Alguns procuradores se dizem inconformados que a sua ação tenha resultado no governo Temer, que não representa seus anseios
Cada um faça
a análise que quiser do comportamento recente de membros do Ministério
Público Federal. Tenho a minha e me atenho à objetividade dos fatos. Se
Dilma e o PT anunciam que se deu “um golpe” no Brasil para controlar a
Lava-Jato e se o procurador Deltan Dallagnol concede uma entrevista à
Folha fazendo essa mesma acusação, é impossível não agrupá-los.
Mas sou
prudente. Eu os agrupo com nuances. Cada um deles conta a história
furada que serve a seu propósito; cada um deles adota a mentira por
motivos específicos. Ao PT
interessa acusar um golpe para minguar a Lava-Jato porque, se essa
história pega, é claro que a credibilidade do novo governo é atingida em
cheio. Ao MPF
interessa acusar um golpe para minguar a Lava-Jato porque seus membros
estão convencidos — e isso já me tinha sido assegurado há tempos por
pessoas que convivem com os bravos — de que estão no meio de uma onda
revolucionária. E, a exemplo de toda revolução, esta também teria de ir
além dos limites meramente institucionais.
Assim, PT e
Dallagnol — com Rodrigo Janot — se unem episodicamente, ainda que tenham
horizontes distintos; ainda que os petistas também detestem a
Lava-Jato. Acontece que esse ódio do partido aos procuradores provocou
um estranho efeito nos homens de negro.
Conversas
Sei de fonte segura que alguns jovens
procuradores estão insatisfeitos porque têm a consciência de que
colaboraram, sim, para a desestabilização do (des)governo Dilma. Como?
Expondo o que os petistas fizeram. Só que
alguns procuradores se dizem inconformados que a sua ação tenha
resultado no governo Temer, que não representa seus anseios.
Olhem aqui:
em primeiro lugar, os bravos rapazes não deveriam superestimar o seu
papel. É claro que são personagens centrais deste momento, mas não são
únicos. Em segundo
lugar, os senhores procuradores não estão numa missão privada ou
pessoal. Eles são homens de estado. Dallagnol não é dono da
investigação. Rodrigo Janot não é dono da investigação. Os outros
membros do MPF não são. Eles não podem conduzir a operação segundo as
avaliações que fazem do cenário político.
A mim não me
interessa se os doutores gostam ou não do governo Temer; se acham que a
posse definitiva do atual interino é ou não do seu gosto. Como cidadão,
cada um pense o que quiser. O que não é possível é Dallagnol conceder
uma entrevista em que faz proselitismo aberto de uma questão que está
sob juízo do Supremo. O que não é possível é o agente que acusa ser
também aquele que julga, apelando à opinião pública.
Novas eleições
Vamos ser claros? A tese das novas
eleições contamina hoje boa parte dos membros da Lava-Jato. E é nesse
ponto que a aliança desses setores com franjas do petismo vai além de um
simples alinhamento objetivo. É claro que voltarei ao tema.
Procurador-geral fica indignado, fala grosso, mas
não diz nada. Pior: ele se calou sobre a entrevista despropositada de
Dallagnol
Muito ruim a
entrevista de Rodrigo Janot, procurador-geral da República, sobre o
vazamento dos pedidos de prisão de José Sarney, Romero Jucá e Renan
Calheiros. Ele sabe que a coisa caiu como uma bomba nos meios jurídicos,
e, para muita gente, uma luz amarela se acendeu: resta a firme
impressão de que o Ministério Público Federal se entende como um Poder
acima dos Poderes. Desde quando, numa democracia, dez ministros do
Supremo são informados pela imprensa que o MPF quer prender, entre
outros, o presidente do Poder Legislativo? Renan pode até merecer. Mas
não é assim que se faz.
Janot negou
que o vazamento tenha partido da Procuradoria-Geral da República, mas
disse que vai apurar a origem. Se for o MPF, prometeu, haverá punições.
Mas aproveitou para mandar um recado malcriado ao ministro Gilmar
Mendes, sem citar o nome, cobrando serenidade e isenção. Qual? Aquela
que se tem percebido no Ministério Público? Devagar com o andor, doutor!
O pedido de prisão era conhecido pelo MPF e por Teori Zavascki. Todos
sabem que não foi o ministro que vazou. Goste-se ou não dos seus juízos,
ele não antecipa nada nem ao próprio espelho. É evidente que a fonte de
vazamento é o MPF.
Janot fez
uma coisa estranha: negou que seja candidato à Presidência da República.
Como quase ninguém fala disso; como essa é uma hipótese considerada por
muito pouca gente; como seu nome não aparece nem nas simulações de
pesquisas eleitorais; como, que se saiba, ele não tem nem filiação
partidária, praticamente ninguém lida com essa possibilidade.
Ou por
outra: ao negar, Janot se lança candidato à Presidência da República.
Atenção! O Ministério Público Federal começou a se enrolar na sua
própria onipotência.
Cadê a bronca?
Janot deveria ter aproveitado o seu
momento de destampatório para dar uma bronca pública em Deltan
Dallagnol, o jovem e buliçoso procurador que precisa envelhecer um pouco
com urgência. O rapaz tem de saber que o diabo é diabo porque é velho,
não porque é sábio. E ele foi um tolo na entrevista que concedeu à Folha
desta sexta. Dallagnol,
na prática, justificou os vazamentos que Janot condenou e os chamou de
“crimes”; deixou claro que só reconhece como legítima uma resposta do
Supremo — dizer “sim” às prisões —, fez a defesa de um projeto de lei,
deu-se a digressões sobre o papel do Congresso, chamou prerrogativas de
parlamentares de ardil criminoso e, pior de tudo!, aderiu à tese petista
de que um grupo de atuais governistas quer interferir na Lava-Jato, o
que, até agora, não se verificou.
Com a
vocação dos messiânicos, Dallagnol deixou claro que ninguém presta — nem
o Supremo caso não faça o que ele quer — e que a única segurança dos
brasileiros é o Ministério Público. É evidente
que é preciso repudiar tal postura. Já afirmei aqui e reitero: ela não
desestabiliza o governo Temer, como apostam os petistas. Ela
desestabiliza a democracia. Daqui a pouco, Dallagnol vai quer ser o
único membro de um quarto Poder: o SPF (Supremo Procurador Federal).
Infelizmente,
a entrevista de Janot diz uma coisa, e a de Dallagnol, o seu contrário.
Um diz falar em nome do império da lei; o outro, claramente, flerta com
atalhos. Aliás, a própria entrevista já é um desses atalhos
lamentáveis. Esse rapaz
pode e deve trabalhar mais. Mas deveria fazer um silêncio obsequioso. O
seu negócio é investigar e buscar provas. Ele pode abrir mão de sua
vocação pastoral ou sacerdotal. Para ser um teórico da democracia, ainda
tem de comer muito feijão.
Se der para não repetir as bobagens do PT, melhor!
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA