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segunda-feira, 26 de julho de 2021

A doença do medo - Revista Oeste

Dagomir Marquezi
 

A ameaça da covid serviu para camuflar o vazio de quem foi criado numa redoma emocional de privilégios e justificativas rasas

O paranaense Mário era o tipo de pessoa que viajava todos os fins de semana para percorrer trilhas ou passear em alguma praia. Estava sempre pronto a rechear a mochila e cair na estrada. Até que veio a pandemia de covid-19. Apavorado com o que via na TV, Mário se trancou no apartamento. Por quase um ano. Amigos e parentes traziam comida e remédios e deixavam os pacotes do lado de fora. Quando partiam, Mário colocava a máscara, abria cuidadosamente a porta, empunhando a garrafinha de álcool como uma arma. Antes de levar as encomendas para dentro do apartamento, borrifava cada embalagem, e cada produto. Quando abria as janelas, procurava não respirar muito fundo. Um ano depois de se trancar, pegou covid — a qual, por sua vez, se revelou uma gripe chata. Mas Mário ainda não teve coragem de voltar a suas trilhas.

Mário é um nome fictício que representa muitos casos reais. Afinal, além daquela bolinha vermelha cheia de farpas conhecida como Sars-CoV-2, outra pandemia se alastrou pelo Brasil e pelo mundo:  
- um surto de pânico que em muitos casos se revelou tão perigoso e prejudicial quanto a própria covid. 
A hashtag #ficaemcasa, a campanha de terror de boa parte da mídia, a indecente exploração política da doença, os relatos (verdadeiros ou não) que se espalhavam nas redes sociais pariram um monstro. Quem escapou da covid quase morreu de medo.

O psiquiatra Giovani Missio ficou particularmente interessado pelo fenômeno do isolamento. Observando seus pacientes, percebeu que todas as questões de ordem emocional — transtornos de estresse pós-traumático, de ansiedade generalizada, do pânico, hipocondria, transtorno obsessivo-compulsivo, depressão — pioraram muito com o isolamento forçado por prefeitos e governadores querendo “salvar vidas”.

“Se considerarmos ainda que apenas uma em cada nove pessoas com problemas de saúde emocional busca atendimento”, declarou o doutor Missio a Oeste, “poderemos concluir que existe uma quantidade enorme de pessoas sofrendo mais com as consequências do isolamento do que diretamente com a pandemia.” Situações surpreendentes começaram a surgir no seu consultório. “Me marcou o caso de um casal de idosos, sem nenhuma história prévia pessoal ou familiar de problema emocional e que passou a apresentar sintomas graves de depressão, após 90 dias de total isolamento, no início da pandemia. Houve uma dificuldade muito maior que a esperada em conseguir uma melhora com o tratamento, dado que eles mantinham o isolamento absoluto, sem contato com nenhum conhecido, vizinho ou familiar. Outra paciente, que já estava bem, com dois anos sem precisar de tratamento, voltou a apresentar um quadro de transtorno do pânico depois de oito semanas de home office e isolamento social”.

Um caso exemplar desse clima de histeria ocorreu na redação do Jornal Nacional, na Rede Globo. Em 9 de julho a apresentadora Renata Vasconcellos tossiu no estúdio. Foi imediatamente mandada para casa. Era uma “forte gripe”, declarou Renata. Uma semana depois, ela ligou para o âncora e editor William Bonner avisando que estava pronta para voltar. E, na ligação, tossiu de novo.

William Bonner e Renata Vasconcellos no Jornal Nacional 
/ Foto: Reprodução

“Não pode”, declarou Bonner a jornalistas. “O resfriado não passou totalmente. A gente tem um protocolo aqui segundo o qual, enquanto tiver sintoma do resfriado, da gripe, o que for, você não volta. Você pode passar para alguém.” A partir de agora, aparentemente, quem soltar um mísero espirro na redação do Jornal Nacional poderá ser imediatamente isolado por uma equipe de descontaminação e mandado em carro lacrado para casa.

O Brasil parece ter sido especialmente atingido por esse pânico. Um ano atrás uma equipe da Universidade Federal do Paraná participou de uma pesquisa internacional sobre o grau de medo provocado pela covid-19. Concluiu-se que 53% dos 7.430 brasileiros entrevistados revelavam “alto nível de medo”. Como comparação, o estudo mostrou que esse “alto nível de medo” tinha alcançado 22,7% dos pesquisados em Cuba e apenas 16,6% na Bielorrússia.

Algumas pessoas passaram a desenvolver um tipo de culto inconsciente à covid-19

No Brasil, a parcela etária mais afetada estava entre os 18 e os 29 anos, assustados com a possibilidade da morte prematura e de infectarem os pais. O estudo registrou que, quando pensavam em covid-19, a grande maioria dos entrevistados relatava que sentia “medo, desconforto, ansiedade e sensação de morte”. Outros, em menor número, desenvolviam reações psicossomáticas — “suor nas mãos, taquicardia e insônia”.

Ninguém pode negar que toda a experiência da covid-19 foi e é assustadora. É normal que causasse muito medo. Mas existiram outros fatores que potencializaram a pandemia de pavor e se alimentaram dele. O medo é, como sabemos, uma arma fundamental para qualquer tirania. A psicóloga Adriana de Araújo, autora de O Segredo para Vencer o Medo, garante que a sensação em si pode ser muito útil. “O medo é um sentimento natural, quando está em proporção adequada dentro de nós, e com isso consegue nos proteger”, diz Adriana. Mas, quando foge ao controle, pode nos prejudicar de duas maneiras importantes: 1) impedindo-nos de “fazer uma leitura saudável da vida e dos fatos” e 2) “privando-nos profundamente da capacidade de ação e tomada de escolhas”.

Uma parcela mais elitista da população foi além do simples medo. Algumas pessoas passaram a desenvolver um tipo de culto inconsciente à covid-19. Foram apelidadas de “coronalovers” nas redes sociais. A pandemia serviu para que projetassem alguns sonhos ocultos e revelassem suas reais condições psicológicas.

1) Imaturidade A geração “floco de neve” está assumindo seu papel na sociedade, o de se esconder debaixo da cama e esperar a chuva passar. O sociólogo britânico Frank Furedi, autor de A Cultura do Medo, define muito bem a situação: “Vivemos numa cultura em que o medo está sempre no ar. Somos avisados a todo momento: não seja um herói. Não se permite mais que crianças saiam de casa para brincar. Toda alegria e aventura que existe em brincar fora de casa, onde as crianças começam a aprender sobre suas forças e fraquezas e interagir umas com as outras, já não é possível sem a supervisão de adultos. Que tipo de mensagem estamos passando aos jovens quando eles imaginam que qualquer pessoa acima dos 17 ou 18 anos é uma ameaça em potencial à sua vida?”. Para essa turma snow flake, a pandemia se tornou uma capa para a falta de coragem e de vontade. A ameaça da covid serviu para camuflar o vazio de quem foi criado nessa redoma emocional de privilégios e justificativas rasas. Mas a grande maioria dos jovens brasileiros teve de frequentar ônibus lotados, rezando para não perder o emprego. Para esses, o fantasma da covid ficou de um tamanho mais próximo ao real.

2) Ideologia — Coronalovers, em geral, definem-se “de esquerda”. E a esquerda, especialmente a brasileira, imagina o socialismo como um regime no qual ninguém precisa trabalhar, pois o Estado dá tudo aquilo de que a gente precisa. É a imaginária fábrica estatal de leite e mel que nunca acabam, alimentada pela magia das boas intenções. Mas o Brasil real continua capitalista. E o capitalismo só cresce e distribui riqueza na insegurança do risco e do esforço individual. Prossegue Frank Furedi: “‘Risco’ se tornou sinônimo de perigo. Em outros tempos, as pessoas se arriscavam, sorriam e comemoravam ter-se arriscado, como uma maneira de ganhar maturidade. Hoje, arriscar-se é quase sempre associado a um ato de irresponsabilidade”. A pandemia despertou essa fantasia insustentável — a de um país inteiro em casa, de pijamão, assistindo a filmes no streaming, ganhando ajuda emergencial ou salário em troca de nada, só se levantando do sofá para gritar na janela “Bolsonaro genocida” nos momentos combinados pelo Instagram. É uma fantasia frágil, parte de uma estratégia política tosca que poderá enfrentar momentos difíceis quando a pandemia estiver sob controle.

A covid-19 continua solta, é perigosa, e as medidas básicas para que seja controlada devem continuar sendo levadas a sério. É uma doença que pode matar ou deixar sequelas graves. 
Mas sentir pavor paralisante de um vírus justificava-se na miséria abjeta de 1350, durante a peste negra (que também se originou na China e durou quatro anos). Agora o medo não pode ter o mesmo tamanho. Temos o que não havia na Idade Média: ambulâncias, respiradores, antibióticos, comunicação instantânea, redes de médicos e hospitais, máscaras cirúrgicas, laboratórios, anestésicos, equipamentos para avaliação clínica. Mortes por covid ocorrem, como também ocorrem em acidentes, nos crimes e nas doenças ainda sem cura. Mas não temos mais cadáveres em decomposição empilhados no meio da rua ou fome generalizada como nos tempos medievais. No conforto do século 21, esse apego exagerado ao medo não mais se justifica.

Não se trata aqui de enviar adolescentes para lutar contra a máquina nazista na 2ª Guerra. Ou de arriscar a vida combatendo um surto de ebola no coração da África. Ou de se alistar na primeira onda de colonização de Marte. Contra a covid-19, nossas lutas e vitórias serão bem mais simples: voltar a abraçar nossos amigos e parentes, comer um pastel na feira, torcer por nosso time num estádio de futebol, dançar numa festa. Para que essas coisas voltem a acontecer um dia, temos de nos vacinar contra o medo antes mesmo de vencer o vírus.

Leia também “O novo totalitarismo”

Revista Oeste

 

 


quarta-feira, 14 de julho de 2021

Prêmio e risco - Alon Feuerwerker

Análise Política

Quando o foco da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 foi atraído para o irresistível tema da corrupção, ela visualizou um prêmio e potencializou um risco. O prêmio: eventualmente tatuar no governo e no presidente da República a pecha de autores de malversações. O risco: abandonar o filão principal das investigações, que visava (visa) conectar um eventual atraso na vacinação ao expressivo número de mortos pela ação do SARS-CoV-2 no Brasil.

Neste segundo caminho, a CPI topou logo de cara com o andamento aparentemente burocrático verificado nas negociações com a Pfizer e na visível falta de empenho, e mesmo na resistência, diante da CoronaVac. Por algum motivo, a comissão vem deixando de lado o inexplicável tratamento que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem dado à Sputnik V. De todo modo, não faltavam pontos de apoio para a construção de um relatório incisivo, ainda que não definitivo. Pois CPIs encaminham suas conclusões ao Ministério Público, que pode decidir investigar mais.

Já o terreno da investigação de corrupção é mais complicado. O risco visível é a comissão ter dado a largada como um exército em Blitzkrieg mas acabar atolando no terreno duvidoso da falta de provas sobre o que se deseja provar. Ainda que a legislação brasileira ofereça fartos instrumentos para qualquer um ser acusado de corrupção mesmo sem ter havido ato concreto. Aqui, a intenção parece bastar. E intenção, se é difícil de provar, é relativamente simples de apontar.

CPIs em ambiente altamente tóxico, como o de agora, têm seu roteiro traçado na largada. E seus trabalhos seguem como uma caça à raposa. Neste momento, a raposa (o governo) ainda mostra razoável fôlego. No assunto Covaxin, por exemplo, falta até agora aparecer alguma evidência que sustente acusações mais sérias. Daí a fixação, por enquanto, na possível prevaricação presidencial.

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


quinta-feira, 17 de junho de 2021

Conta-gotas - Alon Feuerwerker

 Análise Política

E a Agência Nacional de Vigilância Sanitária continua liberando a vacinação com a Sputnik V, mas a conta-gotas (leia). Método que não foi aplicado a nenhuma outra vacina. Pode-se argumentar que é por razões de segurança. Mas aí aparece um problema: se a vacina é segura, por que não liberar de vez como as demais, e se não é segura, por que não simplesmente vetar?

É legítimo que o leigo olhe isso e deduza estar o Brasil imerso num ambiente irracional. Mas o caso da Sputnik V é um ponto fora da curva, até neste nosso bizarro ecossistema. Precisamos de vacinas. Urgentemente. A velocidade da vacinação parece ser a variável decisiva no combate à propagação entre nós do SARS-CoV-2. Ainda mais agora com as novas cepas, mais transmissíveis. E ao que assistimos?

Assistimos a um jogo de empurra. Em vez de um esforço nacional coordenado para trazer todas as vacinas disponíveis, e o mais rápido que der, ficam uns e outros criando problema com a vacina alheia. A Anvisa é teoricamente um órgão mais técnico que político. A Sputnik V, ao contrário de outras, até agora não deu problema em lugar nenhum. A conclusão deveria ser lógica. [um comentário: Nada contra os russos - o comunismo deles é mais inofensivo do que adotado pela maldita esquerda do Brasil;  aliás, se tivéssemos que escolher entre o esquerdista presidente dos Estados Unidos e o Putin, ficaríamos com o Putin - o esquerdista americano e sua vice, formam uma dupla que é o resultado do cruzamento de satanás com belzebu; 
o que complica a liberação pretendida pela Sputinik V é que seus fabricantes  ainda não apresentaram TODA a documentação exigida pela ANVISA de TODAS as farmacêuticas que pretendem liberação da vacina por elas fabricadas.
Quanto ao desconhecimento de eventuais problemas havidos com o imunizante russo, a divulgação de eventuais incidentes na utilização do vacina russa não é estimulada pelos seus fabricantes.]  
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

terça-feira, 15 de junho de 2021

Variantes do coronavírus: quem são e como se comportam - Medicina

Apesar de terem mutações diferentes, elas guardam semelhanças, como maior capacidade de transmissão da Covid-19. Por enquanto, as vacinas funcionam 

Toda vez que um vírus faz suas cópias nas células humanas, está sujeito a erros que levam a mutações no código genético. No caso do coronavírus, essas mudanças estão sendo acompanhadas praticamente em tempo real. Quando um grupo de descendentes (ou uma linhagem, em termos técnicos) do Sars-CoV-2 reúne mutações distintas em comum, passa a ser chamado de variante.

É natural que isso aconteça, mas as notícias de novas variantes preocupam, deixando dúvidas sobre seu real impacto no curso da pandemia de Covid-19. A mais recente é a Delta, detectada pela primeira vez na Índia, mas já disseminada em outros países. incluindo o Brasil. Para ter ideia, ela foi responsável por um aumento de casos no Reino Unido.

Antes de entrar em detalhes sobre as principais variantes, vale esclarecer que a Organização Mundial de Saúde (OMS) mudou a nomenclatura para facilitar a identificação e reduzir estigmas geográficos. Agora elas se chamam assim:
Variante Alfa: a antiga B.1.1.7, identificada no Reino Unido.
Variante Beta: a antiga B.1.351, identificada na África do Sul.
Variante Gama: a antiga P.1, identificada no Brasil.
Variante Delta: a antiga B.1.617.2, identificada na Índia.

A ideia é seguir o alfabeto grego conforme novas cepas sejam identificadas. Essas que destacamos são as chamadas variantes de preocupação (VOCs, na sigla para o termo em inglês variants of concern), assim classificadas pela OMS porque há evidências de que são mais transmissíveis, podem escapar da imunidade adquirida (via vacina ou infecção natural) e/ou provocar versões mais graves da Covid-19.

Existem ainda as variantes de interesse, que são observadas de perto, mas ainda não ganharam o status de alarmantes. Nessa lista, por enquanto, há seis tipos. Mas vamos a um perfil das variantes de preocupação:
Alfa (antiga B.1.1.7)
Quem é:
A primeira variante de preocupação, anteriormente chamada de B.1.1.7. Surgiu no Reino Unido em setembro de 2020. Mutações: São 22 ao todo, entre as que alteram ou não a estrutura do vírus. As principais estão na espícula, a proteína que recobre o vírus. Uma das mais famosas é a mutação N501Y, que intensifica a ligação entre o vírus e as células humanas.
Comportamento: Transmissibilidade entre 30 e 50% maior do que as linhagens anteriores. Alguns trabalhos apontam para possível aumento no risco de hospitalização e maior mortalidade, mas isso ainda não está confirmado.
Resposta às vacinas: Vacinas funcionam normalmente contra ela. Isso é evidenciado por estudos de neutralização de anticorpos e, principalmente, por meio da observação do que houve nos países onde ela se tornou predominante. Os casos seguem caindo com o avanço da imunização a despeito de sua presença.
Situação epidemiológica: Ela foi a responsável pela segunda onda da pandemia que atacou os países do Reino Unido e boa parte da Europa no início do ano, até atravessar o Atlântico e virar a maior responsável por novos casos nos Estados Unidos. Chegou ao Brasil, mas encontrou aqui uma concorrente e tanto, a variante Gama. Chegaremos lá.

Beta (antiga B.1.351)

Quem é: A variante identificada em dezembro de 2020 na África do Sul.
Mutações: Têm alterações em comum com a Alfa, com destaque para a N501Y. Ainda carrega outras duas, na ponta da espícula, que chamam atenção: K417N, com o mesmo efeito de estimular a ligação nas células humanas, e E484K, que poderia ajudar o vírus a escapar dos anticorpos.

Comportamento: Mais transmissível, mas não tanto quanto a Alfa. É investigada por um aumento de mortalidade em indivíduos já hospitalizados, fato ainda não confirmado. A principal preocupação em relação a ela é o escape da resposta imune, que pode elevar a possibilidade de reinfecção e prejudicar a ação das vacinas.

Resposta às vacinas: As vacinas Ad26.COV 2.5, da Janssen, e Comirnaty, da Pfizer, mantêm sua proteção, em especial para casos severos e moderados de Covid-19 causada pela Beta. Mas há indícios de que a Covishield, da AstraZeneca, não funcione frente a essa variante, o que fez a África do Sul suspender seu uso.

Situação epidemiológica: Alcançou Estados Unidos, Canadá e outros 58 países. O primeiro caso brasileiro foi detectado em abril, graças à rede de vigilância genômica instalada no interior paulista, coordenada pelo Instituto Butantan.

Gama (a famosa P.1)
Quem é: Trata-se da variante descoberta no fim do ano passado em japoneses que voltavam do Amazonas.

Mutações: É muito parecida com a Beta, carregando as mesmas mutações principais na espícula do vírus.

Comportamento: Mais transmissível, tanto que devastou o país entre março e abril e ainda está fazendo estragos. Estudos apontam uma taxa de ataque (quantas pessoas um indivíduo doente infecta) semelhante à da variante Alfa, entre 1,6 e 1,4, ante 0,8 do Sars-CoV-2 “original”. Pode escapar dos anticorpos adquiridos em contatos anteriores com outras linhagens do vírus. A redução da ação deles é considerada moderada, mas já abre caminho para a reinfecção.

Agora, a questão da severidade é um mistério. Dados até apontam que ela pode, sim, ser mais letal e aumentar o risco de internação, mas não dá para saber se é culpa da variante ou de outros fatores.  “Tivemos 70% dos óbitos da pandemia no país nos últimos meses, com a predominância da Gama, mas isso pode ter acontecido mais por conta da combinação de alta transmissibilidade e baixa adesão às medidas restritivas, que permite que mais gente se contamine”, aponta o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona Ômica, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI).

Resposta às vacinas: Pesquisas indicam que a Coronavac, do Butantan, manteve sua capacidade de proteção em locais onde a Gama já estava disseminada. A Fiocruz anunciou que a Covishield (AstraZeneca) também faz frente à mutante. Ensaios de neutralização (quando os anticorpos são testados in vitro), trazem ainda resultados positivos da Comirnaty (Pfizer), que devem se confirmar no mundo real.

Situação epidemiológica: Calcula-se que seja responsável por nove em cada dez casos de Covid-19 no país. Suas características fazem com que ela até agora vença a concorrência, tanto que ainda não tivemos uma grande penetração das variantes importadas.

Delta (anteriormente B.1.617.2)
Quem é: Detectada em outubro de 2020 na Índia, foi rotulada como variante de preocupação recentemente, em maio.

Mutações: Mais de uma dúzia, mas duas estão no centro das atenções. A E484Q, alteração semelhante à notada nas variantes Beta e Gama, que poderia ajudar o vírus a escapar dos anticorpos; e a L452R, também ligada à resposta imune.

Comportamento: Parece ser a mais contagiosa até agora. Estima-se que ela seja entre 40 e 60% mais transmissível do que a Alfa, tanto que acabou provocando surtos onde esta já era predominante, como o Reino Unido, o que motivou alertas do governo britânico. Um possível risco maior de hospitalizações está em investigação, mas ainda não foi confirmado.

Resposta às vacinas: Estudos mostram redução importante na ação de anticorpos neutralizantes com apenas uma dose das vacinas de Pfizer e AstraZeneca. Com duas doses, porém, a proteção se mantém. Outra pesquisa, do governo do Reino Unido, mostra que elas são altamente eficazes em reduzir hospitalizações mesmo frente a essa nova inimiga: 96% de proteção para Pfizer e 92% para AstraZeneca.

Situação epidemiológica: Se tornou a mais prevalente da Índia enquanto o país vivia uma devastadora segunda onda. Está sendo associada a um aumento de casos no Reino Unido, que já estava em plena reabertura de comércios e serviços. No Brasil, foram confirmados casos no Maranhão e no Paraná.

O que as variantes nos dizem
Primeiro, que as mutações são relativamente poucas, considerando o tamanho do código genético do vírus. “Ele possui uma enzima que corrige erros na hora da replicação. As variantes mais diferentes apresentam 22 nucleotídeos [pares de bases moleculares que formam o RNA viral] alterados entre 30 mil”, ensina Spilki.

O virologista gaúcho vê semelhanças entre a situação atual e a pandemia de influenza, o causador da gripe, em 2009. Primeiro, tivemos o surgimento da nova cepa H1N1, com um primeiro ano de disseminação de um vírus com genoma praticamente inalterado, seguido por um segundo ano com maior diversidade, e depois uma estabilização dos novos casos em um patamar mais aceitável”, comenta.

Outro achado interessante é que as variantes, apesar de surgirem em vários cantos do mundo, guardam semelhanças em comportamento, sugerindo uma tendência de convergência evolutiva. As mutações mais importantes ocorrem nas mesmas regiões da espícula e, na prática, parecem ter os mesmos efeitos.

Para explicar o que isso significa, Spilki faz uma analogia com pássaros que vivem em ilhas diferentes, mas se alimentam da mesma minhoca. “É como se todos fossem se adaptando para ficarem com o bico cada vez mais parecido e melhor, embora possam haver pequenas mudanças na plumagem ou no tamanho dos animais”, compara.

A convergência traz más e boas notícias. Por um lado, sugere que de fato pode ocorrer uma pequena diminuição na resposta à vacina. Por outro, mostra que é possível identificar as mutações mais consistentes e adaptar as doses a todas de uma vez. Para isso, é fundamental manter a vigilância genômica.

E vale um último recado. Embora os imunizantes ainda funcionem, quando o vírus segue em livre circulação, como no Brasil, corremos o risco de ver novas mutações surgirem, não só atingindo com mais gravidade quem ainda está suscetível, como colocando em risco inclusive os vacinados. Estamos correndo contra o tempo.

Saúde - Chloé Pinheiro - VEJA


quinta-feira, 27 de maio de 2021

O novo coronavírus escapou do laboratório? As evidências que reforçam esta hipótese

Pandemia - VOZES - Gazeta do Povo

 A pandemia da Covid-19 abalou vidas ao redor do mundo por mais de um ano. Suas vítimas fatais atingiram mais de três milhões. Contudo, a origem da pandemia continua incerta: os compromissos políticos de governos e cientistas geraram nuvens densas de ofuscação que a imprensa tradicional parece incapaz de dissipar. No texto que se segue, organizarei os fatos científicos disponíveis, que contêm muitas pistas do que aconteceu, e fornecerei aos leitores as evidências para que tirem as próprias conclusões. Tentarei então avaliar a questão complexa da culpa, que começa com o governo da China, mas vai bem além dele.

Até o fim deste artigo, você poderá ter aprendido bastante sobre a biologia molecular dos vírus. Tentarei fazer esse processo tão confortável quanto possível. Mas não se pode evitar a ciência a respeito agora, e provavelmente por muito tempo, uma vez que ela oferece o único fio através do labirinto. O vírus que causou a pandemia é chamado oficialmente de SARS-CoV-2, mas pode ser chamado abreviadamente de SARS2. Como muitas pessoas sabem, há duas principais teorias sobre as suas origens.
Uma é que ele saltou naturalmente de animais silvestres para as pessoas. 
A outra é que o vírus estava sob estudo em um laboratório do qual escapou. É muito importante saber qual delas é o caso, se esperamos prevenir uma segunda ocorrência.

Descreverei as duas teorias, explicarei por que cada uma é plausível, e então perguntarei qual delas dá a melhor explicação para os fatos disponíveis. É importante notar que, até agora, não há evidência direta para nenhuma das teorias. Cada uma delas depende de um conjunto de conjecturas razoáveis, mas até o momento não está provada. Portanto, só tenho pistas, não conclusões, para oferecer. Mas essas pistas apontam numa direção específica. E, após inferir essa direção, delinearei alguns dos fios nessa meada embaraçada de desastres.

Um conto de duas teorias
Depois que houve o primeiro surto da pandemia em dezembro de 2019, as autoridades chinesas relataram que muitos casos tinham ocorrido no mercado de Huanan — um lugar que vende animais silvestres para consumo da carne — em Wuhan. Para os especialistas isso lembrou a epidemia de SARS1 de 2002 , na qual um vírus de morcego se espalhara primeiro para civetas, um mamífero vendido nesse tipo de mercado, e das civetas para humanos. Um vírus de morcego similar causou uma segunda epidemia, conhecida como MERS, em 2012. Dessa vez, os hospedeiros intermediários eram camelos.

A decodificação do genoma do vírus mostrou que ele pertence a uma família viral conhecida como a dos beta-coronavírus, à qual os vírus SARS1 e MERS também pertencem. O parentesco entre eles apoiou a ideia de que, como os outros, o SARS2 era um vírus natural que conseguira saltar dos morcegos para outro hospedeiro e dele para humanos. A conexão com o mercado de carnes, o único outro ponto de similaridade com as epidemias de SARS1 e MERS, logo foi quebrada: os pesquisadores chineses descobriram casos anteriores em Wuhan sem ligação ao mercado. Mas isso não parecia importar, logo, esperava-se, muitas outras evidências apoiando a emergência natural seriam encontradas.

Wuhan, no entanto, é onde fica a sede do Instituto de Virologia de Wuhan, um centro mundial de pesquisa de ponta para a pesquisa em coronavírus. Então, a possibilidade de que o vírus SARS2 escapara do laboratório não poderia ser descartada. Tínhamos na mesa dois cenários razoáveis de origem. Desde o começo, as percepções do público e da mídia foram moldadas a favor do cenário de emergência natural por declarações fortes dadas por dois grupos científicos. Essas declarações não foram examinadas de uma forma tão crítica como deveriam ter sido.
“Estamos unidos para condenar veementemente as teorias da conspiração que sugerem que a COVID-19 não tem uma origem natural”, um grupo de virologistas e outros escreveram na Lancet em 19 de fevereiro de 2020, quando era muito cedo para qualquer um ter convicções sobre o que tinha acontecido. Cientistas “concluem em maioria absoluta que este coronavírus se originou entre animais silvestres”, disseram eles, com um sinal de alerta e um chamado para que os leitores apoiassem os colegas chineses na linha de frente contra a doença.

Ao contrário do que alegam os autores da carta, a ideia de que o vírus pode ter escapado de um laboratório envolve acidente, não conspiração. Certamente merecia ser explorada, não rejeitada sumariamente. Uma marca definidora de bons cientistas é que estão dispostos a um grande esforço para distinguir entre o que eles sabem do que não sabem. Por esse critério, os signatários da carta da Lancet se comportaram como maus cientistas: estavam assegurando ao público que fatos sobre os quais não podiam saber com certeza eram verdadeiros.

Depois, descobriu-se que a carta da Lancet fora organizada e rascunhada pelo Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, de Nova York. A organização do dr. Daszak financiou pesquisa com coronavírus no Instituto de Virologia de Wuhan. Se o vírus SARS2 de fato escapou de pesquisa que ele financiou, o dr. Daszak seria potencialmente imputável. Esse grave conflito de interesses não foi revelado para os leitores da Lancet. Em vez disso, a carta concluiu com "Declaramos ausência de interesses em conflito".

Virologistas como o dr. Daszak tinham muito a perder se fossem culpados pela pandemia. Por 20 anos, na maior parte sem atenção do público, estiveram brincando com algo perigoso. Em seus laboratórios, tinham a rotina de criar vírus mais perigosos do que os que existem na natureza. Alegaram que poderiam fazê-lo de forma segura, e que, ao antecipar a natureza, poderiam prever e prevenir "transbordamentos" naturais, quando os vírus migram de um hospedeiro animal para humanos. Se o SARS2 realmente tivesse escapado de um experimento laboratorial desse tipo, uma retaliação violenta seria esperada, e a tempestade de indignação pública afetaria os virologistas em toda parte, não apenas na China. "Desmoronaria o edifício científico de cima para baixo", disse Antonio Regalado, editor da MIT Technology Review, em março de 2020.

Uma segunda declaração que teve enorme influência em moldar as atitudes do público foi uma carta (em outras palavras, um artigo de opinião, não um artigo científico) publicada em 17 de março de 2020 na revista Nature Medicine. Seus autores eram um grupo de virologistas liderados por Kristian G. Andersen, do Instituto de Pesquisa Scripps. “Nossas análises mostram claramente que o SARS-CoV-2 não é um constructo laboratorial ou um vírus manipulado de propósito”, os cinco virologistas declararam no segundo parágrafo de sua carta.

(...)


A seção de discussão de sua carta começa com “É improvável que o SARS-CoV-2 tenha emergido através de manipulação laboratorial de um coronavírus similar a ele”. Mas espere, o líder não tinha dito que o vírus claramente não foi manipulado? O grau de certeza dos autores parece ter derrapado em vários graus no tocante à exposição do seu raciocínio.  A razão para a derrapagem é clara, uma vez que a linguagem técnica tenha sido penetrada. As duas razões que os autores dão para supor que a manipulação é improvável são definitivamente inconclusivas.

Primeira: dizem que a proteína de espícula do SARS2 faz uma ligação muito forte com o seu alvo, o receptor humano ACE2, mas faz de uma forma diferente da que os cálculos físicos sugerem que é o melhor encaixe. Portanto, o vírus deve ter surgido pela seleção natural, não pela manipulação.  Se esse argumento parece difícil de entender, é porque é muito forçado. O pressuposto básico dos autores, não dado por extenso, é que qualquer pessoa que tente fazer um vírus de morcego se ligar a células humanas poderia fazê-lo só de um jeito. Primeiro, calcularia o encaixe mais forte possível entre o receptor ACE2 humano e a proteína de espícula, com a qual o vírus se liga a ele. Depois projetariam a proteína de espícula com base nisso (selecionando a sequência correta de resíduos de aminoácidos que a compõem). Mas, já que a proteína de espícula do SARS2 não apresenta essa configuração ótima, diz o artigo de Andersen, ela não pode ter sido manipulada.

(...)


O vírus SHC014-CoV/SARS1 é chamado de quimera, pois o seu genoma contém o material genético de duas cepas de vírus. Se o vírus SARS2 tiver sido cozinhado no laboratório da dra. Shi, então o seu protótipo direto teria sido a quimera viral SHC014-CoV/SARS1, cujo perigo em potencial preocupou muitos observadores e provocou debates intensos. “Se o vírus escapuliu, ninguém poderia prever a trajetória”, disse Simon Wain-Hobson, virologista do Instituto Pasteur em Paris.


(...)
1) O lugar de origem

Comecemos com a geografia. Os dois parentes mais próximos conhecidos do vírus SARS2 foram coletados de morcegos das cavernas de Yunnan, uma província do sul da China. Se o vírus SARS2 tivesse infectado primeiro as pessoas vivendo ao redor das cavernas de Yunnan, isso seria um apoio forte à ideia de que o vírus transbordou para humanos de forma natural. Mas não foi o que aconteceu. A pandemia eclodiu a 1.500 km de distância, em Wuhan.

Os beta-coronavírus, a família de vírus de morcego ao qual pertence o SARS2, infectam o morcego nariz-de-ferradura Rhinolophus affinis, que se distribui pelo sul da China. O território dos morcegos é de 50 km, então é improvável que qualquer um deles tenha voado até Wuhan. De qualquer forma, os primeiros casos da pandemia da Covid-19 provavelmente ocorreram em setembro, quando as temperaturas da província de Hubei já estão frias o suficiente para os morcegos estarem hibernando.

MATÉRIA COMPLETA - Nicholas Wade, Ideias - Gazeta do Povo

 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Cientistas identificam proteínas ligadas aos casos graves de covid-19

Cientistas dos EUA identificam mais de 250 moléculas associadas à piora da infecção pelo Sars-CoV-2. Algumas têm concentrações distintas no corpo em caso de morte do paciente ou de cura da doença. Descoberta pode ajudar a melhorar as opções terapêuticas

Idade e comorbidades são fatores de risco conhecidos da covid grave. Porém, o que intriga médicos é por que pessoas com as mesmas condições de saúde têm desfechos tão diferentes. Ao buscar essa resposta, pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts (HGM), nos EUA, descobriram um grupo de 250 proteínas circulando no organismo de pacientes com a forma severa da doença. Em um estudo publicado na revista Cell Reports Medicine, a equipe, liderada pela especialista em doenças infecciosas Marcia Goldberg, defende que esses marcadores podem ser alvo de terapias que evitem os danos a órgãos vitais que levam à morte por Sars-CoV-2.

“Nosso interesse era saber se poderíamos identificar os mecanismos que podem estar contribuindo para a morte em covid-19”, diz Goldberg, autora sênior do estudo. Para tanto, a equipe do HGM usou a abordagem da proteômica, a análise de toda a composição da proteína de uma célula, um tecido ou um organismo. Os pesquisadores aplicaram a técnica em amostras de sangue de pacientes que deram entrada no pronto-socorro do hospital com sintomas respiratórios compatíveis com os da covid-19. No total, foram 306 coletas de pacientes com teste positivo para a doença e de 78 com sintomas semelhantes, mas resultado negativo para a infecção pelo novo coronavírus.

Em seguida, Arnav Mehta, pesquisador de pós-doutorado no Broad Institute da Universidade de Harvard, fez a interpretação dos dados produzidos pela análise proteômica. O estudo demonstrou que a maioria dos pacientes com covid-19 tem uma assinatura consistente de proteína, independentemente da gravidade da doença — como seria de se esperar, seus organismos deflagram uma resposta imunológica ao produzir proteínas que atacam o vírus. “Mas também encontramos um pequeno subconjunto de pacientes com a doença que não demonstraram a resposta proinflamatória típica de outras pessoas com covid-19”, diz Goldberg. Esses pacientes, porém, tinham a mesma probabilidade de sofrer a condição grave da doença. Ele observa que as pessoas nesse subconjunto tendiam a ser mais velhas e com doenças crônicas, indícios de que, provavelmente, tinham o sistema imunológico enfraquecido.

Trajetória
A próxima etapa foi comparar as assinaturas de proteínas de pacientes com doença grave (definida como aqueles que necessitaram de intubação ou que morreram dentro de 28 dias de admissão hospitalar) com casos menos graves. A comparação permitiu aos pesquisadores identificar mais de 250 proteínas associadas à severidade da doença, com amostras coletadas dos pacientes em três momentos (quando foram internados, três e sete dias depois). “Isso nos permitiu olhar a trajetória da doença”, afirma Mehta, em nota. Entre outras descobertas, a análise mostrou que a proteína associada à gravidade mais prevalente, uma proteína proinflamatória chamada interleucina-6, ou IL-6, aumentou de forma constante em pacientes que morreram, enquanto aumentou e, depois, diminuiu naqueles com doença grave que sobreviveram.

As primeiras tentativas de cientistas para tratar pacientes com covid-19 que desenvolveram dificuldade respiratória aguda com medicamentos que bloqueiam a IL-6 foram decepcionantes, lembra Goldberg. Porém, estudos mais recentes se mostraram promissores na combinação desses medicamentos com o esteroide dexametasona.

Os pesquisadores observam que muitas das outras proteínas associadas à gravidade que a análise identificou são, provavelmente, importantes para entender por que apenas uma parte de pacientes de covid-19 evolui para casos graves. Aprender como a doença afeta os pulmões, o coração e outros órgãos é essencial, afirmam, e a análise proteômica do sangue é um método relativamente fácil para obter essa informação. Goldberg acredita que as assinaturas proteômicas identificadas no estudo conseguirão explicar os diferentes prognósticos dos pacientes. “Elas serão úteis para descobrirmos alguns dos mecanismos subjacentes que levam à doença grave e morte na covid-19”, diz.

Melhor compreensão

Precisamos entender as diferenças entre as pessoas que morrem de covid-19 e as que têm apenas um caso leve da doença. Temos de saber como as proteínas do vírus estão interagindo com as células humanas e o que podemos fazer a respeito. Não faltam terapêuticas possíveis, o que precisamos é obter uma melhor compreensão de como os genes do vírus se comportam e como essa atuação afeta as células humanas.”

Jack Chen, pesquisador de bioinformática da Universidade do Alabama, que está desenvolvendo um banco de dados genéticos do Sars-CoV-2 e da interação do coronavírus com amostras de sangue de pacientes graves

Ciencia-e-saude - Correio Braziliense

 

sábado, 1 de maio de 2021

Será a economia? - Alon Feuerwerker

Análise Política

Os leilões de concessão na infraestrutura, federal e em estados, caminham bem, a alta do dólar deu uma aliviada nos últimos tempos e a Bolsa navega pelo dobro do ponto a que mergulhara um ano atrás. 
Os números de criação de empregos formais, os do Caged, são positivos e o resultado das grandes empresas no primeiro trimestre veio bastante bom.

Do outro lado, há dois dígitos de milhões de desempregados, uma segunda onda inclemente da Covid-19 e uma vacinação que caminha, mas ainda bem abaixo da cobertura necessária para, por exemplo, evitar uma possível terceira onda. E o termômetro político mostra altas temperaturas, elevadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado sobre a pandemia.

Na economia, resta pouca dúvida de que o setor exportador já se beneficia do forte ritmo de recuperação dos Estados Unidos (graças à vacinação) e da China (graças ao rápido controle da difusão do SARS-CoV-2). E o dólar num nível relativamente bom ajuda na substituição de importações, apesar de atrapalhar na importação de bens de capital.

Mas, e a resultante? As previsões mais frequentes para o curtíssimo prazo na economia brasileira são de certa retração combinada com alguma inflação. Esta segunda variável leva o Banco Central a aumentar a taxa básica de juros de maneira até algo agressiva. Tem margem para isso, porque o juro real andava, e ainda anda, bem negativo.Se o BC vai acertar a mão, fazer a inflação convergir para a meta sem estender o período de recuo econômico, o futuro dirá. Outra coisa que o futuro vai dizer é se uma eventual recuperação econômica daqui até o final do ano vai conseguir mexer para baixo nos crônicos e altos números do desemprego. Que, sabemos, será um ponto apetitoso no debate de 2022.

Ainda sobre a economia, outra dúvida é o que a oposição de esquerda vai dizer no próximo ano. Se vai tentar replicar o Plano (do Joe) Biden e sugerir o enfrentamento crise por meio principalmente do endividamento e investimento públicos, ou vai novamente guinar ao dito centro e assumir os compromissos de continuidade habituais em anos eleitorais. É razoável supor que muita coisa vai depender dos números. Se em meados de 2022 a economia estiver em recuperação, mesmo que lenta, o desemprego em queda, mesmo que suave, e o governo dizendo que enfrentou “a pior crise”, com a pandemia, é possível que a oposição tenha de mudar de assunto. Talvez não venha a ser “a economia, estúpido”.

Grande chance de ser "a pandemia, estúpido". Mas como estará ela daqui a um ano e meio? Será que ainda vai sensibilizar? Foi em algum grau o que aconteceu na eleição americana. Pouco se debateram os temas econômicos. A frente ampla antitrumpista formou-se com base na rejeição pessoal ao próprio Donald Trump, nas agudas tensões raciais desencadeadas pela morte de George Floyd e no enfrentamento da Covid. E deu certo para Biden. Ele está na Casa Branca e Trump voltou para a Flórida.

Pipocam teorias sobre a necessidade e a conveniência de um “Biden brasileiro”. Muita gente, até gente bem apetrechada para a eleição, quer ser. Nos aspectos não propriamente econômicos vai ser fácil de mimetizar, pois a agenda liberal americana está na ofensiva ideológica entre nós, e em todo o mundo. Mas, e na economia? Alguém vai arriscar?

Alon Feuerwerker, jornalista e analista politico 

Clique e leia, o argumento Anvisa

 


domingo, 4 de abril de 2021

Projeções - Alon Feuerwerker

Análise Política

E o Brasil chegou a 10% da população adulta vacinada com pelo menos uma dose do imunizante contra o SARS-CoV-2. É pouco perto do número necessário para atingir a imunidade de rebanho, mas não deixa de ser um dado reconfortante para quem foi vacinado, suas famílias e amigos.


Do outro lado da moeda, nunca tivemos tantos casos, internações, pacientes em UTIs, mortos. Números trágicos da segunda onda de Covid-19. Mas, se a vacinação continuar pelo menos no ritmo atual, é possível que daqui a poucos meses estejamos assistindo ao despencar dessas curvas.

Segundo acompanhamento de instituições do mercado financeiro, há uma possibilidade real de todos com mais de 50 anos que desejem se vacinar terem tomado pelo menos uma dose até o final de abril. E até o final de setembro todos com mais de 20 anos.

Se essa projeção otimista realizar-se, e tomara que se realize, além das vidas salvas - sempre o mais importante - teríamos números fortes da economia no terceiro trimestre deste ano. Uma necessidade, diante do alto desemprego (leia), mesmo com os bons números do Caged (leia).

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

domingo, 21 de março de 2021

Segunda, terceira - Alon Feuerwerker

Análise Política 

Depois da segunda onda vem a terceira? Isso aconteceu, por exemplo, na Gripe Espanhola. E ali a mais mortífera foi a segunda. Agora, a Europa parece às voltas com o recrudescimento das infecções pelo SARS-CoV-2, uma terceira onda que preocupa as autoridades sanitárias (leia).

Também porque o ritmo da vacinação no Velho Continente deu uma engasgada, por causa das dúvidas sobre a vacina de preferência deles, a Oxford/AstraZeneca. Houve relatos de complicações após a administração, ela foi interrompida em diversos países mas agora parece que vai ser retomada.

Lá, como cá, a disputa se dá em torno de apertar e estender, ou não, as medidas de isolamento social. Mas ali preservou-se um grau bom de coordenação entre governos e países. Se acertarem, a chance de todos acertarem juntos é grande. Igualmente se errarem.

Por aqui, a turbulência federativa vai firme. Um exemplo insólito é a divergência entre o governador de São Paulo e o prefeito da capital, aliados e ambos do mesmo partido, sobre o feriado prolongado que a prefeitura determinou (leia). E assim caminha o Brasil. Tomara que a vacinação acelere logo.[a divergência só prospera devido a falta de uma coordenação central, de um comando central, que prevalecesse sobre estados e municípios =  Poder Executivo Federal. O STF concedeu autonomia aos estados e municípios = quem tem autonomia pode tomar decisões conforme achar conveniente.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

sábado, 6 de março de 2021

O colapso - Revista Época

Monica de Bolle

Estamos prestes a viver outra ruptura, essa muito pior do que a primeira. Da ruptura iminente talvez tenhamos convulsões sociais e políticas. Viveremos a tragédia em outro patamar

A economia brasileira colapsou em 2020, já me apresso a dizer. O PIB não reflete as mortes, o sofrimento de quem teve sequelas de Covid-19, que talvez tenha ficado debilitado e não possa retornar ao mercado de trabalho. O PIB não reflete as marcas que permanecerão depois de tantos óbitos, apesar de um sistema de saúde que, mesmo subfinanciado, tentou dar conta daa que ações e omissões intencionais do governo federal deram uma dimensão que não imaginaríamos um ano atrás. O PIB reflete o apoio à economia que o auxílio emergencial representou. Ele mostra que o auxílio foi um dinheiro da sociedade empregado em seu próprio proveito, apesar do atual governo antibrasileiro. Sem ele, o “tombo”, como alguns se referem à recessão brutal, teria sido muito maior. Esse é o passado que se desdobra no presente. Mas e agora?

No presente estamos explorando as profundezas do colapso. De acordo com estudos já publicados e outro prestes a ser publicado em formato preprint pelo Observatório Covid-19 rede multidisciplinar de cientistas a qual integro —, a variante P1, que surgiu em Manaus ao final de 2020, é cerca [advérbio que justifica qualquer palpite e pode ser adaptado a realidade - o seu uso justifica qualquer excesso ou redução.]   de duas vezes e meia mais transmissível que as anteriores. Isso tem ao menos dois significados: a curva exponencial de contágios é muito mais agressiva e a disseminação é de magnitude mais elevada. Para que se tenha uma ideia, a P1 é duas vezes mais transmissível que a variante viral que pôs toda a Europa em lockdown ao final do ano passado. É provável que seja a propagação da P1 a responsável pelos colapsos hospitalares que temos visto no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Maranhão, no interior de São Paulo, além de em várias outras partes do país.

[quando  foi citado o observatório covid-19 e ser uma rede multidisciplinar de cientistas, entre eles a articulista, receamos a presença entre os cientistas de algum especialista em nada, cuja única função é a de arautos do pessimismo.
Só que a proposição do lockdown, especialmente em âmbito nacional, mostrou que estávamos errados: não tem apenas um que vai para a TV prever hoje o que aconteceu ontem, o cara de pau do especialista em nada, o observatório foi invadido, dominado pelos indivíduos citados.
Todos sabem, especialmente os cultores da ciência, que se lockdown resolvesse metade da Europa já estaria livre da praga.]

Diante dessa variação do vírus, a pandemia brasileira entrou em sua fase mais crítica desde que o sars-CoV-2 aterrissou no país em fevereiro do ano passado. Por esse motivo, o Brasil tem sido manchete dos principais jornais internacionais — como The Washington Post e The New York Times — desde o último fim de semana. Em entrevista ao jornal O GLOBO no último domingo, alertei para o perigo de que o Brasil se tornasse pária internacional, isolado do resto do mundo, devido à pandemia descontrolada e ao laboratório de mutações em que as ações e omissões do presidente da República [nota: ao presidente da República só cabe criticá-lo por eventuais ações, já que foi vedado de interferir no combate à covid-19 (vedação que o absorve de qualquer acusação de omissão)  - os prefeitos e governadores receberam um mandado de agir como lhes aprouvesse e não souberam cumprir.] e outros de nossos governantes nos transformaram. Somente as consequências disso para a economia já seriam alarmantes. E a elas somam-se outras: a população que não conta com o auxílio, as multinacionais que decidiram deixar o país, o desgoverno de Bolsonaro.

O que deveríamos estar fazendo agora? Primeiramente, um lockdown estrito, sobretudo nas localidades mais afetadas, onde os hospitais já carecem de leitos. Penso, inclusive, que o lockdown deveria ser decretado para o país inteiro, mas sei que isso é esperar demais de um país em que muitos ainda acreditam que saúde e economia não se misturam. Um ano não foi suficiente para que entendessem que o colapso da saúde é o colapso da economia, algo que tenho dito desde março do ano passado. A medida requer dar apoio material para que as pessoas a observem.

Traduzindo, não é possível instituir um lockdown sem que se tenha, ao mesmo tempo, a adoção do auxílio emergencial no valor de R$ 600, o custo de uma cesta básica. Diante da catástrofe anunciada, o término do auxílio só pode ser determinado pelos dados epidemiológicos, aqueles que poderiam indicar a reabertura gradual e lenta. Por fim, o Brasil deveria, sem esperar mais um minuto sequer, comprar doses de todas as vacinas disponíveis nas quantidades que puder. É urgente que se tenha vacinação e cobertura amplas para frear as cadeias de transmissão dessa variante para lá de alarmante. Escrevo ciente de que nada disso será feito, de que ninguém no governo entende a gravidade do que vamos atravessar e, se entende, prefere nada fazer, mas faço questão de deixar essas palavras no papel, para marcar o momento.

Estamos prestes a viver outra ruptura, essa muito pior do que a primeira. Da ruptura iminente talvez tenhamos convulsões sociais e políticas. Por certo teremos muitas mortes evitáveis. Viveremos a tragédia em outro patamar. O colapso não é único, não tem dimensão. O colapso tem tão somente o tamanho do descaso de um governante em relação à população, inclusive aquela que o elegeu.

Monicade Bolle, pesquisadora do Peterson Institute, Economics,  professora da Universidade Johns Hopkins


domingo, 7 de fevereiro de 2021

Um em cada cinco - Alon Feuerwerker

Análise Política

Exames laboratoriais em uma amostra populacional concluíram que quase um terço da cidade de São Paulo carrega anticorpos contra o SARS-CoV-2 (leia). Ou seja, já teve contato com o novo coronavírus. Acontece que o número de casos comprovados da Covid-19 na capital paulista é algo como 20% disso.

Portanto, a crer no levantamento, a testagem só captura um em cada cinco infectados. E é razoável supor que a esmagadora maioria dos que continuam incógnitos sejam assintomáticos. Um lado da moeda é que talvez se esteja testando pouco. O outro é que talvez nunca se venha a testar o suficiente.

E além dos que carregam anticorpos, dizem os cientistas, mais gente pode estar protegida, por mecanismos de defesa celular (leia). Bem, os dados do estudo e outros devem sempre ser relacionados às taxas de curvas e mortes (leia) para tentar entender sua real dimensão.

De todo jeito, e sendo otimista (e é sempre útil ter um pouco de otimismo), se a taxa de infectados Brasil afora não estiver tão longe assim dos números de São Paulo (capital), e se a vacinação ao longo dos próximos meses caminhar bem, talvez possamos certa hora falar em luz no fim do túnel. [o excelente artigo fortalece o nosso entendimento de que estamos próximos do alcance da 'imunidade de rebanho' - o incremento do número de casos e mortes  em dezembro e janeiro é consequência que vem desde os comícios final de outubro e todo novembro, que se soma as aglomerações das festas Natal e Ano Novo.
Continuamos contrários ao fecha tudo - política burra e ineficaz - mas o bom senso recomenda que o uso de máscaras e evitar aglomerações especialmente em ambiente fechado ajuda a conter a disseminação.  
As vacinas ajudam, mas ainda é cedo para atribuir redução dos casos aos efeitos dos imunizantes - especialmente do chinês que depende de duas doses e sempre coloca uma pulga atrás da orelha = só após testar sua vacina no Brasil a China liberou para uso geral em seu território.???]
 
Recomendamos:  A OMS na China
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Teste de resiliência - Alon Feuerwerker

Este ano de 2021 vai merecer um rótulo já bem usado: “decisivo”. Atravessar politicamente vivo é condição sine qua non para Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo. E vai ser um ano daqueles. Mesmo que a vacinação se prove um sucesso, seus efeitos macro só devem ser sentidos em (muitos) meses. Um período suficientemente longo para os adversários trabalharem com afinco o desgaste presidencial.

Três ameaças rondam o Palácio do Planalto. Um agravamento da Covid-19, um repique da recessão e uma instabilidade institucional. Esta última podendo vir do Legislativo ou do Judiciário. Para atravessar o ano, o presidente e seu governo precisarão mostrar capacidade operacional e política num cenário de turbulências, em que deixar o avião no piloto automático não será opção.

Sobre o agravamento dos índices da pandemia aqui no Brasil, mesmo países com vacinações muito mais agressivas enfrentam pioras de curto prazo nos índices da Covid-19. E há as novas variações do SARS-CoV-2. E junto vêm a dúvida sobre se as vacinas produzidas a partir do vírus “velho” servem para combater os novos. Ou quanto tempo levará para adaptar os imunizantes, se isso for necessário para serem eficazes contra as novas variantes.

A segunda onda da Covid-19 terá necessariamente impacto na economia. Pois a reação natural das autoridades locais vai ser apertar o torniquete do isolamento e do distanciamento sociais. Haverá reação popular, então podem-se prever movimentos de sístole e diástole, por um período em que a única certeza será a incerteza sobre que medida governadores e prefeitos vão tomar no dia seguinte ao anúncio de novos números.[com a incompetência e insegurança dos governos estaduais e municipais, haverá um momento em que uma coordenação central, unificada se tornará indispensável. Judiciário e Legislativo não são os adequados para coordenar - o primeiro se perde em contradições, recuos (o decidido pela manhã já não vale à noite e as decisão da tarde não resiste ao transcurso de uma noite) e o segundo tumultua.]
E tem o fim do auxílio emergencial e demais medidas protetoras da economia popular na pandemia. 
Aqui, é previsível o Congresso Nacional recriar algo parecido. 
Mas os parlamentares tentarão impedir que Jair Bolsonaro, ao contrário da vez anterior, fature politicamente sozinho as benesses para o povão. A dúvida?  
Qual será a reação do mercado financeiro a um eventual furo no teto de gastos?

E a chacoalhada institucional? Ela estará contratada se os candidatos apoiados pelo presidente não vencerem as disputas pelo comando das duas Casas do Congresso Nacional. Principalmente da Câmara dos Deputados. Saberemos em dias o que vai acontecer. Mesmo vitórias oficialistas não devem impedir que a oposição, agora anabolizada pela aliança entre a esquerda e a direita não bolsonarista de olho em 2022, coloque minas prontas a explodir no campo presidencial.

Se Jair Bolsonaro sair vitorioso das votações do dia 1º, poderá contar com a pressão do empresariado para o Legislativo voltar a dar foco à agenda liberal, em vez de paralisar-se numa guerra política sem solução de curto prazo. Já os políticos, mais ainda os que disputam com o presidente o apoio do establishment, têm planos próprios e não vão dar trégua.  Também por saberem que Bolsonaro mostrou em ocasiões anteriores resiliência, capacidade de voltar à forma e ao tamanho originais depois de uma crise.
E talvez ele nunca tenha precisado tanto disso quanto vai precisar agora.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Soft power - O mar, os rochedos e o marisco

Análise Política

A aguda demanda global por vacinas anti-Covid-19 é uma bela oportunidade para o exercício do soft power. Mas mesmo isso tem um limite: a óbvia premência de os países produtores atenderem em primeiro lugar suas próprias populações. Ter amigos mundo afora é sempre bom, essencial até, mas quem coloca ou derruba os governos são em última instância seus próprios povos.

Porém a oportunidade de soft power é real, e vem sendo mais bem aproveitada por três jogadores: Índia, Rússia e China. E o motor fundamental nessa disputa em escala mundial é a capacidade de fornecer vacinas na quantidade e velocidade desejadas, diante das circunstâncias. A partir daí, talvez seja precipitado achar que esses países vão sonegar o imunizante para fazer política (leia).

Mais provável é os três concorrerem entre si para ver quem faz mais amigos mundo afora com a vacina.  E a janela de oportunidade está aberta também pela situação do presidente americano hoje empossado, Joe Biden. O principal desafio dele no curto prazo é vacinar em massa nos Estados Unidos, país mais afetado em números absolutos pelo SARS-Cov-2. Não é demais suspeitar que ele vai gastar pelo menos uns 20 a 25% deste mandato quebrando a cabeça em torno do assunto.
E segurando o que puder de vacinas para aplicar lá mesmo.
 
O mar, os rochedos e o marisco
Segundo a Reuters, a Índia começa amanhã exportar a vacina AstraZeneca/Oxford para países que contrataram o imunizante. Começando por Brasil e Marrocos. Na sequência, África do Sul e Arábia Saudita. É a boa notícia do dia (leia).

Todo esse episódio das vacinas para a Covid-19 deveria levantar um debate. Já faz algum tempo, os países depositam a segurança do abastecimento farmacêutico na conta da neutralidade da divisão técnica internacional do trabalho. Faz sentido economicamente. O problema é que a geopolítica não segue estritos critérios econômicos, ainda mais em tempos de fricção crescente entre as potências pela hegemonia planetária. Por isso, recordando o antigo adágio, vem o risco de na briga entre o mar e os rochedos quem acabar se dando mal é o marisco.

[outro que vai se dar mal - aliás, fracassar é seu destino - é o Joãozinho, o Doria.
Sem que o presidente Bolsonaro necessite mover uma palha que seja - aliás, o presidente é acusado pelos seus inimigos de ser omisso; se houve alguma omissão foi por imposição, não por desejo do presidente.
O Doria via ficar desmoralizado e conhecido como o homem que prometeu vacinar e não cumpriu o prometido.
 
Nada temos contra as vacinas  - reafirmamos que muitos dos nossos passaram de século e milênio, saudáveis, pela dádiva Divina das vacinas que recebemos há algumas dezenas de anos.  
Porém, todos reconhecem que a vacina do governador paulista é um pouco enrolada. Não duvidamos de sua segurança e eficácia, mas a maioria há de concordar que é melhor em 100 vacinados 78 ganharem imunidade do que em 100 apenas 50 ficarem imunes. 
 
Um  outro complicador é que a vacina da Fiocruz depende do IFA que está na China, mas na fábrica da AstraZeneca/Oxford, que tem o compromisso com o Brasil de enviar o IFA ou a vacina pronta.
Já o IFA da vacina chinesa/Butantan  está na China, só que em uma fábrica chinesa.
Foi brilhante o ilustre articulista quando lembra:
"Mais provável é os três concorrerem entre si para ver quem faz mais amigos mundo afora com a vacina."]

Não dá para cada país produzir tudo do que precisa, é lógico. Mas tampouco é razoável que países da dimensão do nosso sejam tão dependentes de importar coisas tão estratégicas. Infelizmente, é mais uma consequência de quase quatro décadas de desindustrialização. Ou, pelo menos, de falta de atenção à industrialização.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Lição de Brasil - Alon Feuerwerker

Análise Política

De vez em quando é preciso ser otimista. E hoje é um dia assim. Depois da espera, não um, mas dois registros de vacinas contra a Covid-19 foram pedidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Da CoronaVac, parceria entre a chinesa Sinovac e o Butantan, e da AstraZeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz. A primeira é a aposta do governo de São Paulo (João Doria).[o pedido da primeira já começou a apresentar defeitos - os que tem sido a regra desde os primeiros passos = documentação incompleta.] A segunda é a aposta principal do governo federal (Jair Bolsonaro).

Está instalada a competição, começou a corrida. Em disputa, não apenas os imunizantes, mas a estrutura e os instrumentos, principalmente as seringas. Quem vai ganhar ao final? Quem mais eficazmente realizar a missão nos próximos meses. E a vacina que se provar mais efetiva no essencial: imunizar a população contra o SARS-CoV-2, inclusive suas novas variantes. Restam dúvidas? Que sejam esclarecidas pela Anvisa, perfeitamente equipada para tanto.

O episódio é mais uma lição de Brasil. Sobre nosso país, nunca convém otimismo excessivo sobre as possibilidades, mas tampouco é conveniente ceder ao catastrofismo. É o caso agora. A Covid-19 não vai desaparecer num passe de mágica por aqui, mas não seria sensato supor que ficaríamos para trás enquanto o mundo todo já estivesse se vacinando em massa.

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político