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terça-feira, 12 de julho de 2022

New Brazil - Vozes

Guilherme Fiuza

Já que está na moda, vamos organizar um evento fora do Brasil para resolver como as coisas passarão a ser no Brasil. Pode ser em Boston, Lisboa, Nova York ou qualquer dessas cidadezinhas onde “empresários” brasileiros possam alojar seus humildes convidados. Vamos chamar o evento de New Brazil, para dar um ar de modernidade cosmopolita.

                               Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O New Brazil só terá conferencistas de ponta. Juízes de tribunais superiores falando mal do governo do seu país com linguajar colegial. Autoridades eleitorais explicarão como fazer para que o candidato que eles não querem que ganhe a eleição seja derrotado. Enfim, será uma festa (mais uma).

Juízes de tribunais superiores falando mal do governo do seu país com linguajar colegial. Autoridades eleitorais explicarão como fazer para que o candidato que eles não querem que ganhe a eleição seja derrotado.

Nessa conferência patriótica - realizada na pátria dos outros, que fica mais chique - parlamentares bancados por investidores milionários ensinarão os atalhos da democracia.  
Funciona mais ou menos assim: 
- quando a representação democrática não está a serviço do seu clube de interesses particulares, você começa a gritar que é golpe e tenta melar o jogo. É muito interessante.
 
 
Desta forma, é composto um som orquestral denunciando uma ditadura imaginária no país em questão - e um regime ditatorial justifica qualquer atropelo às leis vigentes. 
Mesmo se o tal regime for imaginário? Claro!  
Se uma ditadura real já é nefasta, imagine uma imaginária, na qual você pode imaginar as piores imaginações?
 
Assim os palestrantes do evento New Brazil defenderão a censura para salvar a liberdade de expressão, defenderão o atropelo da Constituição para resgatar a legalidade, defenderão o vale-tudo eleitoral para garantir o voto no candidato certo, defenderão a esculhambação da democracia para salvar a democracia
E, naturalmente, ninguém fará discursos indelicados referentes a candidato que já tenha sido preso por corrupção, porque o importante num evento como esse é defender a ética.
 
Oráculos cheios da grana falarão sobre o “novo presidente” que governará o distante Brazil em 2023. 
Ex-políticos recém-saídos da vida pública de volta à privada discorrerão sobre o “novo governo” brazileiro - tudo isso diante de juízes das altas cortes, inclusive eleitorais, que acharão normalíssimos tais prognósticos. Essa congregação de almas ungidas pelo dom da iluminação democrática fará elegias ao inexpugnável sistema eleitoral do Brazil, do Butão e de Bangladesh.  
E avisarão que prendem e arrebentam quem ousar discutir a sacrossanta urna eletrônica brazileira.
O nosso evento New Brazil reunirá ao final, em ata, todo o falatório dos convidados pelos magnatas sensíveis que viabilizaram generosamente este encontro cívico. 
Essa ata será declarada a nova Constituição do Brazil.  
O que não estiver nela é fake news - que daqui em diante passa a ser crime hediondo. 
Pela modernidade e contra a ineficiência do Estado, está privatizada a democracia.

Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sábado, 25 de junho de 2022

Pacheco diz que haverá reação do Senado a ‘qualquer mínimo arroubo’ contra democracia - O Estado de S. Paulo

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez nesta sexta-feira, 24, uma defesa enfática do processo eleitoral brasileiro e afirmou que o resultado das urnas será respeitado “pelas instituições e pela sociedade”. As declarações do senador foram dadas em Lisboa, após participar da Conferência Brasil e Portugal – Perspectivas de Futuro, ao ser questionado se o presidente Jair Bolsonaro poderia tentar uma ruptura institucional caso seja derrotado na disputa presidencial.“Não há hipótese de retrocesso. Nós vamos ter o resultado eleitoral, seja ele qual for, respeitado pelas instituições e pela sociedade. É assim que as coisas funcionam, e é assim que deve ser”, disse

© Fornecido por Estadão O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), participou nesta quinta-feira, 23, da Conferência Brasil e Portugal – Perspectivas de Futuro, em Lisboa. Foto: Mara Bergamaschi

Pouco antes, ao defender a democracia como “conquista da sociedade brasileira”, Pacheco avisou que “qualquer mínimo arroubo, qualquer bravata contra o Estado democrático de direito, merecerá da presidência do Senado e dos senadores pronta reação, porque é inadmissível se pensar em algo diferente de democracia no país”. [Perguntar não ofende,  e assim apresentamos duas perguntas que certamente vem a mente dos leitores  diante das declarações do omisso presidente do Senado: "qual será a reação do presidente Pacheco e demais senadores? um discurso?]

A conferência da qual Pacheco participou integra o calendário de comemorações conjuntas do Bicentenário da Independência, realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, no centro de Lisboa. Pacheco também defendeu mais uma vez a eficiência e a lisura do sistema eleitoral brasileiro de “questionamentos descabidos” e lembrou que a proposta do voto impresso foi derrotada no Legislativo.

Em diversas ocasiões, Bolsonaro tem colocado em dúvida, sem apresentar provas, a lisura do processo eleitoral brasileiro, sobretudo, sobre no diz que respeito à confiabilidade das urnas eletrônicas. Ao responder sobre a hipótese de ruptura institucional, Pacheco reforçou ainda que “a democracia já está consolidada pela sociedade no Brasil e que as instituições têm compromisso com o Estado democrático”. Ele acrescentou que cabe à sua geração manter a democracia pela qual a geração anterior sofreu e lutou.

Pacheco classificou o Senado como uma “casa madura” e disse que os senadores têm independência por terem, em sua maioria, oito anos de mandato. “Somos uma casa revisora, dedicada à moderação, que tem de agir, sobretudo nesses momentos de polarização, para acalmar os ânimos”, afirmou. “O Senado tem maturidade para entender o que é bom para o país”, definiu. [se há tal independência, o que impede o senador Pacheco permitir que os senadores a exerçam? - para permitir tal exercício basta que encaminhe os pedidos de impeachment que recebe para apreciação dos senadores.]

CPI do MEC
Pacheco informou ter recebido um telefonema do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento para criação da CPI do MEC. Segundo ele, Randolfe vai apresentar o pedido na próxima semana. Ele disse que o requerimento será submetido à apreciação da Mesa e, em seguida, examinado por ele.

Pacheco não quis antecipar sua decisão, mas considerou graves as denúncias sobre a existência de um gabinete paralelo no Ministério da Educação, reveladas pelo Estadão, que levaram a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro. Segundo Pacheco, as investigações devem ser feitas pelas autoridades competentes, mantido o direito de defesa e o devido processo legal.

Mara Bergamaschi, colunista - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Ninguém problematiza o machismo estrutural entre os garis - Gazeta do Povo

Bruna Frascolla 

Identitarismo

O martírio de Joana Angélica. - Foto: Anônimo/ Wikimedia Commons

Quando desembarca no metrô em Ipanema, no Rio de Janeiro, tem-se a opção de sair pela Joana Angélica ou pela Maria Quitéria. Para o carioca, são apenas nomes de rua. Para os baianos, porém, Joana Angélica e Maria Quitéria são mulheres símbolo das guerras pela Independência da Bahia. Não foi um movimento separatista; foi um movimento para se libertar do jugo armado de Lisboa e acompanhar o Rio de Janeiro na Independência do Brasil.

Pelas minhas contas, o identitarismo começou a se impor no Brasil em 2015. Os conflitos armados pela Independência da Bahia começaram em fevereiro de 1822 (antes do grito às margens do Ipiranga) e terminaram em 2 de julho de 1823. Desde então, a Independência é muito comemorada em Salvador e no Recôncavo, e as heroínas são conhecidas desde a escola. Os baianos convivem com a memória de Joana Angélica e Maria Quitéria duzentos anos antes de aparecer a empoderada de cabelo rosa e argola de boi no nariz querendo nos catequizar em vitimismo. Os cariocas, em algum momento de sua urbanização, dedicaram os logradouros de Ipanema aos heróis da Independência da Bahia. Não deixaram de fora essas duas mulheres.

Que fizeram elas pela Independência? Em 19 de fevereiro de 1822, quando a soldadesca baiana ensaiava reações anárquicas à ocupação militar portuguesa, a abadessa Joana Angélica escondera mais uma vez os revoltosos baianos no Convento da Lapa. Eles atacavam e se escondiam lá, para grande irritação dos portugueses. Estes foram ao convento, tiveram uma altercação com a abadessa e a trespassaram com uma baioneta. Ela morreu no dia 20 de fevereiro de 1822, causando uma imensa comoção e incendiando o povo. Segundo a versão ensinada às crianças em casa pelas famílias e nas escolas pelos professores, Joana Angélica teria dito aos portugueses que eles só entrariam ali passando por cima de seu cadáver. Seu ato de bravura custara-lhe a vida.

Quanto a Maria Quitéria, sua excepcional bravura fez dela um símbolo da independência baiana. Ela era casada e o marido não queria ir para a guerra. Então ela pegou a farda dele, vestiu-se de soldado e foi. Sua destacada participação foi reconhecida pelas autoridades militares, que lhe deram um kilt escocês para improvisar um fardamento feminino. É com o kilt que ela é representada em pinturas e monumentos. Primeira mulher a sentar praça no Brasil, ela ganhou uma medalha da Ordem do Cruzeiro.

A revolta das Luluzinhas
Duzentos anos depois de Maria Quitéria optar por uma atividade essencialmente masculina e obter êxito nisso, as manas empoderadas se esvaem em lágrimas digitais por causa de uma piada. Mais: a piada era sobre uma obra cujos dirigentes se gabavam de escolher as pessoas em função do “gênero”, tinha um monte de mulheres (o que de fato é bem incomum em engenharia), e... caiu.

Como ninguém ainda conseguiu controlar a internet, começou a circular um vídeo em que uma porção de manas empoderadas do mundo corporativo ficava falando de como é importante contratar mulheres. Uma certa Vilma Dias Armenini, analista de RH, disse: “Procuro sempre contratar as mulheres”. Noutros tempos, causaria vergonha admitir preconceito assim. Ao cabo, as misândricas querem o roubar emprego dos homens e ainda levar a pensão “alimentícia” dos homens. Como é que o homem vai bancar o iPhone das crianças se o RH deve se esforçar ao máximo para não empregá-lo?

O vídeo usou este material da cambaleante construtora Acciona, pôs cortes com cenas do desmoronamento da obra e incluiu legendas irônicas. Uma engenheira aparece dizendo “Tem uma barreira na engenharia com relação às mulheres”, e sobe o letreiro “Por que será?”. Corta para o desabamento. Foto das manas triunfais ganha as letras: “As grandes guerreiras!”.

Eduardo Bolsonaro compartilhou nas redes uma versão reduzida do vídeo satírico e disse o óbvio: “‘Procuro sempre contratar mulheres’, mas por qual motivo? Homem é pior engenheiro? Quando a meritocracia dá espaço para uma ideologia sem comprovação científica o resultado não costuma ser o melhor. Escolha sempre o melhor profissional, independente da sua cor, sexo, etnia e etc”. Eis uma mensagem em perfeita conformidade com a igualdade de oportunidades, contrária à discriminação por sexo e cor.

Mas agora é feio ser contra a discriminação por sexo e cor. Ser a favor à igualdade de oportunidades faz de você extrema-direita. O sucessor de Prestes tuitou: “Atenção, mulheres! Eduardo Bolsonaro acha vocês incompetentes. No que depender dele, vocês não terão emprego e serão sempre culpadas antes mesmo de qualquer apuração. Ele não respeita mulheres, mas gosta do seu voto. Dêem a resposta a esse misógino e misógino pai dele em outubro!”. Isto não é verdade. O deputado não defendeu que apenas homens fossem contratados. Se Roberto Freire acha que uma mulher precisa de discriminação misândrica para ser contratada, o machista é ele. 

A coluna de Monica Bergamo, conhecido canal de divulgação do PT,  toma as dores da empresa: “O material original exaltava a participação de mulheres no empreendimento, destacando a contratação de engenheiras para o canteiro de obras e de outras profissionais envolvidas diretamente nos trabalhos. Na versão feita agora, para relacionar o rompimento na pista à participação feminina e questionar a competência das profissionais unicamente por causa do gênero delas, imagens e falas de entrevistadas foram tiradas de contexto e ridicularizadas”.

Ciência social de RH
O raciocínio de fundo merece ser chamado de ciência social de RH. Entende-se que homens e mulheres são tabula rasa, e toda diferença entre os sexos se explica por coerção estatal. Elas olham para qualquer emprego do mundo corporativo e perguntam: “Por que não são 50% de homens e 50% de mulheres?” Resposta: machismo estrutural. Como corrigir? Na mão grande, discriminando os homens. E se for 100% de mulheres, está ótimo, porque há injustiças históricas a serem reparadas.

Curiosamente, só fazem essas perguntas a respeito de profissões de status em que homens costumam maioria, tal como engenharia. Ninguém problematiza o machismo estrutural dos garis nem quer botar cota para mulher entre eles. Enfermagem, embora goze de certo status, também não conta: ninguém quer desconstruir a masculinidade botando cota para homem.  Tratas-se, no frigir dos ovos, de um movimento dogmático que visa a reserva de vagas de trabalho para mulheres de classe média.

Se acreditarmos nas Luluzinhas do mundo corporativo (mundo este que corrompeu universidades, dando-lhes dinheiro via Fundação Ford), não é preciso investigar nada sobre os impactos da evolução nas diferenças entre o cérebro humano de ambos os sexos. Isso, sim, é negacionismo científico. Implica ignorar todo o campo da psicologia evolutiva.

O mundo do RH

Outra implicação problemática é a passividade da mulher. Em princípio estou aqui, feito um objeto, até que uma graciosa mana do RH resolva me empoderar, tirando o emprego de um “macho escroto” e dando-o para mim. Fico sentadinha esperando a gerência cuidar de mim e da justiça terrena.
Se for verdade que o mundo funciona assim, como explicar a decisão de Quitéria de pegar a farda do marido, se passar por homem e ir à luta? Onde ficam a liberdade individual e a iniciativa própria? O mundo ideal teria um RH gigante gerindo a humanidade?
 
Eu acredito que uma grande obra projetada por engenheiras pode ser bem feita, desde que as engenheiras tenham passado por um processo seletivo meritocrático. 
Se a empresa fizer um processo seletivo lacrador e contratar uma engenheira negra gorda trans lésbica cadeirante para fazer uma pontezinha, eu vou de barco.

O caso de Maria Quitéria mostra que mulheres podem, por mérito próprio, se sobressair em atividades essencialmente masculinas. No caso de Maria Quitéria em particular, a bravura é essencial para o seu destaque, e a passividade é completamente incompatível com isto.

Há outras mulheres de sucesso cuja atividade prescinde de bravura. Marie Curie, por exemplo, precisou superar preconceitos para se firmar como cientista. As virtudes de um cientista são bem diferentes das de militares. Assim, ela não precisa ser brava para ser boa; bastava fazer grandes descobertas científicas. O Ocidente fez com que as mulheres não precisassem de uma bravura especial para se dedicar a uma profissão pacífica. Mulheres não precisam mais enfrentar preconceito ao entrar na universidade, e está muito bem assim. Isso é igualdade de oportunidades.

Agora, já imaginaram se a Independência da Bahia dependesse do RH da Acciona? Cataria Maria Quitéria pela mãozinha junto com uma porção de donas de casa. O mérito iria pelas cucuias, e o batalhão das mulheres seria uma piada pronta. Se o RH da Acciona cuidasse da ciência, tampouco daria muito certo para Marie Curie. Alocada num “time” feminino cheio de donas de casas recrutadas a contragosto para cumprir tabela, ela se perderia na multidão de nulidades e seria impedida de trabalhar com um colaborador, que por acaso era o seu marido.

Deus me livre de RHs. Se vir uma Luluzinha querendo me recrutar, declaro voto em Eduardo Bolsonaro na hora.
 
Bruna Frascolla,  colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Barbeiragens médicas - O pesadelo de adoecer em Portugal - O Globo

Ruth de Aquino
 
Não é um caso só, não são dois nem três. Quase perdi uma amiga querida que teve uma simples apendicite em visita de férias à filha, moradora de Lisboa. Foi vítima de uma mistura de diagnósticos errados – primeiro, gastroenterite, e depois cálculo renal com cirurgia de emergência tipo açougue, UTI sucateada, alta prematura, negligência absurda no pós-operatório e infecção hospitalar com bactéria.
 
Diagnósticos errados e infecção hospitalar são grandes vilões da medicina em Portugal

Minha amiga teria provavelmente morrido de septicemia se não tivesse voltado para o Brasil. 
Seus médicos no Rio descobriram dois abscessos no abdômen e retiraram 40 mililitros de pus. 
Fez a terceira e última cirurgia agora, cinco meses depois de sentir a primeira dor forte num vilarejo na costa vicentina, no Alentejo. Desenvolveu uma hérnia por conta das barbeiragens portuguesas. Sua história é uma saga. Um alerta para brasileiros iludidos. Pensam que a medicina em Portugal funciona e, que maravilha, é de graça! 

Seriam férias de reencontro em julho com a filha numa casa alugada no meio do silêncio, praias de rio e mar, numa aldeia de mil habitantes. De repente, uma dor alucinante. “Vomitei, pensei em intoxicação alimentar. Fui a um hospital público a duas horas e meia dali, em Portimão, no Algarve”. Como a fila dava voltas na emergência por conta da Covid, a próxima parada foi um hospital particular, à 1h da madrugada. Fez tomografia computadorizada do abdômen. Injetaram um remédio para dor, deram antibiótico e a liberaram. Diagnóstico: gastroenterite. 

Como continuava a urrar de dor, com febre, voltou com a filha para Lisboa. Foi ao consultório de um médico brasileiro que atende também na rede pública. Ele diagnosticou cálculo renal. “Deu uma batida do rim. Eu pulei. 'Viu? É pedra no rim, aposto' ”. No dia seguinte, já de cadeira de rodas pela dor, foi à CUF, o sonho de todo mundo. Tipo Copa Star, Sírio Libanês. O ultrassom renal não acusou nada. “Só olharam o rim. Não investigaram. Português pensa na caixinha”. 

Sem evacuar e sem comer quase nada, barriga inchada como se estivesse grávida, começou a vomitar água. De ambulância dos bombeiros, foi para o Hospital Universitário São José, referência pública. O enfermeiro lhe deu uma pulseira verde, de casos não graves! Como gritava que ia morrer, uma residente se compadeceu e a mandou para o cirurgião. “Médicos não botam a mão em você até saber se está ou não com Covid. Fiz PCR na emergência, mas o resultado, negativo, levou seis horas! Uma sonda me tirou dois litros de suco gástrico. Mas só me operaram às 2h da manhã do dia seguinte”. 

“Não fizeram ressonância. Abriram minha barriga, dos seios à virilha, sem saber o que havia dentro. Em duas horas, me abriram, descobriram o apêndice já supurado e me grampearam, técnica em desuso no Brasil. Fiquei 12 dias na UTI”. Outro trauma. “Só 4 enfermeiros por turno para 32 leitos. Cama quebrada. Sem suporte para o soro. A comadre não era individual. Era uma enfermaria mista. Talvez por ser uma sociedade patriarcal, cada homem tinha sua arrastadeira (comadre). Mulher não, tinha que pedir e esperar”. Teve diarreia, mas não havia papel no banheiro. Teve flebite e, quando reclamava de dor pedindo para trocar a veia, ouvia um deboche. “’O que é que é, brazuca?’ ‘Gente, sou cidadã portuguesa’, eu respondia. Muito preconceito”. 

Com seis quilos a menos, teve alta antes do tempo. “Acho que precisavam do leito. Minha ferida ainda estava purgando e eu tinha febre baixa. Não me receitaram antibiótico nem recomendaram cinta. Não me deram telemóvel (celular) de nenhum médico. Era início de agosto. Auge do verão. Médicos em férias. O único disponível se negava a examinar paciente pós-cirúrgico. Com febrão de quase 39, liguei em pânico para o hospital. Me receitaram paracetamol!” 

Uma semana após a alta, em consulta marcada conforme o padrão, o cirurgião receitou antibiótico oral. “Com isso, você pode pegar um avião”. No Rio, ela volta aos poucos à vida, recuperando-se da terceira cirurgia, ainda com muitas limitações. Precisou reconstruir o umbigo, que depois de tantos cortes e intervenções estava na lateral direita do corpo. Teve de colocar uma tela porque não se conseguia unir mais os tecidos, após as infecções. Sempre foi saudável, forte, adepta de ioga, comida orgânica, meditação, bicicleta. Sempre nadou às 6h da manhã. Precisa esperar até retomar seu cotidiano.

Portugal pode, talvez, sofrer de um problema crônico de formação médica e um problema pontual de sucateamento de hospitais.  
Diagnósticos equivocados e infecção hospitalar são os maiores vilões, tanto na saúde pública quanto na particular. 
Também incomoda o raciocínio rígido, preguiçoso, linear, ingênuo e teimoso de muitos médicos de lá. Lembrei-me da piada do ascensorista, que afirmava estar “parado” e não “descendo” – com tanta certeza de que falava a verdade. 

Ah, você pode dizer, erros médicos acontecem, um caso não pode condenar a medicina de um país.
Verdade. E por isso conversei com turistas ou moradores de Portugal. Escutei histórias horripilantes. 
Médico em hospital tentando costurar sem anestesia os lábios de uma senhora que havia caído no hotel.
Enfermeiro em hospital servindo carne de porco para recém-operado de estômago.
Parafusos enferrujados em joelhos.
Médico que não conseguiu enxergar um tumor na tireoide olhando exames de imagem. 
Muita gente, especialmente com mais idade, faz o caminho de volta. Afinal, você quer viver ou morrer em Portugal?

Ruth de Aquino - O Globo


domingo, 28 de novembro de 2021

A estúpida ilegalidade da linguagem neutra - Sérgio Alves de Oliveira

“EXCELENTISSIME SENHER PRESIDENTE DE EGRÉGIE SUPREME TRIBUNEL FEDEREL !!!”...........

Na qualidade de advogado, talvez esse venha a se tornar o tratamento protocolar nas minhas petições à presidência do Supremo Tribunal Federal quando ela for ocupada pelo Ministro Edson Fachin.

É claro que estou escrevendo sobre a absurda liminar concedida por Sua Excelência, o Ministro Fachin, do STF, referente ao cancelamento da lei do Estado da Rondônia que proibiu a linguagem binária, pronome neutro, ou neolinguagem, na grade curricular, e no material didático, das instituições de ensino no referido Estado, públicas ou privadas, e em editais de concursos públicos, na ação promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino. Os “fundamentos(?),pasmem : “preconceitos e intolerâncias, incompatíveis com a ordem democrática”.

Mas Sua Excelência esqueceu de “pequenos” detalhes, de ler a constituição, as leis respeitantes, e especialmente o tratado internacional denominado “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesas”assinado em Lisboa em 1990,entre os países de língua portuguesa, Angola, Guiné, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e BRASIL, naturalmente.  Esse tratado adotou uma ortografia UNIFICADA entre os signatários. No Brasil foi aprovado pelo Decreto Nº 6.583/2008, assinado pelo então Presidente Lula da Silva, após aprovação do Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo Nº 54/1995.

Ora, por força do artigo 5º, parágrafo 3º, da CF, os tratados internacionais sobre “direitos humanos”  valerão tanto quanto  “emenda constitucional”. Todos os demais tratados internacionais serão hierarquicamente equiparados à lei ordinária. Por esse motivo o tratado da unificação da língua portuguesa não é norma constitucional, porém LEGAL. Vale igual à lei. [lembramos que o conceito de direitos humanos no Brasil é mais amplo quando concede, favorece,  coisas esdrúxulas, aberrações, bizarrices; tal conceito faz com que a linguagem neutra valha mais do que um mero tratado; quando é para soltar bandido, qualquer tratado tem validade indiscutível, especialmente em interpretação que solte o bandido. Apropriadamente,  o ilustre articulista cita o artigo 13 da CF e o inciso XXIV, do artigo 32 da Lei Maior.
Acontece que paira sobre todos um artigo não escrito, que concede às interpretações criativas valor superior a tudo que exista no 'estado democrático de direito' vigente no Brasil. Sendo público e notório os que estão autorizados a efetuar interpretações criativas.]

Mas no referido tratado internacional nada consta sobre “linguagem neutra”, ou equivalentes de outras “bichisses” quaisquer. A língua portuguesa tem masculino, feminino, macho e fêmea. A tal “linguagem neutra” traria como consequência o desligamento do Brasil,por desrespeito,do referido tratado internacional.

Mas tem mais. Por força do artigo 13 da CF,” a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”.  
Já pelo artigo 32, XXIV, da Constituição,”compete PRIVATIVAMENTE á União legislar sobre “diretrizes e bases da educação nacional”.o que faz mediante a Lei 9.394/96,denominada exatamente “Lei de Diretrizes e Bases”.

Ora,pelo que se vê,o Brasil virou a própria “Casa (ou c...) da Mãe Joana” em matéria de ensino, e outras “cositas más”, onde todo mundo manda e ninguém manda. Não são só mais alguns Estados e Municípios que metem indevidamente os seus “bedelhos” em matéria privativa da União,e no caso, também do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, mas também todo tipo de organização LGTB, “confederações de trabalhadores disso ou daquilo”,etc.

Sérgio Alves de Oliveira  - Advogado e Sociólogo

terça-feira, 23 de novembro de 2021

O moderador - Gazeta do Povo

Alexandre Garcia

Discrepâncias do Judiciário

Quem quer que leia a Constituição vai perceber que decisões da mais alta corte não estão batendo com o que está escrito na lei maior. Essas discrepâncias vinham sendo comentadas nesses últimos tempos como denúncia de que algo está errado. Em Lisboa, num simpósio jurídico, o ex-presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, mostrou às claras o que vem acontecendo: o Supremo é o poder moderador da República. O poder moderador que tivemos foi na Constituição de 1824, em que o Imperador, estando acima dos poderes, poderia intervir em conflitos e manter a harmonia entre eles. Ele era o quarto poder. 
Se o Supremo, hoje, é o poder moderador, então ele abarca, ao mesmo tempo, dois poderes - mesmo sem ter, para isso, o voto que é a origem do poder.
Supremo Tribunal Federal julgou constitucionalidade da lei que conferiu autonomia ao Banco Central
Estátua em frente ao Supremo Tribunal Federal: ministro disse que Judiciário é o poder moderador.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O Imperador não fazia ativismo político, não alterava a Constituição, não inventava leis nem mandava prender, como tuitou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Ademais, há registro algum na Constituição a erigir um poder moderador - como afirmou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputada Bia Kicis. O jurista Ives Gandra Martins, ao interpretar o art. 142 da Constituição, entende que esse poder é das Forças Armadas, como “garantia dos poderes constitucionais”. 
Não foi um ato falho do ministro Toffoli; afinal, ele estava falando de Lisboa para o Brasil; mais parece uma proclamação de que o poder moderador é o Supremo - embora sem apoio na Constituição e muito menos no voto.

Alexandre de Moraes corrige um dos absurdos da CPI da Covid

Qual a explicação para o fiasco das prévias do PSDB


Toffoli também afirmou que o sistema de governo no Brasil é o semipresidencialismo - embora ele tenha se referido ao adjetivo semipresidencial. Na terra de Camões poderia ser mais cuidadoso com a língua. Isso é verdade.  
A constituinte que acompanhei escreveu uma base de sistema parlamentar com uma emenda presidencial. 
E criou o seguinte princípio: o presidente, que tem a responsabilidade pelo governo, não tem os poderes para governar; o Congresso, que não tem essa responsabilidade, é que tem esses poderes. 
O presidente Sarney, no dia da promulgação, quando o entrevistei, disse: “Com esta Constituição, o Brasil fica ingovernável”. Ele foi o primeiro semipresidente. Nelson Jobim, que foi o relator executivo, me disse que os constituintes estavam sob a síndrome do autoritarismo, e enfraqueceram o chefe do Executivo.

É uma agressão à representatividade do povo, origem do poder, que o exerce diretamente ou por seus representantes eleitos, como está no primeiro artigo da Constituição. Ora, hoje, presidentes eleitos com mais da metade dos votos válidos nomeiam seus auxiliares e tomam decisões administrativas que têm sido vetadas pelo “poder moderador”. Não custa lembrar que no referendo pós-constituinte, o sistema presidencial teve 70% dos votos. O ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo, ex-ministro do PT e ex-PCdoB, no seminário do Instituto Villas-Bôas, que conduzi sexta-feira, pregou um governo com presidente forte, com democracia “pois o Brasil não aceita ditadura de ninguém, de patrões ou trabalhadores, de militares ou do judiciário. Só democracia”. E democracia não comporta imperadores mandando nos poderes eleitos.

 Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 


Pacheco quer fazer sabatina de André Mendonça no Senado na semana que vem - Malu Gaspar

O Globo

DISPUTA PELO SUPREMO

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), planeja realizar na próxima semana a sabatina de André Mendonça para a vaga de ministro do Supremo que está aberta desde julho. Mendonça foi indicado por Jair Bolsonaro para a cadeira deixada por Marco Aurélio Mello.

A ideia de Pacheco é submeter seu nome ao plenário no esforço concentrado de votações que o Senado fará antes do recesso de final de ano, entre os dias 29 de novembro e 2 de dezembro. "Essa é a intenção. Cumprir todas as pendências relativas a indicações: embaixadas, Agências, conselhos, tribunais superiores", me disse o presidente do Senado. Estão pendentes de votação na Casa hoje 18 indicações de autoridades para diversos órgãos, de autarquias a embaixadas e organismos internacionais.

A indicação de Mendonça é uma delas. Seu nome, porém, ainda precisa ser avaliado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ir a plenário. E Davi Alcolumbre (DEM-AP), que preside a comissão, tem se recusado a marcar a sabatina. Uma apelo que senadores independentes e alguns governistas tem feito a Pacheco que ele faça a votação sobre Mendonça direto no plenário, sem passar pela CCJ o que pelo regimento do Senado pode ser feito, mas Pacheco diz que não fará. 

Aliado de Alcolumbre, que o apoiou em sua eleição para o comando da Casa,  Pacheco tem procurado não confrontar o senador pelo Amapá. Mas a pressão interna para que ele resolva logo o impasse tem sido forte. Não falta quem diga que Alcolumbre está tornando a CCJ e o Senado refém de seus interesses pessoais e políticos. 

Quando questionado sobre como fará para cumprir seu planejamento e encerrar o impasse em torno da nomeação de Mendonça na semana que vem, Pacheco responde em mineirês: "Espero que todos os presidentes das comissões se empenhem para essa produtividade". Nos bastidores, porém, ele se mostra mais assertivo. Na semana passada, chegou a consultar Mendonça sobre sua agenda para a semana do esforço concentrado e o deixou de sobreaviso para uma convocação. 

Leia também: Silêncio sobre rachadinha de Alcolumbre coloca em xeque cruzada ética do Senado

A questão é se Mendonça tem os votos necessários para a aprovação. Para ser nomeado para o Supremo, ele precisa de 41 votos favoráveis, entre 81 senadores.  Davi Alcolumbre tem afirmado aos interlocutores mais chegados que só pretende pautar a sabatina se for para reprovar a indicação de Mendonça. Foi o que ele repetiu em conversas e jantares com gente do meio político e jurídico em Lisboa, na semana passada, durante o evento promovido pela faculdade mantida pelo ministro Gilmar Mendes.  

Sempre que confrontados com essa informação, os governistas afirmam que se Alcolumbre não marca a sabatina é porque não tem força para derrubar Mendonça, e garantem já ter votos suficientes para aprovar o nome do ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União de Bolsonaro. Como esse assunto se tornou um campo minado, só quando Pacheco conseguir marcar a sabatina é que saberemos quem está blefando.

Malu Gaspar, colunista - O Globo

 

domingo, 21 de novembro de 2021

Os imperadores do Supremo Tribunal Federal - Revista Oeste

Silvio Navarro

Dias Toffoli diz que o STF é moderador do 'semipresidencialismo' brasileiro e tenta esvaziar a Praça dos Três Poderes 

Artigo 98 da Constituição Imperial de 1824: “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegado privativamente ao imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes políticos”. O texto foi redigido há quase 200 anos, em benefício do imperador Dom Pedro II. Mas aparentemente continua valendo, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, ex-presidente da Corte.

“Nós já temos um semipresidencialismo com controle de Poder Moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”, disse o ministro no 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal. [em nossa opinião, nosso entendimento, e considerando recentes ações do ministro Toffoli - uma, quando criou o  'inquérito do fim do mundo' e outra,  o comentário emitido em Lisboa que, na prática, criou um quarto poder no Brasil (posição que revoga o artigo segundo da Constituição Federal, além de ser diametralmente oposta ao entendimento do ministro Fux, atual presidente do STF,  quando se manifestou pela inexistência de um quarto poder;  
o comentário do ministro Toffoli também revoga o decidido no plebiscito de 1993 que optou pelo pelo presidencialismo (69,20%)
Essa situação de interpretações conflituosas no tocante ao texto constitucional, nos leva a pensar (ação que ainda não é crime no Brasil e que,  respeitosamente, expressamos.) que  foram eventuais  dificuldades na interpretação da Constituição, os temas motivadores  das duas reprovações que vitimaram o atual ministro quando prestou concurso público para o cargo de juiz de primeira instância.]  
 O ministro do STF Dias Toffoli | Foto: Agência Brasil
O ministro do STF Dias Toffoli | Foto: Agência Brasil
 
Na prática, Dias Toffoli vocalizou ao que o brasileiro assiste diariamente há alguns anos: o STF legisla, julga, prende e, sempre que possível, interfere nas ações do Executivo
Boa parte dos senadores está acovardada por processos pendentes nos gabinetes dos ministros da Corte. 
Basta notar que Rodrigo Pacheco não teve coragem de pautar nem sequer um processo de impeachment contra os magistrados. 
Mas a fala de Toffoli é mais grave do que parece. Em suma, coloca em xeque o sistema de contrapesos da Praça dos Três Poderes estabelecido pela Constituição de 1988.

“Esse pronunciamento vai contra o que está na Constituição”, afirmou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deputada Bia Kicis (PSL-DF). “Ela foi até desenhada para o parlamentarismo, mas a opção feita pelo constituinte de 1988 foi o presidencialismo. [e confirmada pelo eleitorado no referendo de 1993] Temos um presidente eleito. Não existe previsão constitucional de Poder Moderador, como se o STF fosse alçado a uma posição de moderar o Executivo e o Legislativo. Temos de exigir o respeito a nós, que fomos eleitos. Se tiver alguma mudança, ela terá de passar por esta Casa e por esta CCJ.”

O ministro Dias Toffoli afirma não reconhecer o regime presidencialista em curso

Para o jurista e advogado Ives Gandra Martins, o Judiciário não deveria se intrometer na política, já que sua função é preservar a lei. “O Poder Judiciário jamais pode ser Poder político porque, se for, deixa de ser um intérprete da lei e passa a ser um criador da lei”, disse Gandra. “Não existe semipresidencialismo. O Poder Judiciário não é Poder político. O Poder Moderador tem de ser representativo do povo.”

Também consultado por Oeste, Modesto Carvalhosa, professor de Direito, criticou a declaração do ministro afirmando que o Supremo age politicamente. “Não existe Poder Moderador no Brasil. Mas hoje o STF é hegemônico, é quem governa e resolve todas as questões”, disse. “Tudo o que sai do tribunal tem natureza política, e não constitucional, como deveria ser”.

[Outras opiniões: " A juíza Ludmila Lins Grilo resgatou a própria Constituição para rebater a fala do ministro: "A Assembleia Nacional Constituinte brasileira, em 1988, definiu que o ELEITORADO teria de definir, por meio de PLEBISCITO: 1) a FORMA de governo (monarquia ou república) e o 2) SISTEMA de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). Isso está no art. 2° do ADCT. Esse plebiscito aconteceu em 21/04/1993, tendo o POVO decidido pela república (86,6%) e pelo presidencialismo (69,20%)

Só existem 3 formas de se modificar esse cenário
1) nova Assembleia Nacional Constituinte (forma legítima); 
2) novo plebiscito (forma legítima)
3) revolução ou golpe de Estado (forma ilegítima). Qualquer tentativa de revolução/golpe é ilícita e deve ser imediatamente coibida". [e agora ministro Toffoli? Como ficamos?]

A coordenadora do Movimento Advogados do Brasil, Flavia Ferronato, questionou: "Deixa ver se entendi: políticos e ministros podem ir para Portugal defendendo a mudança do sistema político do Brasil e nós, povo brasileiro, não podemos pedir a saída de ministros e políticos porque é antidemocrático? É isso mesmo??"

A mineira Barbara, do canal TeAtualizei, apontou para o ensurdecedor silêncio dos juristas: "A constituição fala que o STF existe para guardar as leis, não debater com ex-presidentes e ex-ministros a mudança governamental que, por sinal, segundo Toffoli, já aconteceu. Juristas seguem em silêncio". LER ÍNTEGRA, CLIQUE AQUI.]

 Atualização concluída com sucesso. Bom dia Togaquistaneses! #GolpeDoSemipresidencialismo pic.twitter.com/pjxtUbR25g

A última vez que o modelo presidencialista foi minimamente relaxado ocorreu no curto mandato de Michel Temer. Egresso do Legislativo, onde presidiu a Câmara mais de uma vez e deu as cartas durante muitos anos, Temer delegou decisões ao Congresso para debelar um pedido revanchista de impeachment da esquerda e tentar aprovar sua agenda de reformas.

Ele segue entusiasta da mudança de regime. No mesmo evento em Lisboa, ao lado do ministro do STF Gilmar Mendes, do ex-prefeito Gilberto Kassab, dono do PSD, e de “catedráticos” do Direito moderno, disse que é preciso acabar com a centralização, com o multipartidarismo e com “os impeachments a todo momento”.

Os deuses da Corte
Há, contudo, uma diferença nos discursos. Michel Temer quer mudar o regime por meio do Parlamento embora o caminho correto seja um plebiscito.  
Já o ministro Dias Toffoli afirma não reconhecer o regime presidencialista em curso. Disse que o STF manda e ponto final. É possível que falte a ele notável saber jurídico. Afinal, chegou à Alta Corte sem sequer ter sido aprovado num único concurso para juiz de primeira instância.  
Sua nomeação foi um presente pelos anos em que advogou para o PT de Lula e José Dirceu. 
Outras tantas decisões arbitrárias saíram de gabinetes contíguos. Como o de Alexandre de Moraes, que impediu o deputado federal eleito Daniel Silveira (PSL-RJ) de dar entrevistas ou usar as redes sociais depois de uma temporada na cadeia pelo intangível crime de opinião.

No ano passado, em meio a uma das tantas turbulências entre o Judiciário e o Palácio do Planalto, o presidente do STF, Luiz Fux, foi provocado pelo PDT sobre a figura do Poder Moderador. Na época, a oposição ameaçava forçar um processo para tirar o presidente Jair Bolsonaro do cargo por causa da pandemia. Ives Gandra Martins discorreu sobre o artigo 142 da Constituição, que trata da convocação das Forças Armadas para garantir a lei e a ordem no país em caso de intromissão entre Poderes. O presidente do PTB, Roberto Jefferson, foi preso — entre outras razões — por ter defendido isso. A Corte concordou que o Exército não pode exercer esse papel.

Na ocasião, Fux foi taxativo contra “intromissões no independente funcionamento dos Poderes” (vide tuíte abaixo) e riscou a ideia da caneta moderadora para quem quer que seja. Não se sabe agora se Toffoli não entendeu o que Fux escreveu, ou se acha que a decisão não vale para o STF.

 Interessante esse trecho da decisão de Fux, sobre a inexistência de poder moderador no Brasil. Quando ele se pronunciou sobre a impossibilidade das Forças Armadas exercerem tal poder, definiu que a Constituição não prevê o exercício de tal prerrogativa por qualquer instituição. pic.twitter.com/FUm65JGTXs

O avanço da toga sobre os demais Poderes tampouco chega a ser novidade. Há anos corre uma piada nos bastidores de Brasília. Segundo ela, alguns ministros da Corte acham que são deuses. Os demais têm certeza.

Leia também “Um deputado é o alvo predileto do carcereiro fora da lei”

Silvio Navarro - Revista Oeste 


sábado, 20 de novembro de 2021

DOM PEDRO II E “DOM” TOFFOLI I - Sérgio Alves de Oliveira

O mês de novembro de 2021 certamente passará para a história política e constitucional do Brasil como um dos mais surpreendentes.

Fazendo jus ao que certo dia disse Rui Barbosa, no sentido de que “a pior ditadura é a do Poder Judiciário.Contra ele não há a quem recorrer”,  conjugado com a recente declaração impactante do ministro do STF, Dias Toffoli, durante o “IX Forum Jurídico de Lisboa”, patrocinado pelo “Instituto Brasileiro de Ensino,Desenvolvimento e Pesquisa”, realizado em Lisboa de 15 a 17 de novembro, comandado pelo Ministro Gilmar Mendes, também do STF, no sentido de que “nós já temos um semipresidencialismo com um controle de ‘poder moderador’,que hoje é exercido pelo STF”, há que se fazer em cima dessa absurda declaração (in)constitucional algumas considerações. 

["Constituição Federal

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."]

Ora, na mera suposição de que a força de uma decisão monocrática de qualquer ministro de tribunal, enquanto válida, tem a força obrigatória equivalente à decisão do respectivo colegiado de juízes, sem dúvida essa “confissão” do Ministro Toffoli, em Lisboa, acabou de “formalizar” uma situação que até então era praticada, mas se mantinha “secreta’, ”escondida”, no Supremo Tribunal Federal.

Portanto, o que ousou fazer Sua Excelência, o Ministro Toffoli, nada menos foi do que decretar nesse “Forum” uma “emenda constitucional”, alterando a composição dos Poderes Constitucionais claramente previstos na Constituição, acrescentando o tal de “Poder Moderador”, outrora inserido na Constituição Monárquica de 1824, porém revogado na Constituição (dita) Republicana de 1891, onde o Poder Moderador, que era exercido durante o “Império” (1824 a 1889), pelo próprio Imperador, foi extinto, limitando-se aos Três Poderes Constitucionais preconizados desde Montesquieu (Executivo,Legislativo e Judiciário).

Mas essa absurda “emenda constitucional” proclamada pelo referido Ministro em Lisboa bem demonstra os motivos pelos quais Sua Excelência foi reprovado duas vezes nos concursos que havia feito para juiz de direito.

De fato, Sua Excelência cometeu uma heresia jurídica (in)constitucional sem precedentes, não só por ter assumido arbitrariamente a condição de “Poder Constituinte Derivado”, ao “confessar” ,”decretar”, e formalizar uma “emenda constitucional”, ressuscitando o “poder moderador” da constituição de 1824, mas principalmente por ter mostrado desconhecimento de causa dos dispositivos constitucionais – isso que ele é um dos “guardiões” da constituição - que impedem qualquer alteração dos Três Poderes Constitucionais do Estado Brasileiro, por serem cláusulas “pétreas”, mas que poderia, isso sim, ser alvo de mudança tão somente através de um “poder constituinte originário”, ”rasgando” a constituição vigente, e aprovando uma nova, através da respectiva Assembléia Nacional Constituinte, a ser convocada para tanto, e que inserisse nos seus dispositivos o “Poder Moderador”,como na Constituição de 1824.

Mas esse “Fórum de Lisboa” valeu para trazer à tona a “maracutaia” que fazem com o dinheiro do povo, que em última análise patrocinou a ida e estadia de todos os brasileiros a esse Congresso - que afirmam ter sido “jurídico”, mas que foi muito mais “político”- que nada tem a ver com os interesses públicos do país,consistente numa verdadeira “multidão” de autoridades públicas e políticos. Lá estavam, por exemplo, dentre tantos outros,os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli,e os Presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara,Arthur Lira. Nesse sentido proponho-me a ressarcir aos eventuais “injustiçados” qualquer “centavo de real que eventualmente tenha sido desembolsado pelos “próprios” nessas viagens,e não dos cofres públicos,para as suas “andanças”no estrangeiro.

Bem ao contrário da imensa maioria do povo brasileiro, que jamais teve a oportunidade de colocar os pés um só centímetro além das suas próprias fronteiras,por absoluta ausência de condições econômicas para esse “luxo”,o mês de novembro do corrente ano certamente vai servir de amostragem para demonstrar os abusos que são cometidos por autoridades e políticos brasileiros, às custas do contribuinte.

Mas esses abusos no referido “Fórum” na verdade foram somente uma amostragem de uma infinidade de outros abusos cometidos todos os dias por outras autoridades e políticos, inclusive “ex”-autoridades e políticos. Tem ex-presidentes da república por aí,por exemplo,que passam mais tempo voando pelos céus do mundo, às custas do contribuinte, do que com os pés no chão do seu próprio pais. E mais: e ainda falando mal do Brasil. Certamente nenhum outro país do mundo oferece tantas mordomias às suas autoridades públicas.

Sérgio Alves de Oliveira  - Advogado e Sociólogo

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Réu confesso - Vozes

Luís Ernesto Lacombe

Presidente do STF, Dias Toffoli, se rendeu à tese do ministro Alexandre de Moraes sobre o compartilhamento de dados financeiros para fins de investigação.

O que não é crime passa a ser. Inventam-se crimes aos montes. São atribuídos a algumas pessoas, conforme interesses escusos e nem tão escusos assim. Procuram-se provas. Não há? Quem se importa com provas? “A Justiça pode ser cega, mas não é tola”, já disse Alexandre de Moraes. E a verdade é propriedade exclusiva dos nossos juízes supremos. Eles sabem de tudo, sabem bem o que aconteceu, o que tem acontecido, o que acontecerá... Isso basta. Abolirão, pois, as provas. Vai na canetada. São eles que definem o que é crime e quem são os criminosos.

Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, criador e relator do inquérito das fake news -  Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Eles estão acima de tudo e de todos, acima do bem e do mal. Não erram, não cometem equívocos, não se deixam levar... Por nada. E, assim, também o que é crime, se eles decidirem, deixa de ser. Até crimes que, porventura, eles próprios tenham cometido. Mesmo que um dos juízes tenha abertamente, num clima “cara de pau”, confessado...

Há uma Constituição em frangalhos, agora diante de uma suprema corte que admite ter usurpado o poder presidencial e passado a exercer funções que não estão sequer previstas na nossa lei máxima.           Do crime a gente já sabia. Agora, que seria admitido dessa forma... Poder Executivo atropelado, Legislativo quieto, acovardado. E lá de Lisboa lançam a campanha “Viva o semipresidencialismo”!
 
Claro que não houve tortura, que nenhum tipo de violência foi empregado. Dias Toffoli simplesmente disse: “Nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal”. Pronto, falou. Não sei se era para ser assim. 
A dissimulação já estava no automático, era o cinismo no poder. 
E alguém pensou que declaração assim daria um barulho danado? Não deu em nada.

Falam o presidente da Câmara, Arthur Lira, o ministro Gilmar Mendes, organizador do fórum jurídico na capital portuguesa... Mas peraí, ele não deveria se pronunciar apenas nos autos? Não é o recomendável?           Ele não deveria negar com veemência que o sistema que ele e Lira defendem já está em vigor no Brasil, que o Dias Toffoli cometeu um lapso apenas, que não é bem assim?

Veja Também: Leis e leões                                                                      Alça de mira

É importante entender que a prioridade agora não é discutir o sistema de governo no Brasil, o enorme número de partidos que temos, quase sempre sem orientação ideológica clara. Não é hora de discutir o presidencialismo de coalizão, a ideia de um poder compartilhado... A questão agora, neste momento, é entender que já temos um semipresidencialismo imposto, na maior cara dura, e que temos um réu confesso, que arrasta consigo um tribunal inteiro.

No coro que vem de Lisboa, a ditadura do Judiciário ganha outro nome: “poder moderador”, e de um sistema que a nossa Constituição não prevê, não admite. Enquanto isso, Lula, “descondenado”, também passeia pelo continente europeu, falando as besteiras e atrocidades de sempre, como se fosse um chefe de Estado, um chefe de governo, um primeiro-ministro. Mas o pedido de extradição enviado ao exterior é contra o jornalista Allan dos Santos...

Luís Ernesto Lacombe, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

   

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A 'Constituição secreta' de Toffoli e o Poder Moderador que não existe - O Estado de S. Paulo

Ministro do Supremo disse que o Brasil vive num regime semipresidencialista 

Acabamos de ficar devendo ao ministro Dias Toffoli uma revelação realmente extraordinária; com certeza, nenhum brasileiro sabia disso até agora. No festival jurídico que o seu colega Gilmar Mendes promove neste momento em Lisboa, onde colossos do Direito moderno expõem para o mundo os últimos frutos do seu saber, Toffoli informou que o Brasil vive, nos dias de hoje, num “regime semipresidencialista”, com o Supremo Tribunal Federal exercendo o papel de “Poder Moderador” — como Dom Pedro II durante o Império. É um espanto.

Deve ser, possivelmente, o que determina alguma Constituição secreta que está em vigor, sem ninguém saber. Não temos o Orçamento secreto? Então: podemos ter também uma Constituição Secreta. O certo, sem a menor dúvida, é que a Constituição Federal de 1988, que até agora estava valendo, não estabelece absolutamente nada disso. Segundo o que está escrito ali, há no Brasil um regime presidencialista integral, não semi, com três Poderes separados e independentes entre si, Executivo, Legislativo e Judiciário. Não há, na Constituição Cidadã ora vigente, nenhum “Poder Moderador” e nem se prevê que o STF modere coisa nenhuma.

Toffoli, o único ministro do STF a ser reprovado duas vezes seguidas no concurso para juiz de Direito, também informou que o Brasil é um país “difícil de governar” — motivo, pelo que deu para entender, para a adoção desta novíssima forma de governo. Falou também sobre a “centralidade” do Congresso (há tempos que ninguém usava essa palavra; era uma das preferidas de Marina Silva) e o seu papel. Segundo ele, o Congresso reflete “os consensos das elites regionais” — e o STF é o fiador” disso. Fiador das elites regionais? Por esta o Supremo certamente não esperava.

J.R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo


Toffoli acha que o STF é um “poder moderador”. É isso mesmo? Exame

 Blog Money Report 

Aluizio Falcão Filho

Ultimamente, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso

Dias atrás, em seminário realizado na cidade de Lisboa, o ministro Dias Toffoli disse que “nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”. 
Toffoli, além de constatar a realidade em que vivemos, aproveitou para defender o parlamentarismo. “Pergunto eu por que não tentar isso no Brasil? Sobretudo no Brasil de hoje, onde, sem nenhuma dúvida, o centro da política já é o parlamento, como é próprio de uma democracia representativa”, questionou.

Antes de mais nada, a declaração do ministro, proferida em evento organizado por seu colega, Gilmar Mendes, pode ser interpretada de duas formas. A primeira é que vivemos, de fato, em um semipresidencialismo, à medida que praticamente tudo o que o Planalto faz precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional.

A Constituição de 1988 traz esse efeito em seu texto, como se pode ver no bloco que compreende o intervalo entre os artigos 61 e 75. E reflete o que estava ocorrendo no país naquele final dos anos 1980. Lembremos que em 1984, houve eleições indiretas, vencidas por Tancredo Neves. Para garantir os votos que lhe dariam a vitória no Colégio Eleitoral, Tancredo conseguiu o apoio de políticos do PDS (o sucedâneo da Arena, o partido de apoio ao governo militar), entre os quais o então senador José Sarney, que ficou com a vice-presidência da chapa.

Quis o destino que Tancredo morresse sem tomar posse e Sarney fosse investido na presidência. Ou seja, o PMDB, partido vitorioso, ganhou as eleições indiretas. Mas não as levou. O resultado deste processo foi uma tutela violenta do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, sobre o novo inquilino do Palácio do Planalto.

Sarney era percebido pela classe política como um presidente fraco e sem legitimidade. Por isso, dependia do apoio do dr. Ulysses, que era uma eminência parda em Brasília. Essa tutela, de certa forma, influenciou o texto da Constituição que deu maiores poderes ao Parlamento. De Sarney para cá, o Congresso sempre agiu como tutor do presidente – algo que se percebe até na gestão de Jair Bolsonaro, que fez há dois anos um acordo com o Centrão para garantir apoio político.

Até aí, essa é a realidade dos fatos. Estamos colhendo o que foi plantado lá atrás. Com um agravante: na época da Constituinte, tínhamos 12 partidos no Congresso. Hoje, passamos de trinta agremiações. Essa proliferação de siglas tornou a negociação de apoios cada vez mais difícil. Até o governo Fernando Henrique, bastava negociar com cinco partidos para obter maioria em qualquer votação. Hoje, esse número mais que dobrou.

Vamos passar à segunda constatação de Toffoli, a de que o STF é um “poder moderador”. A Constituição destina o artigo 102 ao funcionamento do Supremo. O texto diz que “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.  
Não se fala nada sobre poder moderador. Portanto, não há como questionar a legitimidade da Alta Corte em julgar qualquer tema – desde que essa avaliação tenha como parâmetro o que está escrito na Carta Magna.

Ultimamente, porém, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso, e interferir em diversos assuntos do cotidiano brasileiro. Recentemente, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes proibiu que o deputado Daniel Silveira desse entrevistas (Silveira é réu no STF por ataques a ministros da corte e às instituições da República). “Determino a imposição de nova medida cautelar, em caráter cumulativo com as estabelecidas na decisão de 8/11/2021, consistente na proibição de conceder qualquer espécie de entrevista, independentemente de seu meio de veiculação, salvo mediante expressa autorização judicial”, decretou Moraes.

Silveira é um parlamentar boquirroto, agressivo e desrespeitoso
Sua atitude no Congresso e nas redes sociais provoca repulsa e desprezo em muitos. Mesmo assim, é preciso questionar essa atitude do ministro. Por enquanto, existe silêncio em relação à decisão de Moraes porque o deputado em questão é desprezado nos círculos intelectualizados. Mas, se ficarmos quietos agora, perderemos força na hora de reclamar de abusos cometidos contra parlamentares que são admirados e aplaudidos pela maioria da sociedade.
 
A impressão que se tem é a de que o STF se arvorou da condição de curador da Nação. 
A Corte decide o que é fake news, nos protege de difamadores e proíbe entrevistas. Por enquanto, estamos falando de Moraes e de Silveira. 
E se, no futuro, tivermos uma desavença, por exemplo, entre Kássio Nunes e a deputada Tábata Amaral, do PSB? 
Ficaremos em silêncio também?

Talvez, nesse momento, seja tarde demais para reclamar.

Curioso o nosso país. Para defender a liberdade de expressão, precisamos condenar o puxão de orelhas em cima de um indivíduo que não merece nenhum respeito. Mesmo assim, é o primeiro passo para que mostremos ao STF que ele é o guardião da Constituição e não a autoridade suprema sobre todos nós no Brasil. 
Todos os poderes são criticados quando extrapolam suas funções. Neste sentido, o Supremo é igual ao Executivo e ao Legislativo: precisa ficar em seu quadrado.
 
Blog Money Report - Aluizio Falcão Filho - Exame


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Atraídos por benefícios, brasileiros estabelecem domicílio fiscal em Portugal - O Globo

Gian Amato

País tem programa específico para imigrantes. Declaração de saída é obrigatória para pessoa física que pretende viver de forma definitiva ou por mais de um ano fora do Brasil

Declaração de saída é obrigatória para pessoa física que pretende viver de forma definitiva ou por mais de um ano fora do Brasil. Na foto, entardecer em Lisboa, Portugal. País tem programa específico de regime fiscal Foto: Agência O Globo
Declaração de saída é obrigatória para pessoa física que pretende viver de forma definitiva ou por mais de um ano fora do Brasil. Na foto, entardecer em Lisboa, Portugal. País tem programa específico de regime fiscal Foto: Agência O Globo
Profissional considerado altamente qualificado, o paulista Caio Bizaroli vive em Portugal desde agosto deste ano, mas vai se mudar novamente para o mesmo país. Complicado? Não. O arquiteto da nuvem, profissão de tecnologia da informação (TI) onde falta mão de obra, vai transferir seu domicílio fiscal do Brasil em 2022, evitando, assim, uma possível bitributação.

Coluna Giro: Gigantes tecnológicas de Portugal abrem vagas para contratar no Brasil

Crescente entre os brasileiros, a alteração do domicílio fiscal é uma obrigação tributária para a pessoa física que pretende viver de forma definitiva ou por mais de um ano fora do Brasil. E Portugal tem um programa específico para seduzir imigrantes. É o caso de Bizaroli. O programador está enquadrado no regime fiscal português chamado Residente Não Habitual (RNH), de atração de estrangeiros que atuam em profissões de alto valor agregado, como programadores de informática, arquitetos, engenheiros e médicos, entre outros.

Quer viver, trabalhar e empreender em Portugal? Confira os incentivos para fazer isso no interior do país

Declaração de saída
Existem mais de 6,6 mil brasileiros nesta condição, o maior número de estrangeiros beneficiados fora da Europa, segundo dados de 2020 do Ministério das Finanças português. Pagam 20% fixos de Imposto de Renda sobre os rendimentos por dez anos, em um país onde a última faixa de tributação é de 48%, e a intermediária fica entre 28% e 35%.

Mas vale a pena se comparado com o Brasil? O próprio Bizaroli fez as contas. Com vagas de sobra na sua área, ele conta ter desembarcado primeiro em uma consultoria com um visto de trabalho e um salário menor. A empresa ajudou na requisição do regime RNH em setembro. Dentro do mercado, Bizaroli assegura que choveu oferta de trabalho. Ele rapidamente passou a funcionário contratado de uma grande empresa de tecnologia, onde ganha mais. Com o segmento de TI aquecido, a tendência é que ele progrida na carreira e nos vencimentos, pagando na próxima década sempre a mesma alíquota de 20% do RNH, ganhe € 5 mil ou € 50 mil.

— Se o valor do salário não for alto, não compensa. No meu caso, vale, porque eu vou pagar 20% durante uma década e, no Brasil, já pagava 27,5% direto na fonte, a última faixa de tributação — conta Bizaroli.
O paulista Caio Bizaroli vive em Portugal desde agosto deste ano Foto: Agência O Globo
O paulista Caio Bizaroli vive em Portugal desde agosto deste ano Foto: Agência O Globo

Agora, o próximo passo. Após consultar um técnico contabilista em Portugal, Bizaroli verificou que está dentro do prazo para enviar à Receita Federal brasileira a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP), que oficializa a mudança de domicílio fiscal. — Por ter investimentos em ações, que não pretendo mexer, preferi não fazer a saída de imediato até saber de todas as condições — diz.

A advogada Camila Riso, supervisora na consultoria BDO Portugal e responsável pelo apoio fiscal aos brasileiros, diz que há muitos profissionais de TI em regime de RNH de mudança para Portugal com mala, computador e uma carteira de ações debaixo do braço. — O RNH com investimento em Bolsa no Brasil não paga imposto em Portugal, porque a convenção entre os países para evitar a bitributação é diferente do modelo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). É isento em Portugal devido ao RNH, mas pode ser tributado em 15% no Brasil. Outras nacionalidades no RNH pagam 28% em Portugal — diz Camila.

Em Portugal:  Cidade favorita dos ricos brasileiros em Portugal é cenário de guerra imobiliária 'hollywoodiana'

O ideal é fazer no 1º ano
Para entender mais detalhes da mudança, Bizaroli fez o curso Jornada Portugal da consultora Patrícia Lemos, da empresa Vou Mudar para Portugal. — Saiu do Brasil e não comunicou à Receita, o que acontece? Entendem que segue vivendo lá, mas passa a ter número fiscal em Portugal e ser residente fiscal em dois países. Aí, o brasileiro começa a ganhar muito dinheiro em Portugal e o governo brasileiro pode vir cobrar a parte dele, já tem jurisprudência nesse caso — explica Patrícia.

E mais: a Receita informa que a não apresentação da DSDP pode gerar pendências no CPF, bloqueando transações financeiras, sob o risco de multas e encargos.

Esse emaranhado de detalhes, que como ressaltou Patrícia pode parar na Justiça, é evitado se o imigrante seguir a simples recomendação do advogado brasileiro Célio Sauer, especialista na área de imigração, com escritório em Lisboa. — Ao declarar saída, não precisa fazer Imposto de Renda anual no Brasil e será dispensado de pagar impostos sobre valores recebidos no estrangeiro, mas poderá ter obrigação de retenção sobre ganhos em território brasileiro (aluguel de imóvel, por exemplo). Se não tem intenção de retornar ao Brasil, o ideal é que faça o quanto antes dentro dos 12 primeiros meses a partir do afastamento — diz Sauer.

O fato é que mais brasileiros têm declarado a saída definitiva. E deixado filiais de bancos brasileiros em Portugal administrarem sua vida financeira.

Liberou: 'O brasileiro quer viajar', diz diretor-geral da TAP após ver busca por passagens para Portugal triplicar

Diretor comercial do Itaú Private Bank em Lisboa, Luiz Estrada explica que teve a licença bancária aprovada em Portugal em janeiro de 2020. A assessoria para investimentos está em curso na filial portuguesa.

Mas William Heuseler, diretor de produtos e soluções do Itaú Private Bank, faz uma ressalva: — De forma alguma estimulamos a saída definitiva de contribuintes, tampouco a remessa de capital brasileiro para o exterior. Ambas as situações devem ser uma decisão dos clientes.

Nova regra para aposentados
No universo desses clientes ricaços, há investidores pessoa física interessados em aproveitar a última chamada para requisitar vistos gold mediante a compra de imóveis para habitação em Lisboa e no Porto. A medida acaba este ano a fim de amenizar a especulação imobiliária.

Ainda será possível investir em fundos de capital de risco em troca da autorização de residência europeia, maior vantagem dos gold. Mas, no ano que vem, o valor mínimo subirá de € 350 mil (R$ 1,8 milhão) para € 500 mil (R$ 3,1 milhões).

Com isso, as grandes instituições financeiras e escritórios de advocacia de Portugal, como o Abreu, do qual Maria Inês Assis é sócia especialista em assuntos fiscais, têm recebido cada vez mais clientes.  — Há um movimento forte de alterar o regime fiscal do Brasil para Portugal, sobretudo atraídos pelos vistos gold. Mas não é opção, é obrigatório comunicar a sua situação fiscal nos dois países, dando baixa no Brasil e entrada em Portugal — diz Maria Inês.

Oportunidade: Região da Calábria, na Itália, vai oferecer 28 mil euros a quem se mudar para seus vilarejos

Nem tudo é um oásis
. Os advogados costumam fazer uma advertência aos aposentados estrangeiros que passaram a viver em Portugal este ano. A categoria era isenta dentro do RNH, mas passou a ser taxada em 10% a partir de 1º de abril. A isenção será mantida para quem já estava inscritos no programa dentro do período de transição (31 de março) ou que tinham pedido sob análise.

E, a partir do momento que passa a residir no exterior, o aposentado perde a residência fiscal no Brasil e passa a ser taxado em 25%. Assim, muitos preferem não fazer a declaração de saída para manter a isenção. Mas correm o risco de cair na malha fina. É o caso de um aposentado que não quis ser identificado. Ele não fez a DSDP, não é tributado em Portugal e precisa fazer prova de vida no Brasil todos os anos. — A Receita tira 25% logo na fonte se for dada a saída definitiva do país. O que não é bom, já que as aposentadorias são baixas no Brasil. Por isso, mantenho moradia e declaro Imposto de Renda lá, mesmo vivendo em Portugal — conta.

Recomendamos para saber mais ler: Como Portugal se tornou destino popular de aposentados brasileiros. Matéria da BBC News, com informações gerais e também específicas para aposentados

Gian Amato - O Globo  - Economia - 15 novembro 2021