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quarta-feira, 30 de março de 2022

Já dá para dizer “Perdeu, Putin” ou proposta russa é apenas manobra? - Mundialista

A iniciativa de “reduzir drasticamente” as tropas em torno de Kiev equivaleria a um reconhecimento de enorme derrota 

Cuidado, avisou Boris Johnson, Putin ainda pode “virar a faca”. Não existe uma pessoa na face da Terra, inclusive entre as que continuam a admirar Vladimir Putin, que discorde do primeiro-ministro britânico.

É por isso que a declaração do vice-ministro da Defesa, Alexander Formin, foi vasculhada sob todos os ângulos possíveis. Relembrado-a, com toda sua linguagem enrolada: “Devido ao fato de que as negociações sobre um acordo sobre a neutralidade e o status não-nuclear da Ucrânia e garantias de segurança (para a Ucrânia) estão avançando para uma fase prática, e levando em consideração os princípios discutidos durante a reunião de hoje, o Ministério da Defesa da Federação Russa tomou a decisão de reduzir drasticamente as operações de combate nas áreas de Kiev e Chernihiv a fim de incentivar a confiança mútua e criar as condições necessárias para novas negociações e a assinatura do acordo acima mencionado”.

Note-se que os termos “desmilitarização” e “desnazificação”, as absurdas
condições originais, não aparecem. E que o “status não-nuclear” da Ucrânia nunca foi colocado em dúvida, fora do campo das especulações mais fora de propósito. Também vale lembrar que as negociações na Turquia, num prédio da era otomana às margens do Bósforo, transcorreram num clima de filme de suspense face à acusação de que dois integrantes da delegação ucraniana e o oligarca russo Roman Abramovich haviam sofrido uma tentativa de envenenamento no começo do mês.

Abramovich, segundo a denúncia do site Belliingcat, chegou a perder a visão por algumas horas e sofreu descamação na pele do rosto e das mãos. Foi internado numa clínica em Istambul, uma das poucas metrópoles internacionais que ainda pode frequentar por estar na lista de sanções da maioria dos países do Primeiro Mundo.

Fontes da inteligência americana negaram o suposto uso de agentes químicos contra o bilionário, mas o Bellingcat tem um histórico de investigações rigorosas, inclusive sobre os infames envenenamentos com Novichok do ex-agente russo Sergei Skripal e do oposicionista preso Alexei Navalny.

E a participação de Abramovich nas negociações entre Ucrânia e Rússia nunca tinha sido informada com tantos detalhes. O bilionário ontem apareceu abertamente nas negociações em Istambul. O porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, confirmou a participação do embargado dono do Chelsea, também em termos enviesados: “Ele não é  membro oficial da delegação, mas está presente em Istambul do nosso lado. Para promover contatos entre as duas partes é preciso ter a aprovação das duas partes e, no caso de Abramovich, esta aprovação foi feita pelas duas partes”.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, interveio junto ao governo americano para tirar Abramovich da lista de sancionados pelo Departamento do Tesouro, argumentando justamente que ele estava mediando negociações.

Por que os russos tentariam envenenar um negociador do lado deles? Segundo Christo Grozev, do Bellingcat, site que foi fundado por um jornalista britânico – e talvez com um certo incentivo da inteligência britânica -, pode ter sido um “aviso” da linha dura do regime russo. Grozev acha que foi usada uma dosagem baixa de cloropicrina ou do próprio  Novichok.

Outra ameaça foi feita pelo próprio Putin. Segundo o Times de Londres, Abramovich viajou no seu jato particular de Istambul para Moscou na quarta-feira passada, levando uma proposta de paz escrita a mão por Zelensky. “Diga a ele que vou esmagá-lo”, avisou Putin.

É por motivos assim que a redução “drástica” de forças russas em torno de Kiev, algo que só pode ser interpretado, pelo valor de face, como um recuo histórico, deve ser vista com muito cuidado. Os fiascos protagonizados pelos invasores russos correram o mundo, mas a Rússia hoje ocupa mas da metade das regiões fronteiriças da Ucrânia, do Mar de Azov à Belarus. [no relato da mídia progressista esquerdista a Rússia está perdendo a guerra, nos fatos ela ganha territórios na Ucrânia. Tem caroço nesse angu; frear o avanço, estacionar tropas e fustigar o inimigo com fogo de artilharia e misseis, abate o moral do inimigo, destrói as defesas e infraestrutura do inimigo e facilita futuro avanço.]

Putin pode dizer “missão cumprida” e apresentar um meio fiasco como uma vitória inteira? Vamos ficar sabendo nos próximos dias.

Se Kiev for salva e Abramovich tiver alguma participação, merecerá até ter o Chelsea de volta.

Vilma Gryzinski, colunista - VEJA - Blog Mundialista

 

domingo, 13 de março de 2022

O que documentos inéditos sobre a vacina da Pfizer revelam sobre seus riscos - Gazeta do Povo

Eli Vieira

“Como se tornou o padrão”, diz de forma resignada o juiz americano Mark T. Pittman em sua decisão de janeiro, “as partes não conseguiram concordar com uma agenda de produção [de documentos] mutuamente aceitável”. 
As partes são a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA) e a organização sem fins lucrativos Profissionais da Saúde Pública e Médicos pela Transparência (PHMPT). A última forçou a primeira, via Lei de Acesso à Informação do país, a liberar documentos a respeito dos trâmites que levaram à aprovação da Comirnaty, vacina de mRNA da Pfizer-BioNTech. O processo começou em setembro de 2021.

Vacina da Pfizer
Vacina da Pfizer: documento traz informações inéditas| Foto: EFE/EPA/MICHAEL REYNOLDS

A FDA foi condenada pelo juiz a tornar públicas 300 mil páginas dos documentos, começando com a liberação imediata de 12 mil, seguida de 55 mil páginas por mês. Antes, em novembro, a agência havia proposto liberar os documentos no ritmo de 500 páginas por mês. Isso significa que a liberação completa levaria 55 anos ou mais. A justificativa para esse plano intergeracional é que somente dez funcionários cuidam dessa tarefa, e que já estavam ocupados com 400 outros pedidos de informação via lei de acesso à informação. É preciso, por exemplo, anonimizar pacientes nos documentos. Mas o juiz não se convenceu.

O juiz mandou que a ONG e a agência publiquem um relatório de progresso no dia 1º de abril. A primeira leva de 55 mil páginas foi liberada no dia 1º de março, perdendo atenção nas notícias para a situação na Ucrânia. A ONG reclamante selecionou 150 arquivos, equivalentes a 500 páginas (menos de 0,2% do total) e os disponibilizou em seu site.  A Gazeta do Povo traz abaixo uma seleção das informações contidas nesses documentos, com explicações e pontos de cautela.

BMJ x Facebook
Um documento traz informações previamente confidenciais de 191 locais em que foram realizados os estudos da vacina, e o pesquisador responsável por cada um.  
A grande maioria é nos Estados Unidos, mas também foram envolvidos África do Sul, Alemanha, Argentina, Turquia e inclusive o Brasil. Alguns pesquisadores ficaram responsáveis por mais de um centro. Por exemplo, a pesquisadora Laura Hammit, da Universidade Johns Hopkins, ficou com nove centros
No Brasil dois locais foram envolvidos: Cristiano Zerbini cuidou do estudo no CEPIC (Centro Paulista de Investigação Clínica e Serviços Médicos Ltda.), em São Paulo; e Edson Moreira da Fiocruz conduziu o estudo no Hospital Santo Antônio e Associação Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador.

Estão listados também quatro locais em que o estudo foi conduzido pela subcontratada Ventavia Research Group, de onde veio uma denúncia de más práticas de pesquisa pela ex-funcionária Brook Jackson publicada em novembro de 2021 na revista científica British Medical Journal (BMJ). Brook Jackson tem experiência de 18 anos em ensaios clínicos e tinha posição imediatamente abaixo de CEO na Ventavia, supervisionando a obediência da empresa às leis, regulamentos e protocolos científicos.

A publicação da BMJ foi rotulada no Facebook como “sem contexto” pela agência de checagem de fatos Lead Stories. Seguiu-se uma disputa pública entre a agência e a revista. Jackson no momento está processando a Ventavia e a Pfizer em um tribunal do Texas que liberou no mês passado um documento dos trâmites do processo.

A ex-auditora clínica alega ter observado diariamente “fabricação e falsificação de informações em amostras de sangue, sinais vitais, assinaturas e outros dados essenciais” do estudo local, acusa a Ventavia de ter incluído participantes ilegítimos, incluindo familiares, de ter mantido o imunizante em temperatura inadequada, entre outras más práticas. Importante lembrar que somente 2% dos locais de teste foram administrados pela Ventavia.

Engolir moeda, ser atingido por um raio: eventos adversos?
Particularmente interessante é o documento de título “Análise Cumulativa de Relatos de Eventos Adversos Pós-Autorização da [Comirnaty] recebidos até 28 de fevereiro de 2021”. As primeiras doses do imunizante foram autorizadas para armazenamento em 1º de dezembro de 2020, e para uso emergencial dez dias depois nos Estados Unidos. A aprovação completa veio quase um ano depois, em 21 de agosto de 2021. Portanto, os dados incluídos neste relatório vão até seis meses antes da aprovação completa da vacina da Pfizer.

A análise cumulativa foi produzida em resposta a uma requisição da FDA por um plano de farmacovigilância, como a introdução do documento mostra. Antes de discutir os resultados, é muito importante que fique clara a diferença entre evento adverso e efeito colateral.  
Evento adverso é quase literalmente qualquer coisa negativa que possa acontecer com um participante de um estudo clínico como o desenvolvimento da vacina.
 
Em um documento similar a respeito da segurança da vacina da Pfizer para crianças, disponível no site da FDA, é listado como evento adverso, por exemplo, o caso de uma criança que engoliu uma moeda (p. 45)
Já outro relatório a respeito da vacina de mRNA da concorrente Moderna lista como evento adverso sério o caso de uma pessoa idosa que foi atingida por um raio (p. 54). Ninguém em sã consciência pensaria que esses seriam efeitos de ter tomado as vacinas. A palavra efeito implica relação de causa e consequência.
 
Sabemos que a miocardite em homens jovens a uma taxa de 10 a 20 por 100 mil é um provável efeito da vacina da Pfizer. Mas isso é porque foram feitas mais investigações para ligar o evento adverso a este fator. 
É por cautela que os pesquisadores incluem todo tipo de evento adverso não só daqueles pacientes que receberam a vacina como também dos que não receberam e são do grupo controle (que não recebe nada) ou placebo (que recebe algo inócuo sem saber se é a vacina ou não). Inicialmente ao menos, os pesquisadores também não sabem quem recebeu a vacina ou não (a falta de anonimização de participantes foi um dos defeitos alegados por Brook Johnson no caso dos testes locais da Ventavia)
Além disso, ao coletar eventos adversos ativamente ou passivamente, os pesquisadores também não sabem se um evento adverso como, digamos, derrame cerebral é comparável ao caso de engolir moeda ou ser atingido por um raio, ou se é mais parecido com a miocardite masculina jovem.

Por isso, aqueles que estão usando a liberação desses documentos para alegar ou insinuar que todos os eventos adversos listados na análise cumulativa foram causados pela vacina da Pfizer estão fazendo desinformação, de forma consciente ou não.

Resultados da análise cumulativa até fevereiro de 2021
Ao atender ao pedido judicial por informação, a FDA removeu do relatório da análise cumulativa o número total de doses entregues ao redor do mundo (p. 6), mas informa que há 42 mil relatos de eventos adversos, 2% dos quais são mortes. A remoção das informações é feita com uma tarja cinza com um código em cor preta que vem da lei americana e significa que foi ocultada uma informação sensível. Pode ser sensível para o governo federal, ou uma informação comercialmente sensível para a fabricante da vacina.

Por exemplo, é ocultado o número de novos funcionários que a Pfizer contratou em tempo integral na época para lidar com os relatos de eventos adversos, que é informação privilegiada a respeito da empresa, assim como o número de funcionários que ela planejava contratar até junho de 2021. A FDA não existe para prejudicar comercialmente a Pfizer, mas para regular seu trabalho e monitorar a segurança de seus produtos. No entanto, a remoção da informação do número total de doses tem o efeito de dificultar o cálculo da incidência de cada tipo de evento adverso por dose.

Fica evidente a inadequação dos relatos de eventos adversos para fazer conclusões causais quando se analisa os 42 mil casos. Por exemplo, 71% dos relatos são a respeito de mulheres, contra 22% dos homens (o resto não tem informação de sexo). Isso não está de acordo com um dos efeitos adversos preocupantes mais bem conhecidos, que acontece mais em homens jovens. Uma hipótese que explica isso melhor é que as mulheres são mais propensas que os homens a buscar ajuda médica, são mais avessas a correr riscos. Isso exemplifica como os relatos têm ruídos de influências diversas que nada têm a ver com a real incidência de reais efeitos colaterais. No entanto, mais pessoas do grupo dos vacinados tiveram eventos adversos comparadas às do grupo placebo. A febre severa foi 14 vezes mais comum entre vacinados, por exemplo.

O tema central de muitos dos documentos liberados é justamente os efeitos adversos cobertos pela análise cumulativa de um ano atrás. Ela já está desatualizada. Temos análises envolvendo mais pessoas, com mais rigor. Uma delas, organizada por um consórcio de planos de saúde, foi publicada no Journal of the American Medical Association (JAMA), com a primeira autoria de Nicola Klein, do Centro de Estudos de Vacinas do plano de saúde Kaiser Permanente. O estudo monitorou semanalmente os eventos adversos em 6,2 milhões de pacientes com duas doses cada até junho de 2021, ultrapassando a cobertura de tempo da análise cumulativa da Pfizer. Aproximadamente metade desses receberam a vacina da Pfizer, metade recebeu a vacina da Moderna, também de mRNA.

Os cientistas dos planos de saúde investigaram por teste estatístico se os eventos adversos observados nos vacinados estão acima dos níveis esperados. A inflamação do coração e em seu revestimento foi observada em 34 casos, 85% deles em homens jovens.  
Esse evento esteve acima do esperado para a população em geral, o que sabemos de outros estudos, pois essa inflamação, além de ser evento adverso, é também efeito colateral
Consistentemente com outros estudos, foi leve e passou rápido na maioria dos casos. Nenhum outro evento adverso esteve mais presente entre vacinados que na população em geral.

Mais informações liberadas por via judicial

Apesar de ser uma pequena fração do que está por vir nas 55 mil páginas de informações a serem liberadas mensalmente pela FDA a respeito da vacina da Pfizer/BioNTech, já há muita informação nos 150 arquivos liberados. A principal informação é a do relatório da análise cumulativa, em torno dos quais muitos outros arquivos orbitam, sendo dados brutos. Há mais coisa digna de menção neste comentário inicial.

Na defesa da Comirnaty, especialmente contra críticas exageradas, alguns podem ser tentados a alegar que o uso pretendido da vacina é o que ela está entregando agora: diminuir o risco de um quadro de covid mais grave. Os documentos mostram que isso não é verdade e a vacina foi apresentada à FDA como “imunização ativa para prevenir a doença de coronavírus 2019 (COVID-19)”. Prevenir a doença é diferente de prevenir um pior quadro dela.

Os documentos mostram que a Pfizer já sabia, através dos modelos animais, que mais doses intensificavam efeitos adversos: “A incidência e severidade das reações foi maior depois da segunda ou terceira injeções comparadas à primeira injeção. A maioria dos animais tiveram um edema muito tênue depois da primeira dose. Depois da segunda ou terceira dose, a severidade do edema aumentou para grau moderado ou, raramente, severo.” Também é revelado que a fabricante sabia do rápido decaimento da proteção vacinal.

É confirmado pelos arquivos que o imunizante não fica no local da aplicação e se espalha pelo corpo, como já havia sido sugerido pela Agência Europeia de Medicamentos e por um relatório japonês que vazou. As nanopartículas de mRNA são encontradas em pequenas quantidades nos ovários, no baço e 16% ficam no fígado após 48 horas da injeção.

Estamos só no começo da jornada de saber o que houve nos bastidores da FDA quando a Pfizer fez seu pedido de licença para a vacina Comirnaty. Porém, como no caso do relatório da análise cumulativa de eventos adversos, muita cautela deve ser usada na hora da interpretação da novidade das informações. Circular uma lista de mais de mil eventos adversos listados no relatório como se fossem todos conhecidos como efeitos colaterais é, de fato, desinformação.

Eli Vieira, colunista - Gazeta do Povo - Ideias 


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Fachin: 'A Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers' - Portal Terra

Futuro presidente do TSE alerta para cibercrimes, cita Rússia e diz que 'instituições terão seu maior teste'

A uma semana de tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin disse ao Estadão que a Justiça Eleitoral "já pode estar sob ataque de hackers" e citou a Rússia como a origem da maior parte dessa ofensiva.

"A preocupação com o ciberespaço se avolumou imensamente nos últimos meses, e eu posso dizer a vocês que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers, não apenas de atividades de criminosos, mas também de países, tal como a Rússia, que não têm legislação adequada de controle", afirmou Fachin ontem, em entrevista exclusiva.

Sem resposta do Telegram a reiterados contatos do TSE, o ministro avisou que é hora de endurecer para evitar que a plataforma seja usada na campanha eleitoral para difundir informações falsas. Mas destacou que ainda vai aguardar uma posição do Congresso para restringir a atuação de redes sociais que não têm representantes no País. "O mundo não virou planeta sem lei."

O ministro descartou a possibilidade de as Forças Armadas se atrelarem a "interesses conjunturais", caso o presidente Jair Bolsonaro seja derrotado nas urnas em outubro. "Nós teremos o maior teste das instituições democráticas", observou ele. Ao dizer que o slogan de sua gestão no TSE será "paz e segurança nas eleições", Fachin afirmou que o "populismo autoritário" não tem mais espaço no Brasil. "Ditadura nunca mais", declarou o magistrado. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O presidente Jair Bolsonaro já ameaçou não reconhecer o resultado das urnas neste ano eleitoral. O que o TSE pode fazer se isso acontecer? E o que pode fazer também caso surja um movimento semelhante ao da invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos?
Eu não creio que irá acontecer. Tenho esperança de que não aconteça e vou trabalhar para que não aconteça. Mas, numa circunstância como essa, nós teremos, certamente, o maior teste das instituições democráticas do Brasil. Um grande teste para o Parlamento, que, na democracia representativa, representa a sociedade. Um grande teste para as Forças Armadas, que são forças permanentes, institucionais, do Estado, e que estou seguro que permanecerão fiéis à sua missão constitucional e não se atrelarão a interesses conjunturais. Também será um teste para a Justiça Eleitoral, que é uma instituição permanente do Estado. A nós caberá organizar, realizar as eleições, declarar os eleitos, diplomar e, em seguida, haverá posse para que cada um governe. É para efetivamente isso que vamos trabalhar. 
[que os ministros Fachin, Moraes e Barroso não simpatizam com Bolsonaro - quando falam algo do presidente deixam isso bem claro, chegando o ministro Barroso a expressar ódio -  é sabido. 
Os outros ministros, com exceção de dois ou no máximo três, não estão entre os admiradores do capitão - que retribui à altura a simpatia  que recebe.
Agora se faz urgente um acordo entre o ministro Fachin e o Barroso, ou a coisa se complica. O ministro Barroso considera ofensa pessoal, crime mesmo, alguém falar mal das suas urnas,ops ... das urnas eletrônicas e se torna mais irascível quando se cogita que o risco maior são os hackers = assegura que hackers não podem invadir as urnas,já que essas não se conectam a internet. Há controvérsias, por ser pacífico que ocorreu invasão do sistema eleitoral do TSE - tem até um inquérito sobre o presidente Bolsonaro ter vazado tal inquérito - "vazamento" ocorrido um dia antes do sigilo da investigação ser decretado. Só que o ministro Fachin de forma clara, inequívoca, deixa claro que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers.
Uma declaração com tal conteúdo pode gerar sendo o autor um cidadão comum até prisão.E o Fachin pode declarar e ficar impune? É bom que haja um acordo ou fica complicado já que uma declaração de um supremo ministro tem, ou deveria ter, elevada credibilidade.]

De onde vem a confiança nesse quadro?
O que contribui para isso? Em primeiro lugar, contribui para isso que nós tivemos 25 anos de uma ditadura civil-militar cujo resultado foi um resultado que trouxe consequências nefastas para o Brasil. [bem menos do que os efeitos maléficos dos 34 anos de Nova República.] Ditadura nunca mais. Os males da democracia devem ser resolvidos dentro da democracia. (A Constituição) desenhou um arcabouço que, no meu modo de ver, pode sofrer turbulências, mas será mais firme do que qualquer populismo autoritário que tente gerar a ruína, a diluição do regime democrático do Brasil. Eu espero que minha geração não veja isso de novo e que meus netos cresçam numa democracia. 

O senhor citou que criminosos e agentes estatais hospedados em diversos países, como a Rússia, declararam guerra à Justiça Eleitoral. Pode dar exemplos disso e explicar como exatamente será reforçada a segurança cibernética nas eleições de 2022?
A preocupação com o ciberespaço se avolumou imensamente nos últimos meses e eu posso dizer a vocês que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers, não apenas de atividades de criminosos, mas também de países, tal como a Rússia, que não tem legislação adequada de controle. Porque, para garantir a liberdade, é preciso controlar quem atenta contra a liberdade.  
Para garantir a liberdade de expressão, é fundamental que se garanta a expressão da liberdade. 
Porque, senão, o discurso da liberdade é um discurso oco, é um discurso próprio do populismo autoritário. E esse é o nosso terceiro universo de preocupações, ou seja, universo que diz respeito a ter paz e segurança nas eleições. 

Foram detectadas ameaças na prática ou ainda estão no campo de riscos?
Nós temos riscos detectados em alguns países, como, por exemplo, na Macedônia do Norte, que são riscos detectados, entraram no nosso radar diagramado do desenho desses riscos... Em relação aos hackers que advêm da Rússia, os dados que nós temos dizem respeito a um conjunto de informações que estão disponíveis em vários relatórios internacionais e muitos deles publicados na imprensa. Há relatórios públicos e relatórios de empresas privadas, que a Microsoft fez publicar perto do fim do ano passado, que (mostram que) 58% dos ciberataques têm origem na Rússia.
(...)

O senhor vai tentar novamente entrar em contato com os representantes do Telegram?
Sim, até porque a nossa compreensão é de que uma plataforma, uma rede que tem milhões de usuários num determinado país, não pode se esconder por trás da transterritorialidade. O mundo não virou um planeta sem lei. O mundo se tornou um lugar regulamentado e, especialmente pela autonomia, pela autorregulamentação, pela liberdade, pelos espaços de negócios, pelos espaços de ofícios públicos. Podemos citar os Estados Unidos, onde há uma sociedade de mercado e, portanto, uma sociedade aberta. É uma sociedade imensamente regulada, também regulada para garantir autonomia. Esse é possivelmente o caminho que nós sigamos. 

(......)

Qual o significado do pleito de 2022 no País após ataques à democracia nos últimos anos e diante da invasão do Capitólio nos Estados Unidos?

As eleições no Brasil são importantíssimas não apenas para o País, mas para a região da América do Sul, da América Latina, da América Central, da própria América do Norte e da Europa. Haja vista o que se passa nos dias correntes em alguns países da Europa, uma Polônia, Hungria, Turquia, para citar alguns exemplos, e o que se passa aqui perto do Brasil como em El Salvador, recentemente na Nicarágua, a Venezuela. Portanto, maus exemplos de derrocada no funcionamento da democracia. E o Brasil precisa ser um bom exemplo. Nós queremos nessa articulação internacional tornar as eleições do Brasil é uma espécie de case mundial sobre a democracia.
 
Portal Terra - Íntegra da entrevista
 

sábado, 11 de dezembro de 2021

Critério de antiguidade para o STF - Modesto Carvalhosa

O Globo

A Constituição de 1988 outorga ao presidente da República a prerrogativa de indicar os ministros do STF, dos tribunais superiores e ainda a de nomear os desembargadores federais. Esse poder absoluto do chefe de Estado suscita crescente desconforto e inconformismo na sociedade brasileira, diante da progressiva distorção dos critérios utilizados para o preenchimento das vagas nesses tribunais.

Para ingressar no STF, a Constituição exige do indicado notório saber jurídico e reputação ilibada, requisitos indispensáveis para a qualidade e a imparcialidade dos julgados e para o distanciamento de influências políticas no sagrado mister de decidir sobre matéria constitucional. [exemplos recentes colocam em dúvida se o critério notório saber jurídico é sempre atendido.]

A prerrogativa do chefe do Executivo de escolher os magistrados na esfera federal tem sua origem na fundação dos EUA, nos fins do século XVIII, visando a permitir que a frágil União possuísse uma Alta Corte dedicada a construir um arcabouço jurídico harmonizador dos diversos interesses dos 13 estados fundadores. Mais de um século depois, nossa Constituição de 1891 copiou literalmente, sem maiores reflexões históricas, o sistema norte-americano.

Ocorre que, com o passar do tempo, esse poder outorgado ao chefe de Estado foi se distorcendo, tanto lá como cá. Assim é que nos Estados Unidos, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), os juízes da Suprema Corte passaram a refletir sucessivamente o viés político conservador ou liberal do partido no poder. E, a partir de 2017, o ex-presidente Trump passou a adotar o critério não apenas político-conservador, mas religioso-confessional, indicando três juízes fundamentalistas e supremacistas para a Suprema Corte (Gorducho, Kavanaugh e Barrett). Resultado: seis juízes ultraconservadores e três liberais. Consequência: a Suprema Corte sinaliza que limitará o direito ao aborto, implantado naquele país há 50 anos. [o decurso de 50 anos apenas serviu para comprovar que o aborto continua sendo um crime covarde, nojento, odioso e repugnante.]

Essas escolhas expõem claramente o novo discurso e a ação da extrema direita, que é substituir o Estado Democrático laico por regimes autoritários fundamentalistas. [se chamam preservar a VIDA, especialmente de seres humanos inocentes e indefesos é fundamentalismo, somos todos fundamentalistas.
Curioso é que muitos dos covardes defensores do aborto tem a cara de pau de acusar o ditador norte-coreano, Kim Jong-Un.] Esse sinistro projeto se espalha pelo mundo afora, sendo mais notórios os regimes implantados na Hungria, na Polônia e na Turquia.

Entre nós ocorre o mesmo. O plano autoritário tomou o rumo religioso-confessional diante do fracasso de arrastar nossas Forças Armadas e sublevar as polícias militares nessa aventura. E, para tanto, a conspiração totalitária procura o domínio da cúpula do Poder Judiciário, mediante a nomeação de ministros com a missão de impor uma pauta confessional para respaldar o sonhado regime ditatorial. Com esse intento, o Congresso tenta aprovar uma PEC antibengala, para que o atual presidente nomeie, ainda em 2022, mais dois ministros ungidos pela centelha divina e, ainda, no caso de eventual reeleição, mais dois fundamentalistas, alcançando, assim, uma maioria teológica naquela Corte.

Por tudo isso, se impõe a mobilização da cidadania para exigir que constitucionalmente seja adotado o critério de nomeação de ministros do STF, dos tribunais superiores e de desembargadores federais pelo critério de antiguidade. [nossa modesta opinião é que o critério de nomeação permaneça o mesmo, apenas com mais rigor na aferição das exigências constitucionais a serem preenchidas pelos indicados; entendemos que os ministros do STF devem ter um mandato de no máximo 10 anos e para os tribunais superiores mandato de 5 anos - sendo vedada a recondução, com os indicados tendo no máximo 60 anos,  na época da indicação.]  E que, ainda, o exercício da jurisdição dos magistrados do Supremo e dos tribunais superiores venha a ser de oito anos, tempo necessário para a consolidação da jurisprudência constitucional e, nela, o reconhecimento de novos direitos civis e demais avanços da sociedade.

Cessariam, com o sistema de antiguidade, as injunções político-ideológicas nessas nomeações.

O Globo - Advogado e autor de “Uma nova Constituição para o Brasil”


domingo, 14 de novembro de 2021

Refugiados - Lixo humano - O Globo

Alexander Lukashenko costuma ser astuto em sua desumanidade. Currículo para isso ele tem, como primeiro e único “presidente” da Bielorrússia desde que esse antigo Estado-satélite da União Soviética tornou-se república, em 1990. Na última das eleições fraudulentas realizadas no país — a de 2020, para um sexto mandato de Lukashenko —, ele proclamou ter obtido 80% dos votos. E foi logo avisando ao mundo democrático: “A menos que vocês me matem, não haverá mais eleições”. O cara vive às turras com a União Europeia (UE), que lhe aplica sanções múltiplas por seus modos ditatoriais, e alinha-se com fervor à Rússia de Vladimir Putin, o vizinho imperial da fronteira leste.

Em tempos recentes, Lukashenko encontrou a maneira mais infame de ostentar seu poder e azucrinar a Europa democrática. Passou a importar como gado humano milhares de errantes de nações desintegradas do Oriente Médio e da África do Norte, para socá-los na soleira da porta trancada da sonhada União Europeia — mais precisamente, nas fronteiras com a Polônia, a Lituânia e a Letônia, todos países-membros da UE.

Seu esquema é tão azeitado quanto vil. Primeiro, agentes de viagens bielorrussos instalados no Iraque, Turquia e outros países oferecem voos, vistos de entrada e um possível recomeço de vida no Ocidente. Ao custo de alguns milhares de dólares por cabeça, aviões de carga da estatal Belavia transportam a carga humana até Minsk, capital da Bielorrússia. Mas dali são transferidos para uma viagem terrestre sem volta. Quando descarregados, têm à frente uma intransponível muralha de arame farpado como fronteira e, às costas, a guarda armada da Bielorrússia a impedi-los de sair dali. Pelas contas da revista The Economist, perto de 2 mil migrantes já foram estocados nesse limbo em pleno início de inverno, e outros 20 mil estariam aguardando seu destino em outros cantos do país-cilada.

A lógica de Lukashenko consiste em gerar uma crise política europeia semelhante à de seis anos atrás, quando uma avalanche migratória de proporções bíblicas, vinda do mar, quase derrubou vários governantes. Na tentativa de forçar a UE a levantar as sanções impostas contra seu regime, o homem forte de Minsk também ameaça interromper o trânsito de gás natural russo que atravessa a Bielorrússia antes de aquecer e manter a Europa em funcionamento. 
Por ora, esse plano B de Lukashenko tem poucas chances de ser levado adiante, pois não atende aos interesses atuais de Putin. 
Essa é uma arma cujo direito a eventual uso somente o Kremlin quer ter. Mas resta a massa de manobra de quem hoje foge da miséria e da violência. Expulsos de suas raízes, arriscam-se por caminhos incertos, sem rumo claro, a esperança minguando.

Nem sempre foi assim. Basta ver o notável acervo de fotografias reunido pelo chefe do Departamento de Registros de Ellis Island, Augustus Frederick Sherman, entre 1905 e 1914, nos Estados Unidos. Por aquela ilha vizinha à Estátua da Liberdade, fincada na Baía de Nova York, passaram mais de 12 milhões de imigrantes entre sua inauguração como porta de entrada nos EUA e novembro de 1954, ano em que se tornou obsoleta. Mais especificamente, imigrantes de terceira classe, pois passageiros marítimos da primeira e segunda classes podiam desembarcar diretamente nos cais de Nova York e Nova Jersey.

É extraordinário o garbo com que esses desprovidos da terceira classe procuravam se apresentar no desembarque, para a inspeção médica contra doenças contagiosas e regulamentação de documentos
Fosse o recém-chegado ao Novo Mundo um pastor de ovelhas da Romênia ou um mineiro da Baviera, um padre ortodoxo da Grécia ou um soldado albanês, uma família de ciganos da Sérvia ou uma mãe com duas filhas vindas da Holanda, quanto zelo em se mostrar com a melhor roupagem! 
Graças ao interesse pessoal do funcionário Sherman por fotografia, existe um registro impactante e comovente dessa gente. Vale a pena consultar esses retratos de fácil acesso na internet para admirar o zelo orgulhoso de indivíduos e famílias ao pisar em Ellis Island. Portavam o que tinham de mais bonito, mostrando suas raízes. 
Tinham motivo para desembarcar esperançosos, pois, apesar das agruras e sacrifícios que só desterrados conhecem, haviam chegado ao destino escolhido.
 
O que dizer do amontoado de vidas na fronteira bielorrussa? Não há garbo possível nem orgulho identitário nos agasalhos de plástico, jeans e tênis surrados, nem em bonés, toucas de lã ou xales misturados. No fundo, seja em terras europeias ou rumo aos Estados Unidos via México, o desterrado de hoje veste uniforme globalizado: quase tudo made in China ou em Bangladesh. Das 60 toneladas de roupas descarregadas anualmente no porto chileno de Iquique, para revenda na América Latina, mais da metade encalha e forma pirâmides de lixo no Deserto de Atacama, como noticiado nesta semana. 
Esse lixo de roupas usadas e descartadas nos Estados Unidos, Europa e Ásia por consumidores globalizados forma um triste retrato do capitalismo perverso. Na outra ponta, temos os descartados de suas terras a perambular pelo mundo. É torcer para que não venham, também, a ser considerados lixo.
 
 Dorrit Harazim, colunista - O Globo

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Hipócritas unidos jamais serão vencidos: desfile de exageros na COP26 - Vilma Gryzinski

Mundialista

 Declarações apocalípticas e engarrafamento de jatinhos mostram que muitos querem pegar carona na onda salvacionista

Mesmo quem acha a  pregação exagerada e catastrofista, tem que concordar: o nível de conversa mole, já muito alto, atingiu novos patamares com a conferência climática em Glasgow.

Um exemplo estarrecedor: Justin Welby, o arcebispo de Canterbury, ou Cantuária, principal autoridade eclesiástica da Igreja Anglicana, teve que pedir desculpas pela “ofensa causada aos judeus” quando disse que a inação dos líderes mundiais levaria a um genocídio muito maior do que o provocado pelo nazismo. “Estava tentando enfatizar a gravidade da situação com que nos defrontamos na COP26”, alegou. Detalhe: antes de se tornar padre, ele foi executivo da indústria petrolífera.

Por que um religioso que segue todo o manual politicamente correto faria uma comparação dessas?  Porque está havendo uma espécie de competição de declarações apocalípticas sobre a situação ambiental do planeta.

“Chega de tratarmos a natureza como um vaso sanitário”, exaltou-se António Guterres, o secretário-geral da ONU que fala constantemente que a humanidade é “viciada em combustíveis fósseis”, como se usar transportes, alimentar-se, aquecer-se e desfrutar da ampla cadeia de produtos provenientes do petróleo fosse uma escolha doentia resultante da toxicomania, não da necessidade.

Boris Johnson, o primeiro-ministro que quer parecer mais verde do que Greta, comparou a situação climática a uma “máquina do fim do mundo” como nos filmes de James Bond. Outra comparação absurda, embora menos ofensiva do que a do arcebispo. Ele também justificou o uso de um jatinho particular para a viagem a Glasgow.

Tal como o príncipe Charles, Boris está usando “combustível de aviação sustentável”, uma mistura de gasolina comum de avião com materiais reciclados a partir de óleo de cozinha e outros. Custa cinco vezes mais.

Pelo menos Boris e Charles estão fazendo um esforço, o que não pode ser dito sobre os outros 50 aviões particulares que estão congestionando as pistas de Glasgow e arredores. No total, são esperados 400 aviões. De Jeff Bezos a Evo Morales, ninguém quer voar em aviões comerciais. Só  os quatro utilizados pela comitiva de Joe Biden, mais o helicóptero Air Force One e mais 85 veículos geram mil toneladas de dióxido de carbono.

É hipocrisia ir para uma conferência ambiental com seu próprio jatinho? Sem dúvida, se for para pegar carona no marketing que a imagem de preocupação com o meio ambiente gera. 
Ninguém, obviamente, imagina o presidente dos Estados Unidos pegando um avião de carreira da American Airlines. 
Mas por que o príncipe Albert de Mônaco não pode dar um bom exemplo? Ou sua ausência causaria danos ambientais irreparáveis?
Jeff Bezos foi para a Escócia direto da festa de aniversário no iate de Bill Gates, em águas cristalinas da Turquia, ao qual chegou de helicóptero.
De que adianta ser o homem mais rico do mundo – ou o segundo entre os mais mais, lugar que alterna com Elon Musk – se você não pode viajar no seu próprio Gulf Stream? A hipocrisia pode ser a homenagem que o vício presta à virtude, mas ser ambientalmente virtuoso exige muito mais do que promessas vazias e jatinhos cheios.
 
 Vilma Gryzinski, colunista - MUNDIALISTA - VEJA 

domingo, 10 de outubro de 2021

Filhos da liberdade - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Numa época em que o pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório, a voz de um atleta levantou um movimento inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia

Um dos eventos mais marcantes da história política norte-americana foi a crise dos mísseis cubanos (retratada no brilhante filme Treze Dias que Abalaram o Mundo). Foi quando os líderes dos Estados Unidos e da União Soviética se envolveram em um tenso impasse político e militar em outubro de 1962 sobre a instalação de mísseis soviéticos com armas nucleares em Cuba, a pouco mais de 140 quilômetros da costa dos EUA.

Em um discurso na TV em 22 de outubro de 1962, o presidente John F. Kennedy notificou os americanos sobre a presença dos mísseis, explicou sua decisão de decretar um bloqueio naval em torno de Cuba e deixou claro que os EUA estavam preparados para usar força militar, se necessário, para neutralizar qualquer ameaça à segurança nacional. Depois dessa notícia, muitas pessoas temeram que o mundo estivesse à beira de uma guerra nuclear. No entanto, o desastre foi evitado quando os Estados Unidos concordaram com a oferta do líder soviético Nikita Khrushchev de remover os mísseis cubanos em troca da promessa dos americanos de não invadir Cuba e de retirarem seus mísseis da Turquia

 Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock


Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O que muitos não sabem é a história por trás desse episódio, agora retratada em The Courier, outro excelente filme produzido no ano passado. O Espião Inglês, como foi lançado no Brasil, conta a história real de Greville Wynne, um empresário britânico que ajudou o MI6, a agência britânica de Inteligência, a penetrar no programa nuclear soviético durante a Guerra Fria. Wynne e sua fonte no governo soviético, Oleg Penkovsky, forneceram aos americanos informações cruciais que encerraram exatamente a crise dos mísseis cubanos na administração de JFK na Casa Branca.

Sem maiores spoilers, há uma cena em que Wynne e Penkovsky conversam sobre a excepcionalidade do que estão dispostos a fazer, avisar os americanos sobre os detalhes de todo o esquema dos mísseis soviéticos em Cuba. Sentados à mesa em um falso almoço de negócios, eles conversam sobre os grandes riscos do trabalho de espionagem e a esperança de evitar uma possível tragédia nuclear, quando Penkovsky diz ao britânico: “Talvez sejamos apenas duas pessoas. Mas é assim que as coisas mudam”.

A cena imediatamente veio à minha mente diante do fato esportivo que chamou minha atenção nesta semana. Numa época em que o pagamento de pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório para atletas e celebridades, e questionar virou sinônimo de “ameaça à democracia”, uma voz levantou um movimento totalmente inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia. Jonathan Isaac, jogador do Orlando Magic, emergiu como um convincente defensor dos sagrados princípios da liberdade, do bom senso e da decência cívica tão presentes no DNA da América. Isaac se posicionou contra o passaporte vacinal obrigatório, como uma voz da razão contra a mídia e o establishment que desprezam e rotulam os não vacinados como anticientíficos. Na verdade, as entrevistas de Isaac ressaltam quão anticientífico o discurso sobre a covid se tornou: “Todos devem ser livres para tomar decisões por si próprios”, disse ele, acrescentando que acredita que o governo “está estabelecendo um precedente em que, à luz de qualquer emergência, sua autonomia pessoal, sua liberdade religiosa e, honestamente, sua liberdade como um todo tornam-se negociáveis”.

A revista Rolling Stone logo tratou de publicar uma entrevista com Isaac tentando retratá-lo como “mais um contra as vacinas”. Apesar de ter apenas 24 anos, Isaac tem se mostrado extremamente maduro e preparado, e, logo após a publicação da revista, rebateu: “Não sou antivacina”. “Não sou antimedicamento. Não sou anticiência. Não cheguei ao meu estado atual de vacinação estudando a história dos negros ou assistindo às coletivas de imprensa de Donald Trump. Tenho o máximo respeito por todos os profissionais de saúde e pessoas que trabalharam incansavelmente para nos manter seguros. Minha mãe trabalha na área de saúde há muito tempo. Sou grato por viver em uma sociedade em que as vacinas são possíveis e temos os meios para nos proteger. Mas, dito isso, minha convicção é que o status de vacinação de cada pessoa deve ser sua própria escolha, sem intimidação, sem ser pressionado ou coagido a fazê-lo. Não tenho vergonha de dizer que não estou confortável em tomar a vacina nesse momento. Acho que somos todos diferentes. Todos nós viemos de lugares diferentes, tivemos experiências diferentes e nos preocupamos com diferentes crenças. E o que você faz com o seu corpo quando se trata de colocar medicamentos nele deve ser uma escolha pessoal, livre do ridículo e da opinião dos outros.”

Não pense que Jonathan Isaac parou por aí. Ele foi muito além e trouxe o que muitos, inclusive milhares de médicos lobistas das big pharmas, tentam esconder — a imunidade de quem passou pela doença: “Já tive covid no passado, e, portanto, nossa compreensão dos anticorpos, da imunidade natural mudou muito desde o início da pandemia e ainda está evoluindo”, afirmou. “Entendo que a vacina poderia ajudar a ter menos sintomas se você contrair o vírus. Mas, tendo passado e tendo anticorpos, com a minha faixa etária e nível de aptidão física, uma reinfecção não é necessariamente um medo que tenho. Tomar a vacina, como eu disse, diminuiria minhas chances de ter uma reação grave, mas me abre para a possibilidade de ter uma reação adversa à própria vacina. Você ainda pode pegar covid com ou sem a vacina. Eu diria honestamente que a loucura de tudo está em não sermos capazes de dizer que isso deveria ser uma escolha justa de cada um, sem ser rebaixado ou considerado maluco. Há algumas das razões pelas quais estou hesitante em tomar a vacina nesse momento. Mas, no fim, não acho que há motivo para alguém dizer ‘É por isso’ ou ‘Não é por isso’ para que alguém tome ou não. Isso deve ser apenas uma decisão de cada um. E amar o próximo não é apenas amar aqueles que concordam com você, se parecem com você ou agem da mesma maneira que você.”

Jonathan Isaac mostra que está em uma posição totalmente razoável para ser assumida, e que é abandonada por muitos por medo, bullying ou simplesmente pela prostituição intelectual. Ele está na casa dos 20 anos, tem imunidade natural e está fisicamente mais saudável do que qualquer pessoa de sua idade. Na verdade, durante todo o curso da pandemia, o número total de pessoas entre 15 e 24 anos (faixa etária de Isaac) que morreram de covid nos EUA, um país com 330 milhões de pessoas, é de 1.372: menos do que o número de mortes por pneumonia não associada à covid para o mesmo grupo etário.

E como muitos exemplos de coragem na história, Jonathan Isaac quebrou o canto da atual sereia dos burocratas que, de suas salas em algum prédio com o metro quadrado mais caro de Washington, Berlim ou Bruxelas, decidem a sua vida por você, sem que você possa apresentar nenhum questionamento. Tome a vacina e cale a boca, fascista. Isaac provocou um efeito dominó sem precedentes na espiral de silêncio da NBA. Draymond Green, do Golden State Warriors, e Kyrie Irving, do Brooklyn Nets, também decidiram levantar a voz, com calma, razão e tolerância em meio a um pânico moral sobre as vacinas contra a covid, empurradas implacavelmente pela mídia corporativa, por lobistas e políticos.

Green falou em nome de milhões pelo mundo durante uma coletiva de imprensa na semana passada, quando disse que o debate sobre a picada contra a covid “se transformou em uma guerra política” e que, com decisões médicas como tomar a vacina, “você tem de honrar os sentimentos das pessoas e suas próprias crenças pessoais. Forçar as pessoas a tomar a vacina vai contra tudo o que a América defende”. Draymond Green, assim como a maioria dos jogadores da NBA, optou por tomar a vacina contra a covid, mas Green entende o que muitos jornalistas aparentemente fazem questão de não entender, que receber ou não a vacina deve ser um assunto privado, assim como qualquer outra decisão médica, e que ninguém deve ser coagido a isso.

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia

Outro atleta da NBA que decidiu se pronunciar foi Bradley Beal, do Washington Wizards. Beal também parece ter uma compreensão mais firme da liberdade de consciência e expressão do que toda a imprensa que o atacou repetidamente por sua hesitação em se vacinar por motivos pessoais. “Uma coisa que quero deixar clara é que não estou aqui defendendo ou fazendo campanha ‘Não, você não deveria tomar essa vacina’”, disse Beal, depois de lhe perguntarem sobre a eficácia das vacinas. “Não estou dizendo que são ruins. Não estou aqui dizendo que você não deveria tomá-las, mas que é uma decisão pessoal de cada indivíduo. Tenho o direito de manter essa decisão comigo ou com minha família e gostaria que todos respeitassem isso.”

Em 2020, quando jogadores negros famosos e milionários da NBA, vestidos com camisas do grupo Black Lives Matter, se ajoelharam durante o hino norte-americano contra o “racismo sistêmico” na América, Jonathan Isaac, negro, permaneceu de pé e disse que “ajoelhar ou vestir uma camiseta não era resposta para nada”, que “as vidas dos negros e todas as vidas eram sustentadas pelo Evangelho” e que apenas com a união de todos muitos problemas seriam confrontados, não apenas o racismo. O atual efeito cascata de vozes que se levantam para a defesa inviolável da verdade e da liberdade médica, iniciado pela bravura de Jonathan Isaac, parece que não vai parar. Atletas da NFL — a liga profissional de futebol americano — começaram a se portar publicamente contra o passaporte sanitário e a obrigatoriedade da vacina.

Jonathan Isaac permanece de pé durante hino norte-americano - 
Foto: Reprodução

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia. Homens com princípios basilares que viveram através de séculos por causa de seus legados. Princípios que podem transcender gerações, porque eles são maiores que elas. São a sobrevivência da civilização ocidental. Princípios que vencem regimes totalitários e seus ditadores, que derrubam muros e evitam crises nucleares.

Jonathan Isaac não é nenhum espião treinado para combater forças ocultas dos inimigos de seu país, mas seu espírito simboliza o significado do hino de sua nação — ainda pilar da liberdade no mundo —, sustentada por homens de valores inegociáveis: Land of the free because of the brave. Às vezes, não são necessárias nem duas pessoas para que algo mude. Uma apenas basta. Criem seus filhos para serem como Jonathan Isaac.

Leia também “Ciência, ciência e silêncio”

Ana Paula Henkel, colunista -  Revista Oeste

 [Nota do Blog Prontidão Total: em respeito ao direito à informação aos nossos dois leitores transcrevemos a excelente matéria da colunista Ana Paula Henkel, ao tempo que expressamos nossa posição favorável às vacinas - seja os imunizantes contra a COVID-19 ou os mais antigos, tradicionais.]


sábado, 3 de julho de 2021

Precisamos falar sobre a CoronaVac - Revista Oeste

Paula Leal

A vacina recebida pela maioria dos brasileiros enfrenta um surto de perguntas sem resposta

O que esperar de uma cidade que já vacinou mais de 95% da população contra a covid-19? Comércio e escolas abertos, bares e restaurantes funcionando normalmente, gente praticando esportes e andando nas ruas sem máscara. Aquela vida normal que tínhamos até sermos atingidos pela maior e mais devastadora pandemia do século. Em boa parte dos Estados Unidos, Israel e nações do continente europeu, esse é o cenário real desde que o ritmo da vacinação acelerou-se. Mas a pacata Serrana, no interior paulista, mesmo depois de imunizar quase toda a população, continua na mesma. O município segue estritamente as regras do Plano São Paulo estabelecidas pelo governador João Doria (PSDB) e seu conselho de “especialistas em ciência” que formam o Centro de Contingência. Por lá, a vida permanece no “modo pandêmico”: comércio, bares e restaurantes com horários restritos, controle de ocupação, uso de máscara obrigatório até mesmo ao ar livre, nada de eventos, festas, comemorações. A ordem é manter as orientações de quem ainda não recebeu nenhuma dose de vacina.

O estudo clínico, batizado de Projeto S pelo Instituto Butantan, foi estruturado de maneira sigilosa ainda no ano passado e implementado entre fevereiro e abril de 2021. Ao longo de oito semanas, pouco mais de 27 mil moradores foram imunizados com a CoronaVac, a vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Butantan — o equivalente a 95% da população-alvo da pesquisa e aproximadamente 60% da população total de Serrana, de quase 46 mil habitantes. Os resultados do experimento foram divulgados numa coletiva de imprensa mais de um mês depois do término da vacinação: as mortes por covid-19 caíram 95%, as internações recuaram 86% e os casos sintomáticos foram reduzidos em 80%. Até agora, no entanto, o Butantan não apresentou os dados brutos da pesquisa nem informações sobre faixa etária. A justificativa é que eles serão publicados num artigo científico — futuramente. Segundo especialistas, a prática de não divulgar os detalhes de um estudo científico numa coletiva de imprensa é comum, mas ajuda a engrossar o caldo de desconfiança que ronda a CoronaVac desde a sua origem.

Um festival de erros
Primeiro, o relacionamento do governo paulista com o gigante farmacêutico chinês Sinovac continua um mistério. O contrato firmado envolve cláusulas sigilosas que não podem ser compartilhadas com a comunidade médica. Pela parceria, o governo do Estado diz que pagou R$ 85 milhões em junho do ano passado. Em setembro, foram US$ 90 milhões — o governador João Doria não esclareceu se esse valor se soma ao que foi pago anteriormente. No último dia 23, a presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo solicitou os termos da negociação entre o Butantan e o fabricante. Em relatório elaborado pelo órgão de controle, o instituto é criticado pela falta de transparência no fornecimento de informações ao tribunal.

Depois, a divulgação de dados sobre a vacina foi um show de tropeços. Após três adiamentos, coletivas que forneciam números incompletos e cálculos questionáveis, a população brasileira ficou sabendo que a CoronaVac atingiu 50,38% de eficácia global, no limite exigido para aprovação pela Organização Mundial da Saúde e pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). A demora em divulgar o estudo completo e a frustrante repercussão dos resultados deram a impressão de que o governo do Estado já sabia da baixa eficácia da vacina e represava informações, ou, pior, tentava omitir dados.

Para além de uma vacina que bateu na trave nos critérios da Anvisa, são poucos os países que fazem companhia ao Brasil na escolha da CoronaVac: além da China,  Turquia, Indonésia, Chile e Uruguai apostaram no laboratório Sinovac. No mês passado, a Costa Rica recusou a compra do imunizante chinês sob alegação de que o produto não atingiu os 60% de eficácia mínima exigida pelo Ministério da Saúde local. Por fim, ainda não há notícia de que alguma autoridade científica da comunidade internacional tenha respaldado os estudos do fabricante chinês.

Largada da vacinação no Brasil
Com a autorização do uso emergencial de duas vacinas — a CoronaVac e o imunizante do laboratório anglo-sueco AstraZeneca, em 17 de janeiro, foi dada a largada para a vacinação no país. Pouco mais de cinco meses depois, já foram aplicados mais de 100 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Dos 100 milhões de CoronaVac adquiridos pelo Ministério da Saúde (MS) ao custo unitário de R$ 58,20, 43 milhões já foram aplicados. Valor total da negociação: R$ 5,8 bilhões. Por algumas semanas, a vacina chinesa foi a única opção dos brasileiros, e boa parte dos grupos prioritários recebeu as duas doses do imunizante. Agora, resta saber se quem já gastou sua vez na fila com o produto chinês está realmente imunizado. Como escreveu o jornalista Augusto Nunes, colunista de Oeste, num artigo recente, “ninguém torce tanto pelo sucesso da CoronaVac quanto os que receberam duas doses do maior trunfo eleitoral do governador João Doria.” Só que torcida, em ciência, não funciona. Os fatos são teimosos.

O estudo final sobre a CoronaVac, divulgado em abril deste ano, mostrou que a eficácia da vacina para casos sintomáticos de covid-19 atingiu 50,7%, ante os 50,38% divulgados anteriormente. Os resultados foram enviados à revista científica Lancet para revisão por pares, mas ainda não foram publicados. Entretanto, outra pesquisa realizada pela Vebra Covid-19 (sigla para Vaccine Effectiveness in Brazil against covid-19), grupo que reúne pesquisadores brasileiros e estrangeiros, avaliou o desempenho da vacina em pessoas de 70 anos ou mais vacinadas no Estado de São Paulo. A média de efetividade foi de 42% na totalidade do grupo e de apenas 28% nos idosos acima dos 80 anos. O trabalho envolveu 15,9 mil voluntários e foi o maior já feito nessa faixa etária. Questionado sobre a diferença nos resultados, o Instituto Butantan respondeu a Oeste: “O estudo em questão não fala em eficácia. Com dados secundários, ele mediu a positividade de casos nessa população, sem, no entanto, esclarecer quantos dos infectados evoluem para quadros graves ou óbitos, que é justamente o que a vacina visa a prevenir.”

Independentemente de paixões políticas, o resultado do estudo da Vebra contestado pelo Butantan indica uma realidade que precisa ser encarada pelas autoridades de saúde no país: a CoronaVac tem baixa eficácia e, ao que parece, não tem se mostrado capaz de frear a transmissão da doença.

A realidade em outros países
O dilema de quem confiou em imunizantes chineses não é exclusividade do Brasil. Uma reportagem recente publicada pelo jornal The New York Times mostra que outros países que também compraram vacinas produzidas na China enfrentam novos surtos de contaminação. Na Mongólia, Bahrein, Chile e nas pequenas Ilhas Seychelles, entre 50% e cerca de 70% da população foi totalmente vacinada, ultrapassando inclusive os Estados Unidos, segundo o site Our World in Data. Entretanto, todos eles foram parar na lista dos dez países com os piores surtos de covid-19 registrados na terceira semana de junho, de acordo com levantamento de dados feito pelo jornal norte-americano. Mongólia, Bahrein e Seychelles escolheram majoritariamente a fabricante Sinopharm. Já o Chile aderiu à vacina do laboratório Sinovac Biotech, o mesmo que produz a CoronaVac envasada pelo Butantan.

O caso do país sul-americano é emblemático. Com 54% da população totalmente imunizada e 65% vacinada com a primeira dose (dados do Our World in Data), o Chile segue com medidas rígidas de isolamento. No mês passado, a capital Santiago e outros municípios entraram novamente em lockdown para conter o avanço da contaminação. O confinamento restrito se estendeu até ontem, quinta-feira 1º de julho, quando se iniciou um programa gradual de flexibilização. No Chile, a CoronaVac corresponde a 77% do total das doses aplicadas até agora. Em fevereiro, quando o programa de vacinação começou, foram registrados 515 novos casos por 100 mil habitantes. Em junho, a taxa de novas contaminações atingiu a marca de 922 por 100 mil. A ocupação de leitos de UTI segue acima de 90% no país.

Pessoas ligavam para amigos e parentes para avisar: “É Pfizer, pode vir”

Em nota publicada no site da instituição em 18 de junho, o Butantan nega que o aumento de casos de covid-19 no Chile esteja relacionado à vacinação com a CoronaVac. Segundo Dimas Covas, presidente do instituto, dois relatórios divulgados pelo Ministério da Saúde chileno sobre o desempenho da vacina mostraram alta eficiência. Covas também ressaltou que “os novos casos que têm aparecido no Chile afetam majoritariamente as populações que não receberam a vacina, principalmente os mais jovens”. A nota informa ainda que, apesar do alcance da cobertura vacinal com as duas doses de 50%, “é necessário ter ao menos uma parcela de 70% das pessoas imunizadas para que se tenha um efeito indireto da vacinação”.

No começo, atribuiu-se a culpa ao relaxamento das medidas de proteção, à chegada de novas variantes e ao início do outono. Mas o conjunto de evidências só reforça o fato de que as vacinas chinesas, embora apresentem eficácia na redução de internações e de mortes, não conseguiram reduzir a transmissão do vírus.

A CoronaVac no Brasil
Se os gestores públicos não querem enfrentar o assunto, muitos brasileiros já estão tomando providências por conta própria. Em visita a um posto de saúde na Bela Vista, bairro no centro de São Paulo, no último dia 21 de junho, a reportagem de Oeste conversou com mais de 15 pessoas que aguardavam sua vez na fila para se vacinar com a Pfizer, marca do imunizante oferecido naquele dia. Roberto Andrade, administrador, 56 anos, disse ter ido a três postos de saúde perguntar qual era a vacina disponível. Ao saber tratar-se da AstraZeneca, virou as costas e foi embora. “A CoronaVac também não quero tomar. A taxa de eficácia ficou abaixo das outras duas [Pfizer e AstraZeneca]”, afirmou. “Resolvi esperar para tomar a Pfizer, tenho mais confiança no laboratório.” No fim da fila, por volta das 10h30, Cristian Vieira da Silva, 38, desempregado, disse não se importar de esperar, já que a vacina era a da Pfizer. “Já fui a cinco postos. Não tomo AstraZeneca. Tenho medo porque sou portador de comorbidade. E a CoronaVac é fraca.” Enfileiradas à espera de uma picada, pessoas ligavam para amigos e parentes para avisar: “É Pfizer, pode vir”.

Seis idosos vacinados com duas doses da CoronaVac morreram de covid-19 num asilo em Arapongas

Segundo especialistas, as taxas de eficácia divulgadas pelas desenvolvedoras das vacinas não podem ser comparadas diretamente porque cada estudo tem sua metodologia própria e, principalmente, um período de desenvolvimento do ensaio clínico distinto. Mesmo assim, quem manifesta preferência por determinado imunizante já ganhou o apelido desommelier de vacinas” e, embora a prática seja criticada por atrasar o avanço da vacinação, é bastante comum em vários postos de saúde.

Outra situação frequente nesta fase da pandemia é recorrer a exames sorológicos para saber se o organismo desenvolveu anticorpos contra a covid-19 após duas doses de vacina. “Não existe até agora uma validação de exame contra o Sars-Cov-2 sorológico que possa confirmar que uma pessoa está imunizada”, explica a médica infectologista Patrícia Rady Muller. Entretanto, seja por curiosidade ou recomendação médica, um dos testes mais recorrentes é o de anticorpos neutralizantes, que avalia se houve produção de anticorpos contra a covid-19 no organismo e mostra o porcentual deles com capacidade de neutralizar o vírus. Oeste teve acesso ao exame de anticorpos neutralizantes do oftalmologista Luiz Roberto Colombo Barboza, vacinado com duas doses da CoronaVac. O resultado: reagente 21%. Entre várias observações constantes no laudo laboratorial, uma delas chama atenção: “resultados entre 20% e 30% de inibição são considerados reagentes fracos e devem ser interpretados com cautela”.

“Desde o início, era sabido que a CoronaVac era uma vacina que não tinha grande eficácia, principalmente em idosos”, diz o médico-cirurgião oncológico com pós-doutorado em epidemiologia estatística, Luiz Bevilacqua. “Só que era o que tinha no momento, a gente não pode se arrepender.” Diante da realidade que se impõe, ele defende uma reavaliação no plano de imunização para priorizar a proteção da população de risco com vacinas mais eficazes. Outro fator importante, apontado pela médica infectologista Patrícia Rady Muller, é que a taxa de eficácia de uma vacina interfere em políticas públicas para definir a extensão da cobertura vacinal. “Quanto menor a eficácia, mais pessoas precisamos vacinar para evitar transmissão de uma pessoa a outra.”

Em junho, seis idosos vacinados com duas doses da CoronaVac morreram de covid-19 num asilo em Arapongas, no Paraná, em meio a um surto que atingiu 32 dos 43 residentes do Lar São Vicente de Paulo. Além disso, oito dos 16 funcionários que trabalham na instituição, todos com imunização completa com a vacina chinesa, foram diagnosticados com a covid-19 no mês passado — até o momento, nenhum deles desenvolveu quadro grave da doença. A Revista Oeste questionou o Instituto Butantan a respeito do caso, e obteve, por e-mail, a seguinte resposta: “É prematura e temerária qualquer afirmação sobre hospitalizações ou óbito pela covid-19 de pessoas vacinadas contra a doença, uma vez que cada caso, individualmente, deve passar obrigatoriamente pelo processo de investigação, que não considera apenas a imunização de forma isolada, e sim o conjunto de aspectos clínicos, como comorbidades e outros fatores não relacionados à vacinação”.

De volta ao caso de Serrana, a cidade paulista com 95% dos moradores vacinados com a CoronaVac, os números indicam que o vírus continua se espalhando. “Quem eu conheço, mesmo vacinado, ainda tem medo do vírus”, disse a comerciante Eliana Maria Máximo, dona de uma lanchonete no centro da cidade. A vacinação em massa terminou em 11 de abril. Em maio, registraram-se 333 casos, um aumento de cerca de 42% em relação ao mês anterior (235). Em junho foram 299 casos. O pico de mortes relacionadas à covid-19 ocorreu em março deste ano, quando se verificaram 18 óbitos. Em abril foram oito; em maio, sete; e em junho, seis.

Oeste também solicitou ao Ministério da Saúde informações sobre o número de mortos em razão da covid-19 por faixa etária para cruzar com os dados de pessoas imunizadas com duas doses de vacinas. Em resposta, por e-mail, o MS informou “que ainda é precoce fazer esse tipo de análise e cruzamentos de dados". O pedido foi feito em 19 de abril.

Ao cenário de incertezas, soma-se o fato de que os imunizados com a CoronaVac continuam proibidos de entrar nos Estados Unidos ou cruzar as fronteiras dos principais países da Europa. Isso porque algumas autoridades sanitárias ainda não chancelaram a fabricante Sinovac. A situação não mudou com a inclusão do imunizante chinês na lista dos liberados pela OMS para uso emergencial. Enquanto as principais agências regulatórias do mundo não aprovam o uso da CoronaVac, a vacina segue em aplicação no Brasil com autorização de uso emergencial pela Anvisa. Os imunizantes da AstraZeneca/Oxford e Pfizer já possuem o registro definitivo. O Butantan informou que “está encaminhando as informações ao órgão, dentro do processo de submissão contínua”, mas, segundo a Anvisa, o instituto ainda não fez o requerimento para registro do produto.

Outra questão que intriga é entender por que o Butantan resolveu apostar em outra vacina, a ButanVac, quando já envasa quase 1 milhão de doses da CoronaVac por dia e investiu em nova fábrica para produzir o IFA (insumo farmacêutico ativo) nacional. Por certo, a iniciativa de ter uma vacina desenvolvida no Brasil (sem depender de insumos importados) para ampliar o cardápio vacinal aumenta a segurança. Mas é possível que a pressa em produzir um imunizante em três meses, como prometido pelo Butantan, seja justificada pela preocupação em ter na manga uma alternativa caso a CoronaVac se mostre ineficaz.

A polêmica da terceira dose e a combinação de vacinas
Há meses discute-se a necessidade de uma dose extra da CoronaVac para quem já tomou duas injeções. Alguns fabricantes, como a Pfizer, anunciaram a possibilidade de uma dose anual de reforço. Afinal, é bem provável que a imunização contra a covid-19 repita o esquema vacinal contra a gripe. O que incomoda é a falta de clareza e transparência no caso da CoronaVac. Ainda em abril, o diretor médico de pesquisa clínica do Instituto Butantan, Ricardo Palacios, confirmou que havia estudos sobre uma eventual terceira dose. “Existem grandes preocupações sobre como melhorar a duração da resposta imune, e uma das alternativas que têm sido consideradas é uma dose de reforço, seja com a própria CoronaVac, seja com outros imunizantes." No mês passado, Dimas Covas disse, primeiro, que não havia motivo para preocupação. “A vacina é eficiente e, neste momento, não existe necessidade de se preocupar com uma terceira dose, como foi propalado recentemente.” No dia seguinte, voltou atrás e admitiu que a entidade trabalha com a possibilidade de um reforço vacinal para ser aplicado anualmente em todas as faixas populacionais.

Em entrevista a Oeste no ano passado, quando as vacinas ainda eram uma promessa no meio científico, o médico pediatra e toxicologista Anthony Wong, falecido em janeiro de 2021, explicou que a tecnologia do vírus inativo utilizada na produção da vacina chinesa requer três ou até mesmo quatro doses para produzir efeito. Segundo  Wong, a oferta de apenas duas injeções teria relação com o encurtamento das etapas de estudo da CoronaVac. “Eles não completaram a fase 2”, disse. “Então, não sabem se será necessária ou não uma terceira dose. E garanto que precisa. Não existe uma única vacina de vírus inativo que não exija três doses. A única explicação para oferecer apenas duas doses é a pressa.” O diretor do Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Gao Fu, chegou a admitir que as vacinas chinesas contra a covid-19 têm baixa eficácia e que o governo chinês estuda misturar diferentes vacinas de modo a aumentar a proteção. Já o diretor do laboratório Sinovac, Ying Weidong, afirmou que uma terceira dose da vacina depois de três ou seis meses poderia multiplicar por dez a resposta de anticorpos em uma semana e por vinte em 15 dias, mas os resultados ainda precisam de mais estudos.

Outros países estão alerta. O governo do Chile avalia a aplicação de uma terceira dose da CoronaVac. Bahrein e os Emirados Árabes Unidos já anunciaram que vão oferecer uma dose de reforço. Na Turquia, a revacinação da população inicia-se em julho. No Brasil, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o governo federal ainda analisa a necessidade de nova vacinação contra a covid-19 no ano que vem — ou se bastará apenas uma dose de reforço para a população brasileira.

Mais uma possibilidade na mesa é a mistura de imunizantes. Nesta semana, o Rio de Janeiro foi a primeira cidade brasileira a oficialmente autorizar a combinação de vacinas para grávidas. Segundo a prefeitura, gestantes e mulheres que acabaram de ter filhos e tomaram a primeira dose da AstraZeneca estão autorizadas a receber a segunda aplicação da Pfizer. Na Coreia do Sul, a decisão de adotar o “mix” de vacinas deu-se em razão dos atrasos no envio das doses pelo consórcio global Covax Facility. Medidas semelhantes já foram adotadas por países como Dinamarca, Canadá, Finlândia, França, Alemanha, Noruega, Espanha e Suécia.

A vacinação em massa tem se mostrado a melhor saída para emergir da pandemia. Mas, se no início da campanha de imunização a melhor vacina era aquela que chegava logo ao braço, agora os números mostram que a disparidade de resultados em razão do uso de diferentes fórmulas no mundo tem consequências. Enquanto alguns países já deram adeus às máscaras e estão livres de restrições, outras nações, com os mesmos índices de vacinação, amargam medidas de isolamento e enfrentam novos surtos de contaminação. O Brasil dispõe hoje de quatro vacinas em aplicação: AstraZeneca/Oxford, CoronaVac, Pfizer e Janssen — o que minimiza os riscos de depender de um único produto. Mesmo assim, cerca de 34% da população já vacinada recebeu a CoronaVac e quer respostas. Detalhe: esse porcentual é formado em sua maioria por idosos, que têm mais risco de desenvolver formas graves da doença, e por profissionais da saúde, altamente expostos à carga viral.

Essa é mais uma discussão para a ciência. “Na medicina, somos treinados. Se o tratamento B é melhor que o A, tenho que oferecer o B, porque senão corro o risco de fazer um tratamento inadequado”, afirma o médico Luiz Bevilacqua. “Antes não tinha vacina, agora tem. Por que insistir em algo menos eficaz?” Empurrar o problema para a frente só vai arrastar ainda mais os efeitos da pandemia, que já ceifou tantas vidas, sobrecarregou o sistema de saúde e devastou a economia. Se perdermos a capacidade de questionar fatos sob risco de ser tachados de partidários, negacionistas e antivacina, então estaremos todos correndo risco. Não há vacina para a dúvida. Por isso, precisamos falar sobre a CoronaVac.

Com reportagem de Artur Piva

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Revista Oeste