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quinta-feira, 17 de março de 2022

Duas ferramentas básicas da democracia - Fernão Lara Mesquita

Transcrito do site Percival Puggina

O confronto que está ocorrendo neste momento no campo da educação pública nos Estados Unidos envolve o cerne da definição de democracia que, ao contrário do que pensa a maioria dos brasileiros, não gira em torno da questão "o quê deve ser feito", mas sim de "quem tem o legitimo direito de determinar o que deve ser feito".

A instituição do school boardde par com a do júri, é seminal para o estabelecimento da soberania do povo nas democracias de DNA saxônico. Nem cultura, nem estágio de desenvolvimento econômico são obstáculos para a compreensão da sua importância a quem é oferecida a oportunidade de adotá-las. Elas existem, firmes e fortes, em todos os países de colonização inglesa, dos africanos aos asiáticos, passando pela Índia, pela Austrália e o mais.

Mas, como sói acontecer em tudo, deus ou o diabo estão é nos detalhes. A "democracia brasileira", aquela que parece mas não é, por exemplo, inclui um pedaço da instituição do júri, exclusivamente para processos criminais. Tocqueville, que mesmo antes de visitar os Estados Unidos em 1830, já louvava a importância da instituição do júri na educação do povo inglês para a democracia, conhecia bem a diferença.

O júri nos processos criminais só exige julgamentos sobre questões primárias, dizia. E, além do mais, quase todas as pessoas esperam passar a vida inteira sem sofrer um processo criminal. Quando no juri julgam "os outros". Nos julgamentos civis ocorre o contrário. Todo mundo espera, na vida, enfrentar processos civis. E eles envolvem conceitos muito mais sutis. O juri nesses julgamentos faz com que o direito privado tenha de ser expresso numa linguagem acessível a todos os mortais e que os advogados especializem-se em traduzir as nuances de cada caso para o jurado nas suas argumentações.

Assim, cada membro de cada júri considera, ao exercer esse papel, que amanhã pode estar ele sentado na cadeira de quem está julgando hoje. "O júri, e sobretudo o júri civil serve para dotar todo e qualquer cidadão da experiência de ser juiz, e essa experiência é a que melhor o prepara para ser livre. Ela reafirma, em todas as classes sociais, o respeito pela coisa julgada e pela idéia do Direito. É a maneira mais eficaz de, ao mesmo tempo, fazer o povo exercer o seu poder e aprender a exercer o seu poder numa democracia. Sem essas duas coisas, o amor pela independência transforma-se numa paixão destrutiva".

O juri, mais que uma ferramenta da Justiça, é portanto, para Tocqueville, sobretudo uma instituição política. 

Cabe melhor ainda nessa categoria a instituição do school board. Ele é a representação eleita da menor célula do sistema de voto distrital puro, a única maneira de instituir a verdadeira democracia representativa, e a mais direta e explícita das ferramentas de submissão do Estado à vontade do povo. Refere-se a cada bairro que elege, obrigatoriamente entre seus residentes, os 7 membros do conselho de pais de alunos que controlará, pelos 4 anos seguintes, sempre sujeitos a recall, a escola pública nele instalada. É ele, e não o político de plantão ou o partido que "aparelhou" o sistema quem contrata e demite o diretor de cada escola, aprova ou não os seus orçamentos, os seus programas curriculares, as suas metas anuais e o desempenho de seus professores.

Neste particular momento a esfera dos school boards está francamente conflagrada nos Estados Unidos. A fronteira que separa os contendores é a dos que negociam suas questões com os professores através de sindicatos e os que não aceitam esse sistema e negociam diretamente com seus funcionários, professores incluídos. 

Lá, como em toda parte o setor da educação é o primeiro dos alvos visados pela luta ideológica e os sindicatos de professores os mais abertamente comprometidos com partidos e movimentos radicais. Seu principal argumento de expansão como contrapartida dos school boards é o de toda entidade corporativa: a sua "especialização" em formular e fazer tramitar projetos de educação. O seu principal ponto fraco o de toda representação corporativa: a incoercível tendência de desviar-se da finalidade alegada para a satisfação dos interesses dos encarregados de atingi-la, que faz com que todo o sistema acabe "apropriado" pelos professores em detrimento dos alunos das escolas públicas. 

National School Board Association (NSBA), instituição criada em 1940 para zelar pela qualidade da educação pública transformou-se, com o tempo, na grande impulsionadora dos sindicatos de professores como contraparte dos school boards na gestão das escolas públicas. Suas bandeiras vão na linha de extrair salários e aposentadorias cada vez mais altos e menos dependentes de critérios de mérito e banir todas as tarefas paralelas impostas aos professores pelos school boards. Além desse viés para a "insustentabilidade", e do conflito subjacente à ação de sindicatos de funcionários públicos que disputam, com o concurso de outros funcionários públicos, fatias crescentes de dinheiro de impostos e não participações maiores em lucros que contribuíram para que fossem obtidos, seus antagonistas apontam, também, a crescente contaminação do currículo escolar por material e discursos ideológicos. 

Nada, portanto, a que um ouvido brasileiro não esteja totalmente acostumado. No ambiente de extrema polarização que desaguou na derrota de Donald Trump e na eleição de Joe Biden, entretanto, a NSBA cruzou, num rompante, a sagrada fronteira da soberania do povo. E foi só aí que quebrou fragorosamente a cara. 

Enviou uma carta aberta ao presidente eleito em que, alegando "ameaças à segurança dos alunos e dos professores nas escolas públicas", afirmava que "alguns pais deveriam ser considerados como terroristas domésticos" e pedia "legislação federal e outras providências" para impor decisões a todas as escolas públicas independentemente do que pensassem os pais de alunos. O resultado foi que, mesmo tendo-se retratado do erro, e apesar das greves de professores em alguns locais, desde outubro de 2021 (a carta foi publicada em 29 de setembro daquele ano) 20 associações estaduais de school boards já romperam seus contratos de adesão à NSBA. 

Por grave que seja a doença que a afeta a partir do âmbito federal, esta é uma importante medida da saúde da democracia americana, essa ilustre desconhecida de populações isoladas pela língua e submetidas a séculos de "censura estrutural" como a brasileira. Suas raízes estão solidamente plantadas nos equipamentos de materialização dos poderes do povo nas instâncias estadual e municipal. São quase dois países. E pelo menos num deles o debate sobre o que fazer é livre, infindável, inconclusivo e sujeito às intempéries da conjuntura como deve ser em toda democracia. Mas o preceito de que só o povo tem o legitimo direito à decisão final é sagrado.                                                                          Pela mesma razão que quem escolhe a comida é quem está pagando por ela e vai comê-la e não o garçom, quem escolhe o que as escolas públicas e o sistema judiciário vão servir, na democracia americana ainda são o júri popular e os pais dos alunos.

O Vespeiro - Fernão Lara Mesquita 

 

domingo, 27 de fevereiro de 2022

PUTIN É O “LOBO DO HOMEM” - Sérgio Alves de Oliveira

Atribui-se a Platus, dramaturgo romano, a origem da frase “O Homem é o Lobo do Homem” (Homo Homini Lupus), que foi mais difundida através do filósofo inglês Thommas Hobbes, em “Leviatã”, publicado em 1651. Trocando em miúdos,essa frase quer dizer que o homem é o maior inimigo do próprio homem.

Em sentido metafórico, a frase criada por Platus, e difundida por Hobbes, indica que o homem é capaz de grandes atrocidades contra a sua própria espécie. Em “Leviatã”, Hobbes argumenta que a paz e a união social só podem ser alcançadas mediante estabelecimento de um “contrato social”,com um poder central com autoridade absoluta para proteger a sociedade, na busca de paz e uma sociedade civilizada,ordenada e desenvolvida.

O lobo-homem muitas vezes se materializa sob o sentimento que os “fins justificam os meios”, possuindo um grande potencial tanto para o bem, quanto para o mal.

Divergindo do filósofo francês Jean Jacques Rousseau, em “Contrato Social”, segundo o qual “l’homme nait bom,c’est la société que le corrompt” ( o homem nasce bom,é a sociedade que o corrompe),Hobbes considerava que o individualismo em estado natural do ser humano o compele a viver em guerra uns com os outros,e que a tendência é exploração do mais fracos pelos mais fortes,significando que o principal predador do homem é o próprio homem.

Com base nessa “introdução”, não é nada difícil concluir que o ditador russo Vladimir Putin encarna melhor que ninguém o “monstro” que muitas vezes se apossa da alma humana, o “Leviatã”,desde o momento em que,  ”covardemente”, invadiu a Ucrânia por terra, ar, e mar, possuindo um aparato bélico no mínimo dez vezes superior ao do “inimigo”. É o “leviatã” do mais forte agredindo o mais fraco.

Tanto quanto a Rússia, a Ucrânia é membro das Nações Unidas.Mas a Rússia integra o Conselho Permanente de Segurança da ONU, juntamente com outras quatro nações,a saber, Estados Unidos,o Reino Unido, França e a República Popular da China. Enquanto isso,o Conselho de Segurança da ONU tem mais 10 (dez) países-membros, rotativos.

Sem dúvida a invasão da Rússia à Ucrânia, procedida na madrugada de 22 de fevereiro de 2022, fere a Carta das Nações Unidas, da primeira à última letra. Especialmente no que tange à invasão de uma soberania de Estado integrante da ONU, por “outra” soberania também filiada à ONU.

Convocado às pressas o Conselho de Segurança da ONU,a invasão russa à Ucrânia foi repelida pelos votos de 11 (onze)membros (Estados Unidos, Reino Unido,França,Brasil,Albânia,Gabão,Ghana,Irlanda,Quênia,México e Noruega), 3 (três) abstenções (República Popular da China,Emirados Árabes e Índia),e um voto contrário,”vencido”,”coincidentemente”, o da própria Rússia, determinando-se ao “invasor” o encerramento das hostilidades e a imediata desocupação da Ucrânia.

E foi com base no direito de “veto” que tem qualquer um dos 5 (cinco) membros do Conselho Permanente de Segurança da ONU, contra decisão do próprio Conselho, ou decisão do órgão superior da ONU, a Assembleia Geral, que a Rússia se opôs e “vetou” resolução do Conselho de Segurança, negando-se terminantemente a abandonar o território invadido da Ucrânia.

Mas parece que passou despercebido pela sua assessoria jurídica pelos próprios órgãos estatutários da ONU a total invalidade do veto russo à desocupação da Ucrânia. É como dizem, ”muitas vezes o diabo mora no detalhe”. E o “detalhe” é que o veto da Rússia à desocupação da Ucrânia não poderia ter sido considerado pelo Conselho de Segurança, pela simples razão dela ser parte “diretamente interessada”,”envolvida”, no assunto. [vamos por partes: com base na nossa notória e incontestável ignorância jurídica - agora palpitando no 'direito internacional' - entendemos que qualquer membro permanente do Conselho de Segurança da ONU pode exercer ser direito ao veto - cuide a matéria debatida de interesse do próprio membro ou cuide de assunto que interesse a um país, ou povo, não membro permanente do CS/ONU = o veto dos Estados Unidos a ações contra Israel quando o Estado hebreu decide testar suas armas, incluindo caças de última geração, contra civis inocentes e indefesos. 
Entendemos que o caminho para convocação de uma Assembleia geral da ONU é repleto de 'saídas' interpretativas. , - que podem impedir uma efetiva convocação. 
Quanto aos lobos, entendemos que são dois, um deles o presidente da Ucrânia - que levou seu país a uma guerra,  por confiar que os seus aliados brigariam pela Ucrânia - e o outro, Joe Biden, que tenta recuperar o antigo prestígio da nação que preside, e com isso favorecer o que mais deseja: a supremacia do esquerdismo progressista.                                                                                           Será que é do interesse dos que interpretam a carta das Nações Unidas, uma ação que dificulte o direito de veto???] 

Nos parece que o  caminho é convocar uma Assembleia Geral da ONU - na qual os membros permanentes do Conselho de Segurança do Conselho Permanente não votam

O inciso (3) do artigo 27 da Carta das Nações Unidas é bem explícito no sentido de que “aquele que for PARTE numa controvérsia se absterá de votar”!!! E o direito de “veto”,é “voto” !!! Deu para compreender?

Sérgio Alves de Oliveira  - Advogado e Sociólogo


sábado, 19 de fevereiro de 2022

Brasil parece estar do outro lado’, dizem EUA sobre viagem de Bolsonaro

Durante encontro com Vladimir Putin em Moscou, presidente brasileiro disse ser 'solidário à Rússia'

Após ser questionada sobre a declaração de solidariedade do presidente Jair Bolsonaro (PL) à Rússia, em meio às tensões envolvendo uma possível invasão de Moscou à Ucrânia, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou nesta sexta-feira, 18, que o Brasil “parece estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global”. “Eu diria que a vasta maioria da comunidade global está unida em uma visão compartilhada, de que invadir um outro país, tentar tirar parte do seu território, e aterrorizar a população, certamente não está alinhado com valores globais”, afirmou Psaki em entrevista à imprensa em Washington. “Então, acho que o Brasil parece estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global”. [essa senhora,assim como os que pensam igual a ela, deve lembrar que o Brasil é uma NAÇÃO SOBERANA, tendo o direito de assumir as posições que entender serem as mais convenientes aos interesses do Brasil e do povo brasileiro.
Também devemos ter presente que o cidadão que preside os Estados Unidos, logo após   assumir o cargo insinuou, em parceria com o francês Macron a possibilidade da Amazônia ser invadida.
Insinuações de tal natureza são fatores que estimular o Brasil manter uma posição mais independente e sempre priorizando seus interesses.]

Em resposta a pergunta de um jornalista sobre se as falas de Bolsonaro poderiam afetar as relações Brasil-EUA, ela ressaltou que não conversou com o presidente americano, Joe Biden, sobre as declarações. Ainda assim, deu uma resposta dura. A fala da porta-voz segue o encontro do presidente brasileiro com o russo Vladimir Putin na quarta-feira em Moscou, onde Bolsonaro afirmou que “somos solidários à Rússia” e expressou desejo de intensificar as relações bilaterais entre os países.

As preocupações se dão em meio à consolidação de forças russas perto da fronteira com a Ucrânia.  De acordo com os EUA e o Ministério da Defesa ucraniano, há, atualmente, cerca de 150.000 soldados russos posicionados perto dos limites do país. A Rússia cercou o norte do país vizinho, onde a fronteira é mais desguarnecida, posicionando seu Exército como uma ferradura, cercando a região por três lados, em territórios de Belarus, de quem é aliada.

Além disso, a Inteligência americana vem afirmando há semanas que a Rússia poderia buscar um pretexto, como uma operação com agentes infiltrados, para justificar uma eventual invasão. Um dos pretextos poderia ser o recente agravamento de confrontos na região de Donbas.

A mensagem feita por Bolsonaro já tinha sido alvo de críticas por parte de autoridades americanas. Na quinta-feira, um porta-voz o Departamento de Estado dos EUA disse que o encontro “mina a diplomacia destinada a evitar um desastre estratégico e humanitário”. O momento em que o presidente do Brasil se solidarizou com a Rússia, enquanto as forças russas estão se preparando para potencialmente lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ter sido pior”, disse em entrevista televisionada. 

A VEJA antes da viagem do presidente brasileiro, uma autoridade do Departamento de Estado, que falou sob condição de anonimato, expressou que o Brasil deveria usar a oportunidade para reforçar à Rússia “a preocupação dos Estados Unidos e de outras nações sobre o papel desestabilizador que a Rússia está desempenhando e a ameaça atual à soberania e integridade territorial da Ucrânia”.

Segundo o funcionário americano, a posição do governo dos EUA sobre o aumento de presença militar russa na fronteira com a Ucrânia foi comunicada ao governo brasileiro, com quem “mantém diálogos regulares em todos os níveis”.

Em reportagem publicada em VEJA no início do mês, na edição nº 2775, o ex-embaixador Sergio Amaral destacou que Brasil e Rússia têm relação antiga e fazem parte do Brics, grupo que reúne ainda China, Índia e África do Sul. Em outras situações, uma missão oficial seria algo natural, mas não em meio a uma tensão que pode resultar em guerra. "Nesta circunstância é difícil evitar que essa visita seja interpretada como um gesto de simpatia e até solidariedade com Moscou”, destacou.

Caio Saad - Mundo Veja


domingo, 21 de novembro de 2021

O fim da segunda onda - Revista Oeste

Fábio Matos/Paula Leal 

De volta à vida

Com números em queda, a pandemia perde força e os brasileiros, enfim, voltam ao normal

 Boa parte dos brasileiros duvidou que a realidade tétrica enfrentada pela então desconhecida cidade chinesa de Wuhan chegaria aqui.  
Ruas desertas, rostos cobertos por máscaras faciais, médicos vestindo roupas de astronauta, comércio de portas fechadas, bares e restaurantes lacrados. O cenário apocalíptico parecia distante do Ocidente
No entanto, com a negligência da China e a conivência da Organização Mundial da Saúde em admitir a gravidade do Sars-Cov-2 quando os primeiros casos começaram a brotar, não demorou muito para a doença se espalhar pelos quatro cantos do planeta. 
Cada país escreveu sua própria história no enfrentamento da maior pandemia do século. No Brasil, o primeiro caso de covid-19 foi registrado em 26 de fevereiro de 2020. 
A primeira morte, em 17 de março. De uma hora para outra, o medo paralisou as pessoas, modificou rotinas, rompeu vínculos. Entramos em modo “pandêmico”.
Jogo do Brasileirão entre São Paulo e Flamengo, no Morumbi, em 14 de novembro de 2021 | Fotos: Paulo Pinto/saopaulofc.net
Jogo do Brasileirão entre São Paulo e Flamengo, no Morumbi, em 14 de novembro de 2021 | Fotos: Paulo Pinto/saopaulofc.net

Entre erros e acertos, os brasileiros viveram uma montanha-russa de emoções, agravada pela imposição de medidas autoritárias de políticos e gestores que desafiaram a lógica e a ciência. Chegamos a ser o epicentro do coronavírus no mundo. Mas não há mal que sempre dure. Depois de mais de 600 dias de angústia, a queda constante no número de casos e mortes por covid e o som pulsante das ruas dão sinais de mais uma vitória. Aos poucos, a vida retorna ao normal.

Há cerca de um ano, a pandemia deu uma trégua. Depois de um primeiro surto, o Brasil atravessou um período de aparente calmaria, com declínio de casos e de mortes pela doença. Parecia que tudo estava sob controle. Então os números dispararam e o país enfrentou uma crise sanitária ainda pior do que a primeira. O panorama, contudo, era outro. A vacinação ainda engatinhava quando o Brasil deparou com a P.1 (Gama) — uma variante do coronavírus que surgiu em Manaus e causou uma catástrofe, provocando colapso no sistema de saúde em várias cidades. A cepa é altamente transmissível e muito agressiva. Para ter ideia, ainda no mês de abril o Brasil ultrapassou o ano inteiro de 2020 no número total de mortes em razão do coronavírus.

Quando o país se recuperava do baque, aterrissou por aqui a Deltavariante originária da Índia —, responsável por uma avalanche de novos casos em países da Europa, Ásia e também nos Estados Unidos. Apesar de muito contagiosa, a Delta, comparativamente, é menos letal, e, no Brasil, não provocou uma piora nas contaminações, internações e mortes. Os números, ao contrário, não param de cair. Para o clínico geral Roberto Zeballos, doutor em imunologia, a P.1 pode ter oferecido um bloqueio biológico à Delta. “A cepa Gama fez um estrago, mas imunizou muita gente. Isso é algo que não ocorreu na Europa”, diz Zeballos. Ele ressalta que a imunidade natural da doença é mais longa e duradoura do que a oferecida pelas vacinas. “Enfrentamos dois surtos fortes e isso tem um ganho”, disse. “Toda vez que um paciente vence a doença, ele se imuniza. Quanto mais pessoas imunizadas, maiores as chances de alcançar a imunidade coletiva.” 

A circulação explosiva da variante Gama no início do ano, que resultou em um alto número de imunizados pela doença, somada ao avanço da vacinação ajudam a explicar por que a cepa Delta está se comportando de forma diferente no país. Nesta semana, o Brasil registrou cerca de 130 milhões de pessoas com o ciclo de vacinação completo o que corresponde a pouco mais de 60% da população brasileira — e já superou os Estados Unidos na proporção de pessoas totalmente vacinadas
A taxa de transmissão do coronavírus está no menor patamar desde abril de 2020. No Rio de Janeiro, o hospital de referência no tratamento da covid-19 deu alta ao último paciente internado com a doença — é a primeira vez desde o início da pandemia que a unidade não registra pessoas com covid. Algumas cidades já decretaram o fim da exigência do uso de máscaras. 
 
Doze Estados brasileiros não tiveram mortes relacionadas à covid-19 desde o último domingo, 14. Desde abril de 2020, a covid-19 era a principal causa de mortes no Brasil. Já não é mais.  
A doença foi superada por AVC (acidentes vasculares cerebrais), infartos e doenças cardíacas, segundo dados da Associação de Registradores de Pessoas Naturais referentes ao período de 16 a 31 de outubro. 
A média móvel para sete dias de óbitos, que elimina distorções entre dias úteis e fim de semana, ficou em 246. É o 15º dia seguido que o número fica abaixo de 300.

Novo fôlego para a economia
Se a ciência revela que a covid-19 caminha para ser controlada no país, o dia a dia cada vez mais próximo do normal é um dado da realidade perceptível a quem circula pelas cidades brasileiras. O movimento intenso em bares e restaurantes, a retomada das viagens, a reabertura de salas de cinema, teatros e casas de espetáculo e os preparativos para grandes eventos como o Réveillon e o Carnaval descortinam uma nova atmosfera — muito mais próxima daquela em que vivíamos antes de março de 2020. 

Os voos domésticos do país recuperaram cerca de 80% dos passageiros

Com a flexibilização das medidas restritivas, o setor de shopping centers registrou um crescimento expressivo nas vendas em outubro. Pela primeira vez em um ano e meio, as maiores operadoras de shoppings do Brasil venderam mais do que antes do início da pandemia. No mês passado, Multiplan e Iguatemi registraram altas de 10% e 15%, respectivamente, em relação ao mesmo período de 2019. E as perspectivas para o período de festas de fim de ano são animadoras. “Há uma expectativa mais positiva de vendas, com base nas últimas datas especiais do varejo, em que tivemos números acima do esperado”, afirma o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping, Luis Augusto Ildefonso. “Isso deve trazer um Natal muito melhor do que o do ano passado, porque naquela época estava tudo fechado, com circulação pequena de pessoas.”

A crise provocada pelas restrições começa a ser superada também pelo setor de turismo. Segundo a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, 36% das agências de viagem já alcançaram, em setembro deste ano, pelo menos 75% do rendimento obtido no mesmo período de 2019. Os voos domésticos do país recuperaram cerca de 80% dos passageiros em relação aos números de antes da pandemia. Os cruzeiros, por exemplo, estarão de volta, gerando 35 mil empregos e R$ 2,5 bilhões em receitas, segundo a Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos. 

Sem limitações, os bares e restaurantes voltaram a todo vapor. Estimativas da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) projetam um crescimento de até 3% neste segundo semestre, com a recuperação de 600 mil de mais de 1,3 milhão de postos de trabalho perdidos desde o ano passado. “Existe um cenário de confiança na retomada. Com os números da pandemia melhorando dia a dia e a vacinação avançando, há a volta da confiança do consumidor. Isso faz toda a diferença”, conta José Eduardo Camargo, líder de Inteligência e Conteúdo da Abrasel. 

Durante os quase dois anos de pandemia, o circuito de shows e eventos foi duramente afetado. Em São Paulo, a partir deste mês, já não há mais restrições para a lotação de público em casas de shows e são permitidos espetáculos ao vivo com as pessoas em pé. Nas grandes capitais, já há preparativos para as festas de Réveillon e Carnaval. A maior festa popular do país deve atrair 15 milhões de pessoas às ruas de São Paulo — até agora, mais de 860 blocos carnavalescos se inscreveram para desfilar entre janeiro (no “pré-Carnaval”) e março do ano que vem. No Rio, há mais de 600 inscritos. Os organizadores do “maior Carnaval do mundo” projetam um investimento de mais de R$ 45 milhões, entre dinheiro público e privado. Outro sinal emblemático de que, aos poucos, a covid-19 vai ficando para trás é a volta do público aos estádios de futebol. Em São Paulo, 100% da capacidade está liberada. Cada Estado tem autonomia para definir critérios de reabertura: além de São Paulo, a lotação máxima já é permitida em capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia. 
A pandemia também comprometeu a educação de milhares de jovens que ficaram à deriva durante o isolamento. A duras penas — e muito tardiamente —, as escolas voltaram ao ensino presencial depois de meses fechadas.

Quarta onda na Europa e o dilema das vacinas

Mesmo diante das perspectivas animadoras de retomada, a pandemia ainda exige cautela. “O Brasil atravessou a segunda onda e ruma para o fim do ciclo pandêmico, exceto se surgir alguma nova variante atípica”, afirma o infectologista Francisco Cardoso. Estamos bem distantes do quadro devastador registrado em abril, quando o Brasil chegou a perder mais de 4 mil vidas para a covid-19 em 24 horas. Ao longo dos meses, os médicos aprenderam que a doença tem controle e tratamento, ainda mais quando feitos precocemente, como qualquer outra enfermidade cuidada pela medicina. 
 
No entanto, se vivemos uma onda de otimismo, não se pode dizer o mesmo da Europa que voltou a ser o epicentro da covid-19. A situação do Velho Continente acende uma luz amarela e mostra que o vírus continua entre nós.  
A explosão de casos em países europeus intriga especialistas e põe em xeque a eficácia da vacinação. A Alemanha, com quase 70% da população vacinada, bateu recorde de contaminações. A Holanda, com 73% de vacinados, vive um retrocesso com a volta de medidas restritivas e o aumento no número de mortos pela doença neste mês. O que se observa depois de cerca de 7,5 bilhões de injeções aplicadas no mundo é que as vacinas não são 100% eficazes para evitar contaminações pelo coronavírus. Mesmo assim, estudos indicam que pessoas vacinadas têm menor risco de contrair a doença e, ainda que sejam diagnosticadas, têm menos chances de evoluir para casos graves e mortes. “Um problema que vivemos é a ilusão de que as pessoas vacinadas não têm mais covid”, explica Raissa Soares, médica de família. “Muitos pacientes vacinados com duas doses contraem a covid e só buscam ajuda na fase mais grave da doença, pois eles têm a falsa sensação de que estão protegidos. Só que aí o tratamento é mais difícil.” Além do dilema das vacinas, segundo o médico Roberto Zeballos, na Europa as pessoas ficaram confinadas por mais tempo e, com o relaxamento das medidas de restrição, passaram a ter maior contato com o vírus, o que pode justificar o aumento de casos. “Lá, os lockdowns foram mais rígidos, não teve muita exposição”, lembra. “No Brasil, não houve lockdown de fato, as pessoas ficaram mais expostas ao vírus e foram mais contaminadas.”

É bom lembrar que as vacinas desenvolvidas no ano passado foram baseadas na versão “original” do coronavírus, quando ainda não havia novas cepas em circulação. Quando o vírus sofre mutação, algumas variantes podem escapar à proteção vacinal. “Um definidor para 2022 é quanto a gente vai conseguir atualizar as vacinas disponíveis para efetivamente combater melhor as variantes que se formaram ao longo desse tempo”, disse o virologista Fernando Spilki, coordenador da rede Corona-ômica do Ministério da Ciência e Tecnologia, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico. É bem provável que o novo coronavírus tenha vindo para ficar. Teremos de conviver com ele assim como vivemos com a influenza, o vírus da gripe. “Acredito que, a partir do próximo ano, a covid vai atingir o nível endêmico e se tornar uma doença como qualquer outra. Não vai haver mais elementos para manter o status de pandemia”, afirma Cardoso. Tomara. Enquanto a ciência continua buscando respostas para dúvidas que só serão respondidas com o tempo, o normal está de volta à vida dos brasileiros. 

Leia também “Mauro Ribeiro: ‘Estão tentando nos calar'”

Fábio Matos/Paula Leal  - Revista Oeste


domingo, 14 de novembro de 2021

A CONSTITUIÇÃO VIROU UM RASCUNHÃO - Percival Puggina

E o Brasil foi passado a sujo.

Quero sugerir a você uma rápida e instrutiva experiência. Levará poucos segundos para você acessar o site do Palácio do Planalto onde pode ler a Constituição Federal em versão atualizadíssima. Basta clicar aqui.

Logo, você terá diante dos olhos a segunda maior constituição do mundo, que só perde em palavrório para a da Índia.  Em seguida, gaste alguns segundos fazendo correr a barra lateral direita de cima para baixo. Não perca tempo lendo coisa alguma, apenas olhe. Você verá que aos 33 anos de idade, nossa CF virou um rascunhão,  inteiramente  emendado e riscado, corrigido e piorado por mais de uma centena de emendinhas e emendões, muito dos quais meramente casuístas. Note bem: há mais de outra centena na fila das proposições aguardando meter o bedelho no texto de 1988.

Dói-me dizê-lo, mas que péssimo serviço prestaram os constituintes de então quando ofereceram à nação essa estrovenga tagarela que teve a pretensão de conseguir, com a força das palavras impressas, prodigiosa e prodigamente transformar um país pobre em paraíso de bem estar social. E que não saciados, no apagar das luzes, ainda arrumaram tempo para virar pelo avesso o modelo institucional originalmente concebido, deixando à vista até as costuras sobre as quais, agora são aplicados os remendos. Desde então, a crise entre as instituições é a “quentinha” diariamente servida à mídia nacional.

A cada dia mais se referenda o diagnóstico do saudoso e insubstituível Roberto Campos, para quem nossa Constituição “é uma mistura de dicionário de utopias com regulamentação minuciosa do efêmero”.

Agora, por exemplo, o STF tendo mandado o governo pagar os precatórios em 2022, sem dizer de onde deve sair o dinheiro, sem cancelar uma única de suas mordomias, dá 48 horas para que o presidente da Câmara dos Deputados explique como conseguiu os votos necessários para aprovar a emenda que viabiliza o cumprimento da exigência que ele mesmo, STF, fez. 
Sim, porque até para pagar conta é preciso mexer no rascunhão de 1988. E desde então – surpresa! – graças a esse modelo institucional mal pensado, liberação de emenda parlamentar é voto na mão para aprovar matérias no Congresso Nacional brasileiro.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O estado americano onde médicos podem receitar ivermectina e outros - Mundialista

Vilma Gryzinski - Veja

É o Nebraska e decisão foi do secretário da Justiça; Brasil, Estados Unidos e Índia são quase únicos países onde esses tratamentos 

 A discussão nem existe em boa parte do mundo, mas onde existe pega fogo – sem falar em desdobramentos políticos explosivos, como está acontecendo no Brasil. Nos Estados Unidos, a politização é similar à do Brasil: de forma geral, direita a favor da ivermectina e da hidroxicloroquina, centro e esquerda contra, como se fosse uma partida de futebol.

Como os estados americanos têm grande autonomia, mais até do que no sistema federativo brasileiro, os tratamentos alternativos foram liberados na semana passada no Nebraska por decisão do secretário da Justiça, Doug Peterson. A decisão decorreu de um pedido da diretora da área médica do estado, baseada no argumento de que médicos e consumidores estão sendo inundados com informações sobre os tratamentos em questão e “pode ser difícil discernir a qualidade ou a validade dessa informação”.

Como no Nebraska cabe ao secretário da Justiça a palavra final sobre a penalização de médicos caso fujam dos padrões admitidos, coube Peterson se pronunciar. “Baseado na evidência que existe atualmente, o mero fato da prescrição de ivermectina ou hidroxicloroquina para a Covid-19 não resultará na abertura de ações disciplinares”, escreveu Peterson, ressalvando que os pacientes precisam consentir no tratamento e os médicos não podem receitar doses excessivamente altas ou sem se informar sobre os outros medicamentos tomados pelos doentes."Permitir aos médicos que considerem estes tratamentos precoces vai liberá-los para avaliar instrumentos adicionais que possam salvar vidas, manter os pacientes fora dos hospitais e aliviar o nosso já sobrecarregado sistema de saúde”.

É claro que é uma decisão sujeita a um altíssimo nível de debate. Associações de médicos e farmacêuticos dos Estados Unidos, além da FDA, a agência reguladora do governo, são contra o uso off label dos remédios.  A FDA inclusive tentou fazer humor com o assunto, em agosto, com um tuíte de gosto discutível: “Você não é cavalo. Você não é vaca. Parem com isso, pessoal”.

A ideia, equivocada, era dizer que a ivermectina é um vermífugo de uso veterinário. Na verdade, o que estava acontecendo é que o antiparasitário para uso humano havia acabado em algumas regiões americanas e pessoas mal informadas estavam comprando a versão para uso na desvermifugação de animais de criação.

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Como no Brasil, médicos divergem radicalmente sobre os tratamentos e os adversários procuram qualificar como “minoria marginal” os que os prescrevem. Segundo um levantamento da Scientifc American, o número de receitas de ivermectina emitidas semanalmente em agosto passado foi de 88 mil, em comparação com 3 900 no mesmo período de 2019. Detalhe: o vermífugo não é administrado em hospitais públicos do Nebraska, estado governado por Pete Ricketts, um republicano mais conhecido porque sua família é dona do Chicago Cubs, um time de beisebol.

Ricketts promove a vacinação (mas não a sua obrigatoriedade) e seu estado tem uma boa posição no combate à Covid-19: está entre os dez com taxa de mortalidade mais baixa. Defensores dos tratamento off label mencionam a Índia como exemplo de sua eficácia. A Covid-19, que atingiu proporções épica entre março e abril no segundo país mais populoso do mundo, realmente teve uma queda drástica, mas o uso da ivermectina e da hidroxicloroquina deixou de ser recomendado no fim de setembro pelo Conselho de Pesquisas Médicas pela Força-Tarefa Nacional para a Covid-19.

Nos Estados Unidos, os mais conhecidos médicos a favor da ivermectina estão reunidos num grupo chamado Aliança de Cuidados Críticos para a Linha de Frente da Covid, criada pelos intensivistas Pierre Cory e Paul Marik.  Kory já chamou a ivermectina de “remédio miraculoso” e defendeu seu uso em todos os estágios da infecção. De “médico respeitado”, Kory foi banido para o território dos curandeiros. Acabou deixando seu emprego no centro médico da Universidade de Wisconsin “porque não estavam me deixando ser médico”.

“Diria que eu e Marik somos provavelmente os maiores especialistas do mundo no uso da ivermectina para a Covid”, disse ele, nada modestamente, a Joe Rogan, comediante que teve a doença e fez o tratamento alternativo.

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Os argumentos contra são muito mais frequentes e embasados. Mas é possível desprezar os médicos que apostam suas carreiras e reputações na hipótese a favor? Por que fariam isso se não fosse a convicção de que assim podem combater uma doença tão perversa?

Ruim é quando a divergência atinge tal nível que acaba num caso como o acontecido em Ohio. A mulher de um paciente há três meses em UTI, com Covid, conseguiu na justiça autorização para que a ivermectina receitada por um médico particular fosse administrada a a ele. Um juiz embargou a autorização em instância superior. Jeffrey Smith acabou morrendo aos 51 anos. Ninguém ganhou nada.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski - VEJA - Leia MATÉRIA COMPLETA

 

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Calmaria - Alon Feuerwerker

Análise Política

Os números brasileiros da Covid-19 apresentam queda consistente há semanas (leia).  
Fato certamente influenciado pelo ritmo da vacinação. 
Verdade que a aplicação da segunda dose cobre apenas uns 30% da população, mas a primeira já atinge o dobro disso.  
Junto com a imunização natural, provocada pelo próprio vírus, [queiram ou não, gostem, ou desgostem,  o nosso presidente sempre agiu corretamente quando se referiu à imunidade de rebanho, um sinônimo de  = imunidade coletiva = imunidade natural. 
As vacinas são e sempre serão intensificadores da imunidade coletiva. 
Aliás, quase sempre o presidente está certo no conteúdo do que fala, o que complica, e muito, é a forma que como fala e a narrativa que amplia eventual conteúdo negativo do que a maior autoridade da nação diz.] as vacinas estão ajudando o Brasil a superar a segunda onda da epidemia aqui.

Qual a dúvida? Se a chamada variante Delta, identificada inicialmente na Índia, vai impulsionar no país novas ondas de casos e mortes, a exemplo do que vem acontecendo em outros países, mesmo nos quais a empuxo inicial da vacinação foi bastante agressivo. Os casos mais noticiados são Estados Unidos e Israel. [não podemos esquecer a variante Ibaneis - que se destaca por desorganizar o esquema de vacinação no DF; 
ora ele estoca vacina, outras vezes adianta uma dose, a mais recente proeza é a de agora = prioridade para os menores de 18 anos (mesmo só sendo aplicável a eles um imunizante) e para a segunda dose - esqueceram de avisar para o ilustre governador que a segunda dose tem que ser antecedida pela primeira.
Outra proeza é a troca de secretário de Saúde - quatro em menos de uma semana.

O Brasil está mais defendido da Delta pelo avanço da vacinação (e da contaminação) ou apenas está atrasado para a chegada da terceira onda? Só os fatos vão responder. A calmaria (apesar do número de mortes ainda insuportavelmente alto) veio para ficar ou será como nos tsunamis, quando o mar recua apenas para antecipar a chegada da vaga destrutiva? 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

 

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

O desafio - Alon Feuerwerker

O desafio do momento no Brasil é fazer a vacinação completa avançar mais rapidamente. Na comparação com países que começaram a vacinar mais cedo, já emparelhamos quando o tema é a primeira dose. Mas ainda estamos atrás na aplicação da segunda (leia).

Isso fica ainda mais relevante quando dois movimentos convergem: a reabertura acelerada das atividades econômicas e a provável chegada com mais intensidade da variante Delta, que aparentemente surgiu na Índia e caminha para ter a hegemonia planetária.

O cenário mais provável é o Brasil enfrentar uma nova onda de casos, mas, a crer no observado em outros países, a curva de mortes não acompanhar. Por causa da combinação de fatores, como alguma imunização natural, muita vacinação e uma população relativamente mais resistente ao agravamento da doença.

Só uma coisa é certa: mesmo com o aumento previsto no número de casos, as condições políticas e sociais para novos lockdowns são bem mais baixas que nos outros dois momentos quando as ondas começaram a avolumar por aqui nesta pandemia.

Alon Feuerwerker, analista político e jornalista


terça-feira, 27 de julho de 2021

O português deveria ser um dos idiomas da ONU? - VOZES

No último dia 17 de julho foi celebrado o Jubileu de Prata da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.  
Criada em 1996, a CPLP foi a concretização de uma antiga ideia portuguesa, a de uma organização internacional que unisse a Lusofonia, a comunidade dos falantes de português. Seus objetivos declarados são a promoção e divulgação do idioma português, a cooperação diplomática entre os Estados-membros da CPLP, via o “reforço dos laços de solidariedade e de cooperação que os unem” e também a cooperação em áreas como educação, ciência e tecnologia, “para a promoção do desenvolvimento econômico social dos seus povos.” Outro objetivo, não tão declarado assim, por ser de longo prazo, é a adoção do português como um idioma oficial da ONU.
 

Big Stock

Quando de sua fundação, a CPLP foi formada por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, e São Tomé e Príncipe. Em 2002, o recém-independente Timor-Leste se juntou e, em 2014, foi a vez da Guiné Equatorial, onde o português é um idioma minoritário, com o castelhano como língua mais falada. A CPLP também possui 32 Estados observadores, habitualmente países com comunidades lusófonas significativas em suas fronteiras ou que sejam fronteiriços aos países lusófonos. Outros desejam apenas usar a presença na CPLP como ferramenta de aproximação com os países lusófonos. Para a organização, mais observadores significa maior representatividade para o idioma.
Países observadores

As relações entre a abertura olímpica em Tóquio e a política internacional

O ex-covarde(mais do que uma homenagem a Nelson Rodrigues)

Na cúpula realizada no último final de semana, em Luanda, capital de Angola, foram admitidos dez novos países como observadores. Dois deles são casos curiosos e interessantes. Um é a Índia, onde Portugal possuiu diversos entrepostos e cidades costeiras entre o século XVI e o século XX. O caso mais notável é o de Goa, que foi retomada pelos indianos apenas em 1961. E sim, a palavra é retomada, com uma anexação usando a força militar, que deixou cinquenta mortos. A Índia sabia que Portugal não possuía os meios militares para interferir, além de não existir clima político mundial pela manutenção de domínios coloniais. Hoje a população indiana que fala português é ínfima, mas o idioma deixou  impacto em expressões idiomáticas regionais, por exemplo.

Outro caso interessante é o da Espanha. O
país ibérico, vizinho de Portugal, sempre viu com certa desconfiança o movimento da lusofonia. Isso é devido sua habitual política de evitar quaisquer sinais que possam ser interpretados de maneira que legitimem os separatismos do país. No caso, o separatismo da Galícia, já que, para alguns linguistas, o idioma galego seria apenas uma variação do idioma português, não um idioma próprio e separado.

Na Bahia, inclusive, há uma grande comunidade histórica de origem galega. Símbolos do legado dessa imigração são a cantora Gal Costa e o Galícia Esporte Clube, de Salvador, cinco vezes campeão estadual de futebol. A pressão pela associação foi da Academia Galega da Língua Portuguesa, sediada em Santiago de Compostela. Um caso curioso de país que se tornou observador nessa cúpula, em que o Brasil foi representado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, foi os EUA. Proporcionalmente, apenas 0,3% da população do país é falante de português. Em números absolutos, o um milhão de falantes de português torna a comunidade lusófona dos EUA maior que a de Cabo Verde ou a de São Tomé e Príncipe. O Reino Unido e a França, devido às suas comunidades de origem portuguesa, já eram Estados observadores. O Japão também, desde 2014, por motivos óbvios, com a intensa imigração japonesa para o Brasil, mesmo motivo do status de observador da Itália.
Acordo de vistos

Além da política internacional, algo firmado na última cúpula que pode interessar ao leitor é o acordo de mobilidade, visando facilitar a concessão de visto, circulação e autorizações de residência de cidadãos entre os países do grupo. Ainda assim, os parâmetros objetivos ainda não foram estabelecidos. O acordo precisa ser ratificado pelos parlamentos nacionais dos membros da CPLP, e os governos nacionais definirão suas regras de circulação. Muito provavelmente, dentro de um quadro geral e abrangente de orientações, teremos acordos bilaterais mais específicos. O motivo, obviamente, é o fato de Portugal fazer parte do Espaço Schengen, ou seja, suas fronteiras abertas com a União Europeia implicam em regras mais rígidas para imigração.

Esses acordos provavelmente vão facilitar a vida de três categorias profissionais de brasileiros: jornalistas, acadêmicos e trabalhadores de empresas multinacionais ou que pretendam expandir suas operações no exterior. Profissionais liberais, com políticas mais ágeis de validação de diplomas, também podem ser eventualmente beneficiados. No médio prazo, o fluxo comercial entre esses países pode eventualmente ser intensificado. Os laços econômicos entre Brasil e Angola, inclusive, são historicamente pouco explorados, com apenas alguns momentos de maior intensidade. Isso é um desperdício, dada a proximidade geográfica, o tamanho do mercado angolano e, claro, os laços históricos e culturais.

Independente de vistos e fluxos comerciais, a intenção de Portugal em propor a criação da CPLP está na busca do uso do idioma como uma ferramenta de projeção de política externa, um fator de soft power. Para poder executar essa política, entretanto, não bastaria apenas o país europeu e seus dez milhões de habitantes. Quando Angola, Moçambique e o gigantesco Brasil entram na conta, entretanto, a Lusofonia torna-se o segundo maior território do mundo, se fosse um país, e o quarto maior produtor de petróleo. E a projeção do laço pelo idioma português também facilitaria o reconhecimento da língua como um idioma oficial da ONU.

Nações Unidas
Quando da fundação da Organização das Nações Unidas, ela tinha cinco idiomas oficiais. Inglês, francês, russo e chinês idiomas das cinco potências permanentes do Conselho de Segurança, mais o castelhano, idioma oficial de dezenove países dos cinquenta fundadores da ONU, quase metade. Em 1973, o idioma árabe foi adicionado à lista. O contexto mundial era outro. Com o fim dos impérios coloniais europeus pós-Segunda Guerra Mundial, 23 países tinham o árabe como idioma oficial. Como consequência, desde então, o português é o idioma com maior número de países que o adotam como idioma oficial e que não é uma língua oficial da ONU.

Esse é o principal argumento pela adoção do português como idioma oficial da ONU, a sua representatividade, presente em quatro continentes. O reconhecimento, supostamente, traria maior representatividade diplomática aos países lusófonos, além de maior difusão da língua e da cultura lusófona. Argumentos contrários são, primeiro, o fato de que, em números absolutos, o português não é um dos idiomas mais falados do mundo, atrás do hindi e do bengali, dentre outros, e, segundo, os custos econômicos da burocracia desse reconhecimento. Quando o árabe foi adotado como o sexto idioma oficial da ONU, os países árabes aceitaram custear a adaptação por cinco anos.

Proporcionalmente, esse custo recairia especialmente ao Brasil e a Portugal. No caso brasileiro, infelizmente, o país flertou com o “calote” em organizações internacionais nos últimos anos. [calote? ou economia? 
na real, na sinceridade, qual a importância da ONU? 
se omitir em matanças tipo a da Síria e chancelar o assassinato de civis palestinos por aviões caça, de última geração, da poderosa Força Aérea de Israel.] Algo longe das obrigações de um país que se pretende como candidato a um assento permanente em um eventual Conselho de Segurança expandido. Ou seja, muito provavelmente, o plano de ver o português como idioma oficial da ONU vai continuar como um sonho de longo prazo. Isso não quer dizer que, até lá, outras pautas possam ser elaboradas e acordadas, com uma maior integração da comunidade lusófona internacional. Já escreveu Fernando Pessoa, “A minha pátria é a língua portuguesa”.

Felipe Figueiredo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 


sábado, 17 de julho de 2021

Eficácia x eficiência: compare as vacinas contra covid disponíveis no Brasil - IstoÉl

Mesmo com o avanço da vacinação, a pandemia de covid-19 entra em um momento delicado com a expansão da variante delta, surgida da Índia e presente em ao menos 92 países. À medida que os laboratórios tentam descobrir o quanto seus imunizantes protegem contra as novas mutações do coronavírus, novos estudos sobre eficiência e eficácia são publicados e permitem compreender melhor como combater a crise sanitária internacional.

Para entender as diferenças entre os estudos científicos publicados é 
importante distinguir três conceitos básicos: 

1 – A eficácia de uma vacina é analisada em um ambiente controlado, geralmente em testes da fase 3, e é eficaz quando produz o efeito esperado. Dentro desta perspectiva, as taxas de eficácia das vacinas contra a Covid-19 são:

– Moderna: 95,5%
Pfizer: 95% 
– Sputnik V: 91,6%
Novavax: 89,3%
– AstraZeneca: 70%
– Janss
en: 66%
– Coronavac: 50,4%

É fundamental ressaltar que essas taxas de eficácia dizem respeito à proteção contra a forma leve da doença. Considerando-se as formas mais graves de desenvolvimento da Covid-19 e os óbitos decorrentes desse agravamento, as vacinas apresentam uma proteção muito maior. A campanha de vacinação visa à imunização de toda uma população, o que permitiria controlar a circulação do vírus, então o fenômeno de escolha de vacinas não se justifica.

2 – A efetividade diz respeito ao mundo real, com todas as adversidades e alcance em massa sob condições adversas – é efetiva quando observada de uma perspectiva realista de impacto e proteção em uma sociedade

3 – A eficiência é atrelada à relação custo-efetividade, ou seja, leva em consideração seu custo e aplicação (dose única ou dupla).

CoronaVac
Acusada de ter a mais baixa eficácia contra a forma leve da Covid, a vacina produzida no Instituto Butantan também tem sido majoritariamente utilizada no Chile. Um estudo, o primeiro sobre a efetividade da coronavac, publicado no último dia 7 de julho pela revista científica New England Journal of Medicine, com dados de vacinação chilenos, aponta que o imunizante teve efetividade de 86% na prevenção de mortes provocadas pela Covid-19. O levantamento analisou um grupo de 10,2 milhões de chilenos entre 2 de fevereiro e 1 de maio. As conclusões listam as efetividades da Coronavac:

– Prevenção de casos de Covid-19: 65,9%
– Prevenção de hospitalizações: 87,5%
– Prevenção de internações em UTI: 90,3%
– Prevenção de mortes: 86,3%

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AstraZeneca
Desenvolvida no Brasil em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a vacina teve um novo estudo de eficácia feito pela Universidade de Oxford com 32 mil participantes na Inglaterra que elevaram sua eficácia dos 70% originais para 79% contra casos sintomáticos de Covid-19. Alvo de polêmica pelo risco raro de desenvolvimento de coagulação sanguínea e trombose, é consenso médico que os benefícios da vacina superar em muito qualquer risco de efeito colateral.

No Brasil, a Fiocruz concluiu no início deste mês um estudo de efetividade com 40 milhões de brasileiros a partir dos 60 anos que tomaram AstraZeneca e CoronaVac. Os números confirmam a efetividade de ambos os imunizantes: com uma dose, a efetividade das vacinas foi de 73,7% entre 60 e 79 anos, o que aumenta para 79,8% com as duas doses na mesma faixa etária. Há evidências de eficiência de 92% de proteção contra a variante gama, diz estudo da Public Health England

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Janssen
A vacina da Johnson & Johnson possui dose única e apresentou eficácia de 66% que aumenta para 85% (após 28 dias da aplicação) contra casos graves e 100% de proteção contra hospitalização e morte após 28 dias da aplicação. Os dados são do Laboratório Farmacêutico Janssen em parceria com o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês), com mais de 44 mil voluntários de Argentina, Brasil, Chile, México, Colômbia, Peru e África do Sul.

A Food and Drug Administration, agência reguladora dos Estados Unidos, informa eficácia geral de 72% da Janssen.

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Pfizer
Das preferidas dos “sommeliers de vacina” devido à alta eficácia, a vacina Pfizer apresentou efetividade reduzida contra as variantes alfa e beta, de acordo com estudo da agência inglesa de saúde pública (Publich Health England). Foram analisados 14 mil casos da variante delta entre 12 de abril e 4 de junho deste ano.

96% de efetividade contra hospitalização provocado pela variante delta após 2 doses – a AstraZeneca apresentou efetividade de 92% nas mesmas condições.

– 88% de proteção contra formas leves de Covid-19 causados pela delta

Já uma pesquisa israelense publicada na revista Nature indica que a Pfizer perde eficácia após seis meses da aplicação – sua taxa de proteção contra sintomas leves caiu para 64%.

Covaxin
Eficácia: 81%
Aplicação: 2 doses entre 28 dias
Custo: US$ 15
Tecnologia: vírus inativado
Armazenamento: entre 2ºC e 8ºC
Fabricação: Índia
Situação na Anvisa: registro emergencial concedido em 4 de junho

Sputnik
Eficácia: 91,6%
Aplicação: 2 doses entre 21 dias
Custo: R$ 69,36 a dose
Tecnologia: adenovírus geneticamente modificado
Armazenamento: -18ºC
Fabricação: Rússia
Situação na Anvisa: registro emergencial concedido em 4 de julho

Apesar das comparações numéricas, não é possível comparar as taxas de eficácia e efetividade das vacinas pois cada estudo é feito em contextos diferentes, com pessoas e países distintos. Importante ressaltar que diversas pesquisas ainda estão em andamento e é natural haver distorções e diferenças entre os imunizantes que, embora apresentem uma proteção menor contra a variante delta, ainda são eficazes e eficientes contra todas as variantes que surgiram até o momento.

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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Não faltará arroz na mesa - Revista Oeste

Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial.

Contrariando previsões pessimistas, a produtividade está em 8,8 toneladas por hectare em 2021, contra 8,3 no ano passado. Um recorde histórico 

 

Foto: Suwan Wanawattanawong/Shutterstock

Este ano dificilmente faltará arroz no mercado ou haverá alta de preços como em 2020. O confinamento, com muita gente em casa cozinhando, elevou o consumo (e o desperdício) do arroz. No pior período de praga da covid, esse grão atingiu seus maiores valores históricos. E, apesar de custar mais de 100 reais a saca, poucos produtores aproveitaram essas cifras.

A certeza de arroz na mesa vem dos resultados da recém-concluída colheita no Rio Grande do Sul, o grande produtor do Brasil (70% da safra). Contrariando previsões pessimistas e especulativas, a produtividade veio bem acima do esperado. Foram 8,8 toneladas por hectare, contra 8,3 no ano passado. Um recorde histórico. A safra maior, com umas 500.000 toneladas a mais, garante a tranquilidade no abastecimento do mercado interno. E até parte das exportações. Para se ter uma ideia, só esse extra adicional de meio milhão de toneladas supera toda a produção de arroz da Europa (Itália, Espanha, Portugal, França…).

Familiar no prato dos brasileiros, o arroz (Oriza sativa L.) tem uma longa história. A espécie ancestral é originária da África. Sua domesticação e cultivo tiveram início na China Central (Hunan), com registros de mais de 5.000 anos a.C. Variedades ancestrais de arroz, como o Wannian, ainda são preservadas em cultivos tradicionais na China.

Há milhares de anos, o arroz já era cultivado às margens do Rio Ganges no norte da Índia. Com o tempo, ele chegou à Coreia, Japão, Indonésia e Tailândia. E, na direção oeste, à Pérsia. Atribui-se a Alexandre, o Grande, sua introdução na Grécia e Europa. No século 10, os árabes o levaram ao Egito, pela costa oriental da África até Madagascar e pelo norte até o Marrocos, a Espanha e Portugal (Al Andaluz). A palavra é de origem árabe: al ruzz. No século 16, os portugueses introduziram o arroz desde a costa ocidental da África (Senegal e Guiné-Bissau) até o Golfo da Guiné. Hoje, o prato típico do Senegal é à base de arroz: o tiebudiene. Os lusitanos trouxeram e espalharam o arroz pelo Brasil. Cultivado em sequeiro, o arroz expandiu-se por todo o território nacional e tornou-se a base energética da alimentação cotidiana dos brasileiros, combinado com o feijão, com a bênção dos nutricionistas. E não só aqui.

                     Plantação de arroz -  Foto: Federarroz

O arroz é o principal alimento de mais da metade da população mundial e o terceiro cereal mais produzido (500 milhões de toneladas), atrás do milho (2,8 bilhões de toneladas) e do trigo (760 milhões de toneladas). China e Índia respondem por 50% desse total. Agregando-se Indonésia, Bangladesh, Vietnã e Tailândia, chega-se a 75% da produção mundial. A China produz muito, mas não dá conta de seu mercado consumidor. Ela é também o maior importador mundial, com 5 milhões de toneladas anuais. O Brasil é o nono produtor mundial atrás de China, Índia, Indonésia, Bangladesh, Vietnã, Myanmar, Tailândia e Filipinas. A safra 2021 deve superar 11 milhões de toneladas. Apesar dessa expressão planetária, o arroz participa pouco dos mercados mundiais: menos de 10% da produção. Seu destino é o autoconsumo.

Na cesta básica, o arroz é um dos produtos mais acessíveis

No Brasil, irrigada e mecanizada, a cultura do arroz é intensiva e usa muita tecnologia. Graças ao controle rigoroso de pragas e doenças, à adubação adequada e ao bom manejo da água — até para reduzir as ervas daninhas —, a safra em 2021 surpreendeu. As lavouras arrozeiras responderam bem ao clima estival excepcional para o arroz irrigado. Só para ele.

Este ano, o clima não foi muito bom para a agricultura no Brasil. Faltou chuva durante o verão no Rio Grande do Sul. Os pequenos períodos de seca ou veranicos prejudicaram a soja e o milho, mas beneficiaram o arroz. Menos chuva significa menos nuvens no céu e mais luz. Com mais luminosidade, as plantas fizeram mais fotossíntese em pleno período de reprodução e frutificação. E, por ser irrigado, água não faltou ao arroz gaúcho. Resultado: produtividade recorde.

Esse é um exemplo de como não se pode ser catastrofista com as flutuações climáticas. Se o clima do ano prejudica uma lavoura, pode favorecer outra. Na agropecuária, a solução para reduzir o risco climático não está no aquecimento verbal de certos ambientalistas e sim no uso de tecnologias, com intensificação e modernização da produção. O retorno ao Neolítico, como pregam alguns, não resolverá nada. Neste segundo semestre, depois de um tempo meio anormal, segue um inverno normal, sem os fenômenos meteorológicos de La Niña nem de El Niño. Em matéria de clima, longe da polarização política, o tempo é de neutralidade climática, como se diz.

A área plantada de arroz manteve-se estável com relação ao ano passado. Ela é relativamente pequena comparada a outros cultivos anuais: pouco mais de 1 milhão de hectares irrigados. E representa 40% do uso da água em irrigação no Brasil. O Rio Grande do Sul concentra 73% do total, seguido por Santa Catarina (12%) e Tocantins (8%). Os dados são do Mapeamento do Arroz Irrigado no Brasil, produzido por Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico e Companhia Nacional de Abastecimento.

A demanda segue aquecida. A estabilidade da área plantada, o mercado internacional em alta e o dólar acima de 5 reais trazem uma melhor paridade com o Mercosul. O preço atual do arroz, cerca de 82 reais para o produtor, é justo e tende a ser um piso. Na cesta básica, o arroz é um dos produtos mais acessíveis. E tem gente se queixando do preço. Ele representa cerca de 0,5% dos gastos com alimentação no orçamento familiar. No consumo cotidiano de um prato de arroz, feijão, uma proteína e salada, o custo do arroz é inferior ao da salada.

A expectativa de exportações para México, Costa Rica e até Venezuela é boa. Talvez acarrete menor oferta e ligeiro aumento de preços. Serão menos exportações em relação ao ano passado (1,7 milhão de toneladas). A previsão para este ano é de 1,2 milhão a 1,3 milhão de toneladas. Se as exportações forem menores, o excedente de produção poderá ser utilizado na alimentação de bovinos, suínos e aves para substituir o milho, tão escasso devido à quebra da safrinha.

E os rizicultores já cuidam da próxima safra com uma projeção de aumento de 20% a 30% no custo de produção. A situação atual recomenda cautela aos produtores: atualizar custos e cuidado com novos investimentos. Antecipar a compra de fertilizantes e defensivos é uma boa precaução. A área plantada certamente será mantida. Áreas menos adequadas, destinadas a soja e pecuária, devem manter-se assim. É essencial plantar em locais de excelente produtividade, praticar a rotação de culturas e manter a cobertura vegetal no outono e inverno com milho e trigo na várzea e com outras forrageiras (aveia, azevém, trevo-persa…). Ao cobrirem o solo, esses plantios em rotação o protegem, reduzem a infestação de plantas invasoras e melhoram as condições de produção no ano seguinte.

Não se consegue mais arroz, nem preços mais baixos, proibindo exportaçõescomo fez o governo argentino com os pecuaristas —, nem sendo arbitrário em impostos e outras medidas coercitivas. A solução é apoiar o rizicultor a produzir sempre, mais e melhor, como defende a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul. Simples assim. Como: um, dois, feijão com arroz.

Leia também “O país adoça o mundo” 

Revista Oeste

Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial.