploração. A reportagem acompanhou as duas ações passo a passo. Somente neste ano, 12 venezuelanos foram libertados da condição de escravidão contemporânea. A quantidade é três vezes maior do que em 2017 inteiro, com 4 resgatados.

Como há muito tempo não se via, auditores fiscais, acompanhados de procuradores do Trabalho, estão flagrando tarefas forçadas, e não somente condições degradantes. Quando o grupo móvel chega a uma fazenda que explora trabalho análogo à escravidão, a sensação e os relatos ouvidos são os mesmos: a realidade se espraiou nas fazendas vizinhas. Os explorados, agora, são venezuelanos.

Vergonha de contar à mãe
Miguel completou 18 anos em 14 de março deste ano. Três dias depois, deixou El Tigre, mais ao norte da Venezuela, rumo à fronteira com o Brasil. Já havia terminado o ensino médio. E frequentado por apenas um dia a faculdade de Engenharia Mecânica numa universidade pública. — Esperei fazer 18 anos para vir pra cá. Não queria chegar e ser mandado de volta por não ter 18 anos — diz o jovem. Em Boa Vista, dividiu uma casa com mais dez venezuelanos. Pagava R$ 50 de aluguel. Miguel passava os dias nos sinais de trânsito, com uma placa no pescoço: “Preciso de trabalho”. Há dezenas — ou centenas — assim pela cidade.

O empresário Patrick Morgado parou sua caminhonete S10 cabine dupla no sinal cheio de venezuelanos e ofereceu trabalho: — Quem quer cuidar de uma fazenda?
Patrick prometeu pagar R$ 600 por mês. Ou uma diária de R$ 25, o método de pagamento mais ofertado aos venezuelanos que estão em Boa Vista. Miguel topou a empreitada.  — O trabalho que saísse eu deveria agarrar. Eu disse: “Vou aí”. Ele disse que precisava de uma rede para dormir, arrumei uma, busquei minhas coisas e fui — relata.
O jovem foi levado para a zona rural do município de Cantá, mais especificamente o Sítio Paraíso, com a promessa de receber os R$ 600 mensais. Instalou a rede num barracão sem paredes, coberta com telhas de zinco, sem energia elétrica e banheiro. Os banhos são no riacho próximo. As necessidades fisiológicas, no mato. A água consumida precisa ser buscada em sítios vizinhos — ou vem do mesmo riacho.

Ao lado do espaço onde Miguel ficava, seus quatro amigos venezuelanos ergueram um barraco de lona preta, onde dormiam em redes. Dois deles já haviam trabalhado com Patrick. Chegaram a morar numa das casas que o empresário aluga em Boa Vista — o valor devido foi descontado de pagamentos de dez diárias, ao preço de R$ 30 cada uma.

Eles migraram de patrão. Passaram a trabalhar para “Puerón” — a versão em espanhol do apelido do empregador, “Poeirão”. O acerto também foi de R$ 30 a diária, a partir do dia 2, para plantar, roçar e abrir buracos para o depósito de lixo e para bases de uma casa no sítio. Até o dia do resgate, não haviam recebido nada. O dinheiro iria direto para a Venezuela.

Com Patrick, o trabalho era de domingo a domingo, como contaram aos fiscais. Com “Poeirão”, iam até sábado. Os empregadores forneciam a comida, preparada numa “cozinha” sob lona e com péssimas condições de higiene. Apenas um deles tem telefone celular. Ninguém tem CPF ou carteira de trabalho. Parte tinha só data agendada para fazer o pedido de refúgio. — Na primeira semana que trabalhamos para Patrick, saímos daqui sem receber nada porque ele descontou do aluguel — diz José Daniel.

Constatadas as condições degradantes de trabalho, que levavam a um enquadramento em condições análogas à escravidão, conforme a legislação brasileira, o grupo móvel decidiu que os cinco deveriam ser retirados imediatamente da fazenda. Os auditores fiscais quiseram saber de Miguel o que sua mãe dizia sobre onde vivia no Brasil. Ele nunca contou à mãe onde estava:  — Se eu digo à minha mãe que estou vivendo assim, em meio a essas intempéries, ela vai me dizer: “Volte para a Venezuela.” Não vai querer que eu viva aqui — conta o jovem.
E a um amigo, como descreveria o lugar onde vive? — pergunta a reportagem.
— Como um sítio com um barracão sem paredes, chão de terra e sem banheiro — responde.

Fiscais focam em Roraima
O aumento no número de denúncias de trabalho escravo envolvendo venezuelanos fez o grupo móvel — capitaneado pelo Ministério do Trabalho e com participação do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública da União e da Polícia Rodoviária Federal — focar as ações em Roraima. Trabalhadores nos abrigos de refugiados e nas ruas de Boa Vista relatam aceitar trabalhos por diárias a R$ 10, R$ 20, R$ 30. São comuns os relatos de calotes.

Em dois dos três dias destinados às ações in loco — algumas regiões são distantes e de difícil acesso — houve resgates de venezuelanos. No terceiro, as condições de trabalho dos imigrantes eram minimamente aceitáveis, mas com irregularidades que levaram à autuação do empregador.  O comboio da fiscalização, no dia 16, estava com dificuldades para localizar a fazenda que era o principal alvo naquele momento, depois de percorrer mais de cem quilômetros desde Boa Vista. A três quilômetros do local buscado, na região da cidade de Amajari, os fiscais identificaram um segundo alvo. Decidiram entrar e encontraram três trabalhadores em condições análogas à escravidão, um deles venezuelano: Pedro Manoel Fajardo, 43.

'Vou assinar carteira para homem de roça?'
Ao mesmo tempo, um homem numa caminhonete Amarok branca passava em baixa velocidade em frente à entrada da fazenda. Minutos depois, passou por quatro vezes com a carroceria cheia de gente. Policiais rodoviários desconfiaram de uma ação para evitar a fiscalização. Sem o flagrante, não havia mais o que fazer.  Dentro da Fazenda Pau Baru, Pedro Manoel trabalhava no roçado, juntamente com Jovino Francisco Dias e o filho, Ricardo Dias. Os três dormiam em redes, sob um barraco de lona preta, sem banheiro, a poucos minutos da sede. Os banhos eram sob um cano que captava uma água escura de uma pequena represa. A mesma água era usada para o consumo e para o cozimento de alimentos — ela recebia um “tratamento” com água sanitária, depois de ser coada num pano.

O patrão de Miguel reagiu assim quando soube da necessidade de assinar a carteira do jovem: — Nunca assinaram a minha carteira por uma vida inteira. Vou assinar carteira para homem de roça? Existe essa lei?
Para Patrick, “escravos, eles são em Boa Vista”:
— Pode ter mil audiências que não vou. Fiz isso para ajudar. Eles apanhavam da polícia na praça.
“Poeirão”, o dono do sítio vizinho, estava fora de Roraima. Ele é garimpeiro e vai a países fronteiriços, como a Guiana, atrás de trabalho. A mulher dele apareceu na fazenda e prestou depoimento. — A gente precisa ter empresa para assinar carteira? — quis saber ela. Já o patrão de Pedro Manoel, Jovino e Ricardo negou explorar seus trabalhadores. Todos eles precisaram se sentar à mesa, numa audiência na Superintendência do Trabalho em Boa Vista, para discutir os pagamentos que precisam ser feitos.

Ao todo, os auditores fiscais lavraram 60 autos de infração. Miguel receberá R$ 1,9 mil em verba rescisória. Cada um dos outros quatro venezuelanos da Fazenda Paraíso, R$ 1,8 mil. E Pedro Manoel, R$ 2,2 mil, valor semelhante ao que será pago a cada um dos brasileiros resgatados. Os venezuelanos receberão três meses de seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo por mês.  O Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União ainda darão encaminhamento a ações por danos morais. Um termo de ajustamento de conduta já foi assinado com o dono da fazenda onde estava Pedro Manoel e os dois brasileiros. Pelo acordo, cada um receberá R$ 2 mil por dano individual. Por terem sido encontrados em situação análoga à escravidão, eles têm direito a visto permanente no país.  Miguel tenta uma vaga num cursinho pré-vestibular comunitário. Quer juntar R$ 3 mil para comprar uma casa em El Tigre e R$ 30 mil para um ônibus. Ele não desistiu da Engenharia.

O Globo