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sábado, 7 de agosto de 2021

TSE: penetrou, mas não gozou? - Gazeta do POVO

Rodrigo Constantino

Em entrevista à Jovem Pan na noite desta quarta-feira (4), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apresentou, ao lado do deputado Filipe Barros (PSL-PR), um inquérito da Polícia Federal dentro do qual o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admite a ocorrência de uma invasão a sistemas internos no qual o hacker teria acessado o código-fonte da urna eletrônica. Para Bolsonaro, seria a prova de que a eleição de 2018 pode ter sido fraudada. Na madrugada desta quinta-feira (5), o TSE emitiu nota informando que o acesso ao código-fonte não afetou a integridade da eleição.

"Temos em mãos aqui a comprovação — porque quem diz isso é o próprio TSE, não é nem a Polícia Federal, que no período de abril a novembro de 2018, quando tivemos eleições e eu fui eleito presidente — de que o código-fonte esteve na mão de um hacker", disse Bolsonaro na entrevista. "E o código-fonte estando na mão de um hacker, ele pode tudo. Pode até você apertar 1 e sair o 13. Pode apertar 17 e sair nulo. Pode alterar votos, pode fazer tudo. E no mínimo esse hacker esteve lá dentro dos computadores que tratam das eleições."

Toyota Hilux, um dos carrões preferidos dos beneficiários do Bolsa Família.

O TSE emitiu nota garantindo que esse ataque não alterou o resultado. Mas a nota não se sustenta. Logo no item 2, o TSE usa o eufemismo de "acesso indevido" para se referir a uma invasão de hacker, e eis aí o cerne da questão: o troço não era inviolável?  Como disse Paulo Filippus, especialista em TI: "Item 2 não confere, pois o servidor que cria o código das urnas NÃO TINHA logs habilitados. E o GEDAI-UE, aplicação CENTRAL de programação das urnas, foi COMPROMETIDO. E todos os outros itens não fazem diferença, por causa do item 2".

Qual o papel de Aras na crise entre os poderes e por que Fux cobra posicionamento dele

Se a desconfiança já era enorme antes, por se tratar de uma "caixa-preta" opaca que depende basicamente da repetição de gente como Barroso de que "la garantia soy yo", agora a situação piora muito. Como diz o jornalista Alexandre Garcia, "a apuração e a votação no Brasil tem que ser como a mulher de César". Ou seja: "Pode estar tudo certinho, mas tem que estar acima de qualquer suspeita. E para isso, basta colocar um aditivo de segurança, que é o que vai ser votado na comissão especial para ver se vai ao plenário da Câmara ou não vai".

Pense no sujeito com o seguinte discurso: “Houve penetração sim, doutor, mas o coito foi interrompido antes da ejaculação. Portanto, segue tudo inviolável por aqui". Complicado, né? O “penetrou mas não gozou” é o novo “fumei mas não traguei", ou seja, uma narrativa para lá de duvidosa, para dizer o mínimo. O fato é que o hacker penetrou o sistema "inviolável" e por lá ficou meses a fio. Para adicionar insulto à injúria, os rastros foram apagados, não pelo hacker, mas pelo TSE. Não há mais o Log para se averiguar o que de fato foi feito na invasão.

É como o deputado Filipe Barros disse: "Conclusões tentando minimizar a gravidade dos fatos assumidos pelo próprio TSE são fake news. Empresa terceirizada apagou os arquivos log. Portanto não podem concluir X ou Y. A conclusão: houve invasão ou, nas palavras do próprio TSE, 'acesso indevido'". A fragilidade do sistema está exposta, e pior: sob a tentativa do próprio TSE de mascará-la!

Quem vai confiar nesse sistema depois disso, lembrando que só Butão e Bangladesh o utilizam no mundo? Antes o discurso era de que o sistema é inviolável, e agora já alegam que foi violado, mas sem afetar o resultado. Qual o próximo passo?  Revelar que podem ter adulterado alguns votos, mas sem reverter o resultado final? E tudo isso repetindo "la garantia soy yo"?

Enquanto o TSE não soltava sua notinha na madrugada, lembrando que durante a live de quinta do presidente a instituição tuitava simultaneamente para "rebater as fake news", a mídia ou se calava, ou falava em "supostos documentos". O deputado Filipe Barros, novamente, colocou os pingos nos is: Um lembrete amigável: “os supostos documentos dos supostos servidores do TSE no suposto inquérito da suposta polícia federal supostamente assumindo o suposto acesso indevido de supostos hackers”… …são documentos oficiais!

Bolsonaro fez uma jogada de mestre. Não se sabe se foi tudo calculado ou não, mas parece. Na live de quinta, em que prometera apresentar as provas de fraude, mostrou indícios, e não poderia ser muito diferente: não dá para provar o que não se pode auditar. Isso gerou um anticlímax e seus inimigos partiram para o ataque, seguros de que a posição do presidente era frágil. Menos de uma semana depois, Bolsonaro dá o truco (ou o troco), e apresenta a prova de que o "sistema inviolável" foi violado.

Bolsonaro gosta de Chaves, né? Não do Chávez, o comunista que destruiu a Venezuela. Esse quem gosta é o ladrão do Lula. Então, eis o resumo: Não contavam com minha astúcia! 
E se o Congresso não aprovar o voto impresso auditável depois dessa, então teremos um resultado sob fortes suspeitas de fraude. 
Afinal, se a "garantia" é a palavra de alguém como Barroso, o amigo de João de Deus que debate política com Felipe Neto, então ninguém sério vai levar a sério o processo opaco!
 
Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 
 

sábado, 24 de julho de 2021

Nunca se viu tanta gente contra mais transparência eleitoral - Rodrigo Constantino

 Por que ser contra algo que pode tornar a votação mais segura?

O Estadão estampa em sua matéria de capa hoje a informação de que o ministro da Defesa, general Braga Netto, teria alertado (o jornal chama de ameaça) o presidente da Câmara Arthur Lira que não haveria eleição em 2022 se não houvesse voto auditável. Ao dar o aviso, diz o jornal, o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O presidente Jair Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto no mesmo 8 de julho. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, afirmou Bolsonaro a apoiadores, naquela data, na entrada do Palácio da Alvorada.

A portas fechadas, Lira disse a um seleto grupo que via aquele momento com muita preocupação porque a situação era “gravíssima”. Diante da possibilidade de o Congresso rejeitar a proposta de emenda à Constituição que prevê o voto impresso – ainda hoje em tramitação numa Comissão Especial da Câmara –, Bolsonaro subia cada vez mais o tom. Não sei se é uma estratégia ou não, mas falas como a de Bolsonaro e a do ministro da Defesa, se disse o que o Estadão diz que disse mesmo, estão servindo para tirar todas as hienas das tocas. Nunca antes na história se viu um movimento tão forte CONTRA A TRANSPARÊNCIA ELEITORAL!

[Um dos anêmicos argumentos usados pelos ministros Barroso, Morais & Cia., na declarada guerra ao voto impresso é o de que a implantação daquele controle vai custar caro = alegam, em açodado cálculo, que custará  R$ 2 bilhões = 1/5 da farra do fundão; No tal 'fundão eleitoral', R$ DEZ BILHÕES  serão desperdiçados
O 'voto impresso' logo que implantado, será a comprovação de que as eleições brasileiras serão honestas. 
Os contrários ao 'voto impresso' esquecem a regra de que "a mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta", regra  que se estende a democracia à brasileira - democracia que é sempre usada como pretexto para constranger os que ousam pensar diferente do que pensam os supremos ministros, ou que são apoiadores do governo Bolsonaro = democraticamente eleito com quase 60.000.000 de votos.  
A resistência do ministro Barroso ao voto impresso - as urnas eletrônicas serão mantidas e o sigilo do voto também = o eleitor não levará um papel com a cópia do voto - é tão intensa, tão  desproposital à neutralidade esperada de um magistrado, que nos leva a pensar que o atual  presidente do TSE quer realizar em seu mandato uma obra extra.  Detalhando: no Brasil ocorrem eleições a cada dois anos  - seria bem mais barato para o contribuinte, nós, se as eleições fossem a cada quatro anos, Paciência... o mandato do presidente do TSE é de dois anos, o que permite a cada presidente realizar a obra máxima em seu mandato = eleições.  
Fica a impressão que o ministro Barroso quer acrescentar ao seu legado presidencial o desmonte da possibilidade do eleitor brasileiro ter certeza de que seu voto será computado, respeitando  sua vontade soberana = indo para o candidato que escolheu.

Flavio Quintela, em sua coluna de hoje na Gazeta do Povo, resgata seu passado de engenheiro de sistemas na área de telefonia para lembrar da importância da redundância, de um Plano B para tudo em tecnologia. Todos os especialistas são unânimes em afirmar que não há sistema totalmente seguro e protegido do risco de fraude. Diz ele:  Se você está se perguntando sobre o que um artigo falando sobre modelos de redundância está fazendo numa coluna de opinião política, esclareço. Precisamos entender que a peça mais importante do jogo democrático - o voto - precisa estar protegida por alguma redundância. Ou seja, sim, estou falando de voto impresso.

Muita gente que entendia isso perfeitamente antes, agora está contra as mudanças só porque Bolsonaro é a favor. Mas, como diz Quintela, "ser contra algo somente porque Bolsonaro é a favor é das posturas mais idiotas que existem". Lutar por maior transparência eleitoral é uma demanda suprapartidária, e deveria ser apoiada por todos os eleitores. "Ninguém em sã consciência rejeita mais segurança, ainda mais quando a contrapartida não é menos liberdade. Voto impresso é redundância de apuração, é garantia de que um resultado físico estará disponível caso algum imprevisto aconteça",
explica Quintela. "Sinceramente, não consigo entender os argumentos de quem é contra essa evolução", desabafa.

E é justamente essa postura intransigente e em muitos casos divergente do que diziam no passado que levanta ainda mais suspeita. Afinal, os maiores opositores da mudança são ministros do Supremo, que resolveram até interferir no poder Legislativo para barra-las. E são os mesmos que foram indicados por Lula, que soltaram Lula, e que o tornaram elegível basicamente destruindo a Lava Jato numa canetada só. Suspeito?

O próprio Lula, aliás, resolveu investir contra as mudanças também. Por que será? Tenho para mim que, com voto auditável, pode ser até que Lula desista de disputar a eleição. Leandro Ruschel comentou: "O que ninguém coloca em dúvida é a atuação do Supremo para impedir a aprovação da PEC do voto impresso no Congresso, rasgando a separação de poderes e a vedação imposta aos ministros de atuação político-partidária. Os militantes de redação aplaudem a manobra".

E isso não aumenta a desconfiança no sistema que só Butão e Bangladesh, além do Brasil, utilizam?  
Alguém em sã consciência acha mesmo que países desenvolvidos como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, França e Alemanha não abrem mão de voto impresso auditável por falta de capacidade tecnológica?
Sério? Ruschel conclui com uma pergunta retórica: "O que representa um ataque à democracia? Defender sistema de votação transparente e auditável ou defender um sistema arcaico, que é uma caixa-preta inauditável?"

Está tudo muito estranho! Soltaram o maior corrupto da história deste país, depois melaram no tapetão e na grosseria sua condenação com malabarismos bizarros para torna-lo elegível, aí ele sai em campanha antecipada sem qualquer punição do TSE, institutos de pesquisa suspeitos mostram o ladrão como o grande favorito, e há toda essa resistência contra mais transparência nas urnas? 

E ainda falam que o golpismo vem de Bolsonaro? Assim já é demais da conta! 

Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo -  VOZES


sábado, 17 de julho de 2021

É proibido modernizar a urna eletrônica? - Revista Oeste

Cristyan Costa

A polarização política envenena o debate sobre mudanças que podem melhorar o sistema eleitoral, desde que o Brasil adotou o sistema de votação eletrônico, em 1996, a transparência e a segurança do processo eleitoral têm sido discutidas. 

 Por que ser contra algo que pode tornar a votação mais segura?

[Eis a pergunta que todos fazem e os ministros do TSE deveriam responder, antes de moverem uma verdadeira guerra contra a que o Congresso Nacional - Poder Legislativo - legisle sobre mudanças que tornarão as urnas eletrônicas mais seguras e mais confiáveis.
Só que eles insistem em não responder. Ao final, mais detalhes sobre a pergunta.]

O debate ganhou projeção há 21 anos, com Leonel Brizola (PDT), ex-governador do Rio de Janeiro, que durante a disputa pela capital fluminense em 2000 levantou dúvidas sobre a segurança das urnas. Na época, o pedetista foi derrotado, embora aparecesse bem posicionado nas pesquisas. “Perdemos o direito à recontagem”, queixou-se, ao mencionar a falta de um mecanismo que possibilitasse a verificação dos votos. A reclamação foi a mesma do PSDB, em 2014, quando Aécio Neves contestou o resultado da eleição. Sua equipe de campanha, entretanto, chegou à conclusão de que era impossível verificar as urnas, por causa da não materialização dos votos.

Há anos, partidos de diferentes matizes sentem necessidade de aperfeiçoar o sistema eleitoral com um dispositivo que não deixe dúvidas sobre sua lisura: a impressão do comprovante do voto, que nada tem a ver com a volta das cédulas de papel, anteriores às urnas eletrônicas.

Três projetos de lei sobre o tema chegaram a ser aprovados no Congresso Nacional em 2002, 2009 e 2015 — na terceira vez, a medida teve o apoio de siglas como PSDB, MDB, PCdoB, Psol e PDT, entre outras. No entanto, em todos os casos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se manifestou contra a implantação e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade dos textos de 2009 e 2015. Por recomendação do TSE, o de 2002 foi derrubado pelo Congresso.

Atualmente, tramita na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF). O projeto seria votado na quinta-feira 15, mas, por falta de consenso entre os deputados, a comissão especial responsável adiou a apreciação da matéria para agosto. Contrário à sua aprovação, o TSE argumenta que a medida é cara demais, custa cerca de R$ 2 bilhões na mesma quinta, os pagadores de impostos ficaram sabendo que a Comissão Mista de Orçamento aprovou o aumento do Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões. Até agora, o TSE não se manifestou sobre o caso.

Já ministros do STF dizem que haverá violação do sigilo do voto. [ainda não se sabe por onde andava o notório saber jurídico dos ministros do Supremo, que disseram coisa tão absurda.
Tudo nos faz pensar que, no momento em que emitiram tal opinião, insustentável, o saber jurídico dos que afirmaram estava em recesso.] Contra esse argumento, a PEC de Bia Kicis estabelece que impressoras sejam acopladas às urnas eletrônicas. Assim, o eleitor pode ver em quem votou. Na sequência, o documento cai em uma urna lacrada. “Trazer o voto impresso auditável para a discussão não é, de maneira nenhuma, ressuscitar o voto de papel”, afirmou Kicis num artigo publicado no site Poder 360. “É, sim, fortalecer a nossa urna eletrônica. É uma bandeira suprapartidária.” No chamado voto impresso auditável — ou verificável —, o eleitor não leva nenhum comprovante para casa. O voto sai da urna eletrônica e é depositado num recipiente no qual ficará inacessível. O eleitor não tem sequer contato físico com o papel.

A PEC, contudo, não estabelece se todas as urnas poderão ser auditadas em uma possível contestação — o que demoraria muito — ou se apenas uma porcentagem delas. Outro ponto a ser esclarecido é o local de armazenamento das urnas com os comprovantes de votação e por quanto tempo eles ficariam guardados.

Em linhas gerais, ao criar um meio adicional de segurança às urnas, a PEC se propõe a dar mais transparência ao processo eleitoral. Num primeiro momento, vários partidos simpatizaram com a medida, entre eles, o PDT e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Com o avanço da PEC no Congresso Nacional, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, iniciou uma cruzada contra a medida afirmando que o processo eleitoral eletrônico é 100% seguro e transparente. “Já passou o tempo de golpes, quarteladas, quebras da legalidade constitucional”, declarou Barroso. “Ganhou, leva. Perdeu, vai embora. Não há lugar no Brasil para a não aceitação dos resultados legítimos das urnas eletrônicas.” Os ministros do STF Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Antônio Dias Toffoli engrossaram a ofensiva e costuraram um acordo com 11 partidos para barrar o que insistem em chamar de “voto impresso”.

A gota d’água para a polarização política do tema aconteceu quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou que, caso não haja o voto impresso verificável, “corremos o risco de não ter eleições no ano que vem”. Ou seja, embora os dois lados digam que estão lutando por eleições limpas, nenhum deles joga limpo e, um ano e meio antes da eleição, criou-se um ambiente de desconfiança. Qualquer que seja o resultado, o lado perdedor já anunciou que acusará fraude.

Um raio X das urnas
O programa (software) que vai nas urnas eletrônicas é desenvolvido por seis técnicos da Seção de Voto Informatizado (Sevin), vinculada à Secretaria de Tecnologia da Informação (STI) do TSE, durante os seis meses que antecedem o primeiro turno das eleições. Nesse período, partidos políticos, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público Federal podem acompanhar as fases de desenvolvimento dos sistemas e, depois, certificam se os programas que serão usados no processo eleitoral não foram violados. O programa é enviado por uma rede privativa de internet aos cartórios. [a classificação privativa em internet é sempre relativa - que o digam os administradores do oleoduto que no inicio de junho, foi paralisado por hackers que invadiram o sistema = até então classificado como seguro, privativo.] Lá, são baixados em flashcards (espécie de pen drives ou disquetes) que vão carregar as urnas para as eleições.

Amílcar Brunazo, engenheiro especialista em segurança de dados e voto eletrônico, afirma que a inviolabilidade das urnas eleitorais é questionável. “A equipe de Diego Aranha [professor associado de Segurança de Sistemas na Universidade de Aarhus, na Dinamarca] mostrou, de dentro do TSE, ser possível inserir no flashcard um código adulterado, que não foi feito pelo tribunal, e colocá-lo na urna eletrônica”, disse Brunazo, ao observar que os brasileiros acabam tendo de confiar no servidor público que vai inserir o dispositivo na máquina. “Muitas vezes é um profissional terceirizado. O processo eleitoral brasileiro depende da integridade de todos os funcionários envolvidos (cerca de 5 mil pessoas).”

Brunazo também critica o fato de o Brasil ainda utilizar urnas de primeira geração. Em quase todos os países que adotaram o voto eletrônico, modelos de primeira geração foram abandonados devido à falta de confiabilidade e absoluta dependência do software. A Argentina, por exemplo, passou a utilizar equipamentos de terceira geração, e o Equador, de segunda geração. No Paraguai, foram feitas experiências com as urnas eletrônicas brasileiras entre 2003 e 2006, mas seu uso foi proibido em 2008 por falta de confiança no equipamento.
Hoje, apenas Brasil, Bangladesh e Butão usam a urna eletrônica de primeira geração. Ou seja, sem o voto impresso.

Em resumo, urnas eletrônicas de segunda geração possibilitam o voto impresso. Nas urnas de terceira geração, esses votos são impressos com um registro digital, que certifica a autenticidade daquele voto — uma espécie de código de barras que pode ser verificado pelo TSE, pela OAB, pelos partidos políticos e pelo MPF.Modelo de urna de segunda geração -  Foto: Divulgação/Agência BrasilUrna de terceira geração utilizada na Argentina | Foto: Divulgação

O  TSE garante que as atuais urnas eletrônicas brasileiras são confiáveis e não podem ser fraudadas. De acordo com a corte, uma das barreiras de segurança dos equipamentos é o chamado Registro Digital do Voto (RDV), que armazena em ordem aleatória e criptografada o voto de cada eleitor, com a finalidade de preservar o sigilo da votação. Os estudos do professor Diego Aranha, entretanto, mostraram que o RDV também se baseia no software e, portanto, pode ser adulterado.  

Aranha participou de dois testes públicos de segurança do TSE, quando equipes de técnicos são convidadas a explorar o sistema e tentar encontrar vulnerabilidades. Em 2012, Aranha conseguiu acessar os registros digitais dos votos: embora os RDVs estivessem embaralhados, ele os colocou em ordem e, assim, quebrou o sigilo do voto foi possível saber como votou o primeiro eleitor, o segundo e assim sucessivamente.

Em 2017, ele dobrou a aposta, adulterou o programa de votação desenvolvido pelo TSE, colocou uma propaganda com o nome de um candidato na tela e impediu que os votos pudessem ser armazenados na memória da urna
O TSE reconheceu o problema e alegou ter corrigido as falhas. 
Aranha afirma que até testes do TSE em que hackers de fora da corte tentam burlar o programa das urnas são um instrumento de auditagem insuficiente. “Eles oferecem ambiente controlado e tempo restrito para os técnicos descobrirem as vulnerabilidades”, contou Aranha, numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. “Na vida real, hackers e pessoas mal-intencionadas têm muito mais tempo e flexibilidade.” O TSE rebateu, argumentando que as urnas são não conectadas à internet. “Qualquer hacker racional vai tentar adulterar o software antes que ele seja instalado nas urnas. Por exemplo, durante a gravação dos flashcards ou depois de serem gravados.”

Franklin Melo, especialista em Tecnologia da Informação, afirma que pode haver brechas em qualquer canal de rede de internet, até mesmo na privativa do TSE. Crítico do atual modelo de votação do Brasil, ele diz que nenhum sistema digital é 100% seguro. “Qualquer software é passível de fraude”, constatou, ao dizer que programas de computadores são desenvolvidos por seres humanos, que cometem erros. “Nem a Nasa tampouco o Pentágono são 100% seguros”, acrescentou, ao dizer que não entende por que há tanta resistência no Brasil a adotar mais uma camada de proteção em seu sistema eleitoral. Segundo Melo, qualquer sistema tem de estar em constante aperfeiçoamento, como, por exemplo, ocorre com celulares e aplicativos, entre outros. “Atualizações garantem que eventuais vulnerabilidades possam ser sanadas”, diz, ao elogiar a impressão do comprovante do voto como meio de obter maior transparência.

Infográfico revisado pelos especialistas em tecnologia da informação Amílcar Brunazo e Carlos Rocha | Infográfico: Luiz Iria, Naomi Akimoto Iria e Cristyan Costa

Infográfico revisado pelos especialistas em tecnologia da informação Amílcar Brunazo e Carlos Rocha - Infográfico: Luiz Iria, Naomi Akimoto Iria e Cristyan Costa
 
Descentralização de poderes
A Justiça Eleitoral organiza, fiscaliza e realiza as eleições, regula o processo eleitoral, examina as contas dos partidos e dos candidatos, controla o cumprimento da legislação e julga os processos relacionados com as eleições. Em síntese, ela é a mandachuva do sistema. Além disso, ministros do STF se revezam em cargos de decisão dentro do TSE, como a presidência da corte.

Por que ser contra algo que pode tornar a votação mais segura?

Carlos Rocha, engenheiro formado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica e CEO da Samurai Digital Transformation, defende a descentralização do TSE. “Não é crível que a autoridade eleitoral cuide de tudo”, afirmou. Rocha liderou o desenvolvimento e a fabricação da urna eletrônica nos anos 1990 e acredita que seja necessário o aprimoramento do processo eleitoral.A democracia brasileira não pode continuar a depender de um pequeno grupo de técnicos do TSE, que têm o controle absoluto sobre o sistema eletrônico de votação, de todos os códigos e chaves de criptografia”, afirmou.

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Quem realiza eleições não pode, também, desenvolver software, certificar equipamentos e programas, auditar os resultados das eleições e julgar eventuais desvios”, disse Rocha. Apoiador do voto auditável, ele destaca a necessidade de materializar cada voto em um documento eletrônico certificado pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, a ICP-Brasil, de modo a conceder validade legal. “O atual RDV [Registro Digital do Voto] reúne todos os votos em um único arquivo e não protege os votos contra apagamento ou alterações, no caso de quebra de segurança da urna”, observou Carlos.

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Dizer que o Estado brasileiro vai ser atacado por um hacker qualquer é uma bobagem tão grande quanto negar a possibilidade de modernizar a urna eletrônica. 
Afinal, por que ser contra algo que pode tornar a votação mais segura? 
A polarização política envenena o debate sobre mudanças que podem melhorar o sistema eleitoral.

Leia também “Uma crise encomendada”

Revista Oeste - MATÉRIA COMPLETA 


 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Não vai sair nada que preste de um debate em que só um dos lados pode ter razão - O Estado de S. Paulo

Só no Brasil um político acusado de corrupção pesada na área da saúde, que teve a própria mulher e três irmãos presos no mesmo caso e pelo mesmo motivo, é o presidente de uma CPI para investigar corrupção na área da saúde justamente na saúde

J. R. Guzzo

Caso superado

[Oportuno lembrar que integram a CPI, no mínimo, quatro senadores enrolados. O presidente, já apontado no inicio, o relator Calheiros que além dos vários inquéritos que responde, foi indiciado pela PF, com a CPI em curso e os 'colaboradores' o petista Humberto Costa - o codinome drácula dispensa maiores explicações  - o senador Jader, dispensa apresentações. Tem o vice-presidente senador Rodrigues, que não tem uma conduta similar a dos citados, mas que se continuar andando em más companhias.... ] Só no Brasil um político acusado de corrupção pesada na área da saúde, que teve a própria mulher e três irmãos presos no mesmo caso e pelo mesmo motivo, é o presidente de uma CPI para investigar corrupção na área da saúde – justamente na saúde. Como ele ficou “contra o governo”, na delegacia de polícia em que se transformou a CPI, todo mundo faz de conta que um negócio desses é a coisa mais normal do mundo. Só no Brasil, portanto, o mesmo cidadão, saído do “bas fond” do Senado Federal, pode acusar as Forças Armadas de ladroagem, sem provar quem são os ladrões, quanto roubaram ou no que, exatamente, meteram a mão – e não acontece absolutamente nada.

O presidente do Senado diz que houve “mal-entendido”. As FA dizem que o caso “está superado”. A politicada diz que os militares estão ameaçando o acusador; este, por sua vez, diz que não “tem medo” – sabendo muito bem que hoje qualquer zé-mané pode xingar a mãe de general na porta do quartel com a certeza de que ninguém vai encostar nele.  [oportuno não esquecer que as coisas sempre mudam... e quando mudam.....é apenas questão de tempo.... rs rs.] Daqui a pouco vão exigir que o ministro da Defesa peça desculpas ao senador – e ninguém vai apurar corrupção nenhuma, nas FA ou em qualquer outro lugar. [o único local em que a corrupção não será apurada é nas 'autoridades locais'; qualquer apuração de corrupção nos atos praticados pelas 'autoridades locais', que agiram e ainda agem com o aval do Supremo - irá  comprometer muitas cabeças coroadas  - o que não inclui o presidente da República nem a alta cúpula do Executivo = o Poder Executivo ficou como figurante e pagador das contas do atos dos protagonistas = autoridades locais.] É onde estamos no Brasil de hoje. Falou-se que os militares soltaram uma nota “dura”. Bobagem. Não existe nota dura; é só um pedaço de papel, e hoje nem isso. Dura é a ação. Não houve nenhuma. [exceto quando a corda arrebentar... está demorando, mas se continuar sendo esticada, certamente  vai arrebentar.]

O presidente Jair Bolsonaro disse que há uma escolha simples a ser feita no ano que vem: ou o Brasil tem eleições limpas, ou não tem eleições. E agora? Está mais do que claro que o presidente acha – ou melhor, tem certezaque o atual sistema de voto eletrônico “puro”, sem mecanismos de verificação, não é limpo. 
Se ele for mantido, como querem os ministros do Supremo Tribunal Federal e todos os que se opõem à candidatura de Bolsonaro, não haverá eleições em 2022. Ou é isso, ou não deu para entender nada do que o presidente falou. 
 
Falta explicar, agora, uma porção de coisas. 
- O que precisa ser feito na prática, exatamente, para não haver eleição? 
- O Congresso Nacional e o STF, que em tese seriam os únicos autorizados a aprovar e depois validar uma lei eliminando a disputa, não vão fazer isso – sem chance. Quem vai, nesse caso, dar a ordem? 
O próprio presidente, com uma medida provisória? 
O advogado-geral da União? 
Uma junta militar, a ser formada daqui até lá? 
Um comitê na ONU? 
Para eliminar uma eleição, além disso, é preciso uma série de coisas. Haverá tropa na rua? 
Vão fechar Congresso, STF e o resto das “instituições” para não ficarem perturbando? 
Vai ter golpe? 
E no dia seguinte? [de nossa parte optamos pela leitura do Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964.
Está claro que o processo de votação e apuração das eleições brasileiras, que deveria ser uma questão apenas técnica, foi envenenado
transformou-se em causa de militância, contra e a favor de Bolsonaro, e o viés é de piora constante e sustentável. [lembrando que os favoráveis ao presidente Bolsonaro e todos que apoiam o voto impresso, querem a permanência das urnas eletrônicas, apenas desejam que possa ser auditado de forma material e visual, o que só o voto impresso possibilita.] Não vai sair nada que preste de um debate em que só um dos lados pode ter razão o que nega qualquer mudança num sistema que só é adotado por dois outros países, Butão e Bangladesh, não permite auditagem dos votos e, segundo seus defensores, chegou à perfeição científica, não podendo ser aprimorado em mais nada. É destrutivo para qualquer entendimento, ao mesmo tempo, dizer que as eleições de 2014 e 2018 foram fraudadas e não mostrar nenhuma prova das acusações. 
Quem fraudou? 
Como? 
Foi no TSE? 
Em que momento da apuração? [a possibilidade de fraude é no momento em que o eleitor clica a tecla CONFIRMA, permitindo que o voto dado pelo eleitor tenha o candidato alterado e seja armazenado o resultado alterado.
O voto impresso impedirá tal tipo de fraude = equivale a uma precaução que adotamos quando se coloca um alarme contra furtos em um carro, se reforça uma fechadura - quando adotamos tais providências não estamos acusando ninguém de furto, apenas estamos dificultando que ocorram.] Ou o presidente estava falando a sério, quando disse que não haverá eleições se elas não forem limpas, ou estava com conversa fiada. É ruim em qualquer caso.
 
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo
 
 

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Escada para o golpismo - Valor Econômico

Maria Cristina Fernandes

Se aprovar voto impresso, Congresso dará gás a Bolsonaro contra STF

[duas coisas que não podem ser esquecidas: 
- o Congresso é independente, assim,  não pode, nem deve, agir em função dos interesses do STF; e,  
- a classificação apuração confiável das urnas eletrônicas só existe, devido impedirem que meios de conferir a confiabilidade da apuração sejam implantados.
O sistema antigo - voto em cédulas de papel - facilitava as fraudes, mas,  também facilitava que fossem detectadas; já  o voto eletrônico usado no Brasil só é considerado confiável exatamente por não permitir  meios de  detecção das fraudes.
 Só temos certeza da que um conteúdo de um cofre não foi violado, após abertura do cofre.]

A força do bolsonarismo não está na capacidade de cegar os adeptos mas de ofuscar a oposição. É isso que se passa com o voto impresso. A aliança para viabilizá-lo está mais fácil de sair do que a frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro. A velha desconfiança da urna eletrônica alia-se à fábrica de tramoias do bolsonarismo que, no limite, levará à falência de uma verdadeira campeã nacional, a apuração confiável dos votos.

Na última das três vezes que o Congresso chancelou o voto impresso o fez a partir de uma emenda do então deputado Jair Bolsonaro. Teve encaminhamento favorável da maioria dos partidos, foi aprovado mas caiu no Supremo. [só no Brasil é que uma matéria aprovada pelo Congresso Nacional, cai no Supremo.]

Desta vez, o defensor da proposta está no poder obcecado em contestar o resultado das urnas para nele permanecer. Muitos parlamentares continuam presos às suas convicções sem se importar com quem se aliaram. Têm à disposição um sistema que funciona sem nenhuma prova de violação ao longo de um quarto de século. [O voto eletrônico, estilo das milagrosas urnas eletrônica 'made in Brazil', fosse tão seguro, isento de fraudes, teria sido adotado em todas as democracias do mundo. Apenas Brasil, Butão e Bangladesh usam urnas que não imprimem o voto.] Preferem tentar o que uns veem, candidamente, como aprimoramento, outros, como vacina contra a propaganda bolsonarista de fraude e uns tantos, ainda, como chance de conquistar o eleitor do presidente, numa espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro.

Os argumentos foram esgotados pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, no dia em que esteve na Câmara: as urnas não são ligadas à internet e, portanto, não podem ser invadidas por hackers à distância. Todos os dez passos do processo, da habilitação à lacração das urnas, passando pelos testes de integridade, estão franqueados à fiscalização dos partidos, da OAB, do MP, da PF, da CGU, dos conselhos técnicos de computação e engenharia, das universidades e até das Forças Armadas. A impressão de 150 milhões de cédulas aumenta a possibilidade de fraude no transporte, armazenamento e contagem, além de ser um indutor de judicialização. “É mexer em time que está ganhando”, resumiu o ministro.

Os presidentes do PSD, Gilberto Kassab, do MDB, Baleia Rossi, e do PSDB, Bruno Araújo, garantem ser contrários à impressão do voto. Nenhum deles, porém, tem o controle da bancada. O deputado Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, integrante da comissão que discute a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF) sobre o voto impresso, mostrou-se incapaz de aprender com seus erros. Depois de ter questionado o resultado de 2014, levando o TSE a autorizar uma auditoria independente que nada constatou, Aécio volta a questionar a urna eletrônica.

O PDT de Ciro Gomes ressuscitou a crítica à urna eletrônica feita por Leonel Brizola, que morreu antes da fiscalização ampliada do processo e da biometria do voto. O presidente do PSB, Carlos Siqueira, mantém sua oposição histórica à urna eletrônica com o argumento de que a última grande democracia a usá-la, a Alemanha, cedeu à impressão. O argumento costuma ser rebatido por Barroso com a lembrança do complexo de vira-latas do Brasil. Se só dá certo aqui é porque deve ser ruim. Nenhum dos partidos se dispõe a abrir mão do seu fundo eleitoral para custear os R$ 2 bilhões que seriam necessários à impressão dos votos.

A defesa mais arraigada da urna eletrônica está nos dois extremos, Novo, Psol e PT. Entre os petistas, as poucas vozes que se levantaram a favor do voto impresso foram desancadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa reunião fechada. Aqueles que defendiam concessões ao voto impresso pelo temor de que Lula ficaria vulnerável aos ataques bolsonaristas acabaram com a pecha de covardes. A adesão do PDT e do PSB à impressão do voto, porém, faz o deputado Arlindo Chinaglia (SP), petista que integra a comissão, temer por sua aprovação. Como se trata de emenda constitucional, o ônus de amealhar 308 votos é dos favoráveis à mudança, mas a oposição segue para a votação desfalcada, em grande parte, das bancadas do PDT e do PSB e sem a garantia de que os líderes dos partidos de centro moverão suas bancadas contra o voto impresso.

Se o mecanismo passar, terá sido a quarta vez que o Congresso o chancelará, mas numa circunstância inédita em que o chefe do Executivo, pela primeira vez, o apoia. Aumentará, portanto, a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal, situação almejada pelo presidente da República e para a qual inquestionáveis democratas do Congresso Nacional terão dado contribuição inestimável.

A julgar pelo voto de dois ministros-chave no Supremo hoje, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, a posição de Barroso tenderia a ser confirmada. Ainda que a mudança, desta vez, possa vir por emenda constitucional, ao Supremo restaria argumentar, como o fizeram ambos os ministros no último julgamento sobre o tema, em setembro de 2020, que a impressão colocaria em risco o sigilo do voto, cláusula pétrea da Constituição.

Para evitar o conflito com o Supremo, já está em curso, no Congresso e no TSE, a tentativa de encurtar pontes entre as duas pontas de debate. Barroso já admite, por exemplo, aumentar de 100 para 1 mil o número de urnas que, na véspera, são sorteadas para serem levadas do local de votação ao Tribunal Regional Eleitoral para teste.[o ministro Barroso precisa considerar que ele é ministro do Supremo e preside o TSE,  mas não é DONO do Brasil. Deixem o Congresso Nacional decidir.]

O teste, filmado e fiscalizado, consiste em fazer uma votação em cédula ao final da qual os votos computados são reproduzidos na urna eletrônica. Se o resultado coincidir é uma prova de que aquela urna não está adulterada. No TSE há ainda quem defenda que as urnas a serem atualizadas a cada eleição, cerca de 30%, o sejam por modelos com impressora. A solução é de quem acredita no diálogo com o golpismo, mas não satisfará Bolsonaro.

Ele já avisou que se 100% dos votos não forem impressos o resultado não valerá. A solução corre ainda o risco de incitar as bases bolsonaristas pela anulação do resultado. Para ficar apenas nos dois últimos exemplos, a invasão do Capitólio, insuflada pelo ex-presidente Donald Trump, teve por mote o rechaço ao resultado eleitoral e a derrota de Keiko Fujimori, no Peru, por 0,25% dos votos, foi contestada por generais da reserva em carta pública.

Quem sempre apoiou Bolsonaro por acreditar que ele deixaria o país mais perto dos Estados Unidos ainda se lembra que quem salvou o Capitólio foram as tropas de Mark Milley, o general que pediu desculpas por ter se deixado explorar politicamente por Trump. No Brasil, o perdão teve sinais trocados. Foi dado a um general politiqueiro. É o Peru que mora ao lado. Em 1992, o pai de Keiko, Alberto Fujimori, deu um autogolpe, com apoio militar e ficou mais de dez anos no poder.

Maria Cristina Fernandes, colunista - Valor Econômico 

 

Voto impresso é ‘um risco e uma ameaça’, diz Barroso - Revista Oeste

Para o ministro, recontagem da votação é um problema 

[Entendemos que o ministro Barroso, presidente do TSE, considera o Brasil propriedade dele e que tem que ser governado conforme sua suprema vontade - ainda que seja tudo consequência de um mero capricho.

O ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez se manifestou contra a proposta de votação auditável através do voto impresso.

Leia também: “Apenas Brasil, Butão e Bangladesh usam urnas que não imprimem o voto”

Eu penso que nós estaremos criando um problema e uma ameaça para um problema que não existe”, disse Barroso em entrevista concedida à CNN, nesta quinta-feira, 17. De acordo com o ministro, o acréscimo do voto impresso cria um “conjunto de problemas” que envolvem o transporte e a armazenagem do material impresso, além da recontagem da votação.

O ministro afirmou que o custo de implantação do voto impresso no Brasil é de R$ 2 bilhões. Dividido por eleitor, o valor fica em cerca de R$ 13,50 — levando-se em conta a quantidade de eleitores brasileiros: aproximadamente, 148 milhões de cidadãos.

Revista Oeste - Artur Piva

 


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Índia vai barrar exportação de vacina da AstraZeneca, diz CEO de instituto

A Anvisa aprovou a importação de 2 milhões de doses dessa vacina, que é a principal aposta do governo federal para a imunização contra o coronavírus

A Índia não permitirá a exportação das doses que produzirá da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford pelos próximos meses, de acordo com declaração do CEO do Instituto Serum da Índia, Adar Poonawalla, no domingo (3!1). A instituição foi contratada para produzir 1 bilhão de doses do imunizante para países em desenvolvimento.
 
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a importação de 2 milhões de doses dessa vacina, que é a principal aposta do governo federal para a imunização contra o coronavírus. Não há, ainda, informações se - ou como - a decisão do governo indiano impactará o Brasil. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tenta reverter o eventual veto do governo indiano para a exportação de vacinas. O laboratório brasileiro articula a importação dos 2 milhões de doses prontas, o que permitiria antecipar para janeiro o calendário de imunização no Brasil.
 
A vacina desenvolvida pela AstraZeneca e a Universidade de Oxford recebeu autorização emergencial do órgão regulador indiano no domingo, mas com a condição de que o Instituto Serum não exporte as doses para que, assim, o país consiga garantir a vacinação das populações mais vulneráveis. Segundo Poonawalla, a determinação também impede a comercialização do imunizante no mercado privado. "Só podemos dar (as vacinas) ao governo da Índia no momento", disse Poonawalla, acrescentando que a decisão também foi tomada para evitar o encarecimento do imunizante.
 
Como resultado, de acordo com ele, a exportação de vacinas para a Covax (iniciativa da Organização Mundial de Saúde para garantir acesso equitativo aos imunizantes contra a covid-19) deve começar apenas em março ou abril. Com as nações ricas reservando a maior parte do que será fabricado neste ano, o instituto (o maior produtor de vacinas do mundo) provavelmente será o principal produtor do imunizante para as nações em desenvolvimento.
 
O CEO afirmou, ainda, que o instituto está em processo para assinar um contrato com a Covax para a produção de 300 milhões a 400 milhões de doses, o que deve ocorrer nas próximas semanas. Isso vai além dos dois pedidos já existentes de 100 milhões de doses cada para a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford/Astrazeneca e para a Novovax. De acordo com ele, as primeiras 100 milhões de doses foram vendidas ao governo indiano por US$ 2,74, a dose, mas que os preços devem ser elevados nos próximos contratos. A vacina será vendida no mercado privado por US$ 13,68 a dose.
 
A entrega do primeiro lote deve ocorrer entre 7 e 10 dias, após a conclusão do contrato com o governo indiano. Ainda segundo o CEO, a companhia planeja fornecer de 200 milhões a 300 milhões de doses à Covax até dezembro de 2021. "Nós não conseguimos vacinar a todos agora. Nós temos que priorizar", afirmou.
O instituto também está negociando um acordo bilateral com outros países, como Bangladesh, Arábia Saudita e Marrocos. "Para que pelos menos os Estados mais vulneráveis de nosso país ou em outras partes de outros países sejam atendidos", disse Poonawalla, que acredita que haverá uma escassez de vacinas contra o coronavírus no próximo ano.

Reino Unido
Um britânico de 82 anos se tornou a primeira pessoa do mundo a ser vacinada com o imunizante produzido pela parceria Oxford/AstraZeneca fora da fase de testes. A vacina começou a ser aplicada pelo governo do Reino Unido nesta segunda-feira (4/1). O aposentado Brian Pinker foi o primeiro a receber a dose da vacina, no Hospital Churchill, em Oxford.
 
O imunizante da Oxford/AstraZeneca foi aprovado no Reino Unido em 30 de dezembro, após análise de todos os dados fornecidos pelos pesquisadores. O governo do primeiro-ministro Boris Johnson garantiu 100 milhões de doses da vacina, que podem ser armazenadas em temperaturas de geladeira entre dois e oito graus, tornando-a mais fácil de distribuir do que a injeção da Pfizer/BioNTech. 
 
Agência Estado - Agências Internacionais 
 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Minha oxigenação chegou a 92%. E agora? - VEJA - Utilidade Pública

Laryssa Borges

Desde que recebi a vacina experimental em novembro, um oxímetro passou a ser meu companheiro de todas as horas nesta pandemia

6 de dezembro, 8h41: Do lado da minha mesa tem um oxímetro. Ganhei dos pesquisadores do estudo clínico que tenta desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus. Como quase tudo que existe dentro das nossas casas, ele foi produzido na China, mais especificamente em Shenzhen, a cerca de 1.000 quilômetros de Wuhan, o epicentro da doença que alterou em definitivo nosso jeito de encarar o mundo em 2020. Coincidências da vida.

Há 19 dias, desde que tomei a vacina experimental do braço farmacêutico da Johnson & Johnson, meço o nível de oxigenação do sangue. No início, por ordens médicas, três vezes por dia. Agora, uma vez ou sempre que embarro no oxímetro dentro de casa. Tudo ia muito bem até o dia 20 de novembro, quando minha oxigenação no sangue bateu a casa dos 92%. E agora? Esse percentual poderia indicar insuficiência respiratória, poderia indicar que eu estava com uma queda alarmante da saturação de oxigênio no sangue, poderia indicar simplesmente que eu tinha colocado o aparelho de modo errado. Tudo ocorreu às 15h13 (sim, registro num diário minúcias como o exato momento em que aconteceu algo que possa estar relacionado à vacina). Paro, respiro e meço de novo: 99%. Acima de 95% de saturação de oxigênio o quadro é considerado normal.

A busca combinada das palavras oxímetro e Covid teve um “aumento repentino” nos últimos 12 meses, diz o Google Trends, a ferramenta de pesquisa que indica quais palavras-chave andamos pesquisando nas redes. Índia, Paquistão e Bangladesh são os países que mais têm recorrido a buscas com essas expressões. A ideia de procurar saber mais sobre oxímetros é justificada porque a Covid-19 reduz o nível de oxigênio no sangue e muitas pessoas, apesar de não se queixarem de falta de ar, podem ter uma diminuição silenciosa dos níveis de oxigenação no sangue. Daí a importância do aparelho, que não funciona como diagnóstico, mas exibe um parâmetro mínimo para se saber se está tudo bem. Tirei fotos do meu oxímetro, companheiro inseparável na pandemia, e enviei para amigos.

Vendo em retrospectiva aqueles segundos em que travei após o registro de 92% de oxigenação e pesquisando fatores que podem atrapalhar uma leitura acurada dos níveis de oxigênio no sangue, descobri que esmaltes, principalmente os escuros, ou unhas artificiais, e mãos frias no momento da medição podem levar a resultados falsos. Naquele dia, minhas unhas estavam pintadas de vermelho. Temos um culpado.

9h10: Pego o oxímetro para ter certeza de que as coisas vão bem. Primeira medição: 95%, segunda: 97%, terceira: 99%.

 

Laryssa Borges, jornalista - Diário da Vacina - VEJA

 

 

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Como a Carta de 1988, a Constituição do atraso, inviabiliza o desenvolvimento do país

Selma Santa Cruz

As distribuidoras de energia têm o direito de suspender o fornecimento do serviço a clientes inadimplentes durante os fins de semana?
 Os bancos do Estado de Santa Catarina devem ser obrigados a implantar sistemas de segurança
 Determinada obra de infraestrutura contestada pelo Ministério Público poderá ser retomada? 
E a delação premiada do corrupto da vez, será ou não homologada? 
O país já se habituou a depender das deliberações da Justiça para resolver praticamente qualquer assunto. Questões mais comezinhas até as que acarretam desdobramentos políticos ou econômicos relevantes, como mostram os exemplos acima, estiveram na pauta do Supremo Tribunal Federal nas últimas semanas. Embora já não cause espanto, em meio a tantos descalabros do nosso ordenamento jurídico institucional, esta é apenas uma das inúmeras consequências perversas da Constituição de 1988, que completa 32 anos neste mês e está na origem de boa parte das mazelas nacionais.

Por seu feitio exageradamente minucioso e dirigista, cujo propósito é regular na prática tudo na vida dos cidadãos, ela terminou por criar um ambiente de insegurança jurídica permanente, engessar a economia e dificultar a governabilidade. Além de ter corrompido a democracia, já que o modelo político esquizofrênico que adotou impede a efetiva participação da sociedade nas decisões sobre o país — contribuindo, ao contrário, para perpetuar no poder uma casta oligárquica de políticos profissionais.

Trata-se, portanto, de um aniversário que não mereceria sequer ser lembrado, considerando-se a quase unanimidade de críticas aos defeitos de nascença da Carta, e sobretudo o preço que o país tem pago por eles em termos de atraso econômico, político e social. A menos que se aproveite a data para retomar o debate sobre a necessidade de um arcabouço jurídico alternativo, a partir do diagnóstico dos malefícios provocados pelo atual. O qual tem sido questionado por uma respeitável lista de juristas e economistas praticamente desde sua criação. “Com quimeras e tolices, a Nova República e sua douta Constituinte meteram o povo brasileiro num trem-bala para Bangladânia”, lamentou à época, referindo-se à pobreza de Bangladesh e ao isolamento da então socialista Albânia, o falecido economista Mário Henrique Simonsen (1935-1997), um dos mais brilhantes de sua geração.

Uma Carta dirigista num momento em que países em desenvolvimento se abriam aos mercados globais

De 1988 para cá, à medida que o tempo escancara a gravidade dos equívocos da Carta, a advertência de Simonsen sobre “o risco de se optar pelo atraso”, e sua previsão de que ela poderia “levar o país ao colapso”, reverberam com cada vez mais força. Apenas dois anos depois, em 1990, o título de uma coletânea de artigos de notáveis, Constituição de 88: o Avanço do Retrocesso, reforçou o consenso sobre o espírito retrógrado da Carta, que já nascera provecta e na contramão da história. Pois optava pelo dirigismo estatizante e uma plataforma nacional-desenvolvimentista justamente num momento em que o mundo caminhava na direção oposta.

Sob a liderança de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, os Estados Unidos e o Reino Unido encerravam o longo domínio das políticas keynesianas do pós-guerra para destravar suas economias por meio de privatizações e desregulamentação. Na Ásia, países como Coreia do Sul e Singapura despontavam como “tigres” do crescimento, ao abraçar o livre mercado e abrir-se à globalização. E até os gigantes comunistas começavam a curvar-se aos benefícios do capitalismo, com a liberalização promovida por Mikhail Gorbachev na União Soviética e por Deng Xiaoping na China.

Já o Brasil, apenas dois anos antes do desmoronamento dos regimes comunistas e da Queda do Muro de Berlim, preferiu retomar a agenda esquerdista e populista da década de 1960, multiplicando encargos e benefícios trabalhistas de país rico, fechando-se ao capital estrangeiro, e chegando ao cúmulo de tentar controlar a taxa de juros por força de lei — essa última excrescência só seria abolida uma década e meia mais tarde, em 2003. O pensamento dominante entre os constituintes, como recordou mais tarde o então ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, guiava-se por uma série de “ismos” já então comprovadamente ineficientes: “socialismo, marxismo, estatismo, intervencionismo, patrimonialismo, assistencialismo, corporativismo e garantismo”.

Em retrospecto, parece difícil acreditar que essa Constituição tenha sido saudada como “Constituição Cidadã”, termo criado pelo presidente da Assembleia Constituinte, o falecido deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), no estilo laudatório típico da demagogia da época. “Será luz, ainda que lamparina, na noite dos desgraçados”, exagerou ele, abusando da hipérbole. “Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.” Tratava-se, como se viu mais tarde, de puro ato de ilusionismo, já que não foi possível abolir a miséria nem promover o desenvolvimento apenas com uma vara de condão legiferante, como sonharam os constituintes.

Uma generosa coleção de direitos sociais e econômicos, como se o papel fosse capaz de torná-la realidade

Uma combinação heterogênea de perfis, que incluía artistas de televisão, banqueiros, sindicalistas e ex-guerrilheiros além de lobistas e políticos profissionais, como não poderia deixar de ser —, os eleitos para redigir a nova Constituição espelhavam o ambiente político exacerbado da época, após o Movimento das Diretas Já e o fim do regime militar. Trabalharam, nesse sentido, mais olhando para o passado, visando a contrapor-se à legislação de exceção do período, do que focalizando o futuro, o que exigiria uma visão estratégica, um projeto novo de país.

Em  clima de happening, preferiram ignorar a referência de Cartas Magnas consagradas, a exemplo da norte-americana, que se limitam basicamente às garantias dos direitos civis fundamentais e princípios gerais, a ser transformados em leis à luz das demandas de cada época. A pretexto de inovar, inscreveram minuciosamente no texto uma generosa coleção de direitos sociais e econômicos, como se a Constituição fosse capaz, por si mesma, de torná-la realidade. Embalados pela utopia de resgatar a histórica dívida social brasileira, contudo, esqueceram-se de levar em conta que seria preciso também prover os meios para a concretização desses direitos. O que pressupõe um ambiente de negócios propício ao crescimento econômico, muito diferente daquele desenhado pela Carta, com a infinidade de entraves à atividade empresarial que se conhece.

Tentou-se, em suma, de forma idealista e nada pragmática, criar um Estado de bem-estar social incompatível com a capacidade do país, como reconhece, entre outros, o constitucionalista Gustavo Binenbojm. “O Brasil precisa compreender que levar direitos a sério significa levar o problema da escassez de recursos a sério, o que impõe uma série de escolhas trágicas envolvidas na sua alocação, sem ceder às tentações populistas e à ilusão fiscal.” O resultado foi um calhamaço com 245 artigos e mais de 400 páginasa terceira mais longa Constituição do mundo, segundo o Comparative Constitutions Project, um estudo comparativo de 180 Cartas, ficando atrás apenas das da Índia e da Nigéria.

Para piorar as coisas, o igualmente extenso capítulo tributário criou um intrincado sistema de transferência de recursos da União para Estados e municípios, que ganharam competência para também arrecadar tributos. Como a descentralização das receitas não foi acompanhada por uma diminuição proporcional dos gastos federais, no entanto, o Executivo lançou mão da criação e majoração de alíquotas de tributos não partilhados — as famigeradas “contribuições”. Em decorrência, os brasileiros passaram a carregar o peso de duas camadas de Estado superpostas, como apontou o economista Eduardo Giannetti de Fonseca em outro artigo de título sugestivo sobre a Constituição: “Retrato do fracasso”, publicado em 2013.

Levando em conta que a Carta também impulsionou a proliferação desenfreada e oportunista de municípios, podemos considerar que se trata na verdade de três camadas superpostas. Desde 1990, mais de mil municípios foram criados, na maioria sem condições de bancar as próprias despesas, mas que foram responsáveis por aumentar, só com suas câmaras de vereadores, em pelo menos 200 mil o número de servidores públicos cujo salário é pago pelo contribuinte. Não surpreende que a carga tributária, que era da ordem de 24% do PIB antes da “Constituição Cidadã”, tenha explodido para os cerca de 35% de hoje. A Constituição transformou o Estado brasileiro em um monstro obeso, opressivo e inoperante.

A Constituição transformou a política no país em um negócio empresarial lucrativo

A disposição dos constituintes para invencionices estendeu-se também, e com consequências igualmente deletérias, ao modelo político adotado, um sistema híbrido que mistura características do presidencialismo norte-americano com as do parlamentarismo da tradição europeia. Criou-se o malfadado presidencialismo de coalizão, que dificulta a governabilidade e favorece negociações nem sempre republicanas entre o Legislativo e o Executivo, na conhecida prática do “é dando que se recebe”. Cujo exemplo mais escandaloso foi a compra de votos praticada pelo Partido dos Trabalhadores durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com pagamento aos parlamentares, em forma de mesada e dinheiro vivo, na boca do caixa bancário — o infame Mensalão.

Em paralelo, a Constituição de 88 beneficiou políticos e partidos com tantos privilégios que acabou por transformar a política no país em um negócio empresarial lucrativo, que raramente tem qualquer relação com os interesses da população ou o bem comum. Do voto proporcional — artifício pelo qual a maioria dos brasileiros geralmente não sabe sequer o nome de quem elegeu — à proibição de candidaturas independentes, passando pelo foro privilegiado e pela consolidação do Fundo Partidário, criado durante o regime militar, tudo tem se somado, ao longo das últimas três décadas, para impedir a efetiva  participação e representatividade da sociedade na política. Haja vista o absoluto descaso do Congresso com as demandas de mudanças expressas a partir das manifestações de 2013.

Por essa ótica, a Constituição que nasceu para consagrar a democracia, e cujo mérito inquestionável foi a garantia dos direitos civis fundamentais, hoje é vista, paradoxalmente, como falha também nesse aspecto. Em vez de uma democracia substantiva, fundada na isonomia de direitos e deveres entre todos os cidadãos, e que extrapola portanto a mera realização periódica de eleições, deu origem a uma democracia de fachada, como afirma o jurista Modesto Carvalhosa. “No Brasil, o Estado é hegemônico, não restando à cidadania nenhum papel em nossa construção civilizatória. A sociedade civil é dominada por um Estado que se estruturou para preencher todos os espaços.”

O constitucionalista norte-americano Bruce Ackerman, um dos mais respeitados do mundo e antigo estudioso da legislação brasileira, vê nesse descompasso uma das principais causas da crescente frustração da população com a democracia. E se alinha aos que defendem a convocação de uma nova Assembleia Constituinte. “Uma vez eleitos, os representantes deveriam reconsiderar as decisões-chave da Assembleia de 1988 já que elas, ao longo das décadas, geraram a atual crise de confiança pública”, justificou em artigo recente. Essa é também a proposta de Carvalhosa, que em novembro lançará um projeto de Constituição completo para promover o debate no livro Uma Nova Constituição para o Brasil: de um Ps de Privilégios para uma Nação de Oportunidades.

Seria essa mudança radical do ordenamento jurídico realmente a melhor solução? É fato que os próprios constituintes reconheceram as deficiências de sua criação, já que propuseram a revisão do texto num prazo de cinco anos — uma providência bizarra, visto que cartas constitucionais se pretendem por natureza duradouras. A revisão, contudo, acabou sendo superficial, devido à crise em que o país estava mergulhado em 1993, em função do impeachment do ex-presidente Fernando Collor.  Em vez disso, optou-se por corrigir alguns dos erros mais flagrantes, sobretudo no capítulo da economia, como as restrições ao capital estrangeiro, e por remendos pontuais por meio de emendas. Propostas de mudanças estruturais, por outro lado, vêm sendo seguidamente adiadas, ou desvirtuadas, já que a Constituição se autoblindou, tornando o processo da aprovação de emendas longo e dificultoso.

No momento, parece não haver condições políticas para uma Constituinte, embora o assunto volte à tona com frequência, já tendo sido defendido também à esquerda, pelos ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula. Mais recentemente, o presidente do Senado, David Alcolumbre, chegou a aventar essa possibilidade, quase como uma ameaça. Para alguns, como o consultor político Murillo de Aragão, seria mais recomendável aproveitar as crises para avançar nas reformas. Assim como ele, não falta quem alegue que a durabilidade da Constituição de 88, apesar das inúmeras crises que o país atravessou, comprovaria seu valor e resiliência. Para outros, como se viu, a Constituição é ela própria a origem da sucessão de crises.

Seria temerário tentar prever qual caminho prevalecerá. O que parece indiscutível é que o Brasil real no qual vivemos, com sua pesada carga de atribulações, não se parece nem um pouco com aquele idealizado pela Carta de 88. Este talvez seja o argumento definitivo contra ela. “Uma boa Constituição não é suficiente para proporcionar a felicidade de uma nação” resume o constitucionalista francês Guy Carcassonne. “Já a má Constituição pode levar à sua infelicidade.” Parece ser este o nosso caso.

Selma Santa Cruz, colunista - Revista Oeste