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terça-feira, 16 de março de 2021

Em quem acreditar, na AstraZeneca ou nos países que a suspenderam? - Blog Mundialista

Vilma Gryzinski

Suspensão na aplicação da vacina na Alemanha, França e Itália, para investigar relação com doenças causadas por coágulos, cria angústia

É um dilema terrível numa hora péssima. Importantes países europeus suspenderam a vacinação com o imunizante da AstraZeneca exatamente num momento em que, em meio a um ritmo bem longe de acelerado das campanhas, aparecem sinais de hesitação entre a opinião pública. Depois que países menores, como Noruega, Dinamarca, Irlanda e Holanda, interromperam a aplicação, europeus com mais peso, como Itália, França e Alemanha, aderiram à suspensão e aumentaram o clima de ansiedade que já existia em relação à vacina.

A Áustria já havia isolado um lote da vacina, pelo mesmo motivo que os outros: um caso de morte por trombose dez dias depois da vacinação e outro de hospitalização pelo mesmo problema. Coágulos que se desprendem e andam pela corrente sanguínea podem causar doenças graves, potencialmente fatais, como embolia pulmonar, trombose venosa profunda e trombocitopenia.

Como um simples cidadão na fila da vacina pode tomar decisões quando as informações são tão conflitantes? Não existem respostas fáceis.

A Agência Europeia de Medicamentos e a Organização Mundial de Saúde disseram que não existem evidências de relação entre a vacina da farmacêutica anglo-sueca, desenvolvida em parceria com Oxford, e a ocorrência de coágulos. A agência regulatória do Reino Unido, onde a vacina foi desenvolvida e é motivo de muito orgulho nacional, também está revisando as informações, mas “devido à frequência com que os coágulos podem acontecer naturalmente, a evidência disponível não sugere que a vacina seja a causa”.

A AstraZeneca, que assumiu o compromisso de não lucrar com a vacina enquanto durar a epidemia, fora, evidentemente, o enorme benefício para sua imagem, tem o máximo interesse em defender seu produto com base em evidências. No domingo, apenas um dia antes da nova onda de suspensões, divulgou um estudo de grandes proporções, com mais de 17 milhões de pessoas vacinadas em países da União Europeia e no Reino Unido.  “Uma revisão cuidadosa de todos os dados de segurança não mostrou nenhuma evidência de aumento do risco de embolia pulmonar, trombose venosa profunda ou trombocitopenia, em qualquer faixa etária, gênero e lote, ou em qualquer país em particular”, diz a análise. “Na verdade, o número observado desse tipo de evento é significativamente mais baixo entre os vacinados do que o que seria esperado entre a população em geral”.

Os benefícios da vacina da AstraZeneca para pessoas com mais de 65 anos já haviam sido contestados pela Alemanha e pela França, via seu presidente, Emmanuel Macron, mas depois houve um recuo. O vai-e-vem de informações evidentemente é muito ruim do ponto de vista da saúde pública, embora não seja imprevisível.  Só na vida real, com a vacinação na casa de dezenas ou centenas de milhões de vacinados, podem ser confirmados os resultados dos testes, feitos, no máximo, com dezenas de milhares de voluntários. A necessidade da aprovação emergencial da vacina é autoexplicativa.

Dos dezessete milhões de vacinados na Europa, houve quinze casos de trombose venosa profunda e 22 de embolia pulmonar. Ou seja, um total de 37 eventos.  Obviamente, pessoas mais velhas – a população que está tendo precedência na vacinação – são mais propensas a sofrer distúrbios de coagulação.  Existe a seguinte conta: como uma em cada mil pessoas sofrem anualmente de doenças provocadas por coágulos sanguíneos, 17 mil entre os os 17 milhões de vacinados sofrerão o problema no prazo de um ano. Por semana, a conta é de 320 casos.

Deveriam as pessoas que ainda esperam sua dose ficar tranquilas em países que não suspenderam a vacinação?  A resposta dos especialistas é sim. Os benefícios da vacinação em massa são evidentes no Reino Unido, onde 38% da população já foi imunizada, o que se reflete na queda contínua e acentuada de casos de Covid-19, hospitalizações e mortes. Do ápice de 1.823 mortes em 21 de janeiro passado, um número proporcionalmente mais dramático do que os registrados nos últimos dias no Brasil, que tem população três vezes maior, o país caiu para 64 óbitos no domingo passado, uma queda nada menos que fenomenal. “Se houver uma evidência clara de efeitos colaterais graves, isso terá consequências importantes”, disse ao Telegraph o professor Adam Finn, membro do comitê de vacinação do reino.  “No entanto, enquanto não houver, é altamente indesejável interromper um programa complexo e urgente cada vez que alguém desenvolve doenças depois de receber uma vacina, o que pode ser coincidência sem relação causal”.

Outro especialista, Peter English, foi mais longe. “É lamentável que países tenham interrompido a vacinação com base no princípio da precaução: arriscam prejudicar seriamente a meta de vacinar uma quantidade suficiente de pessoas para desacelerar a propagação do vírus e acabar com a pandemia”. Outra hipótese instigante: como os coágulos são frequentes em pessoas com Covid-19, os casos ocorridos depois da vacinação podem incluir pessoas que já estavam contagiadas, sem saber.“Espero sinceramente que, dentro de uma semana, sejamos acusados de ter sido cautelosos demais”, disse Ronan Glynn, da cúpula da saúde na Irlanda.

Problema: tanto o excesso de cautela quanto a falta dela, no caso de uma doença como a Covid-19, redundam em perda de vidas. O jornalista Stanley Pignal, da Economist, fez a seguinte conta: “Se você vacina 100 mil pessoas com mais de 50 anos hoje e não amanhã, salva quinze vidas, segundo uma análise francesa. A Alemanha tem agora 1,7 milhão de doses de vacinas da AstraZeneca que não estão sendo aplicadas. Se houver um atraso de uma semana, a conta é de 1.785 mortes”.

Seja qual for o resultado dos estudos feitos pelos países onde a Oxford/AstraZeneca está suspensa, vai aumentar a rejeição da população e as consequências serão muito piores do que se houvesse tolerância para um número baixo de efeitos colaterais negativos. As decisões individuais, claro, pertencem a cada um e seria positivo se não fossem tomadas num clima de medo ou desconfiança. Infelizmente, isso está ficando mais difícil.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski -  VEJA

 

sábado, 23 de janeiro de 2021

A decadência cultural da Europa. E o Brasil? - Percival Puggina

Durante anos, interrompidos agora pela covid-19 e suas cautelas, tive a graça de, com minha mulher, viajar de carro em roteiros europeus conhecendo centros históricos, cidades medievais e catedrais góticas. Foram verdadeiros encontros de comunhão com nossa cultura e com as raízes ocidentais do cristianismo, deixadas para nosso proveito num tempo em que os povos faziam arte para Deus. Em 2010, numa viagem pelos Alpes, comentei com minha mulher: “Depois de tanto ver belezas que os homens ofereceram ao Senhor, aqui estamos embevecidos com a insuperável beleza que Ele ofereceu aos homens”. Nos Alpes se sente a mão de Deus fazendo paisagismo. [agora, especialmente no Brasil, sem limitar - a maior parte dos artistas, faz arte contra Deus, contra valores religiosos, contra a Família e tudo o que presta. 
Preferem valorizar o imoral, o imundo, o ateísmo, o vilipêndio aos princípios religiosos.]

Nessas ocasiões, atravessamos cidades e vilas, fugindo das autoestradas para melhor conhecermos o interior dos países e de suas regiões. A sequência era sempre esta: rodava-se no meio rural, chegava-se à periferia de transição, com casas simples, mas todas abastecidas de lenha para o inverno (quase sempre guardada sob um telheiro na frente de casa); entrava-se no meio urbano e saia-se numa repetição da cena anterior, voltando ao ambiente rural. Nunca vimos malocas. Nunca vimos miséria. Recentemente, porém, a Europa começou a mudar.

Não vou entrar na polêmica questão das causas da mudança. Quero apenas lembrar que esse continente, muitas de suas catedrais, de seu patrimônio material e sua economia foram destruídos por duas guerras no século passado. A fome era endêmica e se prolongou pelos anos 50. Anos de reconstrução! Quem conviveu com europeus oriundos desse período percebe o valor que dão a qualquer alimento. E ao trabalho.

O que me deixa perplexo é ver o pacífico Brasil, encalhado na superfície de problemas que precisaria resolver para desfrutar do privilégio de viver uma vida boa em ambiente nacional tão bem dotado para isso. A reconstrução da Europa ocorreu graças à qualidade de seus recursos humanos, à sua cultura, ao valor que seus povos atribuem à Educação e às suas boas instituições políticas. [já no Brasil trabalho não está entre os principais desejos e a pretexto de ser um povo alegre, alcançam o exagero: enquanto a pandemia mata, muitos querem processar o presidente da República por não decretar feriado em um dia, a cada semana para chorar as vitimas da covid-19 - muitos dos que invocam homenagear os mortos pela covid-19 e ao mesmo tempo pensam em uma forma de incluir o carnaval em meados de 2021.]
A maior fonte de riqueza de um país é a atividade criativa e produtiva de seu povo.
No Brasil desconsideramos nossas questões institucionais, exceto para falar mal delas, como se lhes coubesse dar jeito em si mesmas. Não atribuímos importância à nossa educação. Toleramos sua instrumentalização. Admitimos que o sistema se desinteresse pelo futuro de quem encerre ali seu ciclo de estudos. Fingimos não ver o quanto o sistema induz a estudar o mínimo (o que mais adiante equivale a tentar vencer na vida sem se esforçar). Estudar cansa. Ler é chato.  
Chegamos à cultura do lixo musical, do feio, do hediondo, do satânico, do “som”. 
E à morte da beleza, da harmonia e da poesia por indigência e abandono.

Certa feita, falando sobre isso num programa de TV, chamei de lixo o conteúdo musical geralmente disponibilizado nos meios de comunicação e colhi resposta indignada de um telespectador que me “insultou” chamando-me  “crítico de arte”. Quem era eu para dizer se algo era arte ou não? Respondi felicitando-o pelo esplêndido dom com que fora agraciado. Para ele, tudo que chegava aos seus ouvidos era música e poesia. Fosse batida de porta, panelaço, motocicleta com descarga aberta, ou caminhão subindo a lomba.

Há problemas de concepção num sistema que prioriza os investimentos federais num ensino superior em que a mais bem conceituada universidade brasileira é a 115ª do mundo, a segunda melhor já pula para o 233º lugar e a terceira vai ao 380º lugar. Só para manter a roda girando estamos graduando milhares de jovens em cursos universitários de pouca ou nenhuma utilidade para eles mesmos. Esses problemas se revelam maiores quando se vê a posição do estudante brasileiro nos ensinos fundamental e médio. 
Entre 79 países, o Brasil alcançou, em 2018, o 57º lugar em leitura, 64º em Ciências e 70º em matemática. E viva Paulo Freire!

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 20 de outubro de 2020

Os conservadores e a proteção da Família e da infância - Percival Puggina

Se formos estudar sobre conservadorismo folhando os mais brilhantes autores europeus, vamos morrer de inveja. Eles têm o que conservar ainda que o façam, como nós, sob intenso ataque. Têm tradição e a respeitam. Vivem em um continente onde existe visão de história e, principalmente, instituições estáveis e funcionais. Nós estamos apenas começando a nos conhecer. Ganhamos a eleição com uma visão bastante clara do que não queríamos. Convergiremos no que queremos?

***
Engels, em união de almas ignoradas e desmazeladas com Marx, atribuiu à instituição familiar os males do mundo e abriu mais uma porta ao sinuoso e misterioso raciocínio do filosófo de Tréveris. Verdadeira multidão de pensadores bebeu água na fonte marxista. Alinharam-se com o desconstrucionismo próprio dos movimentos revolucionários. Converteram suas jovens vítimas em bonequinhos da reengenharia social. Dedicaram as últimas décadas a desacreditar, tumultuar e sabotar a instituição familiar. Fazem-no com palavras e obras. No serviço de sua causa política.

O séquito dos adoradores de Marx desconsidera seus erros. No entanto, ele deve ter sua validade medida e bom modo de fazê-lo é se deixar conduzir pelo cordão de seus prognósticos. Sua bola de cristal nunca funcionou direito e suas previsões para o futuro da humanidade seriam mais acertadas se vasculhadas esotericamente na borra de uma xícara de café.

Não é para desfazer de Marx que estou escrevendo isso, mas para que, passados 137 anos de sua morte tenhamos um juízo adequado do valor, aos pósteros, de sua produção intelectual. Nada diferente do que a história nos reserva quando vamos examinar textos de outros pensadores que se arriscaram a vislumbrar além do horizonte. Não podem ser comprados pelo preço da etiqueta.

O fato é que se há um território disputado na guerra cultural, fria e civil, é o território da família. Na perspectiva conservadora, essa é uma luta de vida ou morte porque, sem família perdem-se as crianças, vai-se a fé, e cessa a transmissão dos valores. Eis por que, mundo afora, tantos professores de modo velado ou explícito, jogam os filhos contra os pais, mormente se a clientela for de famílias daquela classe que a socióloga do PT, Marilena Chauí diz odiar.

Pense nas correntes políticas e ideológicas que agem contra a família, contra a infância, a favor da sexualização precoce ao mesmo tempo em que “problematizam” a sexualidade infantil com a ideia fixa da ideologia de gênero, impingida com inesgotável persistência. Observe que esses mesmos grupos políticos e partidários defendem a liberalização das drogas, referem-se à maconha como equivalente psicotrópico da independência e da liberdade. Usam a imagem da folha do vegetal como bandeira... “Abre as folhas sobre nós!”. Não sei qual será sua conclusão, mas para mim esses grupos estão tão preocupados com a infância quanto o Zucherberg com a chuva ácida na Polônia. Estão simplesmente fazendo sua parte na guerra cultural.

Agora, faça mais. Lembre-se do que aconteceu quando lançada a campanha de prevenção da gravidez precoce. 
Como reagiu a imprensa militante, quase sem exceção? 
Qual a atitude dos partidos revolucionários?
 As meninas eram apresentadas como Rapunzel presa na torre da bruxa Damares Alves, obrigadas a lançar as tranças para a escalada de seus príncipes... 
Metamorfosearam a campanha, para combatê-la, tanto quanto nossos congressistas metamorfosearam o pacote anticrime quando enviado ao Legislativo. 
A proteção da instituição familiar deve ser, portanto, um dos principais pontos para agregação dos conservadores brasileiros.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


  

sábado, 10 de outubro de 2020

História de uma histeria - Percival Puggina

O Parlamento Europeu aprovou, no dia 7 de outubro, uma emenda opondo-se à ratificação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Votava-se na ocasião um relatório sobre a política comercial comum entre os dois blocos relativamente ao ano de 2018. A votação abriu uma janela para o plenário fazer coro ao desejo dos produtores rurais europeus que jamais concordaram com a presença de produtos da nossa região no mercado que querem ter cativo para si.

 Essa é uma história antiga, que vai contra a conveniência dos consumidores e dos governos europeus, interessados respectivamente em gastar menos com alimentos e com subsídios. De onde surge essa mobilização, estribada em alegadas razões ambientais, contra o acordo comercial com o Mercosul? Quem é brasileiro sabe que apenas nos últimos dois anos “queimadas” e “desmatamento” no Brasil passaram a arrancar rugidos de indignação nos países do Atlântico Norte.

É inequívoco que esse escarcéu faz parte dos objetivos buscados pela operação de desgaste desencadeada após a vitória eleitoral de Bolsonaro na eleição presidencial de 2018. A nação tem acompanhado o sistemático ataque da mídia militante local contra o novo governo e tem observado a aparentemente bem intencionada defesa que essa mídia faz do meio ambiente. E percebe o quanto ela serve à formação de um ruidoso consenso mundial sobre ser, o Brasil, um grande e fumacento fogão a espantar girafas e coelhos.

O viés político e ideológico dessa histeria se esclarece perante fatos que a história e a memória registram: nem queimadas nem desmatamentos são novidades aqui ou alhures. Nunca antes foram transformados em arma política contra os governos anteriores e, menos ainda, serviram para instigar reações de nossos parceiros comerciais. Jamais antes algum brasileiro foi tão impatriota quanto Paulo Coelho para pedir boicote europeu aos produtos brasileiros. Os primeiros passos nessa direção foram dados já no processo de impeachment de Dilma Rousseff com as persistentes coletivas aos parceiros da mídia militante do exterior e apelos a folclóricos tribunais internacionais. Na etapa seguinte, estudantes nossos no exterior passaram a engrossar as manifestações contra seu próprio país e líderes políticos brasileiros a insuflar lá a animosidade internacional contra o governo daqui, pondo foco na questão ambiental e, a despeito de sua chocante docilidade, numa suposta tirania do novo governo brasileiro.

São duas atitudes diferentes, antagônicas. De um lado estão aqueles que querem do governo ações repressivas e preventivas contra crimes ambientais, como a operação Verde Brasil 2 que o Exército empreende na Amazônia. De outro, aqueles que sequer as mencionam, ou pior, tratam de questioná-las junto ao sempre disponível STF. A democracia exige atuação oposicionista, mas não creio que o bem do povo brasileiro possa ser sequestrado como parte desse jogo.


Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros.Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

sábado, 30 de maio de 2020

Demétrio Magnoli: Substitua-se na bandeira o lema ‘Ordem e Progresso’ por ‘Não repara a bagunça’

Folha de S. Paulo - Uol

Nossa epidemia seguirá crepitando, enquanto o mundo vira uma página

Na bandeira, substitua-se o lema positivista “Ordem e Progresso” por “Não repara a bagunça”, a inevitável saudação brasileira às visitas, escrita assim mesmo, do jeito bagunçado que as pessoas falam. A sugestão irônica, triste e afetuosa, circulava entre nós, nos tempos de faculdade. Hoje, 40 anos depois, a crise do coronavírus revela sua atualidade.

Um presidente negacionista decidiu que a Covid é “uma gripezinha”, recusou-se a organizar o respaldo econômico à emergência sanitária, fechou o Ministério da Saúde, engajou-se em atos de sabotagem das regras de distanciamento social. O STF reagiu transformando o país numa confederação de 27 entidades territoriais mais ou menos independentes. Na ausência de coordenação nacional, governadores, prefeitos e até juízes intrometidos costuraram uma colcha de retalhos de medidas sanitárias incongruentes. A bagunça esvaziou menos as ruas que o sentido das palavras. Do Maranhão ao Ceará, quarentenas parciais ganharam o nome de “lockdown”.

O governo paulista anunciou uma “quarentena inteligente”, confessando involuntariamente que experimentamos dez semanas de quarentena burra. Na etapa da burrice, fechou-se às pressas a economia de centenas de cidades do interior quase livres da epidemia. Na da inteligência, essas áreas serão desconfinadas, justamente na hora da chegada do vírus. A bagunça é, às vezes, cálculo eleitoral. O prefeito paulistano, um administrador que executa antes para depois planejar, o gênio de bloqueios viários e megarrodízios, clamou por um “lockdown” imposto pelo governador, sobre quem recairia o peso do fracasso, antes de girar 180 graus, temendo a paralisação de obras de apelo eleitoral.

Na capital paulista, ninguém pode andar em parques, atividade saudável e segura, mas todos já podem visitar os shoppings. No Rio, cidade que declina sem elegância, as praias continuam proibidas, mas o prefeito puro e santo excetuou as igrejas, permitindo aglomerações nos templos. Há jornalistas que culpam o povo pela dissolução das quarentenas. [o governador Ibaneis, eficiente administrador e governador do DF, foi o primeiro a declarar quarentena meia boca; - agora,  passo a passo, diante do crescimento (INFELIZMENTE) contínuo e crescente da curva que ele prometia achatar antes do final de abril, aderiu à politica do abre tudo combinada com o isolamento vertical (este defendido por Bolsonaro e repudiado pelos 'especialistas' =  e agora começando a ser aceito pelos que foram vítimas sem direito a ser ouvidos.

Comparando: isolamento vertical defendido por Bolsonaro = tudo aberto com restrição aos integrantes dos grupos de risco;
O do Ibaneis e sendo adotado por outros estados =  tudo aberto, mas com restrição aos integrantes dos grupos de risco. 
Exemplo: igrejas abrem a partir de 3 de junho, sendo proibido o ingresso de maiores de 60 anos e outros que integram o grupo de risco.]
Às vezes, a bagunça é método. No estado do Rio, sob um governador-juiz que prega a eliminação extrajudicial de suspeitos, a corrupção adaptou-se celeremente ao cenário epidemiológico. Seguindo a clássica receita de autoajuda dos investidores, de converter crises em oportunidades, firmaram-se contratos fraudulentos para a construção de hospitais de campanha.

Saúde antes de tudo. O extinto Ministério da Saúde, reduzido à condição de acampamento militar, foi colonizado por curandeiros charlatães. Curvado às ordens presidenciais, ele recomenda o uso indiscriminado da cloroquina em pacientes de Covid, contrariando as conclusões de investigações científicas abrangentes. Às vezes, a bagunça é crime. Não damos sopa para o azar. Os países europeus, bagunceiros, só exigem o uso de máscara em lugares fechados. No Brasil, somos ordeiros, rígidos, implacáveis: a Câmara estendeu a obrigação aos espaços abertos. Obedientes, as pessoas percorrem as calçadas com o apetrecho na testa ou no pescoço, manuseando-o irrestritamente, enquanto as máscaras dos motoqueiros se cobrem de películas de fuligem. Fazemos leis para chinês ver.

Nunca relaxamos. O fechamento geral de escolas é medida de eficácia improvável no combate ao coronavírus, concluiu um estudo publicado pela Lancet, revista médica de referência. Na Europa, a reabertura escolar figura entre as medidas pioneiras da flexibilização, pois a longa interrupção atinge devastadoramente famílias e alunos pobres. Mas, por aqui, isso foi relegado ao epílogo do cronograma das autoridades. “Vire-se, povinho!” —eis a mensagem de governantes tementes a Deus ou à “Ciência”.
Nossa epidemia seguirá crepitando, enquanto o mundo vira uma página. Temos tempo para substituir o lema que atravessa a esfera azul celeste da bandeira tão amada. 

Demétrio Magnoli, sociólogo - Folha de S. Paulo



quinta-feira, 19 de março de 2020

As escolhas difíceis, ou até cruéis, em tempos de coronavírus - Mundialista - VEJA

Como a doença mata idosos, jovens se sentem invulneráveis; médicos escolhem quem tem chances e políticos ainda rejeitam necessidade de união nacional

Festas na praia, nos parques, nas ruas. Da Europa aos Estados Unidos, jovens liberados das aulas e do peso na consciência caíram nas baladas espontâneas.  Os números agora confirmam o perigo invisível: 86%, ou seis em cada sete casos, não haviam sido detectados na China, o berço do vírus, no início da epidemia, propiciando sua explosiva expansão, controlada depois com isolamento populacional e tratamento em massa.

Na maioria dos países europeus, agora não dá para sair de casa e se reunir em grupos. Está todo mundo confinado e os deslocamentos têm que ser individuais. “Só queria comprar droga”, foi uma das desculpas mais inesperadas ouvida por policiais espanhóis que pararam um rapaz de madrugada para checar o que estava fazendo na rua.

Comércio de drogas e sexo profissional com contato direto são duas atividades abaladas pela era do corona. Em compensação, os canais digitais estão bombando com as “cam girls” que atendem fantasias sexuais via assinatura.  Os dilemas éticos dos médicos, evidentemente, são os mais difíceis: escolher quais pacientes têm mais chances de sobrevivência para ser entubados em UTIs. Além da idade e das complicações pré-existentes, um outro fator está sendo levado em conta por médicos italianos: a existência de familiares capacitados a tomar conta dos doentes que venham a se recuperar. Mesmo em condições sem o caráter de emergência de uma epidemia como a atual, entubar os muito idosos pode ter sequelas motoras e cognitivas. Sem cuidados da família, têm um fim de vida indigno e miserável..

Escolher morrer em casa, um desejo quase unânime de quem tem essa opção, vem acompanhado de uma complicação ética: o risco de contaminação de parentes mais próximos. Na era do corona, os que se vão têm que viver os últimos dias e morrer sozinhos. A proibição dos velórios quebra um tabu cultural imemorial. Numa cidade da Sicília, 48 parentes e amigos desafiaram a proibição e acompanharam o enterro de um ente querido. Foram intimidados. Dificilmente receberão a pena de três meses de cadeia prevista pelo estado de calamidade.

Mas não deixa de ser espantoso – embora explicável pela situação de emergência – ameaçar de prisão pessoas que cumprem um rito imprescindível. Alguns carros funerários ainda param diante de igrejas italianas, a pedido da família, para uma bênção à distância. 
Mas isso também está acabando. Não há veículos suficientes. Aliás, nem lugar para enterrar os corpos, com caixões enfileirados em igrejinhas ou até deixados nas casas, com um sistema de refrigeração, enquanto não dá tempo para recolhê-los.

No geral, 62% dos italianos apoiam o confinamento e outras medidas excepcionais decretadas pelo primeiro-ministro Giuseppe Conte. As declarações dele, floreadas por expressões emocionais – “Vamos nos separar agora para poder nos abraçar depois” -, receberam até declarações de amor, entre memes fofinhos. Sem a adesão espontânea dos cidadãos, é difícil colocar países inteiros em isolamento. 
E mais ainda convencer a população a não vasculhar supermercados, agarrando-se ao último pacote de papel higiênico como uma tábua de salvação.

Manter a racionalidade – os estoques vão ser repostos – dura geralmente três segundos diante de prateleiras vazias que lembram a antiga União Soviética. “Somos uma democracia madura e adulta”, disse o primeiro-ministro Boris Johnson para explicar por que, ao contrário dos decretos taxativos de outros países europeus, estava “aconselhando” a população a ficar em casa, quando possível, só viajar em caso de extrema necessidade e não frequentar bares e restaurantes. Um comentarista algo cínico reagiu: “Se ele acha o povo maduro é porque certamente não entrou num supermercado nos últimos tempos e viu os carrinhos carregados até o topo”.


Blog Mundialista - Vilma Gryzinski, jornalista - VEJA 


domingo, 26 de janeiro de 2020

PCC: ordem para libertar Marcola deixa autoridades em alerta máximo - VEJA





Por Eduardo Gonçalves, Laryssa Borges

Tentativa de retirar o traficante de Brasília ocorre após fugas em massa no Paraguai e no Acre

Em 13 fevereiro de 2019, Marco Camacho, o Marcola, foi transferido da cadeia de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, para o presídio federal de segurança máxima em Rondônia, após a descoberta de um ousado plano para resgatar o líder do PCC. De acordo com o serviço de inteligência da polícia, criminosos especialmente contratados para a operação tomariam de assalto Presidente Venceslau depois de colocar abaixo os muros com bombas. O chefão seria resgatado de helicóptero e levado a um aeroporto particular, onde embarcaria em um jatinho rumo ao Paraguai. Às vésperas da transferência, drones não identificados sobrevoaram a penitenciária por dias. Com a remoção para Rondônia, as autoridades abortaram o plano para resgatar o traficante — mas, segundo o próprio Marcola, a ação apenas foi adiada. Antes de sair de São Paulo, ele repassou um recado cifrado aos colegas de cela: uma nova fuga já estava planejada e ocorreria em no máximo um ano.

Quem conhece o líder do PCC sabe que ele não costuma blefar. Por segurança, o bandido, condenado a mais de 330 anos de prisão por tráfico de drogas, formação de quadrilha, homicídios e roubos, também não ficou muito tempo em Rondônia. As autoridades avaliaram que, apesar de se tratar de um presídio federal, sua proximidade com a Bolívia (pouco mais de 200 quilômetros separam a capital do estado da fronteira) poderia servir como rota de escape para o criminoso. Por isso, pouco mais de um mês depois de ter sido levado para Porto Velho, Marcola foi transferido para o presídio federal em Brasília, distante 15 quilômetros do Ministério da Justiça. Faltando duas semanas para o fim do prazo estipulado pelo traficante para a fuga, as autoridades estão em alerta máximo.
 
Na segunda quinzena de dezembro, a polícia de Brasília encaminhou um informe confidencial ao staff do ministro Sergio Moro em que afirmava que vinha sendo arregimentada uma equipe para retirar o traficante de Brasília. Investigadores estimam que a logística do plano não sairia por menos de 30 milhões de reais, valores facilmente recuperáveis com a venda de apenas 200 quilos de cocaína em portos europeus. Um drone, a exemplo do que ocorria na cadeia de São Paulo, sobrevoou o presídio de Brasília em 20 de dezembro supostamente para o reconhecimento de fragilidades, mas nada aconteceu. Tanques e blindados do Exército brasileiro cercaram o local. Na terça 21, uma operação de guerra foi montada para que Marcola saísse do presídio para fazer um exame de colonoscopia num hospital de Brasília — ele tem problemas de estômago e úlceras. Foram mobilizados soldados, policiais, helicópteros e até vigilância aérea nos arredores do centro clínico, que acabou sendo totalmente interditado. Depois da realização do exame, o líder regressou à cadeia de segurança máxima e permanece confinado. Foram cinquenta minutos de tensão.

Apesar da prisão de Marcola, o PCC segue lucrando e se expandindo no Brasil e no exterior. A facção tem hoje mais de 30 000 membros, opera por meio de um sistema de células sem poder central e caminha para se tornar um cartel internacional, conforme investigações da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo. Nos últimos dias, esse poder foi posto em prática em Pedro Juan Caballero, cidade que faz fronteira com Ponta Porã (MS), e em Rio Branco (AC). No primeiro caso, 76 presos escaparam do presídio que leva o mesmo nome do município do Paraguai, numa das maiores fugas já registradas no país. Entre eles estavam quarenta brasileiros e 36 paraguaios. Todos eram do Pavilhão B, reservado a membros do PCC. No caso do Acre, 26 detentos fugiram — utilizando uma teresa (corda feita de lençóis) — de uma ala destinada a filiados da facção paulista e do aliado local Bonde dos 13.

As forças de inteligência do Paraguai descobriram um plano de resgate no presídio de Pedro Juan Caballero em dezembro de 2019. O alerta, aparentemente, serviu apenas para elevar os valores das propinas às pessoas que poderiam facilitar a operação. Na véspera da fuga em massa, circulavam boatos na fronteira de que o PCC estava pagando 80 000 dólares a agentes penitenciários e policiais para concretizar seu projeto de libertação. Na manhã seguinte à debandada, a polícia deparou com um túnel de 20 metros que ligava o Pavilhão B a um buraco do lado da guarita, uma cela com uma pilha de 200 sacos de terra, portões destrancados e câmeras sem funcionar — até as fotos de alguns detentos haviam sumido “misteriosamente” dos registros. “Isso não foi uma fuga, mas uma liberação de presos”, classificou o ministro do Interior paraguaio Euclides Acevedo. A primeira providência tomada foi prender o diretor e trinta agentes penitenciários. “É evidente que os funcionários sabiam e não fizeram nada”, afirmou a ministra da Justiça, Cecilia Pérez.

Dos 76 fugitivos, apenas sete foram recapturados até a última quinta, 23. O caso do único brasileiro pego até agora ilustra bem a situação precária do sistema penitenciário do Paraguai. Ele era procurado como Eduardo Alves Cunha, nome com o qual foi fichado e condenado na Justiça paraguaia por tráfico. A polícia brasileira, no entanto, descobriu que, na verdade, ele era Luis Alves da Cruz. “Isso é muito comum aqui na região, a maioria usa documentação falsa. É difícil achar os foragidos se não tenho foto de todo mundo nem os nomes verdadeiros”, disse a VEJA o delegado Fabrício Dias dos Santos, do 1º Distrito Policial de Ponta Porã. Em seu depoimento à polícia, o fugitivo contou que foi batizado na facção no Paraguai e “promovido” ao Pavilhão B após pagar 5 000 dólares. Segundo ele, foi pego de surpresa com a fuga no domingo. Acordou no meio da noite com a movimentação dos colegas de cela. “Eles estavam todos de camiseta, calça e tênis pretos. Aí eu fui junto. Saí pelo túnel, mas vi um pessoal indo pela porta da frente. Como não tinha dinheiro, fui largado no meio do caminho”, declarou ao delegado. A ousadia da facção é tão grande que as autoridades desconfiam que a fuga em massa não passou de um engodo.



VERGONHA – O maior presídio do Acre: 26 detentos escaparam de lá com a ajuda de cordas improvisadas com lençóis Rede Amazônica Acre/Reprodução
Com a ajuda do governo federal, o secretário de Segurança de Mato Grosso do Sul, Antônio Videira, enviou mais de 200 homens — boa parte deles descaracterizada — para auxiliar na captura dos fugitivos. As cidades estão em estado de alerta com a possibilidade de invasão de propriedades e roubo de veículos. A maior preocupação é com a fuga de cinco pistoleiros da quadrilha de Sérgio de Arruda Quintiliano, o Minotauro, preso em fevereiro de 2019 acusado de ser o capo do PCC na fronteira.


Pistolagem é uma atividade comum na região, mas a ousadia do bando vai longe — nos últimos dois anos, o grupo é suspeito de ter matado uma advogada, um candidato a prefeito e até um policial civil, além de ter metralhado com mais de 100 tiros uma casa e explodido quase um bairro inteiro do lado paraguaio. Durante as buscas pelos fugitivos, a polícia acabou pegando o suspeito de ser o sucessor de Minotauro, Edson Salinas, flagrado com 17 000 reais numa mala e uma pistola pelas ruas de Ponta Porã. Ele foi enviado ao presídio estadual de Dourados (MS), enquanto Minotauro e Marcola permanecem na penitenciária federal de Brasília.

O isolamento do chefão não afetou atividades como o tráfico de drogas, que segue a todo o vapor. “O PCC sabe se reconfigurar e substituir peças-chave sem afetar seu principal negócio”, diz o delegado da Polícia Civil de São Paulo Everson Contelli. Desde que Marcola desembarcou em Brasília, a rotina da cidade mudou. Policiais descobriram que uma casa foi alugada a 40 quilômetros da penitenciária para abrigar parentes de criminosos e servir de esconderijo para comparsas. Uma dupla de advogados foi alvo de buscas e está sendo investigada por atuar como mensageira das ordens do PCC. Bilhetes interceptados pela polícia com os bandidos traziam referências a “ir para cima dos vermes que mandaram nossos amigos para aquele lugar desumano”, em alusão aos responsáveis pela transferência dos criminosos para presídios federais. Desde as fugas em Pedro Juan e Rio Branco, as autoridades emitiram alertas extras para tentar detectar possíveis sinais de comunicação de Marcola com o mundo exterior. Para o PCC, resgatar o chefão da cadeia é uma demonstração de força. Para o Brasil, mantê-lo trancafiado é uma questão de honra. [por enquanto o placar está 1 x 0 para Moro -  Marcola saiu para exames e voltou para a prisão -  logo será feito o segundo gol, também contra Marcola.]

 
Publicado em VEJA,  edição nº 2671,  de 29 de janeiro de 2020  - A íntegra da matéria pode ser lida acessando o link.



domingo, 1 de setembro de 2019

Inimigo externo costuma ser útil, mas estimular permanentemente a divisão doméstica cobra um preço quando a ameaça real vem de fora - Alon Feuerwerker

Jair Bolsonaro foi pego no contrapé por Emmanuel Macron. O francês deu o troco à desfeita sofrida aqui pelo chanceler dele, quando o presidente brasileiro preferiu ir ao barbeiro e cancelou a agenda com o ministro. O ocupante do Eliseu vem oferecendo um show de timing e iniciativa no debate global em torno dos incêndios na Amazônia. [felizmente o francês se empolgou demais com a aparente vitória e pisou na bola com a ameaça de internacionalização da Amazônia - isso motivou Merkel a aplicar um cala boca no Macron, que na realidade tentava melhorar sua baixa popularidade na França e resistir aos coletes amarelos que estão voltando.] O inquilino do Alvorada deve ter percebido que curvas de aprendizagem em posições altas de poder costumam ser doloridas.

O problema de Macron é a falta de meios para impor-se a Bolsonaro no terreno, se não tiver o apoio político e operacional de Donald Trump. Como no judô, o francês conseguiu boa pegada no quimono adversário. Mas faltam-lhe músculos para executar o ippon. E chegamos à situação curiosa: a
Doutrina Monroe talvez venha a servir para seu anunciado propósito original, avisar aos europeus que fiquem longe das Américas. [e ainda temos a do 'Big Stick'.]

As coisas estão meio desarrumadas nesse assunto, a ponto de uma bandeira histórica da esquerda, “A Amazônia é nossa”, passear agora pelas mãos da direita, enquanto o progressismo parece acreditar que as potências ditas ocidentais querem salvar o planeta. E o General Eduardo Villas Bôas, referência política maior do Exército, recordou com viés positivo a memória do comunista Ho Chi Minh para dizer o que pensa a respeito dos ímpetos coloniais franceses. [os franceses não são confiáveis;

certamente o ilustre articulista  lembra que na Guerra das Malvinas, os franceses forneciam mísseis 'exocet' para os hermanos e ao mesmo tempo passavam os códigos operacionais para os ingleses, traição que foi fator decisivo na derrota argentina.] 

É sempre bom ter cautela nestas situações, os laços de solidariedade entre os países do chamado mundo livre costumam prevalecer quando se trata de impor a ordem neocolonial. Que o diga Leopoldo Galtieri, miseravelmente abandonado por Ronald Reagan na Guerra das Malvinas. [foi uma ingenuidade pueril o general argentino confiar nos EUA da América em um conflito Argentina x Inglaterra.] Ficar mais inteligente com o infortúnio alheio, no caso um infortúnio argentino, também é sinal de sabedoria. E dói muito menos para quem precisa aprender.   Algumas lições já estão disponíveis do episódio. Uma é a exigência de profissionalismo nas relações com outros países. Outra, e muito mais importante: nas Américas e no dito Ocidente persiste uma contradição potencial entre buscar a soberania nacional e alinhar-se ao ocidentalismo radical, hoje na moda. A contradição não é insolúvel, mas precisa ser administrada com cuidado porque a chance de desandar é permanente.

Para complicar, o mundo anda em guerra, por enquanto comercial e de informação, mas não só. A Europa ambiciona estender sua área de influência contra a Rússia mais e mais a leste, os Estados Unidos estimulam o separatismo entre os chineses e fazem tudo pera evitar que o Império do Meio assuma a liderança da economia mundial, inevitável se os herdeiros de Mao continuarem se beneficiando das khruschevistas coexistência e competição pacíficas.

Haja desarrumação.
Bolsonaro precisa então, simultaneamente, 

1) continuar amigo de Trump confiando que este vai protegê-lo do apetite europeu/francês, 
2) não se afastar tanto assim da China e da Rússia pois ninguém sabe o dia de amanhã, 
3) explorar a contradição entre a França, que resiste a precisar importar mais comida brasileira, e a Alemanha, que quer exportar mais máquinas para o Brasil, e 
4) administrar a opinião pública interna, intoxicada pela narrativa benevolente pró globalização com face humana.

Talvez a tarefa de aprender a pilotar o avião em pleno voo e com fortes turbulências acabe convencendo o presidente de duas coisas. A primeira: ideologia demais atrapalha. A segunda, e um princípio fundamental da política: nunca seja tão amigo de alguém a ponto de não poder romper com ele, nem tão inimigo que você não possa um dia se aliar. Principalmente quando você não é a força dominante no tabuleiro político, ou militar.

Sempre é tempo de aprender e melhorar. Uma dica: a biografia de Getúlio Vargas do Lira Neto. Especialmente o trecho sobre a Segunda Guerra. Outra dica: os livros do Elio Gaspari sobre a ditadura, especialmente o pedaço das relações de Ernesto Geisel com os americanos. Uma terceira dica: um inimigo externo sempre é útil nas crises, mas estimular permanentemente a divisão doméstica cobra um preço quando a ameaça real vem de fora. 


Análise PolíticaAlon Feuerwerker,  jornalista e analista político

Trump? Só Trump? - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Quem está de olho na Amazônia e oferece ajuda para ter ‘retorno’? Só a Europa? Os EUA não?

Depois de isolar o Brasil do mundo desenvolvido, com sua retórica virulenta e desprezo à preservação do meio ambiente e às comunidades indígenas, o presidente Jair Bolsonaro tenta dar a volta por cima criando um cerco à França, uma das mais sólidas democracias do Ocidente. Já telefonou para os líderes dos EUA, Japão, Espanha e Alemanha e recebeu em Brasília o mediador do seu conflito com o mundo, o chileno Sebastián Piñera, mas, obviamente, sua maior investida e grande aposta é o ídolo da família, Donald Trump

[todos sabem que de há muito, o mundo inteiro está de olho na Amazônia - não só na floresta, na tão decantada biodiversidade, mas, também e especialmente nas riquezas minerais - uma olhada no mapa das reservas indígenas se percebe uma certa ordenação geográfica que as deixa mais vulneráveis a incursões estrangeiras, pela proximidade com algumas fronteiras.

Que continuem de olho, só não entrem.]

Sem apoio dos EUA o G-7 não decide e não faz nada. Logo, Trump é meio caminho andado para neutralizar Macron e, assim, Bolsonaro marcou um gol quando as portas da Casa Branca se abriram para encontro fora da agenda de Trump com o deputado Eduardo Bolsonaro, candidato a embaixador do Brasil em Washington, e o chanceler Ernesto Araújo. O presidente americano é cabo eleitoral de Eduardo, depois de endossar o  pedido de agrément de próprio punho. Ninguém confirma, nem desmente, mas é razoável supor que Bolsonaro aproveitou o telefonema para Trump, no pico das queimadas da Amazônia e da crise com o G-7, para pedir: “Ô, Trump, recebe o garoto aí! Ele tá precisando de uma força pra passar lá no Senado!”

A visita teve duplo objetivo. Dar uma forcinha para Eduardo, que encontra forte resistência da opinião pública e dos senadores para um salto tão absurdamente grande, e arrancar algum compromisso dos EUA em relação à Amazônia, para efeitos políticos internos e externos. Que compromisso? Dinheiro? Equipes? Equipamentos? Ou um chega pra lá público em Macron? E a coisa não é assim tão simples, depois de Bolsonaro, o pai, ter praticamente rechaçado R$ 300 milhões da Alemanha e da Noruega no Fundo da Amazônia e feito exigências e insinuações para aceitar a “esmola” de US$ 20 milhões (mais de R$ 80 milhões) dos europeus.

“Macron promete ajuda de países ricos à Amazônia. Será que alguém ajuda alguém – a não ser uma pessoa pobre, né? – sem retorno? Quem é que está de olho na Amazônia? O que eles querem lá?”, provocou o presidente brasileiro. Será que Trump, e só Trump, ofereceria ajuda sem “retorno”? Será que só os europeus estão sempre de olho na Amazônia? Os EUA nunca? O que os americanos querem lá? Duas curiosidades: o americano deu longa entrevista a jornalistas após o encontro com os brasileiros, mas não disse uma palavra sobre Eduardo, Jair, Brasil, Amazônia. Só pensava, e falava, sobre o furacão Dorian. E as fotos só saíram no dia seguinte.

Desse jeito, a seca vai passar, as queimadas vão apagar e nem o Brasil destina parte dos milhões do fundo da Petrobrás, nem os europeus mandam seus euros, nem Trump anuncia seus dólares para salvar as florestas, enquanto Bolsonaro mantém, firme, o discurso da soberania e a tese de que os europeus (só os europeus...) querem mesmo nos roubar a Amazônia. [todo ano ocorrem queimadas na Amazônia e vão continuar ocorrendo - época de seca torna mais fácil até a combustão espontânea;
este ano é que o presidente francês, precisando desesperadamente melhor usa imagem interna e externa - que vai piorar por esses dias com a volta dos 'coletes amarelos',  tentou fazer um escândalo que foi respondido à altura pelo presidente do Brasil - JAIR BOLSONARO - (que só não foi 100% magnifico na resposta, por ter valorizado por demais o francês,  dando atenção demasiada) que os inimigos do presidente e do Brasil, frustrados com o fracasso das divulgações do intercept = intercePTação - tentaram maximizar e conseguiram novo fracasso.]

As queimadas, aliás, começam a perder espaço para a economia, depois que o risco de recessão técnica foi superado pelo crescimento de 0,4% no último trimestre e a Pnad confirmou a tendência de recuperação de empregos. Agora é monitorar a mais nova crise da Argentina e desfazer os nós do Orçamento de 2020.
O dinheiro acabou, o setor público é o grande entrave para a recuperação econômica e só há uma saída: assim como está aprendendo a negociar com as grandes democracias, Bolsonaro vai ter de finalmente aprender a negociar com o Congresso, por onde passeou por 28 anos.

Ou revisão do teto de gastos, ou fim da “regra de ouro” ou crédito suplementar de R$ 367 bilhões. Senão, adeus investimentos e Bolsonaro vai ter de cortar salário de servidor. Como? Só Deus sabe. Atirar em Macron e fazer reverências a Trump não vão dar um jeito nisso.
 
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo 
 
 

domingo, 21 de julho de 2019

Nas entrelinhas - Política, sexo e religião - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

“Não há força no mundo capaz de mudar a realidade das famílias policêntricas e multiétnicas, nem a complexidade das identidades de gênero no estilo de vida contemporâneo”


Clássico da sociologia brasileira, Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, é uma obra polêmica desde sua primeira edição, em 1933, pois desnudou aspectos da formação da sociedade que a elite da época se recusava a considerar. Teve mais ou menos o mesmo impacto de Os Sertões, de Euclides da Cunha, lançado em 1902, a maior e mais importante reportagem já escrita no Brasil. Seu autor descreveu com riqueza de detalhes as características do sertão nordestino e de seus habitantes, além de narrar, como testemunha ocular, a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, uma tragédia nacional.

Nas palavras de Antônio Cândido, o lançamento de Casa-Grande & Senzala “foi um verdadeiro terremoto”. À época, houve mais críticas à direita do que à esquerda; com o passar do tempo, porém, Freyre passou a ser atacado por seu conservadorismo. Essa é uma interpretação errônea da obra, por desconsiderar o papel radical que desempenhou para desmistificar preconceitos e ultrapassar valores desconectados da nossa realidade: “É uma obra surpreendente e esclarecedora sobre a formação do povo brasileiro — com todas as qualidades e seus vícios”, avalia Cândido. Consagrou “a importância do indígena — e principalmente do negro — no desenvolvimento racial e cultural do Brasil, que é um dos mais complexos do mundo.”

O presidente Jair Bolsonaro talvez tenha lido Os Sertões, de Euclides da Cunha, porque a Guerra de Canudos faz parte dos currículos das academias militares. Esse foi o livro de cabeceira dos jovens oficiais que protagonizaram o movimento tenentista, servindo de referência para toda a movimentação tática da Coluna Prestes (1924-1927), que percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do país. Certamente, porém, não leu Gilberto Freyre, obra seminal sobre a formação da cultura brasileira, traduzida em diversos países. Se o fizesse, talvez conhecesse melhor e respeitasse mais os “paraíbas”, como são chamados os nordestinos por aquela parcela dos cariocas que se acha melhor do que os outros. Ser paraibano é naturalidade, não é pejorativo.

Mas voltemos ao leito antropológico do sociólogo pernambucano. A ideia de que o livro defende a existência de uma “democracia racial” no Brasil, disseminada pelos críticos de Freyre, é reducionista. Casa-Grande & Senzala exalta a formação de nosso povo, mas não esconde as mazelas de uma sociedade patriarcal, ignorante e violenta. A origem dessa crítica é o fato de que o autor destaca a especificidade de nossa escravidão, menos segregacionista do que a espanhola e a inglesa. O colonizador português não era um fanático religioso católico como o espanhol nem um racista puritano como os protestantes ingleses.

Família unicelular
Tanto que Casa-Grande & Senzala escandalizou o país por causa dos capítulos sobre a sexualidade do brasileiro. Entretanto, não foram os indígenas nem os negros africanos que criaram a fama de promíscuo sexual do brasileiro. Foi o sistema escravocrata e patriarcal da colonização portuguesa, que serviu para criar um ambiente de precocidade e permissividade sexuais. Tanto os índios quanto os negros eram povos que viam o sexo com naturalidade, sem a malícia sensual dos europeus.
Freyre lutou como um gigante contra o racismo “científico”, que atribuía aos indígenas e ao africano as origens de nossas mazelas sociais. Há muito mais o que dizer sobre a sua obra, mas o que a torna mais atual é a agenda de costumes do presidente Jair Bolsonaro, que reproduz, em muitos aspectos, características atrasadas e perversas do patriarcado brasileiro, que estão na raiz da violência, da ignorância e do preconceito contra os índios, os negros e as mulheres.

Bolsonaro estabeleceu com eixo de sua atuação a defesa da fé, da ordem e da família. Há um forte ingrediente eleitoral nessa estratégia, mas não é somente isso. Há convicções de natureza “terrivelmente” religiosas e ideológicas, que não têm correspondência com o modo de vida e o imaginário da maioria da sociedade brasileira, com os nossos costumes e tradições, pautados pelo sincretismo e pela miscigenação. No Brasil, tudo é mitigado e misturado, não existe pureza absoluta. Além disso, não se pode fazer a roda da História andar para trás. A família unicelular patriarcal, por exemplo, é minoritária, nem o clã presidencial manteve esse padrão; não há força no mundo capaz de mudar a realidade das famílias policêntricas e multiétnicas, nem a complexidade das identidades de gênero no estilo de vida contemporâneo.

Um dos equívocos de Bolsonaro é acreditar que pode aprisionar a cultura nacional no âmbito dos seus dogmas. Quando investe contra o cinema nacional, a pretexto de que obras como Bruna Sufistinha, um blockbuster da nossa indústria cinematográfica, são mera pornografia e não um retrato da prostituição no Brasil, sua motivação é mais política do que religiosa. Na verdade, deve estar mais incomodado com filmes como Marighella e Democracia em vertigem, que glamoriza a luta armada e enaltece o ex-presidente Luiz Inácio Lula das Silva, respectivamente. [dois lixos: um enaltece um terrorista, um assassino frio, sanguinário e covarde; o outro enaltece um ex-presidente ladrão e atualmente presidiário cumprindo uma sentença e outra na espera para ter iniciado o seu cumprimento.

Felizmente, as duas imundícies terão o mesmo destino de uma outra, elogiando o ladrão = 'Lula, o filho do Brasil', qye foi um sucesso desde que seja como critério o elevado nível de fracasso que alcançou.]  Uma coisa é a crítica à obra cinematográfica, outra é o dirigismo oficial à produção cinematográfica, numa ótica que lembra o cinema produzido durante a II Guerra Mundial.

Pura perda de tempo. Com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o Cinema Novo emergiu como resposta à falta de recursos técnicos e financeiros. O que temos hoje no cinema brasileiro resulta da centralidade dada por Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e outros cineastas à discussão dos problemas e questões ligadas à “realidade nacional” e a uma linguagem inspirada na nossa própria cultura. “Domesticar” a cultura popular é uma tarefa tão inglória como foi a censura à música popular no regime militar, tanto quanto obrigar os jovens a manter a virgindade até o 
casamento e mandar os gays de volta para dentro dos armários.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB 


sábado, 6 de julho de 2019

Nada de útil

Enquanto o mundo avança cada vez mais em busca da inteligência artificial, nossa elite está fazendo o possível para descobrir justo o contrário


Publicado na edição impressa de VEJA

A elite pensante do Brasil, que se imagina capaz de saber o tempo todo o que é o melhor para cada um de nós, frequentemente lembra o personagem do samba “Mocinho Bonito” o clássico pé rapado de uma Copacabana de outras eras, que passa a vida fingindo ser o que não é. O mocinho, para quem nunca ouviu a história, é o “perfeito improviso do falso grã-fino”, que no “corpo é atleta, no crânio é menino”, e “além do ABC nada mais aprendeu”. Como conta a letra da canção, ele tem “pinta de conde” mas nessa pinta só “se esconde um coitado, um pobre farsante que a sorte esqueceu”. Olha a nossa elite aí. Ela convenceu a si própria, e tenta convencer o resto do Brasil, que é a única classe de gente neste país realmente capacitada a pensar e, por via de consequência, como gostava de dizer um antigo político de Minas Gerais, a responsável exclusiva por definir o que é virtude e vício, e separar o certo do errado. Mas na vida real não é nada disso. As cabeças que hoje pretendem falar por todos os brasileiros são puro dinheiro falso; por trás da sua pose de conde o que existe é apenas a média da mediocridade nacional vigente.

O que é, na prática, essa elite ou quem faz parte dela? Não é, com certeza, a “zelite” do ex-presidente Lula, um ente em estado gasoso que ele mesmo jamais conseguiu definir. (Como não explica, supõe-se que a “zelite” seja apenas o conjunto dos seres humanos que não esteja de acordo com ele porque milionário, gente que manda, empresário “campeão”, empreiteiro de obra e o resto dessa turma nunca tiveram um amigo de fé-irmão-camarada tão dedicado quanto Lula.) Também não é aquilo que os livros de sociologia definem como “burguesia nacional”, nem o pessoal que vai à shopping center, nem a “classe A” dos institutos de pesquisa, ou, simplesmente, quem tem mais dinheiro que você. A elite a que se refere este artigo é a classe social descrita por ela mesma como civilizada, instruída, progressista, “antenada” as pessoas que se consideram habilitadas, em suma, a dizer como o Brasil deve ser governado e como o brasileiro deve se comportar. Antigamente, nos países considerados cultos, esse bioma social era chamado de intelligentsia. Aqui, considerando-se a soma do que pensam, querem e dizem, formam a burritsia.


Basicamente, faz parte da elite pensante quem influi em alguma coisa, ou se acha capaz de influir. É quem aparece no jornal, fala no rádio e dá entrevista na televisão. É o “especialista” quer dizer, o sujeito que se especializa, quase sempre, em dizer aquilo que os comunicadores sociais querem que ele diga. É quem dá aula na universidade ou, pelo menos, está em sua folha de pagamento. Em geral consideram-se “europeus”, embora tomem Nova York, Harvard e as vanguardas americanas do que se chama “diversidade” como santuários da civilização moderna. Acham que o povo brasileiro é altamente insatisfatório. Gosta de combate à corrupção, quando deveria gostar da OAB. Gosta de político ladrão na cadeia, quando deveria gostar do Congresso. Gosta da polícia, quando deveria gostar da Anistia Internacional, da CNBB e do STF. Não sabe votar, quando elege candidatos proibidos por quem tem qualificação para pensar corretamente em política; por conta de sua ignorância, despreparo e maus hábitos, acaba escolhendo gente errada para governar o país. Têm horror a Donald Trump. Vivem preocupados com o avanço da direita mundial. Nunca vão a manifestações de rua desautorizadas ou seja, tidas como ameaça potencial às instituições.

Qual a utilidade de se falar disso? Uma delas é sugerir uma regra que pode ajudar o leitor a economizar tempo e ansiedade: se a maioria da elite pensante, a autoridade intelectual e os “especialistas no assunto” estão dizendo alguma coisa, pela mídia ou em seus discursos, acredite no exato contrário. Dificilmente você estará errado. Na mesma linha, quando lhe disserem que 2 mais 2 são 22, coisa que acontece com frequência cada vez maior, não se impressione; estão dizendo apenas um disparate. Continue acreditando que são 4 é garantido que você vai se dar bem. Nove vezes em dez, o que parece ser a lógica será mesmo a lógica. É bom sempre ter em mente, enfim, quem está dizendo uma boa parte do que se ouve o tempo todo por aí. Parecem figuras muito sérias. Mas são apenas o perfeito improviso do falso entendido, que por trás da pose de conde nada têm a oferecer de útil a alguém. Enquanto o mundo avança cada vez mais em busca da inteligência artificial, nossa elite está fazendo o possível para descobrir justo o contrário.

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